7 Por que idosos desdentados precisam do dentista? Cleber Kimura Infelizmente, no Brasil grande parte das pessoas que supera a barreira dos sessenta anos se encontra totalmente desdentadas. Muitas vezes a remoção derradeira dos últimos dentes ocorre após esta idade. Este fato é estatisticamente comprovado e estimula que técnicas e materiais odontológicos sejam aperfeiçoados dia-a-dia, para tentar minimizar os efeitos negativos deste processo mutilatório. Fato muitas vezes necessário, devido a motivos no transcorrer da vida desses indivíduos, e que causam reflexos diretos e indiretos em diversos fatores. A qualidade de vida perpassa pela autoestima e pelo grau e vontade de socialização do indivíduo. Em outras palavras, a vontade de querer participar de eventos sociais mesmo que somente em família, implica na eficiência mastigatória, no prazer em se alimentar, na seleção dos alimentos e na dicção dos fonemas, entre outros. Os implantes dentários surgiram há mais de cinquenta anos e desde então veem sendo aperfeiçoados. A cada dia cumprem seu objetivo de fixar reabilitações dentárias com mais perfeição, seja no aspecto estético quanto funcional. Entretanto, para dispor deste tipo de tratamento é preciso coincidir aspectos de necessidade - que um indivíduo desdentado com certeza tem - com aspectos de oportunidade que o candidato a este tipo de tratamento tem que apresentar: A disposição em submeter-se a pequenos procedimentos cirúrgicos; Disponibilidade óssea da região para instalação dos implantes; Condições sistêmicas ou gerais de saúde que lhe permitam submeter a cirurgia; Condições psicológicas favoráveis e; Apesar da popularizado nos últimos anos, recursos financeiros. Estes indicadores não estão colocados em ordem por grau de importância, são igualmente importantes e quando todos eles são positivamente contemplados, os idosos, muitas vezes, ainda têm que suplantar um último obstáculo: a família. A família é um fator crucial na tomada de decisão, seja no provimento do aporte financeiro ou na emissão de opiniões. Muitos são os parentes que apoiam a decisão da pessoa idosa em recuperar a eficiência mastigatória, a estética e a segurança perdida com esta técnica, porém não é raro, aliás, e
8 mais frequente do que se imagina, o desencorajamento realizado por familiares, proibições ou desestímulo por medo, baseados em poucas informações sobre a segurança da técnica ou em casos mal sucedidos ouvidos informalmente que representam a minoria dos casos. Certo é que para cada caso negativo ouvido de algum conhecido, outros milhares bem sucedidos foram realizados, e não costumam ser comentados com a mesma veemência pelos pacientes e seus familiares. Se os casos de insucesso fossem realmente prevalentes e estatisticamente relevantes e a técnica trouxesse mais desvantagens e riscos que vantagens, acredite a odontologia já a teria abandonado. A reabilitação implantodôntica em idosos tem se mostrado indicada, eficaz e segura. Evidentemente o idoso tem particularidades como: - uma ou mais doenças crônicas denominadas de co-morbidades; uso de medicamentos diversos; histórico médico-odontológico único; alterações anatomo-fisio-patológicas entre outros, que devem ser analisados de forma individual e diferente de um adulto jovem. Além disso, uma minuciosa troca de informações sobre o paciente com o médico responsável pelo acompanhamento de saúde faz-se necessário. Infelizmente, o principal motivo que leva a família, geralmente filhos e filhas, ser contrária a este tipo tratamento de tratamento - terapia implantodôntica - se baseia no velho paradigma de que o idoso está no final de sua vida, pode morrer a qualquer momento e o investimento financeiro não compensaria, principalmente se eles tiverem que custear o tratamento, ou têm algum tipo de herança que ficaria comprometida pelo mínimo que seja. Com todas as barreiras que a implantodontia e a família impõem, chegamos à conclusão após anos de observação empírica que o número de idosos que utilizam próteses totais muco-suportadas, também