TÍTULO: AUTORES Instituição de Ensino Superior: E-mails: Área Temática: A Reforma Psiquiátrica Brasileira



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Transcrição:

TÍTULO: A CLÍNICA DA PSICOSE: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA ENTRE A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, A PSICANÁLISE E A REFORMA PSIQUIÁTRICA AUTORES: Margarida Maria Elia Assad Cleide Pereira Monteiro João Mendes de Lima JúniorAlzira Edjane da Nóbrega Xavier, Elizabeth Gonçalves Sampaio de Carvalho,Laura Daniel Antunes Rezende, Lucione Andriola de Aquino, Ubiratan Pereira de Oliveira Instituição de Ensino Superior: Universidade Federal da Paraíba E-mails: clinicadapsicose@bol.com.br assad@funape.ufpb.br cleidepmonteiro@ig.com.br jomejunior@bol.com.br ed.nobrega@bol.com.br lucioneaquino@bol.com.br upo@terra.com.br Área Temática: Saúde Esse trabalho é resultado das experiências obtidas no projeto de extensão universitária, intitulado O Tratamento Psicanalítico no Contexto da Reforma Psiquiátrica realizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba. Nossa aposta parte das respostas que a psicanálise de orientação lacaniana pode dar aos desafios enfrentados pela reforma psiquiátrica vigente no país. Essa é uma proposta que se insere na reorientação dada pelos princípios da reforma psiquiátrica, mas que propõe um tratamento do sujeito que sofre, evitando assim, a cronificação e a dependência dos pacientes aos serviços de saúde mental. Busca-se, através da prática extensionista, uma interlocução mais efetiva entre o saber produzido na Universidade e a comunidade que freqüenta os serviços propostos pelo projeto. Do ponto de vista da formação acadêmica, tem-se voltado para a consolidação de uma prática que estabeleça um olhar crítico e uma possibilidade de transformação concreta da rede de assistência à saúde mental, através da discussão e implementação dos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. A Reforma Psiquiátrica Brasileira A reorientação do modelo de assistência à saúde mental no Brasil, tem acumulado alguns avanços significativos no tocante a redução de leitos em hospitais psiquiátricos e a implementação de serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico tradicional. Na década de 70 eram registrados mais de 100 mil leitos psiquiátricos, e no último levantamento do Ministério da Saúde, em setembro de 2001, esse número chegou a pouco mais de 54.000 leitos (Delgado, et all, 2001, p. 11). Apesar da sensível diminuição de leitos e do avanço na consolidação dos CAPS (Centro de Apoio Psico-Social), NAPS (Núcleo de Apoio Psico-Social), hospitais-dia, moradias assistidas e

