Osvaldinete Lopes de Oliveira Silva Curso de Nutrição, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil

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Transcrição:

Nota de pesquisa Vigilância alimentar e nutricional de crianças indígenas menores de cinco anos em Mato Grosso do Sul, 2002-2011 doi: 10.5123/S1679-49742014000300017 Food and nutrition surveillance of indigenous children aged under five in Mato Grosso do Sul, 2002-2011 Osvaldinete Lopes de Oliveira Silva Curso de Nutrição, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil Ivana Loraine Lindemann Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil Sheila Gomes do Prado Secretaria Especial de Saúde Indígena de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil Karine de Cássia Freitas Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil Albert Schiaveto de Souza Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil Resumo Objetivo: descrever a evolução do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) e do estado nutricional de crianças indígenas menores de cinco anos de idade no estado de Mato Grosso do Sul, no período de 2002 a 2011. Métodos: estudo ecológico, realizado a partir de dados provenientes dos relatórios de gestão do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI/MS), referentes a todas as crianças indígenas menores dessa idade que tiveram seu estado nutricional avaliado pelo indicador peso por idade. Resultados: observou-se aumento da cobertura do Sisvan Indígena de 82,0% em 2002 para 97,2% em 2011, acompanhado da redução na prevalência de baixo peso de 16,0% para 6,5% no período. Conclusão: houve aumento da cobertura do Sisvan indígena e significativa redução da desnutrição infantil no período estudado; entretanto, não se pode negligenciar os grandes desafios, todavia existentes, para promoção da saúde e nutrição infantil nessa população. Palavras-chave: Vigilância Nutricional; Avaliação Nutricional; Serviços de Saúde do Indígena; Epidemiologia Descritiva. Abstract Objective: to describe the evolution of the Food and Nutrition Surveillance System (SISVAN) and the nutritional status of indigenous children aged under five between 2002 and 2011 in state of Mato Grosso do Sul, Brazil. Methods: this was a ecological study based on Mato Grosso do Sul Special Indigenous Health District management report data relating to all old indigenous children aged under five monitored in the period 2002-2011 according to weight-for-age. Results: we found that indigenous SISVAN coverage increased from 82.0% in 2002 to 97.2% in 2011, accompanied by a reduction in underweight prevalence from 16.0% to 6.5%. Conclusion: in the study period there was an increase in indigenous SISVAN coverage and a significant reduction in child malnutrition. However, the promotion of child health and nutrition in this population still faces considerable challenges. Key words: Nutritional Surveillance; Nutritional Assessment; Indigenous Health Services; Descriptive Epidemiology. Endereço para correspondência: Osvaldinete Lopes de Oliveira Silva Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Departamento de Tecnologia de Alimentos e Saúde Pública, Cidade Universitária, Campo Grande-MS, Brasil. CEP: 79070-900 E-mail: rstancari@ial.sp.gov.br 541

