Correlações entre Fatores do Desempenho e Ação Pianística Uma Perspectiva Interdisciplinar Maria Bernardete Castelan Póvoas (Universidade do Estado de Santa Catarina) Resumo A ação pianística está sujeita a competências no âmbito da música e, como ação físico-motora, depende de movimentos corporais cuja operacionalização depende da intervenção de fatores do desempenho. Nesta comunicação são apresentadas relações interdisciplinares entre aspectos inerentes aos fatores do desempenho (Rasch, 1991) coordenação e flexibilidade, propondo-se sua integração e associação aos resultados técnico-musicais durante a prática instrumental. Tem origem em argumentos por nós apresentados (Póvoas,1999) e, como referencial, o pressuposto de que o desempenho humano é a expressão de vários componentes denominados fatores do desempenho (Rasch, 1991: p.183). Os objectivos concentram-se no levantamento de argumentos referentes aos citados fatores e sua correlação com aspectos da técnica. Os pressupostos teóricos e metodológicos são interdisciplinares, de áreas que tratam do movimento humano e da técnica instrumental, entre outras matérias que orientam o estabelecimento de relações entre fatores do desempenho e acção pianística no treinamento de situações musicais específicas. Aspectos teóricos e discussão Desde o início do aprendizado do piano, leitura e concepção musical não prescindem do trabalho consciente dos movimentos necessários a cada nova situação de execução. O controle do movimento, sempre adequado ao design da obra em estudo, permite seu ajuste às experiências subseqüentes. A coordenação, na atividade humana é a harmonização de todos os processos parciais do ato motor em vista do objetivo, da meta a ser alcançada pela execução do movimento (Meinel, 1987: p.2). Quer dizer, literalmente, ordenar junto e, dependendo da atividade em que se aplica, o significado desta ordenação se altera. Este fator está presente em todas as ações motoras e influi na agilidade (Moreira, 2000). O termo habilidade serve para designar uma tarefa com uma finalidade específica a ser atingida, portanto, voluntária (Magill, 2000), é o elemento da atividade que capacita o executante a realizar um movimento com uma meta desejada em mente. Quanto maiores forem o controle e a perfeição com que as ações motoras são treinadas e assimiladas,
ao nível de domínio ou integração interna, maiores serão as possibilidade de que se tornem independentes do ambiente (Kaplan, 1987; Knapp, 1989; Rasch, 1991). A habilidade motora é parte integrante da prática pianística que necessita de movimentos voluntários para atingir sua meta, a realização sonora utilizando-se, sobretudo, da habilidade motora fina. Esta requer o controle de pequenos músculos das mãos e dedos, e um alto grau de precisão para tocar as teclas certas, na seqüência e tempo corretos. A coordenação envolve a ação de várias articulações e pequenos movimentos que se manifestam simultaneamente com o movimento básico (Santos, 2002). Coordenação e flexibilidade articulares são fatores altamente específicos para o desempenho e variam de acordo com as características da atividade. Sinônimo da amplitude do movimento articular, a flexibilidade é um termo qualitativo, representa o grau de mobilidade de uma articulação e as diversas direções do movimento que ela apresenta e está relacionada a diversos fatores, entre eles, o biótipo, sexo, idade, estrutura óssea e articular (Rasch, 1991). Embora a flexibilidade seja um fator preponderante na ação pianística, exercícios que levam as articulações além do seu arco de movimento podem causar lesão ao comprimir uma base óssea sobre outra, além de provocarem tensão muscular e estiramento nos tendões (Sakai, 2006). Fink (1997) refere-se à flexibilidade e enfatiza a necessidade de uma atenção especial sobre o que denomina de movimentos fundamentais durante a prática. A certeza em realizar, reduzir o tempo de um movimento e de minimizar o gasto de energia, são qualidades de proficiência da habilidade motora, o que torna a qualidade do movimento determinante para o seu sucesso. (Schmidt & Craig, 2001). Os hábitos, produto final da aprendizagem motora, refletem o resultado de atos voluntários transformados em automatismos. Segundo Kaplan (1987: p.45), do ponto de vista da execução instrumental, a aquisição e posterior reorganização dos hábitos constituem-se na base para a construção da técnica. Hábitos motores corretos, a partir da individualização de movimentos primários para depois reorganizá-los, permitem ao pianista direcionar sua atenção aos movimentos segmentados e aprendizado do conteúdo musical específico para cada mão, constituindo-se em habilidades essenciais à execução de movimentos complexos. Este tipo de treinamento é eficaz e simplifica os conceitos intelectuais e a coordenação motora (Knapp, 1989; Maggil, 2000).
