PÚBLICA 16 17 Giovanna Anffe de AZEVEDO 18 CONHECENDO O MUNDO DO ALUNO: EM BUSCA DE PRÁTICAS CULTURALMENTE SENSÍVEIS NAS AULAS DE INGLÊS DA ESCOLA Maurício Lima Minuzzo dos SANTOS 19 Eladyr Maria Norberto da SILVA 20 RESUMO: As orientações curriculares nacionais e estaduais para língua inglesa no ensino fundamental enfatizam abordagens de ensino que sejam culturalmente sensíveis ao mundo do aluno e embasadas em práticas sociais que lhe sejam familiares. Esta investigação de cunho qualitativo, a qual está sendo desenvolvida no contexto do Pibid de Inglês da UFMT, tem como objetivo reunir informações acerca de alunos de uma escola pública de ensino fundamental de Cuiabá-MT e de seu mundo, visando encontrar formas efetivas para despertar seu interesse pelo inglês e envolvê-los nas aulas. Nesse sentido, foram realizadas observações não-participantes nas aulas de inglês de uma turma do 6º ano por dois meses e entrevistas estruturadas em grupo com os alunos, entre 10 e 12 anos de idade. Os dados de observação revelam desinteresse pelo inglês e falta de concentração dos alunos nas aulas, que parecem dificultar o ensino e a aprendizagem da língua. Os resultados das entrevistas reúnem informações acerca da família, da rotina, das atividades escolares, extracurriculares e de lazer dos alunos. Espera-se que estes resultados sejam relevantes para a elaboração de projetos que se adequem ao contexto cultural dos alunos e que possam ser utilizados pelos bolsistas Pibid em sua prática pedagógica. Palavras-Chave: Escola pública; ensino de inglês; práticas culturalmente sensíveis. ABSTRACT: The Brazilian National and State Curricular Guidelines for elementary English language education emphasize culturally sensitive approaches to the students' world grounded in social practices that are familiar to them. This qualitative research study aims at gathering information about students of a public elementary school in Cuiabá MT and their world in order to find effective ways to arouse their interest in the English language and stimulate their participation in class, as part of a project carried out by the English Pibid of the UFMT. The data were collected through nonparticipating observation in a 6 th grade English classroom for two months and structured group interviews with students aged 10-12 years old. The observation data revealed lack of interest and concentration by the students in the classes, which seem to interfere in the language teaching-learning process. The interview findings showed information about the students family, routine, school activities, extracurricular activities and leisure. It is expected that these results may contribute to projects that fit 16 Este trabalho foi subsidiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e contou com a colaboração da ex-bolsista Pibid Raíza Blosfeld de Matos. 17 Agradecemos aos membros da comunidade escolar que participaram desta pesquisa (diretora, coordenadora, professoras de língua inglesa e alunos do 6º ano do ensino fundamental). 18 Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês UFMT Cuiabá / CAPES. 19 Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês UFMT Cuiabá / CAPES. 20 Coordenadora de Área do PIBID Inglês UFMT Cuiabá / CAPES; Departamento de Letras, Instituto de Linguagens, UFMT. 46
the cultural context of the students to be developed by the Pibid group in their pedagogical practice. Keywords: Public School; English Language Education; Culturally Sensitive Practices. Introdução As orientações curriculares nacionais e estaduais para língua inglesa no ensino fundamental e pesquisadores na área de ensino de língua inglesa (FLORES, 2009; ASSIS-PETERSON; SILVA, 2011) enfatizam abordagens de ensino que sejam culturalmente sensíveis ao mundo do aluno e embasadas em práticas sociais que lhe sejam familiares. Ao iniciarem seu trabalho em uma escola pública de ensino fundamental de Cuiabá-MT em maio de 2014, bolsistas de iniciação à docência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) 21 de Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso, campus Cuiabá, realizaram uma pesquisa de cunho qualitativo para conhecer o mundo dos alunos com os quais iriam trabalhar. Metodologia Esta pesquisa, realizada no período de maio a agosto de 2014, teve como objetivo reunir informações acerca de um grupo de dezoito alunos de uma turma de 6 ano e de seu mundo, dentro e fora dos muros da escola, com o intuito de encontrar formas efetivas para despertar seu interesse pelo inglês e envolvê-los nas aulas. Para tais fins, foram realizadas observações não-participantes nas aulas de inglês por meio de notas de campo ao longo de dois meses para conhecer seu comportamento dentro e fora de sala de aula, seu envolvimento com as aulas de inglês e seu desempenho em relação ao conteúdo abordado, seus interesses e suas dificuldades na aprendizagem da língua. As observações também destacaram as atitudes dos alunos frente à professora e a forma como os alunos interagem uns com os outros e se organizam nas aulas. Foram também conduzidas entrevistas estruturadas em grupos de três alunos, que reuniram informações acerca de sua idade, bairro em que moram, sua família, sua rotina fora de sala de aula, acesso a bens de consumo, atividades escolares e de lazer, bem como sua opinião sobre o inglês e as aulas de inglês na escola. 21 O Pibid é uma iniciativa do governo federal para aperfeiçoar e valorizar a formação de professores para a educação básica, que promove a inserção dos estudantes de licenciatura no contexto da escola pública desde o início de sua formação acadêmica para que realizem atividades didático-pedagógicas sob a orientação de um professor do curso de licenciatura e de um professor da escola. 47
