TOXICOMANIA E MAL-ESTAR NA ADOLESCÊNCIA: SAÍDA PELA VIA DO SINTOMA.



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Transcrição:

TOXICOMANIA E MAL-ESTAR NA ADOLESCÊNCIA: SAÍDA PELA VIA DO SINTOMA. Marcus Vinícius Ximenes Rocha 1 ; Carla Renata Braga de Souza 2 ; Rossana Teixeira Vaz Borja 3. Orientador: Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro 4. 1- Granduando em Psicologia pela Universidade de Fortaleza- UNIFOR e bolsista de CNPQ, integrante do LABIO Laboratório sobre as novas formas de inscrição do objeto ; 2 Psicóloga, mestranda em Psicologia pela UNIFOR, integrante do LABIO; 3 Graduanda em psicologia pela UNIFOR, integrante do LABIO; 4 Psicanalista. Doutor em fundamentos y desarrollos psicoanalíticos (UPCO-Madrid). Professor titular e Coordenador do Mestrado em Psicologia da UNIFOR. Coordenador do LABIO e do CLIO Clínica do Objeto. Membro do GT Psicopatologia e Psicanálise da ANPEPP. Pesquisador da Associação Universitária de Pesquisadores em Psicopatologia Fundamental AUPPF. Endereço para correspondência: Rua Eng.João Nogueira 591. Carlito Pamplona Cep:60335-140 Fortaleza-CE marcusximenes_@hotmail.com RESUMO Este trabalho visa relacionar, conceitualmente, as peculiaridades do sujeito adolescente frente aos imperativos do discurso do consumo. Discute a toxicomania como uma das saídas para o mal-estar ocasionado pelo empobrecimento dos laçossociais e pela tentativa de obtenção de um gozo perdido a partir do processo adolescente. As análises apontam que o sintoma é construído pelo adolescente para responder as convocatórias de tal discurso, no qual o objeto droga ganha status de objeto do desejo repercutindo sobre o corpo. Descritores: Adolescência. Toxicomania. Gozo. Sintoma. Laço Social

INTRODUÇÃO Freud (1905) trabalha com as peculiaridades do período o qual denominou puberdade, esta marcada pelas transformações repentinas e drásticas no que diz respeito ao corpo e ao subjetivo. O sujeito se vê submerso numa carga de tensão, onde as pulsões auto-eróticas da vida infantil passam a investir em outros objetos, em outras palavras, passa a ser altruísta. A adolescência, segundo Rassial (2002), é caracterizada como um estado limite, onde o Outro entra em crise, ou seja, o sujeito adolescente não acredita mais na garantia de seu gozo, seus referenciais estruturantes estão fragilizados. Nesse período o sujeito é convocado a assumir outra posição subjetiva para, então, fazer-se atuante na sociedade, tais circunstâncias geram angústia devido ao comparecimento da puberdade que exige uma representação simbólica. É quando a angústia irrompe deixando o sujeito sem suporte significante, como pontua Alberti (1996, p.41) o adolescente descobre a relação sexual como impossível: as fantasias sexuais o afastam cada vez mais dela, pois o objeto desde o primeiro encontra com o sexo revela-se cada vez mais inadequado à completude do Outro. Essa falência nas representações se apresenta sob a forma de sintoma, onde o psiquismo é chamado a dar conta de determinadas intensidades e o sujeito nunca está preparado para lidar com essa força pulsional que surge e exige um destino semiótico. Esses sintomas podem representar o mal-estar próprio do processo adolescente que se acentua pelas práticas discursivas vigente na contemporaneidade, marcado por imperativos consumistas que tentam se apropriar de um resto. Examinaremos na obra Que Narciso é esse? em Carneiro (2007), o modo pelo qual o Senhor Mercado afeta as referências míticas do adolescente, uma vez que esse Outro gozador se revela como um

