A Inclusão Digital como Tecnologia de Transformação Social no Meio Rural Digital Inclusion as a Technology for Social Transformation in Rural Areas



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Transcrição:

A Inclusão Digital como Tecnologia de Transformação Social no Meio Rural Digital Inclusion as a Technology for Social Transformation in Rural Areas Fábio Nauras Akhras, Doutor Mariana Pontes de França, Graduada Kilma Russana Souza Alves, Graduada Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI) fabio.akhras@cti.gov.br; marapfranca@gmail.com; kilmarussana@hotmail.com Resumo: Este artigo descreve um projeto de inclusão digital para a transformação social que vem sendo desenvolvido em comunidades de agricultura familiar e de assentados da reforma agrária, no Semiárido Paraibano. O projeto é baseado em uma metodologia de inclusão digital contextualizada, em que o aprendizado para inclusão digital é situado no contexto social dos estudantes e professores e é baseado em atividades autênticas de criação de conteúdos para a internet que são significativos para a discussão desse contexto social. Com isso, estudantes e professores aprendem a utilizar a internet não apenas como simples usuários, mas criando conteúdos para expressar aspectos relevantes dos seus contextos social e escolar. Isso faz com que o aprendizado para a inclusão digital seja muito mais um aprendizado para participar de uma comunidade de conhecimento e promover transformação social do que para adquirir um corpo de conhecimento. O principal resultado do projeto é tornar os estudantes e professores construtores dos conteúdos que são relevantes para a inclusão social da sua comunidade, aumentando a relevância social e os ganhos do programa de inclusão digital, e ampliando as possibilidades da comunidade obter inclusão social a partir da inclusão digital. Palavras-chave: inclusão digital contextualizada, criação de portal, audiovisual, inclusão social Abstract: This paper describes a project of digital inclusion for social transformation which has been developed in communities of agricultural families and settlers of agricultural reform, in the semiarid region of Paraiba. The project is based on a methodology of contextualized digital inclusion in which learning for digital inclusion is situated in the social context of students and teachers, and is based on authentic activities of creating content for the internet that are meaningful for the discussion of this social context. Therefore, students and teachers learn to use the internet not only as simple users but creating content to express relevant aspects of their social and school contexts. This makes learning for digital inclusion much more a learning to participate in a community of knowledge than a learning to acquire a body ok knowledge. The main result of the projects is to turn the students into the constructors of the internet content that is relevant for the social inclusion of their communities, increasing the social relevance of the digital inclusion program and improving the possibilities of the community to achieve social inclusion from digital inclusion. Keywords: contextualized digital inclusion, portal creation, audiovisual, social inclusion 1

1 Introdução A crescente informatização da sociedade conecta o social com o digital de muitas maneiras, e evidencia cada vez mais o potencial das tecnologias da informação e comunicação para promover o desenvolvimento e a inclusão social, tornando necessário que se amplie o alcance dos programas de inclusão digital, superando as barreiras da falta de infraestutura, para que atinjam as regiões mais carentes do país e, com isso, contribuam para promover inclusão social nessas regiões. Além disso, essas tecnologias tem permitido o surgimento de novas visões de sociedade e novos modelos de interação, geração de conhecimento e participação social que devem ser disseminados para toda a população. Por outro lado, estudos sobre o grau de desenvolvimento da sociedade da informação, com foco nas oportunidades para a sociedade em rede, mostram que o desenvolvimento da sociedade da informação no Brasil tem sido mais lento do que em outros países, que tem explorado mais efetivamente a utilização da internet como meio de desenvolvimento. Além disso, com a elevação dos índices de acesso à internet em muitos países, um índice que vem sendo considerado como medida do uso da informática para o desenvolvimento é a capacidade dos países de incorporação na sociedade de meios de aprendizado baseados no uso da internet. Entretanto, estudos recentes mostram que no Brasil essa capacidade ainda é muito baixa comparada a outros países (NAZARENO, BOCCHINO, MENDES; FILHO, 2006). Para desenvolver no pais a capacidade de incorporar na sociedade meios efetivos de aprendizado baseados no uso da internet, é necessário promover uma maior inserção da sociedade nos meios digitais, e ser capaz de promover um aprendizado para inclusão digital que gere aprendizes independentes (AKHRAS, 2009). Assim, a inclusão social para ser efetiva tem que envolver várias formas de inclusão digital. Entretanto, o acesso às tecnologias da informação e comunicação ainda é muito limitado para uma grande parcela da sociedade brasileira. Por outro lado, promover o acesso às tecnologias da informação e comunicação é apenas um passo em termos de gerar inclusão social a partir da inclusão digital. Para gerar ganhos sociais mais efetivos, a inclusão digital deve ser integrada a contextos sociais mais amplos e ser baseada no desenvolvimento de projetos de maior alcance, em que o aprendizado para a inclusão digital seja visto muito mais como um aprendizado para participar de uma comunidade de conhecimento e promover transformação social do que para adquirir um corpo de conhecimento. Enquanto que programas de inclusão digital tendem a focar mais especificamente na capacitação das pessoas para o uso de computadores e da internet, e enfatizam a necessidade de infraestrutura para 2

