CARREIRÓDROMO, CAVALHÓDROMO E CONGÓDROMO: LUGARES DE FESTA EM GOIÁS



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Transcrição:

CARREIRÓDROMO, CAVALHÓDROMO E CONGÓDROMO: LUGARES DE FESTA EM GOIÁS Carlos Eduardo Santos Maia Doutor em Geografia Professor da UFJF-MG carlmaia@yahoo.com Maria Elisabeth Alves Mesquita Soares Doutoranda em Geografia UFG-GO Professora da rede estadual de educação de Goiás Professora da UNIFAN geoelisabeth@gmail.com Raquel Lage Tuma Doutoranda em Geografia UFG-GO tuma.raquel@gmail.com RESUMO Os espaços festivos, espaços usados e criados para realização de festas, merecem uma maior reflexão, sendo esses espaços essenciais para a realização de festas que refletem costumes, tradições e modos de vida de determinadas sociedades. O presente trabalho tem o objetivo de apresentar uma reflexão sobre os espaços festivos, ambientes que se tornaram lugares de festas, os quais foram construídos e montados exclusivamente para abrigar festas tradicionais que ocorrem em diversas cidades. Daremos enfoque aos espaços com sufixo ódromo, a fim de apontar os lugares de festa com uso específico para a realização das manifestações populares e apresentar estes lugares. O recorte espacial desta pesquisa é o estado de Goiás, e os lugares de festas são os conhecidos como carreiródromo (lugar do desfile de carros de bois em Trindade-GO), cavalhódromo (lugar da apresentação das cavalhadas em Pirenópolis-GO) e congódromo (lugar da Congada em Catalão-GO). Palavras-chave: Espaço; lugar; carreiródromo; cavalhódromo; congódromo. INTRODUÇÃO Os novos rituais festivos tomam formas diversas e avançam sobre diferentes lugares e espaços. Gravari-Barbas (2011, p. 208)

Com essa sentença de Gravari-Barbas inicia-se a discussão que se propõe aqui, espaços festivos que se tornam os lugares das festas, e foram criados especificamente para isso, até seus nomes. Foram batizados para festa a que se propõem. Por diferentes motivos, várias festas saíram das ruas e foram para locais fechados, ora construídos especificamente para a festa, ora utilizando espaço com outras finalidades, criando assim novos espaços festivos e construindo outra tradição: festar em espaços fechados. Espaços fechados geralmente são pagos e com horários mais rigorosos de funcionamento, com regras para entrada e saída, limitando também o sujeito que entra na festa, esse deverá ter condições para pagar a entrada e, possivelmente, um mendigo/maltrapilho não entrará na festa. Maia (1999), quando buscou interpretar a dimensão espacial das festas populares brasileiras, percebeu que várias utilizam de espaços durante a ocorrência da festa, espaços esses que depois possuíam outras funções. As festas agropecuárias, por exemplo, saíram das ruas e foram para os Parques de Exposição Agropecuária e os rodeios que eram em currais montados na cidade foram para as grandes arenas fixas dentro desses parques, como a gigantesca arena de Barretos- SP. A Oktoberfest, em Blumenau-SC, tem um espaço específico para acontecer, e antes era nas ruas da cidade. As festas religiosas também saíram das ruas e foram para os salões paroquiais, isso no caso das católicas. E as outras religiões começaram a investir em espaços maiores e chácaras para realizarem os seus eventos. O processo de reprodução do espaço urbano vai se constituindo eliminando pontos de encontros, o lugar da festa, trajando os rituais e seus mistérios, eliminando referenciais, destruindo a memória social e fragmentando o espaço e as relações entre os indivíduos através da descaracterização de bairros inteiros (CARLOS, 1993, p. 308). Muitas festas utilizam os clubes sociais como os de maçonaria, Rotary Clubs, Lions Club, Clubes de bancários, Jóqueis Clubes, Clubes particulares, Associações e Casas de Cultura e outras foram para galpões particulares, alugados ou emprestados. Tem também as festas que saíram da rua e foram para os ginásios de esporte. Isso é bem recorrente no estado de Goiás,desde a década de 1980, quando

