Cozinha: um prato cheio para a ciência

Transcrição

1 Cozinha: um prato cheio para a ciência Brincar com a ciência é o único jeito de fazer divulgação científica, defende o biólogo, jornalista e divulgador argentino Diego Golombek. Desde 2003, ele vem brincando com a ciência em Científicos Industria Argentina, um programa de divulgação científica semanal veiculado em um canal televisivo argentino. Um dos assessores científicos do programa, Golombek é o responsável pelo quadro sobre ciência na cozinha, em que faz todo o tipo de experimentos culinários em frente às câmeras. Suas experiências na cozinha foram parar também no livro El cocinero científico, escrito com Pablo Schwarzbaum, publicado na Argentina pela Siglo XXI Editores. Diego Golombek veio em maio ao Brasil participar de dois eventos sobre a ciência na cozinha, promovidos pelo Centro de Estudos do Museu da Vida/Fiocruz, em parceria com o restaurante Canto d Alice. Foi nessa ocasião que o biólogo concedeu esta entrevista à Carla Almeida, em que fala sobre seu ingresso na divulgação científica e sobre a experiência de usar a cozinha como meio de difusão da ciência. Golombek fala,

2 ainda, das dificuldades de equilibrar conhecimento e entretenimento e dos desafios da divulgação científica na Argentina. Você é biólogo, jornalista e divulgador. O que veio antes, o gosto pela comunicação ou pela ciência? Sempre gostei muito de escrever. Escrevo contos, romances... Acho muito interessante a divulgação científica literária. Já escrevia em jornais quando conheci Leonardo Moledo, um dos divulgadores científicos mais conhecidos na Argentina. Ele dirige um suplemento de divulgação científica que sai aos sábados no jornal Página 12. Eu me ofereci para colaborar para o suplemento. Ele pediu para eu escrever um texto, eu escrevi e ele gostou. A partir de então, comecei a escrever uma coluna no suplemento. Comecei também a escrever para revistas, sempre mostrando a ciência no cotidiano. Simultaneamente ao trabalho no jornal e em revistas, estudava biologia. Depois que me formei, fiz doutorado e continuei escrevendo para jornais e revistas. Publiquei então meus primeiros livros de divulgação científica. Mais tarde, depois de voltar de um estágio de pós-doutorado no Canadá e nos Estados Unidos, trabalhei em uma coleção de livros de divulgação, que se chama Ciencia que ladra (Ciência que late). Um dos livros chama-se El cocineiro cientifico (O cozinheiro científico), que foi um sucesso inesperado. Como a idéia do livro de explorar a ciência na cozinha ganhou espaço em um programa de televisão? Organizo com uns colegas um acampamento científico, para jovens entre 14 e 17 anos. Quando estávamos divulgando os acampamentos, escrevi para um produtor de televisão. Ele me respondeu que ficou muito interessado porque pensava em fazer um programa de ciência na televisão. Imediatamente, eu disse que queria participar. Discutimos diversas possibilidades, de fazermos entrevistas, reportagens, informes... e um quadro de cozinha! Ele gostou muito da idéia, então começamos, em 2003, a fazer a cozinha científica na TV. O programa tem uma hora de duração e passa uma vez por semana. O quadro de cozinha tem cerca de cinco minutos e é muito engraçado. O apresentador é um matemático jornalista muito conhecido na Argentina, Adrian Paenza. Foi o primeiro programa de televisão sobre a ciência argentina. Os cientistas ficaram muito interessados em ter um espaço para falar sobre suas pesquisas e o público também gostou muito. Estávamos em um canal estadual e agora passamos para um canal privado com muito mais audiência.

3 Por que você escolheu a cozinha como meio de divulgar ciência? A cozinha foi a melhor desculpa que encontrei para mostrar que a ciência é uma atividade cotidiana e está escondida por toda parte. A cozinha é química, física e biologia. Todo mundo conhece a cozinha e todo mundo gosta de comer. Mesmo aqueles que não cozinham já fizeram um macarrão, um ovo frito... Acredito que dê para conhecer mais sobre o que está por trás do que fazemos na cozinha. Como você faz para manter o equilíbrio entre conteúdo científico e entretenimento? Brincar com a ciência é o único jeito de fazer divulgação científica. Agora, saber o limite para a analogia que mantém o rigor científico é uma briga permanente. Em nosso programa, temos um grupo de cientistas assessores. Eu sou um deles. Nosso trabalho é controlar isso. O programa tem que ser engraçado, tem que divertir, e os conceitos científicos precisam estar corretos. É muito difícil fazer esse equilíbrio. Também é difícil fazer o equilíbrio entre as ciências naturais e as ciências sociais. Divulgar as ciências sociais é complexo, porque não tem experimentos, não tem imagens para mostrar. Mas já fizemos alguns programas de história, antropologia, de economia... que ficaram bem interessantes. Na sua avaliação, as pessoas conseguem absorver os conceitos científicos explorados nesse tipo de atividades? Sem dúvida. O importante é entender o que o cientista quer. Se a pergunta de um cientista diante de um problema científico não é compreensível, alguma coisa está funcionando mal. Sou um biólogo, nunca vou compreender os detalhes da física quântica. Mas se não compreendo que pergunta é feita por um físico quântico, não acredito nessa ciência. Queremos, em nosso programa, que as pessoas entendam o que o cientista está buscando.

4 Qual a diferença entre fazer atividades de divulgação científica para crianças e para adultos? Para o público adolescente, jovem e adulto, não é preciso ter uma formação didática, não é preciso conhecer técnicas pedagógicas ou conhecer de docência. Mas, para crianças pequenas, sim. Qual o desafio atual da divulgação científica na Argentina? Um problema grave na Argentina é que tudo está muito centralizado. Tudo acontece em Buenos Aires. É como acontece no Brasil com São Paulo e Rio. Mas acho que lá é ainda pior. Temos muito pouca divulgação científica fora de Buenos Aires. Os poucos centros de ciência que temos não são interativos. É muito importante criar centros de ciência interativos, pequenos, não precisam ser um La Villette. É preciso incentivar as crianças a visitarem centros de ciência e também centros de pesquisa. Temos uma espécie de semana da ciência em que algumas instituições abrem as portas, mas ainda é pouco. Organizo um ciclo de palestras de divulgação científica em Buenos Aires, temos um café científico na cidade... Agora temos que estender essas iniciativas a outras províncias. Mas é um trabalho de formiga. Tenho muito inveja do que acontece no Brasil com divulgação científica. Há um plano para fazer divulgação a nível federal, tem mais dinheiro para investir em centros de ciência, em jornais e revistas. Temos muito que aprender com o Brasil, precisamos fazer programas conjuntos para aproveitar a experiência brasileira,

5 fazer intercâmbio de exposições entre museus, fazer programas de televisão em parceria... Você acredita que o tipo de experimentos que fez no evento Ciência na cozinha pode ser adaptado às salas de aula? Claro que sim. Meus colegas dos acampamentos científicos e eu escrevemos um livro que se chama Ciencia em aula (Ciência na sala de aula), em que expomos a idéia de que a única maneira de aprender ciência é fazendo ciência. O livro, que deve ficar pronto em agosto, é uma proposta de cientistas para professores, para que eles tenham uma outra forma de ensinar ciência. Não é preciso ter um laboratório de última geração, não é preciso, necessariamente, de microscópio... Mas é fundamental que os alunos passem pelas etapas da pesquisa científica, de pensar uma pergunta, desenhar um experimento, observar a natureza, brigar entre eles com hipóteses e respostas alternativas... Esta é a única forma de aprender ciência.