a instalação de recursos computacionais, gerando com isso mais exclusão, pois os contextos sociais mais carentes são justamente os que dispõe de menos possibilidades de infraestrutura, a metodologia de inclusão digital contextualizada, que é a base para este trabalho, segue uma perspectiva totalmente diferente, fundamentada em teorias contemporâneas de aprendizado (AKHRAS, 2009; AKHRAS; DE REZENDE, 2009; AKHRAS; FRANÇA, 2010). De acordo com a metodologia de inclusão digital contextualizada, o aprendizado para inclusão digital é situado no contexto social dos estudantes e é baseado em atividades autênticas de desenvolvimento de projetos para a internet que são significativos nesse contexto social. Com isso, as crianças e jovens aprendem a utilizar a internet não apenas como simples usuários, mas criando conteúdos para expressar aspectos relevantes do seu contexto social. Isso torna possível conectar inclusão digital com inclusão social, possibilitando que populações menos favorecidas ampliem sua capacidade de obter inclusão social a partir da inclusão digital, e gerando formas auto-sustentadas de desenvolvimento social para o país (AKHRAS, 2011). Essa metodologia vem sendo utilizada em um projeto voltado para levar a inclusão digital a comunidades rurais do semi-árido Paraibano, que tem pouquíssima possibilidade de ter acesso à computadores, pela ausência nessas comunidades da infra-estrutura exigida pelos programas de inclusão digital existentes para a implantaçao de laboratórios de informática. Com base nessa metodologia, um projeto piloto de inclusão digital contextualizada vem sendo desenvolvido em comunidades de agricultura familiar e de assentamentos de reforma agrária nos municípios de Picuí e Remígio, na Paraíba. A seguir será apresentada a fundamentação teórica para a metodologia de inclusão digital contextualizada e, nas próximas sessões será descrita a aplicação da metodologia. 2 Fundamentação Teórica para a Inclusão Digital Contextualizada A fundamentação teórico-metodológica para o desenvolvimento deste programa de inclusão digital contextualizada vem de teorias contemporâneas de aprendizado, que enfatizam o papel do contexto social no aprendizado e apontam para a necessidade do aprendizado se desenvolver em situações autênticas. De acordo com essas teorias, o contexto social da situação na qual o aprendizado ocorre é parte inseparável do que é aprendido na situação, e é o que torna significativo o aprendizado naquela situação. Essas teorias também destacam o papel central da atividade construtiva para um aprendizado significativo. 3