os governantes espalharam ginásios por todo o Estado, em especial o governo de Iris Resende. Continuando nos locais esportivos tem-se também os estádios de futebol, autódromo e clubes de jóqueis (montagem a cavalos) que frequentemente recebem festas. As necessidades de espaço mudaram, tanto em função dos requisitos da produção como da circulação, mais exigente de rapidez. Por isso, a cada dia que passa, mais o espaço tem que ser preparado de maneira particular para cada tipo de produção, como aponta Santos (1994, p. 48). A partir dos novos usos dos espaços urbanos e uma centralidade na preocupação com o trânsito, várias cidades brasileiras já possuem Centros de Convenções ou, como no caso de Goiânia, há o Centro de Cultura e Convenção e muitas festas vão para esses locais. A cidade, a tal qual era, deixa de ser lugar adequado para a produção moderna, sendo necessário acrescentar outras áreas, técnicas e cientificamente construídas para responder, deliberadamente a esses reclamos precisos. Isso se dá ao mesmo tempo em que novas vias de circulação têm que ser criadas para que a produção possa escoar rapidamente (SANTOS, 1994, p. 48). Existem também as casas de shows, que não realizam somente shows que não deixam de ser festas, mas também alugam para promoções de festas, como as temáticas (havaiana, fantasia, brega, halloween). Aliado a isso, vários empresários montaram espaços para festas (infantil e adulto) e esses estão espalhados pelas cidades, porém, recebem festas que antes eram realizadas nas residências, festas particulares e não as de rua, entretanto, há importância de citá-los nesse momento. Todos esses espaços festivos citados não trazem somente o sentido de restringir, organizar o espaço, mas também exclui e delimita um território, e mais exalta o poder vigente, como diz Sack (1986). E complementa Maia (1999, p. 206): O poder público este agente, na forma de governos, geralmente interfere na produção do espaço da festa estabelecendo limites para a sua localização, horário de ocorrência e formas de ocupação do espaço (áreas de estabelecimento de comércio temporário, mafuás, bandas de música, etc). Os governos também divulgam e subvencionam determinadas festas ou alguns de seus eventos, utilizando para isso das secretarias de turismo.

O judiciário geralmente é acionado para disciplinar determinados aspectos das festas ou coibir excessos, o que não raro é acompanho de conflitos com os participantes. Como exemplo, cita-se a Cidade de Aparecida de Goiânia Região Metropolitana de Goiânia. Em meados do século 20, a Festa em Louvor à Nossa Senhora Aparecida era feita na Igreja e na praça, com o crescimento do público e emancipação da cidadezinha, a festa foi para as ruas próximas à igreja. Nacionalmente o dia de Nossa Senhora Aparecida é 12 de outubro, porém, nesta cidade a festa é em maio, aniversário de emancipação da cidade. Na década de 1980, a festa foi levada pelo prefeito para uma grande avenida recém-construída, a festa de barraquinhas ganhou uma maior dimensão e outro nome. A Festa de Maio, tinha rodeio de arena itinerante, shows e uma exposição de produtos produzidos na cidade. As novenas, missas e procissões também foram para a rua. Nesse período, o desfile cívico também teve um novo espaço, essa avenida. Nos anos 1990, a associação industrial da cidade se incorporou à festa e a mesma também deixou de ser Festa de Maio para ser a Feira da Indústria e Comércio, e a festa religiosa foi para o ranchão e virou uma festa a parte, mas ainda sim, na rua. E, em 1999, foi criado um espaço com capacidade para 150 mil pessoas, o Rodeio Show de Aparecida de Goiânia. Esse é o novo espaço festivo da cidade, a Festa em Louvor à Nossa Senhora Aparecida, a Festa de Maio e a Feira de Indústria e Comércio saíram da rua, é preciso pagar para entrar, pagar pra ver os shows, pagar para ver o rodeio e pagar pra rezar. Então a Festa de Maio deixa de existir, a Feira vai para dentro do Rodeio Show e uma espetacularização é criada dentro do espaço festivo, um torneio de rodeio, agora já internacional. Os controladores do espaço urbano são capazes de recriar, reorganizar a festa através da modificação dos espaços festivos. É o que Gravari-Barbas (2011, p. 216) chama atenção nesta afirmação: Superando os códigos, os rituais e o sentido, muitas vezes inclusive religioso, que elas carregavam até então, as festas se tornaram eventos acionáveis à vontade pelos atores locais. Elas tendem assim a se autonomizar e a escapar das mãos daqueles que delas ocupavam tradicionalmente para tornar-se um instrumento nas mãos de atores que tem outras competências e preocupação.