amo sem rosto, que só ordena que o sujeito goze. Nesse contexto, discutiremos a entrada em cena do objeto droga e suas repercussões sobre o corpo e nos laços sociais. Por fim seguiremos discutindo o sintoma construído pelo sujeito adolescente como via de amarração simbólica diante do vazio do objeto perdido, evitando que este se aproxime de algo da ordem do mortífero. A partir daí seguimos a trilha da toxicomania como uma das saídas encontradas para o mal-estar na adolescência e pelo discurso do consumo instaurado em nossa cultura ocidental. Adolescência e sua carga histórica O discurso dominante que circunda as instituições e todo seu aparato social nos leva a crer em uma visão ideologizada de que o adolescente é um ser inapropriado para lidar com seus excessos, fazendo-se necessário uma diligência na tentativa de contê-lo. O discurso contemporâneo sobre o sujeito adolescente traz toda uma carga social-histórica construída a partir de práticas discursivas e de seus modos de disseminações pedagógicos. Essa trama discursiva foi engendrada a partir de modelos coercitivos desenvolvidos historicamente e consolidados em meados do século XIX a partir do desenvolvimento das sociedades industriais, desta forma, o corpo passa a ser dominado a partir de mecanismos de controle cuja finalidade seria de adestrar, reformar e disciplinar para ser submetido aos aparelhos de produção, como pontua Foucault: A história da penalidade, no começo do século XIX, não diz respeito essencialmente a uma história das idéias morais; é um capítulo na história do corpo. Ou, digamos de outra maneira: ao interrogar as idéias morais a partir da prática e das instituições penais, descobre-se que a evolução da moral é, antes de tudo, a história dos corpos. (Foucault, 1982, p.41) Assim muito dessa herança advém de um modelo de estrutura familiar próprio da classe trabalhadora industrial na Europa do século XIX. Esse período foi marcado pelo deslocamento de um campesinato influenciado por tendências modernizadoras de

uma ascendente industrialização que impôs aos mesmos condições de vida extremamente desumanas, onde todos os membros da família, inclusive as crianças e as mulheres, tinham que trabalhar por cerca de 14 horas diárias para garantir a sua subsistência. Os jovens da época passaram a ser vistos como ameaça para a classe dominante, devido ao grande número que saíam de casa e que passavam a trabalhar nas fábricas, questionando certos tratos e modos de trabalho vigentes na época, o que contribuiu para que os mesmos passassem a ser vistos como delinqüentes: Os jovens de ambos os sexos afirmavam cedo sua independência dos pais. Grupos formados por adolescentes proletários tornaram-se uma grande preocupação para ala liberal da classe dominante, que inventou a expressão delinqüência juvenil (Poster,1979,p210). Para a psicanálise, o sujeito independente do curso de vida em que se encontra, é um sujeito que sofre e que trás consigo um discurso único e singular, portanto é ir de encontro a esse estigma construído historicamente. Freud (1987) nos revela um aparelho psíquico como patológico em sua origem, isto é, sempre revestido por uma grande quota de energia, de tensão que nos põe numa referência a desmesura. O modo como cada adolescente lida com essas intempestuosidades está ligado a sua formação narcísica num estágio primitivo, onde a estrutura do Eu possa oferecer uma solidez, embora não seja o bastante para que este se abstenha. O lugar que o sujeito ocupa frente a sua família e a outros laços sociais construídos fora irá exercer influência direta sob suas respostas e, assim cada sujeito irá responder como puder aos imperativos de nossa cultura ocidental, caracterizada pelo discurso consumista. As práticas discursivas e seus efeitos sobre o processo adolescente.