Além disso, essas teorias têm enfatizado a natureza social do aprendizado (VYGOTSKY, 1978; PALINCSAR, 1998). Processos de participação, mediação e interação em comunidade são algumas das noções que resultam da visão de aprendizado como um processo social. De acordo com uma perspectiva de aprendizado socialmente situado, aprender é uma questão de desenvolver a capacidade de atuar como membro da comunidade na qual um conhecimento é significativo, participando e construindo uma identidade nessa comunidade (BROWN, COLLINS; DUGUID, 1989; LAVE; WENGER, 1991; GREENO, 1998). Desse modo, para prover um ambiente produtivo para o aprendizado, o contexto social das atividades de aprendizado bem como o conteúdo e a dinâmica dessas atividades, são aspectos que devem ser cuidadosamente considerados na elaboração do ambiente de aprendizado. Por exemplo, estudos que compararam as condições em que o aprendizado ocorre na escola com as condições que estão presentes quando o aprendizado ocorre fora da escola evidenciaram a importância de se aprender em situações autênticas (RESNICK, 1987). Situações autênticas são situações de aprendizado que levam em consideração as atividades que são desenvolvidas nas situações da vida real onde o conhecimento a ser aprendido se aplica, possibilitando que os estudantes compreendam o poder gerativo dos ítens de conhecimento que estão aprendendo, ao invés de aprender apenas o que são esses ítens de conhecimento (GREENO, 1989; BROWN, COLLINS; DUGUID, 1989; BEDNAR, CUNNINGHAM, DUFFY; PERRY, 1992). A perspectiva teórica que fundamenta este programa está alinhada com essas visões de aprendizado, que apontam para o desenvolvimento de um modelo de aprendizado para inclusão digital em que esse aprendizado ocorre em situações autênticas (AKHRAS, 2009). Nessas situações, os estudantes aprendem uma linguagem da internet e meios de expressar informações nessa linguagem, através do desenvolvimento de projetos para a internet que abordam problemas reais da sua comunidade, resultando em um aprendizado construtivo e autêntico. Um dos aspectos que caracterizam esses projetos é o uso de audiovisuais, que contribui para representar aspectos do contexto (físico, social e cultural) de forma mais efetiva. Isso leva os estudantes a utilizar a internet não apenas para acessar conteúdos, mas criando conteúdos, tendo como característica central a representação e discussão do seu contexto social. Isso amplia a relevância social e os ganhos do programa de inclusão digital, criando meios para a transformação social da comunidade a partir da inclusão digital. Através da discussão das situações que são retratadas nos produtos audiovisuais que compõem o conteúdo dos portais desenvolvidos pelos estudantes no programa de inclusão digital, os estudantes tem a oportunidade de explorar formas de expressar suas visões sobre as questões discutidas nos portais que 4

estarão criando. Com isso, o programa de inclusão digital contextualizada oferece um ambiente construtivo e autêntico para a discussão de questões associadas ao contexto social dos estudantes. 3 O Programa de Inclusão Digital Contextualizada em Comunidades Rurais Um programa piloto de inclusão digital contextualizada está sendo desenvolvido na escola rural de Picuí e em uma escola de alunos provenientes de asssentamentos da reforma agrária. Na primeira, o programa de inclusão digital envolve a participação de alunos e professores. Na primeira fase, alunos e professores estão sendo capacitados na linguagem HTML para a criação de sites para a internet (como esses computadores da escola não tem acesso à internet, os sites são criados apenas para acesso local). O objetivo é torná-los capazes de se expressar nesse tipo de linguagem (linguagem de marcação baseada em tags), que é o tipo de linguagem utilizada para criar conteúdos para a internet. A idéia é torná-los criadores de conteúdo para a internet independentes, já que a linguagem HTML é uma linguagem simples e livre, e permite explorar várias estruturas e mídias para expressar os conteúdos (como: texto, imagem, vídeo e links de navegação). Um aspecto importante dessa independência é que criando conteúdos para a internet sobre temas relevantes para a inclusão social da sua comunidade, os estudantes se tornam autores do conhecimento que será capaz de transformar a vida da sua comunidade, e isso traz empoderamento. Com isso, alunos e professores vão adquirir mais do que uma alfabetização digital, vão adquirir uma alfabetização nos meios de expressar informações para a internet, além de outras alfabetizações, como a de elaborar formas de expressar o seu contexto social na internet, e assim aprender a discutir esse contexto social. Além disso, os portais que são criados nos projetos dos alunos e professores visam ser pilotos de portais de aprendizado em temas relevantes para a comunidade. Com isso, estudantes e professores adquirem também uma alfabetização nos meios de aprendizado pela internet, que também envolve a questão de representar conhecimento no ambiente midiático da internet (AKHRAS, 2009). Nesta fase estão participando 22 alunos, entre 10 e 14 anos, divididos em quatro turmas, e em torno de 12 professores. Esta fase está atualmente em andamento (Figura 1). 5