outros serviços, a assistência psiquiátrica no Brasil ainda possui a marcante hegemonia do hospital psiquiátrico enquanto único recurso terapêutico, principalmente em alguns estados da federação onde praticamente inexistem alternativas à internação psiquiátrica. Do ponto de vista do financiamento, apenas 9,42% do total de gastos em saúde mental são destinados aos recursos extra-hospitalares, ficando o restante da verba para a internação psiquiátrica em hospitais públicos e privados (Delgado. et all, 2001, p.14). A descentralização, no contexto do Sistema Único de Saúde, tem evidenciado a importância das ações dos gestores municipais na implementação e estruturação de serviços de assistência à saúde mental. O sancionamento da lei 10.216 em abril de 2001, de autoria do deputado Paulo Delgado (PT-MG), que ficou durante 12 anos em tramitação no Congresso Nacional, estabelece como princípio norteador a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por recursos extrahospitalares, além de disciplinar a chamada internação psiquiátrica involuntária (Ministério da Saúde, 2001). O longo período de discussão no Congresso propiciou alguns estados a se anteciparem e elaborarem leis que fundamentassem, em conjunto com as portarias do Ministério da Saúde, os princípios da reforma à assistência psiquiátrica nos estados. Na Paraíba, o número de leitos em hospitais psiquiátricos públicos e privados, ultrapassa a margem de 1200. Esse elevado número, proporcionalmente muito acima de outros estados da Federação, evidencia a carência de serviços substitutivos no estado, apesar do percentual de gastos com recursos extra-hospitalares chegar a 14,7% dos gastos totais com saúde mental, média acima da nacional. Em relação aos leitos de internação psiquiátrica em hospital geral, a Paraíba é um dos únicos estados da federação onde o gasto com tal modalidade de atendimento é zero. E apesar da importância estratégica desta modalidade como substitutiva à internação manicomial, o panorama do último levantamento feito pelo Ministério da Saúde, no ano de 2001, demonstra que os gastos com tal modalidade, vêm diminuindo substancialmente em todo o Brasil nos últimos anos (Delgado. et all, 2001, p. 10,14). Um outro viés importante para a consolidação de uma rede que dê suporte à reforma da assistência psiquiátrica, é o atendimento com características ambulatoriais. Como nos traz Tenório (2001a), apesar das limitações estruturais, o ambulatório possui uma importância estratégica fundamental, pois, ao funcionar como uma porta de entrada privilegiada, pode dar resolutividade aos casos que não precisem chegar até outros serviços de mais alta complexidade, e ainda, pode estabelecer o encaminhamento de casos que necessitem de um acompanhamento diário mais sistemático. As mudanças estruturais de reorientação do modelo assistencial em saúde mental inauguram dessa forma, uma nova lógica marcada pela crítica ao reducionismo biologizante da abordagem dos

transtornos mentais, onde a reclusão e a prescrição indiscriminada de psicofármacos constituem uma estratégia terapêutica única e universal. O avanço das neurociências e da psicofarmacologia demonstram a necessidade de um limite ético a ser colocado no questionamento das práticas que incidem sobre o sofrimento do sujeito no campo da saúde mental. Se os neurolépticos são indispensáveis para o tratamento dos sintomas psicóticos, eles são impotentes para obter qualquer modificação estrutural; se, como todas as drogas, atuam no organismo, funcionam tanto melhor quando sua prescrição leva em conta a questão do sujeito (Lobosque, 1997, p. 63). Clínica do Sujeito e Reabilitação Psicossocial No campo da reforma psiquiátrica, onde se percebe a atuação de diversos saberes, encontrase a formulação de programas baseados no modelo de reabilitação psicossocial, em que são oferecidos aos indivíduos incapacitados e debilitados a oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independente na comunidade. (...) Inclui assistência no desenvolvimento das aptidões sociais, interesses e atividades de lazer que dão um senso de participação e de valor pessoal (Organização Mundial de Saúde, 2001, p. 94). Percebe-se que os serviços substitutivos ao atendimento hospitalar são de fundamental importância; entretanto, uma abordagem que se paute somente na reabilitação levará a impasses que vão na direção contrária ao que pretende o próprio fundamento da política da reabilitação, ou seja, levará a dependência das novas formas de acolhimento destes pacientes a casas de abrigo, centro de atenção psicossocial, hospital-dia e outros. Assim, tais modalidades de atendimento preconizadas pela reforma, por si só, não interferem na subjetividade dos pacientes que devem estar comprometidos com seus sintomas. Como assinala Viganò, as propostas de reabilitação, e em um aspecto mais geral, a própria psiquiatria oficial, renunciam ao tratamento dos sintomas através da exclusão da clínica. O acolhimento do psicótico sem o discurso é também uma forma de exclusão e segregação. A segregação, que se pode criar com a abertura dos manicômios, é criar outros lugares onde se faz barulho sem falar (Viganò, 1999, p. 50). Tenório defende uma articulação possível entre a reabilitação psicossocial e a clínica do sujeito ressaltando, contudo, os limites e as especificidades de cada modalidade. Atenção psicossocial e clínica do sujeito não são a mesma coisa. Mas uma pode tornar a outra possível desde que a primeira evite dois riscos: impor ao psicótico ideais de funcionamento que são nossos e aos quais ele muitas vezes não pode corresponder, e o de acreditar que o bem estar psicossocial torna menos relevante o trabalho subjetivo na palavra; e que a segunda reconheça os limites de qualquer prática ligada à palavra e a necessidade,