Vigilância alimentar e nutricional de crianças indígenas Introdução As desigualdades sociais existentes no Brasil resultam em graves iniquidades em saúde, a exemplo da maior prevalência de desnutrição e mortalidade infantil entre as crianças indígenas menores de cinco anos de idade. 1,2 A maior vulnerabilidade das crianças torna-as grupo de atenção prioritária nos serviços de saúde, haja vista a forte associação entre desnutrição infantil e doenças infecciosas, o que torna imperativa a atitude de vigilância nutricional permanente visando à intervenção precoce, com o objetivo de evitar mortes desnecessárias. 1-4 O estado de Mato Grosso do Sul, com a segunda maior população indígena no país, iniciou a implantação do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional para sua população indígena (Sisvan Indígena) em 2002, impulsionado pela necessidade premente de enfrentar a prevalência de 19% das crianças indígenas menores de cinco anos com desnutrição, identificada em 2001. 5 Essa situação, fortemente associada sobretudo às condições socioeconômicas das famílias, indica a urgência na implementação de ações de assistência à saúde indígena no estado. 5,6 Uma vez reconhecida a vulnerabilidade da nutrição infantil indígena, o presente trabalho tem como objetivo descrever a evolução do Sisvan Indígena e do estado nutricional de crianças indígenas menores de cinco anos de idade, no estado de Mato Grosso do Sul, no período de 2002 a 2011. Métodos Estudo ecológico, realizado com dados consolidados provenientes dos Relatórios de Gestão do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI/MS), referentes ao estado nutricional de todas as crianças menores de cinco anos de idade monitoradas pelo Sisvan Indígena em Mato Grosso do Sul, no período de 2002 a 2011. O estado de Mato Grosso do Sul, localizado no Centro-Oeste do Brasil, com população estimada em 2.587.269 habitantes, possuía a segunda maior população indígena do país em 1 o de julho de 2013, de acordo com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eram 72.215 indivíduos de oito etnias, distribuídos em 75 aldeias localizadas em 29 municípios. As maiores populações correspondiam às etnias Kaiowá (35.271), Terena (22.507) e Guarani (11.480). 7,8 As análises da cobertura do Sisvan e do estado nutricional foram realizadas pelo Nutrisis, sistema informatizado utilizado pelo DSEI/MS, que adotava o indicador peso por idade e, como referência, as curvas de crescimento do National Center for Health Statistics (NCHS/1977), conforme recomendações do Ministério da Saúde publicadas em 2002. 9 A cobertura do Sisvan foi calculada considerando-se o número de crianças com idade inferior a cinco anos, anualmente acompanhadas pelo sistema, e o número de crianças da mesma idade cadastradas pelas Equipes de Saúde da Família Indígena (ESFI) nos polos-base do DSEI/MS, no decorrer do mesmo período. A ampliação da cobertura média do Sisvan Indígena (a partir dos polos-base) entre 2002 e 2011 foi analisada pelo teste t de Student pareado. Para correlacionar o aumento da cobertura com as prevalências de baixo peso, foi aplicado o teste de correlação linear de Pearson. As análises estatísticas foram realizadas pelo programa estatístico SigmaStat, versão 3.5, considerando-se um nível de significância de 5%. O estado de Mato Grosso do Sul apresentara em 2001 prevalência de 19% das crianças indígenas menores de 5 anos com desnutrição. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul em 29 de novembro de 2012, sob o Parecer n 159.099, conforme recomendações da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012. Resultados A cobertura populacional do Sisvan Indígena em Mato Grosso do Sul elevou-se de 82,2% (desvio-padrão (DP): 9,42%) em 2002 para 97,2% (DP: 2,25%) em 2011 (p<0,001), em todos os 12 polos-base do DSEI/ MS (Tabela 1). O aumento na cobertura do Sisvan Indígena mostrou-se fortemente correlacionado a uma redução na prevalência da desnutrição infantil, de 16,0% em 2002 para 6,5% em 2011 (p=0,003; r=0,873) (Tabela 2). 542

Osvaldinete Lopes de Oliveira Silva e colaboradores Tabela 1 Cobertura do Sisvan a Indígena por polos-base no estado de Mato Grosso do Sul, 2002 a 2011 Polos-base Cobertura do Sisvan a Indígena (%) 2002 2011 Amambai 82,0 99,5 Antônio João 70,0 93,6 Aquidauana 87,0 95,5 Bodoquena 71,0 99,0 Bonito 98,7 Caarapó 92,0 99,7 Dourados 72,0 98,2 Iguatemi 95,0 98,1 Miranda 83,0 93,0 Paranhos 72,0 97,2 Sidrolândia 90,0 98,0 Tacuru 90,0 97,2 Média (DPM) b 82,2 (9,42) c 97,2 (2,25) c a) Sisvan: Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional b) DPM: desvio-padrão da média c) Comparação entre as médias de cobertura. Teste t de Student pareado, p<0,001 Fonte: Relatórios Anuais de Gestão de 2002 a 2011, elaborados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena de Mato Grosso do Sul. Tabela 2 Cobertura do Sisvan a Indígena e prevalência (%) de déficit de peso por idade em crianças indígenas menores de cinco anos de idade no estado de Mato Grosso do Sul, 2002 a 2011 Ano N Cobertura do Sisvan a Indígena (%) Classificação do estado nutricional (%) <P3 b P3-P10 >P97 2002 7.103 82,2 16,0 17,0 2,0 2003 7.899 87,0 15,0 16,0 2,0 2004 8.184 81,0 12,0 15,0 2,0 2005 8.359 81,0 12,0 15,0 2,0 2006 9.665 94,0 10,0 14,0 3,0 2007 9.873 96,0 9,6 14,6 2,4 2008 9.885 96,3 7,9 13,4 3,1 2009 10.240 97,3 7,8 11,6 3,2 2010 9.847 97,4 7,6 11,8 3,1 2011 9.645 97,2 6,5 11,5 3,0 a) Sisvan: Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional b) Correlação linear entre cobertura e classificação do estado nutricional (<P3). Teste de correlação linear de Pearson, p=0,003, r=0,873 Fonte: Relatórios Anuais de Gestão de 2002 a 2011, elaborados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena de Mato Grosso do Sul. As prevalências de déficit nutricional entre as etnias apresentaram grande variação em 2011. A maior prevalência ocorreu nos polos Guarani e Kaiowá [Antônio João (13,31%), Amambai (9,07%) e Tacuru (8,64%)]; o polo de Antônio João apresentou o dobro da prevalência média do estado. Já os polos onde vivem os Terena [Sidrolândia (0%), Aquidauana (0,34%) e Miranda (2,25%)] e os Kadwéu [Bodoquena (0%) e Bonito (2,06)] apresentaram as menores prevalências (Figura 1). 543