denominadas de dentaduras convencionais em estado ruim, desadaptadas, instáveis ou que nada usam em substituição aos dentes perdidos no Brasil ainda é muito alto. Independente do motivo, a reabilitação oral com a utilização das tradicionais próteses totais muco-suportadas, dentaduras, ainda tem nos dias de hoje suas indicações. Elas são e serão utilizadas por muito tempo e conseguem resultados estéticos e funcionais muito bons. Trata-se de uma técnica árdua de ser realizada, pois conseguir que uma prótese total tenha estabilidade e retenção na boca sem ter onde prendê-la é uma tarefa difícil por contamos apenas com a mucosa, a saliva. Esta, em idosos que tomam medicações ou apresentam determinadas doenças crônicas torna-se escassa e de má qualidade, e o rebordo remanescente geralmente está comprometido por absorções do osso alveolar. Tarefa mais tranquila, é quando a ancoramos a implantes ósseos integrados, por exemplo. Convicções equivocadas Então usá-las não significa ser ou ter um problema. A questão surge quando os idosos e seus familiares têm uma convicção equivocada e errônea de que na
9 ausência de dentes naturais na boca as consultas regulares do idoso ao cirurgião dentista não se fazem mais necessárias, ou podem acontecer em períodos demasiadamente longos, não acarretando nenhum tipo de prejuízo ou risco para o indivíduo. Outro motivo que afasta as pessoas idosas dos consultórios é a abreviatura, considerada por alguns como pejorativa da ilustre profissão do cirurgião dentista para simplesmente dentista, que, com o passar do tempo, fixou no inconsciente coletivo que a área de atuação deste profissional da saúde resume-se unicamente ao tratamento e prevenção de doenças restritas aos dentes. Portanto, quando o indivíduo perde os dentes... Vale esclarecer que o cirurgião dentista é um profissional da saúde que tem como competência prevenir, tratar diversas patologias ou síndromes e recuperar ou reabilitar estruturas como a língua, a mucosa oral, o palato, as gengivas, as glândulas salivares, a articulação da mandíbula com o crânio (Articulação Têmporo-Mandibular - ATM), os lábios, os ossos e demais estruturas que sustentam os dentes, além, é claro, dos dentes. Diversas patologias podem acometer estas estruturas, como: - disfunção têmporo-mandibular; infecções bacterianas, virais ou fúngicas; lesões de tecidos moles como cistos; lesões traumáticas; lesões por erro genético e neoplasias (cânceres) malignas que, semelhante a outras mais conhecidas, quando diagnosticadas precocemente, tem alta probabilidade de cura. Em contrapartida, quando diagnosticadas tardiamente causam sequelas irreparáveis ou levam o indivíduo a óbito, da mesma forma que os demais tumores malignos que acometem regiões do corpo que não a cavidade bucal. Além dos fatores contributivos já conhecidos como fumo, álcool, raios UV solares em demasia, etc., na etiologia dos cânceres, próteses antigas, mal adaptadas, sem retenção e estabilidade, quebradas, remendadas, soltas, podem colaborar com o surgimento de lesões na mucosa ou gengivas precursoras de tumores, candidíase, entre outras, além de prejudicar a pessoa idosa em sua nutrição, levando-a a mudar seus hábitos de alimentação ao selecionar alimentos mais macios, geralmente a base de carboidratos (massas e doces) que colaboram com o aumento de seu peso e glicemia, sem, necessariamente, acrescentar nutrientes importantes à sua dieta. Outra alteração comum em pessoas com dificuldade de mastigação é o ensopamento e o processamento de determinados alimentos que em outras circunstâncias seriam ingeridos sólidos. Este processo geralmente leva o alimento a uma perda nutricional relevante por causa da diluição em água e, se fervido, da desnaturação das proteínas. No caso dos idosos, uma dieta baseada em sopas e caldos pode ter um impacto importante, pois, para se obter o mesmo valor calórico de um alimento sólido o idoso tem que ingerir uma quantidade muito grande de sopa, o que não ocorre pela capacidade em si do estômago e a saciedade do indivíduo.
