Os templos religiosos e a formação das Minas Gerais



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Transcrição:

Os templos religiosos e a formação das Minas Gerais Sou apenas uma rua na cidadezinha de Minas. Cruz da Igreja de N. Sra do Carmo Ouro Preto Minas há muitas. Provavelmente a Minas que mais nos fascina é a Minas do ciclo do Ouro, a Minas que nasceu sob o signo do urbano, a Minas colonial suntuosa, exuberante e rebuscada. Os estilos barroco e rococó marcaram Minas a ouro, madeira, taipa e pedra. As raízes da nossa cultura mineira se encontram nesses estilos cheios voltas e contra voltas. A arte colonial mineira e a organização sócio-econômica da capitania se confundem. O nascimento das Minas se deve entre vários fatores à construção de templos religiosos que serviram como elemento de urbanização e de fixação do homem a terra. No final do século 17 as bandeiras começavam a cortar o sertão mineiro, movidas pela cobiça e pelo sonho de enriquecer da noite para o dia. Centenas de homens se lançaram à penosa aventura da busca do ouro, enfrentando fome, doenças, matas selvagens, índios e animais. O resultado da aventura foi positivo, o ouro foi encontrado e a região começou a ser povoada. As notícias de espalhou pela colônia e homens de todas as partes chegaram à região. A atividade mineradora que então se iniciou propiciou a formação urbana em Minas Gerais rara até então na colônia porque o minerador não era autossuficiente como o senhor de engenho.

Sérgio Freitas Sérgio Freitas Ele precisava comprar seus suprimentos. Daí o surgimento do comércio na região. A entrada da máquina burocrática estatal, a vinda de funcionários militares e de padres seculares completa a formação do quadro urbano. Esses povoadores foram responsáveis pela introdução da arte e da arquitetura na capitania que se formava - a Capitania das Minas. As artes se desenvolveram facilmente na região. Pequenos núcleos iam se formando próximos aos locais de mineração. Imediatamente eram erguidas pequenas capelas, casas iam sendo construídas ao redor das mesmas e assim iam se formando os arraiais. Decoração interna Ig. N. Sra. do Pilar O.Preto Decoração interna Ig. N. Sra. do Pilar O.Preto O templo religioso com decoração barroca no seu interior torna-se fundamental na estrutura social da região das minas como meio de urbanização. Por sua causa, terras eram valorizadas, novos setores surgiam e novas ruas. O templo funcionava como grande ponto de encontro do povo, pois sediavam as solenidades religiosas, como missas, casamentos, batizados, procissões, novenas e outras práticas. Pode-se até dizer que o lazer do homem mineiro setecentista estava no templo religioso. Não se pode esquecer de que os sepultamentos eram realizados no interior da igreja, reforçando, assim, sua função social.

A coordenação da vida religiosa da capitania foi feita via Irmandades, Confrarias - associações religiosas leigas - e Ordens Terceiras. Aí entramos em um ponto muito importante para se compreender melhor a arte colonial mineira. A Coroa Portuguesa proibiu a entrada das grandes congregações religiosas regulares, como beneditinas, carmelitas, dominicanas, na região das Minas, sob alegação de que eram prejudiciais à ordem pública. Na realidade, esta proibição encobria o temor de que as Congregações regulares comunicassem ao Vaticano a respeito da grande quantidade de ouro na região e este reivindicasse parte da riqueza aqui encontrada. Assim, apenas os padres seculares tiveram a permissão para entrar na Capitania das Minas. Igreja de Santa Ifigênia Ouro Preto Os templos religiosos mineiros foram erguidos com recursos do próprio povo. As pessoas tinham a liberdade de fundar associações religiosas. A fundação dessas associações se deu pela diferenciação e a rivalidade entre os grupos sociais Na primeira metade do século 18, a elite composta de mineradores abastados e de administradores da Coroa Portuguesa se reunia na Irmandade do Santíssimo Sacramento, geralmente responsável pela construção da matriz - a matriz com raras exceções, homenageava Nossa Senhora). Mulatos, pardos e brancos sem poder aquisitivo se reuniam nas Irmandades de Nossa Senhora das Mercês, São José, São José, Cordão de São Francisco, São Francisco de Paula e outras. Já os escravos se organizavam nas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, Santa Ifigênia, Nossa Senhora das Mercês e redenção dos cativos.

Sérgio Freitas Igreja Nossa Senhora do Rosário Ouro Preto Na segunda metade do século 18 as elites se reuniam nas ordens terceiras do Carmo e São Francisco de Assis. Devido a essa diferenciação social, surge, entre as irmandades, uma forte rivalidade, rivalidade esta que colaborou para o desenvolvimento e aprimoramento da arte mineira, já que através de templos ricamente ornados é que a irmandade mostrava à população seu poder econômico, o seu status. As irmandades procuravam decorar seus templos de forma mais ostensiva possível. Enquanto no litoral as construções eram orientadas pelos padrões rígidos das congregações regulares, em Minas a liberdade que o povo teve de organizar associações leigas religiosas causou essa propagação de templos religiosos. Esta liberdade não se expressou apenas no número de construções, mas também e principalmente na livre criação. Novas soluções foram criadas, as construções se adaptaram à realidade da região. A construção, a ornamentação da igreja, a contratação de artistas eram discutidas pelos membros da Irmandade. Um fato que não pode ser esquecido é que, devido ao caráter urbano da região das minas e da falta de mulheres brancas, aconteceu uma grande miscigenação, resultando, resultando em um grande número de mulatos. Esses mulatos desempenharam um papel de destaque dentro da arte mineira, já que não se enquadravam no trabalho nas lavras destinado aos negros nem no trabalho burocrático, destinado aos brancos. Muitos mulatos buscaram trabalho na construção das igrejas, revelando grande

aptidão para o trabalho artístico e se transformando em excelentes artistas, o que lhes serviu como meio de afirmação social. Para poder compreender melhor as raízes da cultura mineira, é necessário termos uma visão dessa estrutura templo religioso urbanização irmandades, porque estes foram os principais sustentáculos da formação da terra mineira. Capela de Santa Quitéria Catas Altas