Método Com o objetivo de avaliar e comparar a trajetória nas coordenadas x, y e z do movimento realizado por dois grupos de seis (06) sujeitos (experimental- GE e controle- GC), formados por alunos do curso de Bacharelado em Piano da UDESC, durante a execução de trechos do prelúdio 18 de Chopin, foi realizado um experimento biomecânico. Buscou-se avaliar se o conhecimento e a prática, conforme a orientação aplicada ao GE que incluía a observação de aspectos inerentes aos fatores do desempenho aliada à aplicação dos ciclos de movimento, poderia contribuir para otimizar a execução pianística. O GC pode executar o(s) trecho(s) conforme seus próprios conhecimentos, com possibilidade de orientação. O experimento constou da aquisição de imagens da execução pianística dos sujeitos, análise dos dados obtidos e comparação dos resultados entre os grupos. O estudo foi realizado com o auxílio de software específico para captação de imagens e descrição de dados biomecânicos, utilizando-se a cinemetria como método de análise, no Laboratório de Biomecânica do Centro de Educação Física, CEFID-UDESC. Conforme a trajetória indicada na Figura 1, para a realização deste trecho o movimento segue no sentido parabólico e paralelo para os segmentos direito e esquerdo (braços e mãos). No compasso [15], por exemplo, cada ciclo de movimento pode iniciar tocando-se as oitavas acentuadas (>) com um gesto para baixo e para a esquerda que serve de impulso para atingir os acordes (m.d., m.e.) em stacatto (.), seguindo-se um movimento para cima e para a direita, em arco (discreto), a partir do próprio acorde que, por sua vez, serve de impulsão para atingir a oitava seguinte. O desempenho é otimizado se os movimentos forem fluentes, evitando-se o movimento de punho para baixo na execução dos acordes que devem ser tocados na continuidade do movimento iniciado nas oitavas. O procedimento contrário causa um maior dispêndio de energia, pois aumenta a trajetória e diminui a velocidade do movimento.
Figura 1: Prelúdio 18 (compassos [14] [16]). Fonte: CHOPIN, 1996: p.37. Os resultados experimentais mostraram que a consideração de aspectos inerentes a fatores, aliada à aplicação do recurso técnico ciclos de movimento no estudo do piano, permite otimizar o desempenho, apontando para a necessidade de que mais pesquisas interdisciplinares sejam realizadas. Conclusões parciais A investigação sobre fatores do desempenho traz à tona argumentos que auxiliam no desenvolvimento de estratégias de treinamento e execução instrumental, objetivando atingir um maior rendimento do estudo em termos de tempo, de gasto energético com menor desgaste físico-muscular e aumento no índice do desempenho pianístico através do controle, aproveitamento e aprimoramento de movimentos coordenados, no sentido de torná-los mais objectivos durante o treinamento com reflexos no resultado sonoro. Bibliografia CHOPIN, Frédéric. Préludes. Munich: Henle Verlag, 1996. FINK, Seymour. Mastering Piano Technique. A Guide For Students, Teachers, And Performance. Oregon: Amadeus Press, 1997. KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Movimento, 1987. KNAPP, Bárbara. Desporto e Motricidade. São Paulo: Compendium, 1989. MAGILL, Richard A. Aprendizagem motora conceitos e aplicações. Tradução de Aracy Mendes da Costa, 2 a reimpressão. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.
MEINEL, Curt. Motricidade I: Teoria da Motricidade Esportiva sob o Aspecto Pedagógico. Tradução de Sonnhilde von der Heide. São Paulo: Ao Livro Técnico, 1987. MOREIRA, Miguel. Ludens Ciências do Desporto: V.16, n.4, Out. - Dez. 2000, p. 25-28. PÓVOAS, Maria Bernardete Castelan. Princípio da Relação e Regulação do Impulso- Movimento. Possíveis Reflexos na Ação Pianística. Tese de Doutorado, 1999, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. RASCH, Philip J. Cinesiologia e Anatomia Aplicada. Tradução de Marcio Moacyr de Vasconcelos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. SAKAI, Naotaka et al. Hand Span and Digital Motion on the Keyboard: Concerns of Overuse Syndrome in Musicians. The Journal of Hand Surgery: n.5, p. 830-835, 2006. SANTOS, Ângela. Biomecânica da Coordenação Motora. 2 a ed. São Paulo: Summus, 2002. SCHMIDT, Richard; WRISBERG, Craig. Aprendizagem e Performance Motora: Uma abordagem da aprendizagem baseada no problema. Tradução de Ricardo Demétrio de Souza Peterson et all. Porto Alegre: Artmed, 2001.