Figura 1 - Curso de HTML na escola rural de Picuí Na segunda fase do projeto na escola rural de Picuí, capacitados na linguagem HTML os alunos desenvolverão projetos de inclusão digital com foco na criação de protótipos de portais de aprendizado baseados em recursos audiovisuais, abordando temas do seu contexto social. Com isso, o objetivo principal é permitir que os estudantes se envolvam em um processo de discussão do seu contexto social através da criação de conteúdos multimídia para a internet, utilizando audiovisuais que eles ajudarão a produzir. Nesta fase, a discussão dos temas do contexto social dos estudantes envolverá a interação com os vários agentes envolvidos nas questões sociais abordadas, incluindo os agricultores e demais membros da comunidade, ou de fora dela. Também na segunda fase, após capacitados na linguagem HTML, os professores da escola rural desenvolverão projetos de inclusão digital que abordarão a criação de conteúdos para protótipos de portais de aprendizado baseados em recursos audiovisuais explorando temas do contexto escolar. Com isso, o objetivo é envolver os professores em um processo similar ao dos estudantes, mas com foco na criação de conteúdos multimídia para a internet que abordarão os temas que os professores ensinam na escola. Isso será feito segundo uma perspectiva de educação contextualizada, que permite ancorar a discussão dos temas escolares no contexto da comunidade, além de facilitar a geração de audiovisuais sobre esses temas. Para a criação de conteúdos para os portais de aprendizado é feita uma análise do contexto social, em conjunto com os alunos, para identificação dos temas sociais relevantes, incluindo representações visuais desses temas, que serão alvo da produção de audiovisuais. São também identificadas e analisadas as interações sociais que ocorrem nesse contexto. Paralelamente, é feita uma análise do contexto escolar, em conjunto com os professores, para consideração dos temas escolares, incluindo representações visuais desses temas no contexto da 6

comunidade, para a produção dos audiovisuais. São também identificadas as interações que ocorrem no contexto escolar e a sua relação com o contexto social. Toda essa análise é orientada para a criação de conteúdos e funcionalidades para um portal de aprendizado abordando esses temas, possibilitando uma análise dessas questões segundo estéticas dos meios digitais. Com isso, o resultado desta segunda fase do programa é uma análise audiovisual do contexto social e do contexto escolar das comunidades. Além de explorar o contexto de comunidades de agricultura familiar tradicional, que é o foco do programa de inclusão digital que está sendo desenvolvido em Picuí, o projeto também aborda o contexto de comunidades de assentamentos de reforma agrária, com um programa de inclusão digital contextualizada que está sendo desenvolvido em uma escola que fica na periferia de Remígio e recebe alunos de assentamentos da reforma agrária. Essa escola de periferia é candidata a receber computadores, mas a falta de infraestrutura física tem impossibilitado que isso aconteça. Então, quando foi possível adquirir alguns computadores netbook com recursos do CNPq, já estava no último mês do ano, e realizamos apenas uma oficina de inclusão digital contextualizada nessa escola, que serviria como introdução para a realização do projeto no ano seguinte. Nessa oficina, que teve a duração de 30 horas, 12 crianças de dois assentamentos de reforma agrária, que nunca tiveram a oportunidade de usar um computador desenvolveram portais bem simples para a internet abordando temas do seu contexto social. A figura 2 mostra um desses portais. A escolha dos temas e associação dos temas às fotos foi feita pelas crianças. A oficina incluiu uma atividade de campo em que todo o grupo visitou alguns locais dos assentamentos, e foi tirado um conjunto de fotos que foram apresentadas depois aos alunos para que escolhessem aquelas que eram representativas dos temas que queriam abordar no portal do seu projeto. Figura 2 - Oficina de inclusão digital contextualizada em Remígio 7

