Chegou a hora de olhar a classe média



Documentos relacionados
Entrevista exclusiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao SBT

Meu nome é José Guilherme Monteiro Paixão. Nasci em Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1957.

Capítulo II O QUE REALMENTE QUEREMOS

Transcriça o da Entrevista

As 10 Melhores Dicas de Como Fazer um Planejamento Financeiro Pessoal Poderoso

05/12/2006. Discurso do Presidente da República

Assunto: Entrevista com a primeira dama de Porto Alegre Isabela Fogaça

Guia Prático ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA PARA BANCAR A FACULDADE

18/11/2005. Discurso do Presidente da República

A Maquina de Vendas Online É Fraude, Reclame AQUI

é de queda do juro real. Paulatinamente, vamos passar a algo parecido com o que outros países gastam.

Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/08/2009. Humanos aprimorados versus humanos comuns

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Nesta feira, este ano, percebe-se que há novas editoras, novas propostas. Qual a influência disso tudo para o movimento espírita?

Manifeste Seus Sonhos

Dicas para investir em Imóveis

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Desafio para a família

1.000 Receitas e Dicas Para Facilitar a Sua Vida

este ano está igualzinho ao ano passado! viu? eu não falei pra você? o quê? foi você que jogou esta bola de neve em mim?

R E N A T O M E I R E L L E S r e n a t d a t a p o p u l a r. c o m. b r

Palavras do autor. Escrever para jovens é uma grande alegria e, por que não dizer, uma gostosa aventura.

Imagens Mentais Por Alexandre Afonso

Rica. Eu quero ser... Especial ???????? Luquet. Um guia para encontrar a rota da prosperidade. Apoio: por Mara. Elas&Lucros

Marketing Educacional como manter e captar novos alunos

MÓDULO 5 O SENSO COMUM

UNIDADE 1: PRECISA DE SABEDORIA? A BÍBLIA É A AUTORIDADE FINAL

Floresta pode ajudar a tirar o Brasil da crise financeira

Educação Patrimonial Centro de Memória

22/05/2006. Discurso do Presidente da República

INDICE Introdução 03 Você é muito bonzinho 04 Vamos ser apenas amigos dicas para zona de amizade Pg: 05 Evite pedir permissão

O sucesso de hoje não garante o sucesso de amanhã

Obedecer é sempre certo


Exclusivo: Secretária de Gestão do MPOG fala sobre expectativas do Governo Dilma

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

COMO MINIMIZAR AS DÍVIDAS DE UM IMÓVEL ARREMATADO

Entre 1998 e 2001, a freqüência escolar aumentou bastante no Brasil. Em 1998, 97% das

JOSÉ DE SOUZA CASTRO 1

Gestão diária da pobreza ou inclusão social sustentável?

Como Passar em Química Geral*

Sessão 2: Gestão da Asma Sintomática. Melhorar o controlo da asma na comunidade.]

Na contramão de medidas anticrise, movimento ambientalista prega 'decrescimento'

CENTRO HISTÓRICO EMBRAER. Entrevista: Eustáquio Pereira de Oliveira. São José dos Campos SP. Abril de 2011

ipea políticas sociais acompanhamento e análise 7 ago GASTOS SOCIAIS: FOCALIZAR VERSUS UNIVERSALIZAR José Márcio Camargo*

Rodobens é destaque no website Infomoney

3 Dicas Poderosas Para Investir Em Ações. "A única maneira de fazer um grande trabalho é. amar o que você faz." Steve Jobs. Por Viva e Aprenda 2

Unidade 3: Acampamento Balaio

Guia Prático para Encontrar o Seu.

Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, após encontro com a Senadora Ingrid Betancourt

Top Guia In.Fra: Perguntas para fazer ao seu fornecedor de CFTV

5 Dicas Testadas para Você Produzir Mais na Era da Internet

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação


Distintos convidados e demais pessoas nesta sala, é uma grande honra

Educação Ambiental: uma modesta opinião Luiz Eduardo Corrêa Lima

Investigando números consecutivos no 3º ano do Ensino Fundamental

Objetivo principal: aprender como definir e chamar funções.