10 Evidentemente, tomar sopa de vez em quando não o prejudica, estamos nos referindo a uma dieta predominante em sopas e caldos. O processamento dos alimentos repercute negativamente também no fator do estímulo visual, olfativo e palatável do alimento, pois a mistura dos mesmos, homogeneizando-os em liquidificador, neutraliza totalmente o atrativo visual dos alimentos, o odor e o gosto, tornando-se um só, sem distinção de seus diversos componentes. Este fato leva, em pouco tempo, a um desestímulo total na vontade de se alimentar. Vale ressaltar que nosso organismo está em constante alteração desde o momento em que nascemos e a cavidade oral não foge deste princípio de remodelação. Assim, as próteses totais têm que receber atualizações de tempos em tempos e ser trocadas em períodos maiores, a fim de preservar o íntimo contato com a mucosa e as gengivas, para a manutenção de sua estabilidade e retenção no rebordo, propriedades diretamente ligadas a eficiência do sistema mastigatório do indivíduo, e não causar traumatismos à mucosa e gengiva. Além da estabilidade e retenção das próteses devido às alterações mencionadas, acrescentamos que o tempo age também sobre as próteses causando desgaste e escurecimento dos dentes. Estes fenômenos estão diretamente relacionados ao fonema das palavras, alterando e comprometendo a autoestima e confiança do idoso, que por sua vez repercutirá em sua socialização, colaborando em maior ou menor grau nos quadros de depressão e isolamento social. O desgaste dos dentes associado a outros fatores como hábitos parafuncionais, como bruxismo (ranger dos dentes), apertamento dos dentes e fatores emocionais podem, em alguns indivíduos predispostos, levá-los a uma disfunção na articulação têmporo-mandibular (DTM). Trata-se de um processo inflamatório desta articulação que liga a mandíbula ao crânio, localizado à frente do conduto auditivo, e que tem por sinais e sintomas ruídos durante os movimentos de abertura e fechamento da boca, limitação da abertura da boca, dores de cabeça (cefaleias) persistentes, dores e zumbidos nos ouvidos, dores e formigamentos no pescoço e membros superiores e tonturas. Portanto, a pessoa idosa edêntula ou desdentada deve consultar-se periodicamente no dentista. Doenças imunitárias, como os diversos tipos de Lúpus, Esclerodermia, Síndrome de Sjögren, Pênfigos, Aftoses, etc.; doenças por distúrbios de nutrição como avitaminoses A, D, E K, B e C entre outras; nas patologias e distúrbios endocrinológicos como Diabetes, Hiper, Hipotireoidismo, Hiperpara, Hipoparatireoidismo, menopausa, entre outras, além de possíveis intoxicações, costumam apresentar sinais e sintomas na cavidade bucal e não raramente é o cirurgião dentista que detecta, alerta, orienta e encaminha o paciente aos serviços médicos competentes para a resolução do problema. Por todos os motivos apresentados, fica clara a necessidade da consulta frequente e periódica ao cirurgião dentista como uma atitude de prevenção a
11 agravos de ordem local ou sistêmica, que podem contribuir não só com a qualidade de vida e manutenção de sua independência como também com seu tempo de vida. Referências ARMONIA, Paschoal Laercio. Sobram dentistas, mas Brasil tem 25 milhões de desdentados. In: Rev. ABO Nac. 1(1): 19-20, Jul-Set. 1993. ROSA, A. G. F; FERNANDES, R.A.C; RAMOS, L.R. Condições de saúde bucal em idosos de 60 anos ou mais no município de São Paulo (Brasil). In: Rev. de Saúde Pública. 26: 3. São Paulo. Jun 1992. Cleber Kimura - Cirurgião-dentista, Mestrando em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Especializando em Gestão em Saúde para Idosos pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), e Especialista em Gerontologia e Periodontia. E-mail: cleberkimura@hotmail.com