Vigilância alimentar e nutricional de crianças indígenas Bodoquena Sidrolândia Aquidauana 0,00 0,00 0,34 Bonito 2,06 Polos-base do DSEI MS Miranda Paranhos Dourados Iguatemi 2,25 4,41 56,5 7,28 % baixo peso Caarapó 7,88 Tacuru Amambai 8,64 9,07 Antônio João 13,31 0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14% Nota: DSEI/MS: Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul Fonte: Relatórios Anuais de Gestão de 2002 a 2011, elaborados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena de Mato Grosso do Sul. Figura 1 Prevalência (%) de déficit de peso para idade em crianças menores de cinco anos de idade por polosbase no estado de Mato Grosso do Sul, 2011 Discussão Observou-se uma importante ampliação da cobertura do Sisvan Indígena, correlacionada a uma redução significativa da desnutrição infantil em crianças menores de cinco anos de idade, no período 2002-2011. Contribuiu para esse resultado a reorientação dos serviços de saúde no estado, com aumento e qualificação de suas ESFI a partir de 2002, expandindo a assistência da Saúde da Família Indígena com forte ênfase na nutrição infantil e subsídio a intervenções precoces. 5,8 Os avanços da assistência à saúde obtidos a partir da criação do Subsistema de Saúde Indígena, com melhorias nos principais indicadores de saúde, associados a outras ações mesmo que paliativas, como a inserção de muitas famílias indígenas em programas de transferência de renda ou doação de cestas de alimentos, concorreram para a redução dos índices de desnutrição e mortalidade infantil nessa população. 8,10 Em 2011, a desnutrição infantil no estado (6,5%) foi 2,2 vezes menor que a prevalência apontada pelo Sisvan Indígena nacional para o mesmo ano (14,2%), segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) de Mato Grosso do Sul; 8 e situou-se abaixo da prevalência encontrada pelo Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, tomando-se a referência do National Center for Health Statistics NCHS (8,3%). 4 A prevalência de baixo peso encontrada neste estudo foi menor que aquela observada para outros estados brasileiros, os quais apontaram baixo peso para a idade em 12,4% das crianças Suruí na Amazônia, 11 16,5% das crianças Xavantes em Mato Grosso 12 e 51,7% das crianças Wari em Rondônia. 4,13 Contudo, destaca-se que a desnutrição infantil encontrada em 2011, apesar da forte tendência de queda, apresentou um valor maior que o esperado (3%) para uma população de crianças saudáveis, reforçando a necessidade da constante vigilância nutricional desse grupo. 8,9,14 Ademais, é importante destacar as diferenças entre as prevalências de desnutrição infantil encontradas para os Guarani e os Kaiowá. Esse achado confirma uma situação preocupante, evidenciada em pesquisa realizada com esses povos em Caarapó-MS, que encontrou baixo peso em 18,2% entre seus menores de cinco anos de idade. 3 Os déficits nutricionais observados nessas crianças, associados às precárias condições socioeconômicas e às desigualdades na situação sanitária, ambiental e de assistência à saúde, são agravados pela limitada extensão dos territórios onde vivem, insuficiente para a reprodução do modo de ser e viver indígena. 2,3,10 544