LONDRES Sessão de planejamento do GAC para a reunião em Los Angeles

30/09/2008. Entrevista do Presidente da República

Programa de Português Nível A2 Ensino Português no Estrangeiro. Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, IP

Superando Seus Limites

MALDITO. de Kelly Furlanetto Soares. Peça escritadurante a Oficina Regular do Núcleo de Dramaturgia SESI PR.Teatro Guaíra, no ano de 2012.

3 O Panorama Social Brasileiro

PROBLEMA É IMPLEMENTAR LEGISLAÇÃO

ESTUDO 1 - ESTE É JESUS

Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião da visita à Comunidade Linha Caravaggio

Objetivos das Famílias e os Fundos de Investimento

COMO INVESTIR NO TESOURO DIRETO

Cozinha: um prato cheio para a ciência

Sumário executivo. ActionAid Brasil Rua Morais e Vale, 111 5º andar Rio de Janeiro - RJ Brasil

RELATÓRIO MESA DEVOLVER DESIGN (EXTENSÃO) Falta aplicação teórica (isso pode favorecer o aprendizado já que o aluno não tem a coisa pronta)


Anexo 2. . Falar educação Um programa do Instituto de Tecnologia Educativa Radio Televisão Portuguesa (1975) EDUCAÇÃO PELA ARTE

ENTREVISTA. Clara Araújo

FORMAÇÃO DE JOGADORES NO FUTEBOL BRASILEIRO PRECISAMOS MELHORAR O PROCESSO? OUTUBRO / 2013

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de inauguração do Centro de Especialidades Odontológicas de Campo Limpo

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Consumidor e produtor devem estar

Desigualdade Entre Escolas Públicas no Brasil: Um Olhar Inicial

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Estórias de Iracema. Maria Helena Magalhães. Ilustrações de Veridiana Magalhães

Entenda a tributação dos fundos de previdência privada O Pequeno Investidor 04/11/2013

COMO PARTICIPAR EM UMA RODADA DE NEGÓCIOS: Sugestões para as comunidades e associações

É isso mesmo quando você elabora um discurso de vendas, quando você cria uma copy, qual capa você veste? Qual o seu arquétipo?

HISTÓRIA DE LINS. - Nossa que cara é essa? Parece que ficou acordada a noite toda? Confessa, ficou no face a noite inteira?

Conheça as 20 metas aprovadas para o Plano Nacional da Educação _PNE. Decênio 2011 a Aprovado 29/05/2014

A ESCOLHA DOS TRABALHADORES

ONG S E ASSOCIAÇÕES. Aproveite bem todas as dicas, fotos e textos deste guia, pois eles são muito importantes.

Anexo F Grelha de Categorização da Entrevista à Educadora Cooperante

LIÇÃO 8 MANSIDÃO: Agir com mansidão com todos

Aula 4 Estatística Conceitos básicos

O céu. Aquela semana tinha sido uma trabalheira!

Introdução. Bom, mas antes de começar, eu gostaria de me apresentar..

LIÇÃO 2 AMOR: DECIDIR AMAR UNS AOS OUTROS

2015 O ANO DE COLHER ABRIL - 1 A RUA E O CAMINHO

TUDO QUE VOCÊ PRECISA SABER PARA GRAVAR SUA ENTREVISTA

ENTREVISTA "Não se ganha com. a caça ao dividendo"

ALEGRIA ALEGRIA:... TATY:...