4 Conclusão O projeto de inclusão digital contextualizada para a transformação social de comunidades rurais visa explorar o potencial das tecnologias de mídia para promover a inclusão social. A principal característica da metodologia de inclusão digital contextualizada que vem sendo utilizada no projeto é a construção de portais de aprendizado por estudantes e professores, explorando temas do seu contexto social e escolar, utilizando representações visuais desses contextos, permitindo aos estudantes e professores lidar com questões desses contextos em atividades construtivas de desenvolvimento de projetos que serão parte do seu aprendizado para inclusão digital. Parte dessas atividades é a produção e uso de audiovisuais sobre temas desses contextos, com a participação de estudantes e professores, para gerar representações audiovisuais para os portais de aprendizado. Isso possibilitará que estudantes e professores discutam os seus contextos social e escolar, buscando formas de representá-los nos portais, e vislumbrando meios de transformá-los. Além disso, a criação desses protótipos de portais de aprendizado pode ter várias consequências futuras para a comunidade. Em uma fase posterior, o programa de inclusão digital pode ser extendido para toda a comunidade visando preparar a comunidade para o aprendizado independente através da internet. Nesta fase, os protótipos de portais de aprendizado desenvolvidos pelos estudantes evoluirão para a criação de um portal comunitário para o aprendizado de questões relevantes para o desenvolvimento social da comunidade. Esse portal se tornará uma fonte de informação e aprendizado para toda a comunidade além de se tornar um meio de conectar a comunidade com outros agentes que são relevantes para o processo de inclusão social da comunidade. Por exemplo, no caso de comunidades de agricultura familiar voltadas para a produção de oelaginosas, o portal pode ser um meio de conectar a comunidade com os outros elos da cadeia produtiva do biodiesel, proporcionando meios para ampliar a autonomia da comunidade e a sustentabilidade do processo de inclusão social. Assim, o objetivo principal do projeto é tornar a alfabetização digital o meio e o ponto de partida para outras alfabetizações necessárias para que os membros da comunidade se tornem aprendizes independentes, capazes de construir sua própria inclusão digital e social. 5 Agradecimentos O trabalho apresentado neste artigo tem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em cooperação com a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). 8

6 Referências AKHRAS, F. N. & DE REZENDE, E. D. Digital inclusion in social contexts: a perspective to the use of mobile tecnologies. In: W3C workshop on the africa perspective on the role of mobile technologies in fostering social and economic development, Maputo, Mozambique. Anais... Maputo, Mozambique, 2009, p. 1-3. AKHRAS, F. N. & FRANÇA, M. F. Inclusão digital em contextos sociais. In: VI workshop GESITI e II GESITI/SAÚDE, Campinas, Anais... Campinas, 2010, p. 1-6. AKHRAS, F. N. A learning to learn approach to digital inclusion in social contexts. In: 3rd International Idia Development Informatics Conference (IDIA 2009), South Africa, 2009. Anais... South Africa, 2009, p. 40-49. AKHRAS, F. N. Situatring learning for digital inclusion in the social contexts of communities. Journal of Community Informatics (paper accepted), 2011. BEDNAR, A. K., CUNNINGHAM, D., DUFFY, T. M. & PERRY, J. D. Theory into practice: how do we link? In: DUFFY, T. M. and JONASSEN, D. H. (eds.), Constructivism and the Technology of Instruction: a Conversation, Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1992, p. 17-34. BROWN, J. S., COLLINS, A. & DUGUID, P. Educational Researcher, v. 18, n. 1, 1989, p. 32-42. Situated cognition and the culture of learning. GREENO, J. G. A perspective on thinking. American Psychologist, v. 44, n. 2, 1989, p. 134-141. GREENO, J. The situativity of knowing, learning, and research. American Psychologist, v. 53, n. 1, 1998, p. 5-26. LAVE, J., & WENGER, E. Situated learning: Legitimate pheripheral participation. Cambridge, England: Cambridge University Press, 1991. NAZARENO, C.; BOCCHINO, E. V.; MENDES, F. L. & FILHO, J. S. P. Tecnologias da Informação e Sociedade: o Panorama Brasileiro, Brasília:Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 187p. (Série temas de interesse do legislativo ; n. 9), 2006. PALINCSAR, A. S. Social constructivist perspectives on teaching and learning. Annual Review of Psychology, v. 49, 1998, p. 345-375. 9

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