Lipovetsky (2004) disserta sobre a pós-modernidade que surge dando mais vigor ao individualismo pautado nos dois valores essenciais instaurados pela modernidade, a liberdade e a igualdade. Essa passagem permitiu maior autonomização dos indivíduos, uma vez que as instituições se mostravam mais fluidas, as grandes ideologias estagnaram-se e os grandes projetos históricos perderam suas autoridades. A era do consumo proposto pelo capitalismo ganha o seu ápice, onde o consumo de massa não está mais restrito a classe privilegiada, ele toma conta das outras esferas da sociedade e impõe um novo ritmo para o homem pós-moderno, ritmo este orientado pela lógica consumista onde emerge uma sociedade cada vez mais voltada para o presente e as novidades que ele traz, cada vez mais tomada pela lógica da sedução, esta concebida na forma de uma hedonização da vida (Lipovetsky, 2004, p.24). O que se está produzindo de espaços em nosso momento atual, em nossa cultura, são espaços promovedores de distanciamento, em que se valoriza o individual em detrimento do social. Estamos numa época em que se tornou possível viver sem mitos, sem referências que possam dar uma sustentação simbólica e que tem a apatia e a indiferença como principais características. A indústria prega uma cultura voltada para o desregramento, pois não existe mais obrigações religiosas firmes e nem instituições que ponderem esse supra poder capitalista, em contrapartida este mesmo sujeito é convocado a responder por suas paixões, ser o mais responsável e eficiente possível, além de controlar seus excessos, desmesuras e inconstâncias. Lacan (1992) trabalha com os laços sociais formados a partir da inscrição do sujeito na relação com os outros estabelecendo o advento da identificação primária com o pai. O pai surge assim como o agente responsável e determinante dos vínculos

afetivos, ele prepara o sujeito para participar do sistema social, comunitário, civilizatório. Atualmente, as instituições que desempenham essa função paterna deveriam manter a ordem, mas se encontram falhas o que torna os laços sociais fragilizados, assim as autoridades vacilam em seu papel de promoção da Lei, o que por sua vez passa a ocorrer uma dessubjetivação devido à fragilização do Outro, que deveria assegurarnos uma sustentação mítica. Diante de tantas ofertas que o mercado nos proporciona mediante uma face velada, os sujeitos passam a ser gozados e afetados em suas referências imaginária, simbólica e Real como pontua Carneiro: O grande problema que emerge dessa trama, e que nos lança num espaço de desorganização, se origina quando o Outro, que suporta esse nó de amarrações e que possui a capacidade de gerar um mito, se ausenta ou se fragmenta. Esse dado aparece também como efeito do afrouxamento das amarrações operadas sobre as referências simbólica, imaginária e real. (Carneiro, 2007, p.79) A imagem do Outro afeta a referência de imagem do sujeito, uma vez que o núcleo do Eu é o Outro, ou seja, é por meio deste que ocorre a constante atualização da imagem, todavia o discurso embutido desse Outro gozador traz implicações para os sujeitos, principalmente para o adolescente devido a sua fragilidade diante de suas reatualizações, em que este se vê obrigado a deixar de lado a segurança de quando era criança e agora parece lutar por um reconhecimento que vem pelo olhar do outro o adulto. É por meio dessa relação especular que o adolescente passa, inclusive, a reconhecer-se. Segundo Calligaris (2000), a insegurança torna-se um traço próprio do adolescente, pois este passa a enxergar uma série de exigências sociais contraditórias, como o imperativo de se tornar independente, mesmo que lhe digam não estar