DIREITOS AUTORAIS E ACESSO À CULTURA São Paulo, agosto de 2008 MESA 2 LIMITAÇÕES E EXCEÇÕES DA LEI

Transcrição:

Chegou a hora de olhar a classe média Ricardo Paes de Barros (entrevista de Flavia Lima) Valor Econômico, 13.11.2013 Brasil desenhou política de combate à pobreza tão eficiente que está acabando com os pobres, afirma Ricardo Paes de Barros Uma política pública muita bem desenhada se autodestrói. E o Brasil delineou uma política de combate à pobreza tão eficiente que está acabando com os pobres, afirma o subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Ricardo Paes de Barros. Os números impressionam. Em dez anos, o percentual de pobres na população brasileira caiu de 49% para 28%, enquanto o de ricos subiu de 13% para 19%. A classe média - uma camada que, nas contas da SAE, tem renda entre R$ 291 e R$ 1.019 per capita - absorveu controversos 40 milhões de pessoas, saltando de 38% para 53% da população. Há quem discuta o tamanho "real" desse grupo. Paes de Barros ressalta que 54% da população mundial tem renda per capita abaixo de R$ 291 e apenas 18% acima de R$ 1.019, o que torna as linhas de corte bastante razoáveis. E diz que a discussão mais relevante é outra. "O que importa mesmo é saber quem são esses caras, onde estão." Para o estudioso, esse é o novo desafio do governo, que vai ter que passar a olhar com mais cuidado para uma classe, cujas necessidades são outras. "O problema é que o Brasil aprendeu a chegar ao mais pobre do pobre, mas ninguém tem muita ideia de como fazer política para essa classe média." Para o pobre, diz ele, as condicionalidades do Bolsa Família funcionam. "Já na classe média baixa, vai ser preciso escutar o cara para saber o que ele quer." Considerado o responsável pelo formato atual do Bolsa Família, programa que atende 13,8 milhões de famílias, ou o correspondente a um quarto da população brasileira, Paes de Barros diz que a cobertura não precisa mais ser ampliada, mas melhorada. Hoje, o benefício mínimo é de R$ 32 para famílias em situação de pobreza - com renda mensal per capita entre R$ 70,01 e R$ 140 - e que têm criança, jovem ou gestante em sua composição, limitados a cinco benefícios. Se os valores incentivam o aumento das famílias, o último censo demográfico sugere que isso não está acontecendo. A taxa de fecundidade total da população brasileira varia de 1,7 filho no Sudeste a 2,5 filhos no Norte - ou 1,9 filho na média no país. Contra essas e outras ideias cristalizadas a respeito do programa, que hoje nem mesmo a oposição ousa excluir de sua plataforma, o estudioso lança mão de um raciocínio simples: "Ao se dar mais renda para alguém, é natural que essa pessoa seja mais exigente". Sem medo de polemizar, Paes de Barros, ou "PB" como é conhecido, afirma que, se convidado, certamente voltaria a elaborar o capítulo social de um eventual programa de Marina Silva. E encerra a entrevista dizendo que rótulos não o preocupam. "Nunca vou defender o aumento do tamanho do Estado", diz. "Mas a educação em todos os níveis deveria ser feita de modo que pobres e ricos fossem misturados na mesma sala de aula, sentassem no mesmo refeitório, usassem o mesmo ônibus e tivessem acesso aos mesmos livros. Mas no fim do mês para o rico chegaria uma conta e para o pobre, não. Se isso é ser liberal, eu sou liberal." A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O sr. já falou que o que o surpreende não é a queda da pobreza ou da desigualdade, mas isso ocorrer todo ano. No entanto, a PNAD mostrou estabilidade na queda da desigualdade em 2012. O dado surpreendeu, ou é preocupante? Ricardo Paes de Barros: A desigualdade não caiu, mas a pobreza, sim. A renda dos mais pobres continuou crescendo acima da média. Só que antes quem estava pagando a conta eram os ricos. No ano passado, quem pagou a conta foi mais a classe média. Logo, o Brasil continuou fazendo com que a renda dos mais pobres crescesse mais rápido do que a [renda] média. O que aconteceu de não usual é que o Brasil vinha numa trajetória em que a renda dos ricos crescia muito abaixo da média e, de repente, cresceu acima da média. Valor: E isso acende algum sinal amarelo? Paes de Barros: Em um contexto em que a renda dos pobres cresceu mais de 10%, não me preocupa que os ricos estejam crescendo também. Mas pode ser que em outro momento, em que o crescimento [da renda] seja mais lento, isso faça falta. Eu diria que no último ano isso não fez muito falta. A pobreza caiu como nunca, porque os pobres ganharam bastante. Valor: Nos últimos anos, o aumento do salário mínimo acima da inflação foi crucial na redução da desigualdade, mas ele deve perder força. Como o sr. vê isso? Paes de Barros: As altas do salário mínimo têm muito mais a ver com a classe média. E como a desigualdade é muito sensível à classe média - tanto é que no mundo em que o pobre estava indo muito bem, bastou a classe média não ir tão bem para que a desigualdade parasse de cair -, o salário mínimo parar de crescer pode desacelerar a queda na desigualdade como medida. Mas pode continuar acontecendo de a pobreza continuar a cair. O salário mínimo pode não ser tão importante para a redução continuada da pobreza. "Em todo país que vai ficando mais rico, as pessoas não ficam mais preguiçosas, ficam mais exigentes. E isso é bom" Valor: Ao mesmo tempo, o sr. defende que o próximo passo do governo seja olhar para essa classe média gigante que ascendeu. O que isso significa exatamente? Paes de Barros: Nós já estamos com extrema pobreza de 5%. Costumo dizer o seguinte: uma política pública muita bem desenhada se autodestrói. Então, o problema do Brasil hoje em dia é que ele desenhou uma política pública de combate à pobreza tão bem- sucedida que está acabando com os pobres. Essas pessoas não vão ser mais tão pobres e vão ter outras necessidades. Cheguei à escola, agora vou ter que melhorar a qualidade da escola. Como? Primeiro em coisas básicas, como a merenda, o livro didático. Aí vou ter que trabalhar o professor. O problema é que o Brasil aprendeu a chegar ao mais pobre do pobre, mas ninguém tem muita ideia de como fazer política para essa classe média. Além do que, para o pobre é possível fazer política como a condicionalidade do Bolsa Família. Já na classe média baixa, vai ser preciso escutar o cara para saber o que ele quer. Toda política pública efetiva tem que correr atrás o tempo todo, se modificar. É como estar sujeito a um tratamento psicanalítico. Dez anos no tratamento falando a mesma coisa é sinal que tem algo errado. Valor: Mas há uma novidade em relação à classe média. O sr. acredita que essa classe média esteja próximo do pico?