A descrição das mudanças do espaço festivo da cidade de Aparecida de Goiânia nos traz grandes reflexões sobre a dinâmica de produção e uso dos espaços festivos no urbano. Entre as reflexões discute-se, a seguir, sobre os espaços criados e denominados especificamente para as festas que geralmente trazem o sufixo ódromo. O sufixo grego dromo significa pista/lugar de corrida, como é usado nas palavras autódromo, aeródromo, kartódromo e hipódromo. No português foi criado um novo uso do sufixo, com o sentido de espaço coletivo e,daí, surgiram os termos sambódromo, camelódromo e fumódromo (OVERMUNDO, 2013). Nesse último sentido é que esses espaços festivos foram batizados e criados. Bumbódromo, sairódromo e cirandódromo são cenários e palcos para espetáculos especializados. Quando se transferem para esses lugares, o Boi-Bumbá, o Sairé (os botos) e a Ciranda perdem um pouco da consistência lúdica: a brincadeira torna-se um ato que exige de todos extremo desempenho profissional. Seus foliões esmeram-se para fazer um espetáculo tecnicamente perfeito; eles não podem falhar diante do público. Então, se passam a sofrer a pressão do público pagante, é evidente que adotem modificações para agradá-lo (NOGUEIRA, 2005, p. 67). Sendo assim, nesta pesquisa trataremos sobre os lugares de festas com o sufixo ódromo, com enfoque a estes espaços criados e montados no estado de Goiás. DE ESPAÇOS FESTIVOS PARA LUGARES DE FESTA EM GOIÁS Afora os citados existe também o Autódromo Internacional de Goiânia Ayrton Sena, que também é usado para festas, contudo seu nome está vinculado a sua função principal, receber os autos veículos. Na obra O homem e a terra, Dardel (2011) considera espaços construídos aqueles que são obra do homem e que, para ele, se distinguem em qualidade e significado. O homem constrói espaços que lhe servem de comunicação, como as estradas, ruas e linhas férreas capazes de criar rotas que desfazem o espaço e que,

assim, podem recriá-lo ou reagrupá-lo. Esta rota reconstruída acaba por dar-lhe mais um sentido, como o de direção. Nesta perspectiva de construção do homem, refletimos os espaços das cidades criadas e recriadas por ele, por exemplo: casas, centros comerciais, patrimônios arquitetônicos, espaços de lazer e de festas. Estes espaços de festas muitos são construídos especificamente para um determinado uso, a pensar: o salão para festas infantis, que possuem características e equipamentos próprios para os seus usuários; o salão para festas de casamento, festas de 15 anos ou jantares empresariais; salões de entidades ou de clubes sociais, que são destinados para diversos tipos de eventos; além de estádios, ginásios de esportes, casas de shows, entre outros; e, destacamos aqui, os espaços com sufixos ódromo, sambódromo, bumbódromo, forródromo, quadrilhódromo, carreiródromo, cavalhódromo e congódromo. No tópico 3 e 4 trataremos sobre os ódromos citados. O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado (TUAN, p. 151). Partindo dessa afirmação do autor, trataremos a seguir sobre o conceito de lugar a fim de buscar a definição e os significados e representações dos espaços criados para as festas e, em seguida, mais especificamente os lugares de festas com sufixo ódromo, os quais surgiram para um uso específico. O conceito de lugar tem diversas abordagens em diferentes ciências sociais e humanas. Tuan (1983, p. 179) considera também que o lugar pode ter diversas definições, entre elas: lugar é qualquer objeto estável que capta a nossa atenção. Se o espaço é, sem dúvida, uma simultaneidade de estórias-atéentão, lugares são, portanto, coleções dessas estórias, articulações dentro das mais amplas geometrias do poder do espaço. Seu caráter será um produto dessas interseções, dentro desse cenário mais amplo, e aquilo que delas é feito. Mas também dos não-encontros, das desconexões, das relações não estabelecidas, das exclusões. Tudo isso contribui para a especificidade do lugar (MASSEY, 2009, p. 190). Tuan (1983) aponta que muitos lugares possuem pouca notoriedade visual, entretanto são extremamente significantes para alguns indivíduos e grupos. O autor diz que não são conhecidos através do olho crítico ou da mente, mas sim emocionalmente. E, ainda, considera que a arte e a arquitetura buscam a visibilidade. São tentativas de dar forma sensível aos estados de espírito,