Osvaldinete Lopes de Oliveira Silva e colaboradores Por sua vez, as etnias Terena e Kadwéu, com menos casos de desnutrição, são menos populosas que os Guarani e os Kaiowá, possuem melhores condições de vida e suas áreas de ocupação dispõem de terras destinadas às práticas de subsistência e até mesmo à comercialização dos produtos, o que lhes garantiria maior acesso a alimentos e renda. Não obstante, a insuficiência da terra é todavia um fator a contribuir para a elevada insegurança alimentar observada entre as etnias Terena e Kadwéu. 15 Entre as limitações deste estudo, destaca-se o uso exclusivo do índice peso por idade para avaliar o estado nutricional das crianças, com base no padrão de referência do NCHS, até então utilizado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul DSEI/MS, índice que superestima os dados de desnutrição em cerca de 29%. 14 No período avaliado, houve aumento da cobertura do Sisvan Indígena, acompanhado de significativa redução da desnutrição infantil. O estudo evidencia a importância da vigilância nutricional como estratégia da atenção à saúde, e a necessidade de um olhar singular e intersetorial sobre as políticas públicas voltadas à promoção de saúde e à segurança alimentar desse grupo populacional, uma vez consideradas as particularidades de cada etnia. Contribuição dos autores Silva OLO contribuiu na redação e revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito. Freitas KC contribuiu na revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito. Lindemann IL e Prado SG contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados. Souza AS contribuiu no delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade. Referências 1. Diniz RLP. Crescimento e desenvolvimento da criança Indígena: um estudo da Etnia Pitaguary - Ceará [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2010. 2. Cardoso AM, Coimbra Jr CEA, Barreto CTG, Werneck GL, Santos RV. Mortality among Guarani Indians in Southeastern and Southern Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27 Suppl 2:222-36. 3. Picoli RPP, Carandina L, Ribas DLB. Saúde maternoinfantil e nutrição de crianças Kaiowá e Guarani, área indígena de Caarapó, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2006 jan;22(1):223-7. 4. Fundação Oswaldo Cruz. Inquérito nacional de saúde e nutrição dos povos indígenas: relatório final. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. (Análise dos dados; n o. 7). 5. Prado SG. Perfil nutricional em crianças indígenas de Mato Grosso do Sul. In: Anais do 17 Congresso Brasileiro de Nutrição (CONBRAN); 2002; Porto Alegre, Brasil: Associação Brasileira de Nutrição; 2002. 6. Ribas DLB. Sganzerla A, Zorzatto JR, Philippi ST. Nutrição e saúde infantil em uma comunidade indígena Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2001 mar-abr;17(2):323-31. 7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estados@: Mato Grosso do Sul [Internet]. [citado 2014 abr 8]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ estadosat/perfil.php?sigla=ms 8. Ministério da Saúde (BR). Secretaria Especial de Saúde Indígena. Relatório anual de gestão 2012: ações do Distrito Sanitário Indígena de Mato Grosso do Sul. Vol 1. Campo Grande: Secretaria Especial de Saúde Indígena; 2012. 9. Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Educação à distância: vigilância alimentar e nutricional para a saúde indígena. Vol. 2. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007. 10. Ferreira MEV, Matsuo T, Souza RKT. Aspectos demográficos e mortalidade de populações indígenas do Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2011 dez;27(12):2327-39. 11. Orellana JDY, Coimbra Jr CEA, Lourenco AEP, Santos RV. Estado nutricional e anemia em crianças Suruí, Amazônia, Brasil. J Pediatr. 2006 set-out;82(5):383-8. 12. Leite MS, Santos RV, Gugelmim SA, Coimbra Jr CEA. Physical growth and nutritional profile of the Xavánte indigenous population in Sangradouro-Volta Grande, 545

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