Paes de Barros: Há gente que a acha que a classe média vai crescer sempre. Não vai. Acredito que a classe média vai atingir um pico e que, talvez, até por questões de como a gente definiu a classe média, podemos ter começado a mensurar, sem querer, perto do pico. Seria uma questão metodológica. Isso não quer dizer que a classe baixa não vai despencar. Mas a passagem da classe média para a alta vai ser mais intensa, não permitindo que isso [a classe média crescer muito] aconteça. E isso não é ruim, é bom. Valor: Como o sr. responde aos críticos do Bolsa Família, que falam que há certo imobilismo, ou que não há porta de saída? Paes de Barros: Ao se dar mais renda para alguém, é natural que essa pessoa se torne mais exigente. Um emprego ridículo o cara não vai aceitar. Agora, experimenta aumentar o salário para ver se ele aceita. Há um aumento de renda que simplesmente tira a pessoa de uma situação absurda, de fazer qualquer coisa para o filho não morrer de fome, uma situação que dá certo poder de barganha para quem vai empregar aquela pessoa. Agora, se eu digo, a alimentação do seu filho eu garanto, o cara vai poder ser mais exigente na hora de trabalhar. Em todo o país que vai ficando mais rico, as pessoas não ficam mais preguiçosas, ficam mais exigentes. E isso é bom. Valor: Há um lado ruim? Paes de Barros: O Bolsa Família tem que ser cuidadoso com o incentivo negativo. Por exemplo, se eu disser que te dou R$ 100, mas que se você arranjar um emprego eu te tomo os R$ 100, você vai pensar, se eu tenho R$ 100 garantidos para que trabalhar para ganhar os mesmos R$ 100? Isso é um desincentivo real, que não acontece só com o Bolsa Família, mas com todo sistema de impostos, por exemplo. O Bolsa atua como o imposto. O motorista de táxi que paga certinho todos os impostos dele, na hora em que tem que decidir se trabalha mais uma hora, ou vai para casa, ele leva esse problema em consideração também. A menos que alguém ache que o pobre é particularmente preguiçoso. Mas o Bolsa Família tem uma técnica especial para lidar com isso: hoje, se o [ex- ] beneficiário perder o emprego, tem automaticamente seu incentivo restabelecido. Ou seja, se você declarar a renda, você sai com direito a voltar sem pegar fila. Valor: São dez anos de Bolsa Família, a abrangência chegou ao limite? Paes de Barros: A cobertura de hoje não precisa ser aumentada, precisa ser melhorada. Há algumas pessoas fora, uns 2% ou 3% da população que continuam não recebendo e precisariam receber. "O Brasil precisa decidir se quer dar um salto em educação. É mais ou menos igual aos EUA, quando decidiram ir para a Lua" Valor: O programa continua sendo uma ferramenta importante na redução da pobreza e da desigualdade? Paes de Barros: Ele é e sempre será. Porque sempre há pessoas que, por variadas razões, como a perda do emprego, se tornam pobres. Todo país desenvolvido no mundo tem um equivalente ao Bolsa Família. E quanto mais rico um país é, mais ele vai ser benevolente num programa desse tipo.