preparado, já tem maturação sexual, todavia não pode assumir um relacionamento. Os adolescentes, então, tornam-se confusos quanto a sua posição e modo de agir na sociedade, isto é, qual a demanda social advinda do olhar do outro dirigida a eles e como respondê-la. Para tanto, os adolescentes estão atentos aos adultos que compõem a sociedade e são portadores da capacidade de reconhecimento tornando-se para estes o que Calligaris (2000) chama de sonhos, pesadelos ou espantalhos 1. Além disso, seguindo a mesma linha teórica, os adolescentes podem ser considerados mediante cinco categorias, formuladas através das visões que os adultos têm da posição assumida pelos adolescentes - o adolescente gregário, o delinqüente, o toxicômano, o adolescente que se enfeia e o adolescente barulhento desta maneira subdivididas, em virtude da posição que assumem para responder a demanda do outro. Interessa-nos aqui, especialmente, o chamado adolescente toxicômano, há nesta visão o laço social formado entre a droga e o adolescente, através da qual ele busca o reconhecimento social. Se o discurso vigente é de que por meio de um objeto de consumo e da satisfação com este, através de uma busca inesgotável, do reconhecimento social almejado, então ele é possuído e consumido. E o objeto droga traz o slogan de satisfação plena, embora fugaz. Enfim, a nossa cultura individualista que preza a autonomia e o sucesso profissional, que cultua a independência e a juventude, fomenta a esse sujeito a transgressão como meio de reconhecimento. 1 Calligaris (2000) destaca que embora os adolescentes precisem e busquem o reconhecimento dos adultos, aqueles também causam nos adultos as seguintes visões da adolescência: o sonho, pois são atuações dos desejos dos adultos; o pesadelo, que são desejos que deveriam estar esquecidos; e, o espentalho representando os desejos que podem voltar para se vingar de quem os reprimiu.

Mal estar na adolescência e a entrada do objeto Droga Freud (1979) aponta as substâncias tóxicas como um dos destinos que os sujeitos utilizam a fim de suavizar o sofrimento, que advém do corpo, do mundo externo e dos relacionamentos, causados também pelas normas civilizatórias que faz limite ao principio do prazer, onde a droga funciona como uma espécie de amortecedor de preocupações. Melman (1992) aborda a questão da toxicomania como sintoma social, devido não somente ao grande número de sujeitos adictos, mas sim pelo modo como esta prática passa a ser inscrita nos discursos vigentes, explicitando um sintoma que vem dizer sobre uma verdade. Porém esta verdade encontra-se apartada de um saber mítico sobre o Pharmakon 2, revela-se muito mais pelo excedente de gozo produzido pelo mercado da ciência, que padroniza e reduz os saberes ao discurso do consumo, o que vai gerar uma mudança de posição do sujeito essa nova forma de sintoma, resulta, pois, de uma transformação substancial da relação com o saber, na medida em que este é determinante para a posição do sujeito (Santiago,2001,p.61). Assim a toxicomania entra em cena na atualidade tendo algo peculiar, uma vez que os discursos dominantes mudam a cada época e conseqüentemente os laços se caracterizam de uma outra forma, marcados hoje pela vulnerabilidade,fragilidade e esfacelamento das sustentações simbólicas, o que contribui para um esvaziamento de culpa, alimentando uma certa excitação do adolescente em transgredir, passar ao ato. 2 Pharmakon: Parti-se de Fedro em que o Pharmakon passa a ser visto como droga,remédio ou veneno. Sócrates compara os textos que Fedro traz consigo a uma droga. Posteriormente os cuidados da escritura foi deixado a Theuth, um semideus, onde este apresenta a escritura ao rei dos reis, Amon, porém este rejeita e abandona.assim com o rechaço do Pai, irá lançá-lo no mundo a fim de obturar um buraco que não consegue ser fechado.