sentimentos e ritmos da vida diária. A maioria dos lugares não são criações deliberadas, pois são construídas para satisfazer necessidades práticas (TUAN, 1983, p. 184). Neste contexto, fazemos um paralelo e refletimos que espaços criados para realização de festas que são fixos, como o cavalhódromo e o carreiródromo e, ainda, os espaços que são móveis e montados no período, como o congódromo fazem parte desta visibilidade a experiência a qual acontece em suas respectivas festas. Consideraremos, aqui, os espaços que foram alterados para a comunidade, cujos foram criados para uso específico pelo governo, os quais se tornaram lugares de festa. Neste estudo daremos o enfoque aos lugares de festa com sufixo ódromos no estado de Goiás. ÓDROMOS COMO LUGARES DE FESTA Muitos destes lugares criados para festas são oriundos de políticas a fim de utilizá-los como ferramentas com o intuito de beneficiar ou valorizar entidades e partidos. A cidade que recebe espaços como estes também ganham em virtude das possibilidades de promoção da festa, trazendo visitantes para a cidade, proporcionando geração de renda para a comunidade em geral através da atividade turística. Em outros estados são contemplados com outros espaços que foram construídos com o intuito de realização de festas com sufixo ódromo, como o Sambódromo, Bumbódromo, Quadrilhódromo e Forródromo. O Rio de Janeiro foi a primeira cidade a construir um Sambódromo, localizado na Avenida Marquês de Sapucaí. A obra foi projetada pelo arquiteto renomado Oscar Niermayer e inaugurada em 1984. Primeiramente teve o nome de Avenida dos Desfiles, depois Passarela do Samba e, hoje, Passarela Professor Darcy Ribeiro, mas popularmente conhecido como Sambódromo. É um espaço destinado para o desfile de escolas de samba, que possui uma extensa passarela de cerca de 700 metros de comprimento. Entretanto já recebeu outros tipos de eventos, como shows de música, ópera, cultos e até mesmo eventos esportivos, de motociclismo e mega rampa de skate. Para as Olimpíadas de 2016 está previsto que a passarela do samba sediará algumas competições, tais como a chegada da

maratona e as provas de tiros com arco. Existem outros sambódromos no Brasil, por exemplo, na cidade de São Paulo, Bauru (inaugurado antes da capital Paulistana, em 1990), Paulínia e Macapá. O Bumbódromo foi criado em 1988 para a realização do Festival de Parintins que acontece na cidade de Parintins, no estado do Amazonas. Em formato de arena, possui arquibancadas divididas igualmente em azul e vermelho, em virtude da disputa entre dois dos grupos folclóricos, denominados Boi Garantido, azul e branco, e Boi Caprichoso, vermelho e branco. Os Quadrilhódromos, muito conhecidos no Nordeste brasileiro, são lugares para receber as competições das quadrilhas das tradicionais festas juninas. São espaços semelhantes como as quadras de esporte, nos quais muitas vezes são montados palcos e arquibancadas para maior apreciação e conforto para o público. O Forródromo, também tradicionalmente utilizado pelos nordestinos, mais especificamente pelos paraibanos, como é o caso de Campina Grande, que devido à amplitude e importância da Festa de São João para a cidade, possui um espaço com palco para shows, pista de dança e apresentações de forró. Em 1986 foi inaugurado o Parque do Povo para a realização desta imensa festa, que, em 2006, já chegou a registrar 1,2 milhão de participantes. O local possui seu original Forródromo, denominado Pirâmide do Povo, devido à sua forma de arquitetura geométrica, e conta 42 mil metros quadrados, conforme afirma Nóbrega (2007). Dessa maneira, focaremos nossa pesquisa para refletir sobre os espaços de festas criados no estado de Goiás, os quais surgiram devido às tradições que estão enraizadas em sua população. Os eventos acontecem em várias cidades do Estado, entretanto, algumas criaram espaços próprios em virtude da amplitude e importância que se tem dado a estas tradições folclóricas, como é o caso das Romarias, Cavalhadas e Congadas. Carreiródromo O carreiódromo é o termo que surgiu para definir o lugar onde acontecem os desfiles dos carros de bois (Figura 01). Este espaço recebeu o nome de Carreiródromo Municipal Ada Ciro, criado em 2010. É um lugar que foi construído pelo governo municipal, com arquibancadas e camarotes para a realização deste desfile, o qual ocorre na semana das novenas de adoração, durante a Festa de