Valor: O Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo. O sr. vê o país deixando esse grupo em um prazo razoável? Paes de Barros: Estamos reduzindo a nossa desigualdade muito rapidamente, mas se vamos deixar esse grupo vai depender do que acontece com a desigualdade nos outros países do grupo. Os países mais desiguais do mundo são os latino- americanos e alguns africanos, e nós pertencemos a um grupo que está fazendo um dever de casa parecido com o nosso. Valor: Como o sr. vê a iniciativa de usar recursos do pré- sal ou destinar 10% do PIB para a educação? Paes de Barros: Recurso nunca é motivo para comemorar nada. O Brasil precisa decidir se quer dar um salto em educação ou não. É mais ou menos igual ao que os Estados Unidos fizeram quando decidiram ir para a Lua. Tem que tomar a decisão de fazer alguma coisa excepcional. Se nós realmente queremos fazer algo que ninguém faz, precisamos gastar mais. Mas se a gente continuar fazendo o mesmíssimo de sempre e gastar 10% do PIB em educação, não vamos crescer duas vezes mais rápido do que os outros. O que estou dizendo é que acho que a discussão dos 10% veio antes da discussão do que queremos. Por isso a analogia com a corrida espacial americana é válida. Chegar à Lua talvez fosse mais fácil. A educação aqui é totalmente centralizada, envolve 5 mil e tantos municípios autônomos e Estados autônomos. O poder do Ministério da Educação é limitado e dependemos dramaticamente da participação dos pais, da comunidade e dos alunos. Quem perguntou se eles querem fazer isso? Valor: Seria importante centralizar? Paes de Barros: Não sei se a solução é centralizar, temos que entender que isso envolve um sacrifício. Os dois países que mais gastam com educação são Coreia e Chile, com 8% e 7% do PIB, respectivamente. Só que metade disso, 4% e 3,5%, é privado. Então, eu não estou entendendo o seguinte: por que vamos gastar 10% do PIB com educação e o filho do rico vai para a universidade pública gratuita? Se esse é um esforço nacional para educação, então vamos aumentar o gasto privado. Se toda a população brasileira quer isso, as famílias têm mil maneiras de realocar dinheiro para educação. Se o objetivo é dobrar a velocidade, e se isso gasta 10% do PIB, sou a favor, mesmo que dê errado depois. Mas preciso ter certeza que estamos engajados em uma mudança de rota, que está todo mundo consciente que isso vai sacrificar saúde, habitação, saneamento, infraestrutura e outras coisas. E eu estaria mais contente se visse 5% vindo do setor privado, ainda que 10% viessem do setor público. Valor: O sr. é a favor de cotas em universidades para negros e estudantes vindos do ensino público? Paes de Barros: A maneira mais simples de ver isso é a seguinte: existe uma dívida social com as famílias mais pobres e particularmente com a população negra. O maluco da história é que só faz sentido falar em cota para uma coisa que tem teto. Não faz sentido dar cota para as pessoas comerem feijão, porque é possível aumentar a produção do grão. Acho que o importante na educação superior é aumentar o número de vagas e universidades, afinal não há razão para não fazê- lo. Recursos? O setor privado está aí para isso. Deixa o setor privado criar novas universidades ou aumentar vagas. E aí, para cada pobre,