em certos casos prioridade, na psicose grave, de uma ajuda concreta e cotidiana ao viver (Tenório, 2001b, p.87). O diferencial que a inserção da psicanálise traz ao movimento da reforma é a luta por um espaço onde se possa dar vez e voz a uma clínica do sujeito, este concebido como um ser da fala, da subjetivação. Contudo, ao priorizar o sujeito, não se pode considerar que a psicanálise é uma luta anti-coletiva, uma vez que, um trabalho sendo realizado com a singularidade não exclui a possibilidade do resgate das suas atividades do ponto de vista coletivo. Propor um tratamento possível da psicose dentro do referencial psicanalítico, é levar em conta o inconsciente e suas formações, fazendo com que o sujeito deste fenômeno psíquico, enderece o seu sofrimento como uma questão, e não como uma demanda de reabilitação para o convívio social. O Tratamento Psicanalítico no Hospital Universitário No trabalho que tem sido desenvolvido no Hospital Universitário Lauro Wanderley, os pacientes acolhidos pelo projeto são assistidos de duas formas: atendimentos clínicos em sessões individuais e atendimentos em grupos na forma de oficinas terapêuticas, nas quais utiliza-se a arte como recurso clínico. A oficina terapêutica é sempre uma atividade em grupo onde são utilizados diversos tipos de materiais tais como papel, tinta guache, colagem, argila, entre outros, com o intuito de se conseguir, com o ato criacionista, uma porta de acesso a determinadas produções do inconsciente. Partimos da constatação de que a criação artística, assim como o delírio, é resultado de uma tentativa de dar significado, ou seja, produzir sentido para aquilo que não pode ser simbolizado no quadro de experiências do paciente. Dessa forma tem-se como recurso o fazer artístico, o ato criacionista onde o analista participa como espécie de secretário dessas produções, fazendo as pontuações e escanções necessárias auxiliando, assim, o paciente em seu delírio e a criação artística a se inserirem no universo da linguagem. Não obstante, como sugere Alvarenga: A atividade criativa não está lá para fazer reconhecer seus fantasmas, como propõe Freud a respeito do escritor neurótico, mas para acrescentar objetos ao mundo. Objetos que, por menos que o sujeito discorra sobre eles, têm a função de vetores na reorientação do gozo. Se nas passagens ao ato, das auto-mutilações ao ato suicida, o sujeito psicótico se deixa cair como objeto, no trabalho criativo ele esboça uma nova posição como sujeito (Alvarenga, 1999, p.121).

Temos observado que, com o andamento das oficinas, há uma significativa estabilização no quadro psicótico dos pacientes atendidos tendo em vista que a criação artística possibilita ao psicótico uma espécie de suplência, acontecimento de importância sine qua non quando se visa a estabilização de um surto. Dentro da perspectiva antimanicomial, uma vertente de intervenção, muitas vezes negligenciada, é o trabalho junto aos familiares dos pacientes psicóticos. A especificidade de sua sintomatologia e as freqüentes internações em instituições psiquiátricas, por vezes são motivos de uma fissura no vínculo familiar que pode levar muitas vezes ao abandono total. Quando um paciente psicótico surge, em um serviço como o nosso, de atendimento psicanalítico a pacientes psicóticos, percebe-se a imprescindível importância desses familiares no tratamento. Neste sentido, a evolução clínica desses pacientes depende da disponibilidade de um suporte familiar satisfatório. Acolhemos o sofrimento não somente da pessoa doente, mas dos seus familiares, que demandam dúvidas e questionamentos sobre as doenças, uso e efeito de fármacos, modalidades de tratamentos, assim como esperanças e desilusões para enfrentar as dificuldades no relacionamento com a loucura e muitas vezes com o freqüente preconceito atribuído aos doentes mentais. Tendo em vista que cada pessoa tem uma maneira particular de reagir e olhar a psicose, é preciso desenvolver modalidades de atendimento apropriadas às necessidade de cada familiar, respeitando portanto a singularidade de cada sujeito. Nesse sentido, é imprescindível ouvir as angústias e inseguranças, e investir na tentativa desses indivíduos buscarem sentidos e respostas para o seu sofrimento, para somente assim sentirem-se preparados para cuidar e acolher o paciente psicótico dentro do contexto familiar, buscando o auxílio de serviços substitutivos quando a demanda exigir tal postura. Nesse contexto de resgate do sujeito como verdadeiro operador do tratamento, a psicanálise se insere como uma proposta de atuação, por se constituir um espaço clínico destinado à escuta do sujeito que, como um ser de linguagem, está submetido à lógica do desejo. A Psicose na Clínica Psicanalítica O trabalho que vimos desenvolvendo no Hospital Universitário Lauro Wanderley se fundamenta na eficácia de um tratamento psicanalítico, tendo como referencial as formulações teóricas e clínicas de Jacques Lacan, psicanalista francês famoso pelo seu retorno a Freud e pelo avanço do tratamento da psicanálise com as psicoses. Este trabalho baseia-se principalmente no último período de sua obra, o qual convencionou-se chamar de Segunda Clínica de Lacan.