Trindade na Romaria do Divino Pai Eterno, todo mês de junho, na cidade de Trindade, em Goiás, localizada a 18 km de Goiânia. Para este evento, são centenas de carreiros, alguns percorrem cerca de cem quilômetros para chegar à cidade, advindos de diversos lugares do Estado. D Abadia e Almeida (2009) apontam que, segundo os organizadores da festa, em 2008 obtiveram 258 carros de bois comandados por seus carreiros. No dia do desfile, fazem uma romaria, guiados por um carro alegórico, pelas ruas de Trindade até o carreiródromo, onde é realizado o desfile oficial mediante centenas de pessoas. E, segundo D Abadia e Almeida (2009, p. 75), os carreiros se apresentam com os carros carregados, com seus objetos de viagem, pessoas da família e as faixas identificando a procedência. As autoras descrevem que o carreiro conduz o seu carro de boi auxiliado por uma segunda pessoa denominada de guia que comanda os bois ora chamando-os para andar, ora fazendo-os parar (2009, p. 75). Ainda, conforme as autoras esses desfiles promovem uma (re)significação do uso do carro de boi; a (re)apropriação das ações (práticas) cotidianas também é transformada em festa (2009, p. 75). Cavalhódromo O Estádio Múltiplo Uso Arena das Cavalhadas, conhecido popularmente como cavalhódromo é o lugar onde ocorrem as Festas das Cavalhadas, que encenam as guerras entre mouros e cristãos, na cidade de Pirenópolis, no estado de Goiás. Este espaço foi construído também pelo governo do estado, para realizar a representação da festa com o intuito de oferecer mais conforto, como também comportar uma maior presença de público durante estas representações (Figura 02). Inaugurado parcialmente em 30 de março de 2006, o cavalhódromo foi construído em área fora do perímetro tombado do município e conta com 16,79 mil metros quadrados de terreno e 6,99 mil metros quadrados de área construída. A obra integra-se ao contexto arquitetônico da cidade, onde foram utilizadas pedras de Pirenópolis e elementos modernos. E, em março de 2012, as obras da reforma do Estádio foram retomadas com a coordenação da Secretaria de Estado da Cultura, por meio da Superintendência de Obras e Recuperação do Patrimônio, com recursos do Tesouro Estadual, o custo foi de um milhão e setecentos mil reais,

conforme Diário Oficial n 21.315, de 28 de março de 2012, segundo dados obtidos por meio da Agência Goiana de Comunicação (2013). O Estádio Múltiplo Uso é versátil e também pode ser utilizado para outras atrações durante o ano todo. O local possui cinco pavimentos e pode servir para realização de cursos ou como prática de futebol e outras modalidades esportivas, com vestiários, bares, sanitários públicos, tribuna para autoridades, alojamentos, sala de administração, cabine de rádio, camarins e um galpão coberto, o qual fica sob a arquibancada, para a realização de feiras e eventos em geral (SEPLAN, 2013). Os cinco pavimentos estão divididos em: 1) sala para exposições e feiras; 2) área administrativa, a saber: espaços destinados à Associação das Cavalhadas e Secretaria de Esporte e Lazer, sala de reuniões e vídeos, manutenção, copa, sala de imprensa, sala técnica e outras dependências; 3) salão de exposições e recepções, enfermaria e posto policial; 4) espaço para 103 cadeiras, camarotes e serviço de bar; 5) seis cabines de rádio e televisão e sanitários. As arquibancadas têm capacidade para 2 mil pessoas, o camarote das famílias conta com 107 lugares e o camarote especial possui lugares para 110 pessoas, conforme dados divulgados em abril de 2012, pela Agência Goiana de Comunicação (2013) (Figuras 03 e 04). Congódromo As congadas são festas de cunho afro-brasileiras, na qual a dramatização é envolta pela disputa pelo poder de dois reinados africanos. A congada tem como padroeiros São Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora do Rosário, e seus devotos saem em cortejo em sinal de sua religiosidade. Uma de suas manifestações ocorre durante a Festa em Louvor à Nossa Senhora do Rosário, na cidade de Catalão, a cerca de 260 quilômetros da capital de Goiás. Nos anos de 2008 e 2009, para a realização desta Festa em Louvor à Nossa Senhora do Rosário, foi montada uma estrutura com palanques e arquibancadas no estacionamento da Igreja Nova Matriz Nossa Senhora Mãe de Deus. Esta estrutura é denominada de congódromo (Figura 05), pois é o lugar onde acontece a apresentação final dos ternos e a entrega da coroa, construída com recursos do município e do governo estadual, conforme Costa (2010).