independentemente se ele vai estudar no setor privado ou público, é gratuito. E o rico, dependendo da renda dele, vai pagar 10%, 50%, 90% ou 100%. E vou expandir a oferta de vagas, porque não faz sentido alguém querer ser engenheiro, ter condições para ser engenheiro e não ter universidade. É ridículo. Para que inventar cota para algo que eu posso ter mais? Agora, enquanto não tenho mais, faz todo sentido que as vagas gratuitas fiquem na mão de quem mais precisa. Valor: O sr. está com um mapa das políticas públicas voltadas para a produtividade do trabalho. Qual são as principais sugestões? Paes de Barros: O Brasil tem um problema grave, ele está aumentando a remuneração do trabalho mais rápido que a produtividade do trabalho e isso vai dar besteira em algum lugar. O [economista Nobel de 2008] Paul Krugman tem uma frase célebre em que diz que a produtividade do trabalho não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo. Então, temos que prestar atenção nisso. O mapa está baseado em sete linhas, como valorizar o que se produz e criar um ambiente de negócios saudável, de tal maneira que oportunidades produtivas não sejam perdidas. Valor: E em que pé está isso? Paes de Barros: Apresentamos isso a um conjunto de especialistas, discutimos por um dia com eles, coletamos um monte de recomendações e agora estamos num processo de rever tudo isso. O objetivo final é não só ver áreas em que faltam políticas, mas dar uma ideia para todo mundo que hoje o Brasil tem mais de uma centena de políticas de promoção da produtividade. Teremos isso completamente pronto em junho. Valor: O sr. elaborou o capítulo social do programa da Marina Silva em 2010. Pretende fazer isso novamente? Paes de Barros: Certamente. Quem não aceitasse o convite da Marina teria que ser louco. Se for convidado para apoiá- la em algo... vou eternamente apoiar a Marina nas coisas que ela faz, mas não há nenhuma movimentação nesse sentido. Valor: O sr. se considera mesmo um liberal? Paes de Barros: Não tenho medo, nem nada contra nem a favor de nenhum rótulo. Se ter uma profunda preocupação com pobreza, desigualdade, com a garantia dos direitos das pessoas e do bem- estar é ser liberal, então eu sou liberal. Eu vejo o Estado e a intervenção pública como um meio e não como um fim. Então, nunca vou defender o aumento do tamanho do Estado, ou que ele seja grande. O que eu acho é que alguns serviços têm que ser produzidos publicamente, como segurança pública, Justiça. Mas em saúde e educação não há clareza no mundo. A Suécia está prestes a privatizar todas as escolas do país, apesar de todo mundo ter acesso à educação gratuita. A função do Estado é estar pensando, distribuindo recursos, pagando a conta. Quando ele começa a botar a mão na massa para fazer, é preciso pensar bem. A outra coisa que acho que confunde também é a questão da focalização. A educação em todos os níveis deveria ser feita de modo que pobres e ricos fossem misturados na mesma sala de aula, se sentassem lado a lado, usassem o mesmo ônibus e tivessem acesso aos mesmos livros. Mas no fim do mês para o rico chega a conta e para o pobre, não. O que eu [rico] ganho com isso? Vou pagar menos imposto. O direito é

universal, mas o serviço não é universalmente gratuito. Se isso é um pensamento liberal, sou liberal.