O imperativo de gozo predominante em nossa sociedade, afeta o adolescente em sua referência mítica, como já vimos anteriormente, pois limita as possibilidades representativas e põe o sujeito numa posição regressiva, ocasionando uma inflação imaginária e uma deflação simbólica. O adolescente então passa a reclamar por um referencial idealizador que antes regia sua vida infantil, porém o que este encontra é um Outro que só ordena, que nada tem a oferecer fora do mundo consumista e que cria uma ilusão de recuperação do objeto perdido.assim na falta dessa referência que ofereça um suporte significante, o objeto droga entra em cena como medida para a diminuição desse mal-estar. A linguagem, uma vez afetada, interfere nesse sujeito fixando-o num ponto do circuito pulsional, ficando numa posição de gozo. Freud em uma carta destinada a Fliess em 1897 associou a esse ato de repetição do drogadicto, como próprio do processo masturbatório, pois este fica paralisado numa posição, onde objeto droga se superpõe ao corpo, repercutindo assim na cadeia metonímica. Lipovetsky (2005) em A era do vazio caracteriza a nossa sociedade contemporânea, como sendo sem amarras, onde há cada vez mais uma desvalorização do passado, das tradições e limitações. A juventude como ideal de perfeição e vitalidade surge como algo a ser cultuado, assim o que se evita é o contato com a angústia da falta, com a pane do Outro grandioso inerente ao processo adolescente. A personalização do corpo apela para o imperativo da juventude, para a luta contra a adversidade temporal, o combate para conservar nossa identidade sem hiatos ou panes. (Lipovetsky, 2005, p. 43). As práticas discursivas vigentes levam a crer na possibilidade de viver sem falta, onde a partir dos objetos ofertados, no caso a droga, o sujeito poderá adicioná-lo ao corpo. Melman (1992) faz referência a um luto mal elaborado do toxicômano, que busca

a todo custo à obtenção de um objeto nostálgico. A toxicomania como transgressão na adolescência, denota então o mal-estar de uma dada época, cujos laços sociais se mostram esfacelados, o corpo passa a ser receptáculo dos novos significantes vigentes e o Outro que deveria sustentar simbolicamente o sujeito se mostra inconsistente, repercutindo assim na referência mítica do adolescente.

CONCLUSÃO Ao discorrermos acerca da pesquisa vimos que a psicanálise subverte a idéia de adolescência como fase do desenvolvimento humano, onde o sujeito experimenta a crise e passa a ser constantemente vigiado e contido. Com isso, vimos que o sujeito para psicanálise tem a crise como inerente a sua condição desejante, isto é, a adolescência configura-se como um processo no qual o sujeito se depara em diferentes momentos de sua vida, podendo ser tanto na vida infantil quanto na idade adulta. Esse período é caracterizado por ser um estado-limite, onde o sujeito se depara com a inconsistência do Outro e não acredita mais nas promessas edipianas. O adolescente devido à fragilização e destituição do Outro, ocasionado pelo esfacelamento dos laços sociais que antes asseguravam uma sustentação mítica, muitas vezes fica aderido a faíscas do discurso do consumo que tentam a partir de uma face velada promover a garantia de um gozo e evitar o contato com a falta. O objeto droga funciona, portanto, como tentativa de tamponar a angústia e apreender o objeto perdido através da oferta de prazer como forma de evitar o sofrimento presente no mal-estar do processo adolescente, que se acentua com a falha da Lei e que passa a repercutir no sujeito que responde através do sintoma, entrando em cena a toxicomania como uma das respostas diante desse mal-estar.

REFERÊNCIAS ALBERTI, Sonia. Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996. CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. CARNEIRO, Henrique Figueiredo. Que Narciso é esse?: (Mal-estar e resto). Fortaleza: Encaixe, 2007. FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. In. Edição Standard Brasileira da Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1979. p. 75-174.. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In. Edição Standard Brasileira da Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1905. p. 17-120.. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess. In. Edição Standard Brasileira da Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1899. p. 323-342.. Neuroses de Transferência:uma síntese. In. Edição Standard Brasileira da Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1987. LACAN, Jacques. O seminário 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. LIPOVETSKY, Gilles. A era do Vazio. Barueri: Manole, 2005.. Os tempos Hipermodernos.São Paulo: Barcarolla, 2004. MELMAN, Charles. Alcoolismo, Delinqüência e Toxicomania. São Paulo:Escuta,1992. NASIO,J.-D. 5 Lições sobre a Teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Zahar,1993. POSTER, Mark. Teoria Crítica da Família. Rio Grande do Sul: Zahar, 1979. RASSIAL, Jean-Jacques. O que os adolescentes ensinam aos analistas: ciclo de palestras. São Paulo: Instituto de psicologia, 2002. SANTIAGO, Jèsus. A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.