Temos procurado avançar através de uma clínica das suplências, redimensionando o tratamento da psicose pelo discurso analítico. Nesta perspectiva, a clássica oposição entre neurose e psicose, onde há o estabelecimento de uma ligação mais estreita entre fenômenos e estrutura, é questionada. Isto nos propicia pensar em uma clínica situada na atualidade, que não tem mais como referência o estatuto do pai, em franca decadência e que orientava as significações dos sujeitos, mas no acolhimento do que é novo em cada caso. Daí surge a necessidade do momento clínico, onde o que é essencial é a particularidade do testemunho do sujeito, a nuance do caso. Trata-se, pois, da construção de uma posição subjetiva muito mais do que a questão do diagnóstico estrutural. O que temos é a gradação entre fenômenos bem mais que sua oposição. Como nos lembra Alfredo Zenoni (1999), no texto Pertinência da Clínica Diferencial, são duas lógicas do mesmo fenômeno que são opostas. Como ele nos diz, o apelo ao pai, que nos faz pensar a princípio na neurose, pode estar presente na psicose, assim como a automutilação pode muito bem estar presente num sujeito neurótico. Desse modo, trata-se de pensar a psicose não mais em termos de déficit da neurose. Esta nova clínica, como diz Zenoni (1999, p.31) renova a noção de secretário do alienado pela qual Lacan queria designar a posição do clínico freudiano por oposição àquela, tradicional, do psiquiatra. Não se trata de salvar o sujeito da psicose, tentando neurotizá-lo, mas antes, de repensar a psicanálise a partir da psicose, pois tomar a neurose e a psicose numa perspectiva comum parece ser mais produtivo, clínica e teoricamente, do que pensar a neurose de um lado e a psicose de outro (La Sagna apud Zenoni, 1999, p. 30). O lugar do analista, no tratamento do sujeito psicótico, é de reserva e silêncio (que não deve ser confundido aqui com mutismo).segundo Silvestre (1991) essa presença silenciosa do analista incita o sujeito a dirigir-lhe, de modo cada vez mais explícito suas associações. É um silêncio que entrava, faz objeções às manobras com que o paciente procura submetê-lo. Tais manobras, contudo, tem no psicótico uma única finalidade: reintegrar o analista ao lugar do Outro do gozo. Ele ressalta que a única resposta possível a essa manobra, é opondo-se a ela. Produzindo pela significação dessa recusa, um lugar esvaziado, livre de todo gozo. Um lugar em que o gozo é proibido para que nele se aloje o sujeito do significante. Henri Kaufmanner (1999) ressalta que essa presença silenciosa fará sustentar o ser do analista no nível em que se interroga a experiência do inconsciente, isto é, o não saber, o não compreender, para assim ressaltar o elemento que não se entende, é o que abre as portas para as palavras do sujeito. Tal escuta ativa poderá produzir cortes na repetição, pois, ficando o ato do lado do analista, o sujeito é aliviado da liberdade de ter o objeto de seu lado o que caracteriza sua posição.