Os grupos saem pelas ruas da cidade em visita aos moradores e 22 ternos de congo desfilam por todos os bairros até o momento da entrega da coroa aos novos festeiros, a qual ocorre no congódromo, com a participação de 15 mil pessoas, entre visitantes e dançadores, segundo dados divulgados pelo Jornal Diante do Fato (2013). O público presente acompanha o desfile em devoção e seu agradecimento a Nossa Senhora do Rosário pela festa, por cerca de seis horas. CONSIDERAÇÕES Estas festas promovem uma visibilidade cada vez maior e agrega prestígio e diversos significados à comunidade local e visitantes, propiciando também os relacionamentos sociais, divertimento e descontração aos participantes. Existem muitas críticas por diversos pesquisadores e população quando à criação destes espaços específicos, que vão desde a perda da característica da festa por mudar do local tradicionalmente já realizado em anos anteriores para um lugar, o qual se julga que muitas vezes não é apropriado para a necessidade real da festa; até a espetacularização da festa que era do e para o povo e passa a ser, muitas vezes, restrita a certo número de participantes, embora a capacidade seja para milhares de pessoas, o que avalia não ser ainda o mais adequado. Mesmo com espaços privados, fechados o sentido da festa faz o mero espaço se materializar em lugar, lugar festivo e o sentido da festa como produção de memória e de identidade no tempo e nos espaços sociais (GUARINELL, 2001, p. 972) continua a existir e a tradição se recria e esses lugares serão agora os lugares tradicionais da festa. REFERÊNCIAS AGÊNCIA GOIÂNA DE COMUNICAÇÃO. Retomadas as obras do Cavalhódromo de Pirenópolis. Disponível em <http://www.projetos.goias.gov.br/noticias/index.php?idmateria=130159&tp=positivo Acesso em set. 2013.

COSTA, Carmen Lúcia. Cultura, religiosidade e comércio na cidade: a festa em louvor à Nossa Senhora do Rosário em Catalão Goiás. São Paulo, 2010. (Tese) D ABADIA, Maria Idelma Vieira; ALMEIDA, Maria Geralda. Festas religiosas e pósmodernidade. Geonordeste (UFS), 2009. Ano XX, n. 2. p. 57-80. DARDEL, Eric. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica. São Paulo: Perspectiva, 2011. DIANTE DO FATO. Hoje é feita a entrega da coroa para os novos festeiros. Disponível em <http://diantedofato.com.br/site/?p=6898>. Acesso em set. 2013. MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. NÓBREGA, Zulmira. Apontamentos sobre o lúdico em maior São João do mundo. III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Faculdade de Comunicação: UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, mai. 2007. SEPLAN. Investimentos incrementam o turismo. Disponível em <http://www.pirenopolis.com.br/exibenoticia.jsp?pknoticia=224> Acesso em set. 2013. TUAN, Yi-fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.

ANEXOS Figura 01: Espaço Festivo -Carreiródromo Fonte: Festas Populares IESA/UFG, 2013 Figura 02: Cavalhódromo de Pirenópolis Fonte:http://www.panoramio.com/photo/54197047

Figura 03: Arquibancada do Cavalhódromo Fonte:http://www.pousadatajupa.com.br/cavalhadas-atrairammilhares-de-turistas-para-pirenopolis/ Figura 04: Arquibancada do Cavalhódromo Fonte: http://www.blogdaverdade.com.br/blog/author/luizclaudio/page/ 438/

Figura 05:Congódromo Fonte: http://www.blogdaverdade.com.br/blog/category/cultura/