O problema que o psicótico propõe é o do sujeito como suposto ao saber, ou mais especificamente um saber que se impõe ao sujeito. Por isso, é recomendado ao analista que se tenha precaução, caso pense em devolver ao sujeito o que acabou aprendendo de seu saber inconscientedo saber do Outro. Poderá evitar deste modo de ser tomado como perseguidor (Silvestre, 1991). Por fim, a psicanálise com psicóticos se faz a partir da necessidade de distinguir cada caso, de procurar a singularidade de cada um, de transformar uma demanda inicial estritamente farmacológica, em uma demanda de tratamento, ou seja, de comprometermos cada paciente na sua própria sintomatologia. Por isso nossa intervenção se dirige ao tratamento do sujeito da doença, aquele que se responsabiliza pelo seu gozo, tornando-se o verdadeiro operador de seu tratamento. Considerações Finais As contribuições que a psicanálise pode dar aos desafios enfrentados pela reforma psiquiátrica em andamento passam, assim, pela ética da posição subjetiva e requer que façamos uma clínica da singularidade, barrando qualquer resposta que pretenda tratar os casos psiquiátricos como casos gerais. Estes não devem ser abordados somente por programas de reabilitação, definidos por Rotelli como ações de "restituição, reconstrução, e, às vezes de construção do direito pleno à cidadania" (Rotelli apud Viganò, 1999, p.53). Nossa experiência tem mostrado que há uma significativa redução no número de internações e no uso de medicamentos quando é oferecida ao paciente a oportunidade de falar e intervir sobre a história de sua doença. Observamos ainda que a estabilização da psicose é mais bem assegurada quando, aliada à terapêutica medicamentosa, há espaços nos quais o sujeito possa elaborar significações para o seu delírio. A estabilização destes pacientes tem possibilitado ainda sua reinserção na vida familiar, na medida em que ao estabelecer laços de trabalho podem alcançar melhores condições sociais. Por parte da equipe, apesar de todas as barreiras e dificuldades clínicas e institucionais, temos o compromisso ético-político de não recuar no tratamento da psicose e avançar na consolidação de espaços que permitam, como cita Viganò (1999) uma chance analítica, onde o projeto terapêutico da equipe não sufoque o momento clínico do sujeito. Referências Bibliográficas ALVARENGA, E. O Trabalho Criativo e seus Efeitos na Clínica da psicose. Curinga -Psicanálise e Saúde Mental, Belo Horizonte, n. 13, p. 118-121, set. 1999.

DELGADO, P. et all. O Ministério da Saúde e a Saúde Mental no Brasil: Panorama da última década. In: Caderno de textos de apoio da III Conferência Nacional de Saúde Mental. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde, Brasília, 2001. KAUFMANNER, H. Transferência na Psicose. Curinga -Psicanálise e saúde mental, Belo Horizonte, n. 13, p. 112-117, set. 1999. LOBOSQUE, A. Princípios para uma Clínica Antimanicomial e Outros Escritos. São Paulo: Hucitec, 1997. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Legislação em Saúde Mental 1999-2001. 2. ed. Brasília: Ed. MS, 2001. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório sobre a Saúde no Mundo 2001: Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança, 2001. SILVESTRE, M. Amanhã, a Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1991. TENÓRIO, F. A Psicanálise e a Clínica da Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.. Reforma Psiquiátrica e Psicanálise: Um Trabalho Necessário. In: FIGUEIREDO, A. C; CAVALCANTI, M. T.(orgs.). A reforma psiquiátrica e os desafios da desinstitucionalização - Contribuições à III Conferência Nacional de Saúde Mental. Rio de Janeiro: IPUB/CUCA, 2001b. p.85-99. VIGANÒ, C.A. A Construção do Caso Clínico em Saúde Mental. Curinga - Psicanálise e Saúde Mental, Belo Horizonte, n. 13, p. 50-59, set. 1999. ZENONI, A. Pertinência da Clínica Diferencial. Opção lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo, n. 25, p. 30-32, out. 1999.