A análise dos dados foi realizada em duas etapas distintas. Os dados gerados por ambos os instrumentos foram, primeiramente, analisados em separado e, em seguida, foram analisados conjuntamente de forma a verificar as semelhanças e diferenças entre o mundo dos alunos dentro e fora da escola. Os resultados se complementam para fornecer um retrato rico em detalhes da cultura de sala de aula e informações significativas sobre a vida pessoal dos alunos, que podem auxiliar os bolsistas a melhor compreender o processo de aprendizagem dos alunos nas aulas de língua inglesa. Resultados e discussão Por meio das entrevistas, constatou-se que os dezoito alunos têm entre onze e doze anos de idade e residem em dez bairros diferentes, localizados, em sua maioria, na região do Coxipó. 72% dos alunos vivem em família composta por pai/padrasto, mãe/madrasta e irmãos e cerca de 30% dos alunos mora com apenas um dos pais e outros familiares. As famílias são geralmente numerosas, sendo que 89% deles são moradores de uma casa com três ou mais pessoas, em vários casos, incluindo parentes como tios, avós e/ou primos. Em relação às atividades que fazem quando não estão na escola, 61% das crianças ocupam seu tempo com atividades de lazer, tais como assistir televisão, brincadeiras nas ruas e /ou com jogos eletrônicos e celular. 48% deles afirmaram que se divertem por meio de jogos, brincadeiras ao ar livre e passeios; enquanto apenas 25 % deles se divertem usando jogos eletrônicos e celular (ver Figura 1). Nota-se, por estes dados, que estamos diante de um grupo de alunos ativos, que aprecia atividades de movimento físico e ao ar livre. 48
Ao serem indagados se gostam da escola, 61% informam que sim e, destes, 81% afirmam que gostam da escola por causa dos amigos, das brincadeiras na hora do recreio ou porque se sentem sozinhos ou entediados em casa. 61% disseram gostar de inglês (ver Figura 2). Dentre estes, 50% justificaram seu interesse por verem no idioma possibilidade de comunicação oral com estrangeiros. Dos que afirmaram não gostar, 50% alegaram que o desinteresse surge da dificuldade de aprender o idioma. Quando questionados sobre o que mais gostam nas aulas de inglês, 67% afirmaram gostar das brincadeiras e jogos que a professora faz (ver Figura 3). Este fato evidencia que os alunos apreciam atividades que estão de acordo com seu mundo de brincadeiras e diversões. Surpreendentemente, 44% dos alunos entrevistados disse não gostar da bagunça presente em sala de aula, e 27% afirmou ter aversão à cópia de textos. Os alunos afirmaram que gostariam de fazer atividades lúdicas e de prática oral nas aulas de inglês. 49
Ao conversar com os bolsistas durante as entrevistas, os alunos partilharam um pouco de mundo além dos muros escolares, relativamente comum a crianças dessa faixa etária, e suas respostas dão nuances de cores e contornos à pintura da forma de ser dos alunos em sala de aula, que será elaborada por meio dos dados da observação. Ao reler as notas de campo (ver Apêndice), foi possível notar uma consistência na rotina de sala de aula por parte dos alunos. Ao toque das animadas músicas que marcam as mudanças de uma aula para a outra na escola, os alunos saem correndo da sala de aula para irem para a sala ambiente, onde acontecem as aulas de inglês. No caminho, param para tomar água, pegar uma manga ou um caju do pé ou para bater uma bola no pátio da escola, sempre brincando (ou provocando) uns com os outros. A aula geralmente demora a começar, os alunos chegam aos poucos, movendo carteiras, falando alto e animadamente, conversando entre si, alheios à professora que, pacientemente, espera que eles se acomodem para iniciar a aula. Ao longo da aula, enquanto a professora explica o conteúdo e a atividade do dia, os comportamentos dos alunos são diversos. Alguns se movimentam pela sala para conversar com os colegas, outros conversam com os colegas do lado, formando panelinhas na sala de aula, outros se concentram no seu celular. Em meio a essa diversidade de ações, alguns poucos alunos tentam acompanhar a explicação da professora e fazer a atividade do dia. A professora para a aula em vários momentos e chama a atenção dos alunos. Eles param por alguns minutos e logo retornam ao que estavam fazendo. Ao concluir a instrução da atividade, a professora caminha de carteira em carteira para explicar individualmente o que devem fazer. Não raro, ocorrem 50
desentendimentos entre alguns alunos, que, às vezes, acabam em brigas e interrompem a aula. Percebe-se que os alunos estão sempre cheios de energia e interessados no mundo de fora da sala de aula. Pequenos acontecimentos do mundo exterior os distraem da aula uma abelha que entra na sala, um gato sem rabo que passeia no pátio da escola, um colega de outra sala que aparece na janela para conversar. A janela e a porta parecem exercer um fascínio nas crianças, como que as chamando insistentemente para a vida lá fora. Apesar da dispersão, os alunos parecem apreciar as aulas de inglês, principalmente quando têm atividades de jogos, e demonstram ter carinho pela professora. Contudo, à primeira vista, fica a impressão de que eles, em geral, têm dificuldade de organizar uma rotina de estudo e se concentrar na aula, não respeitam a professora, não obedecem e parecem desconhecer normas de conduta escolar, pouco participam da aula e brincam muito em sala. Somente ao olhar conjuntamente as pinturas esboçadas em ambas as análises é que se consegue perceber a coerência entre o mundo do aluno de fora de sala de aula e o mundo da sala de aula. Os alunos, que dizem brincar em suas casas e nas ruas de seus bairros e que gostam de vir à escola para encontrar seus amigos ou fugir da mesmice de sua rotina de casa, são os mesmos que brincam e caminham pela sala para conversar com os amigos, que parecem preferir correr no pátio a ficarem em sala. São os mesmos que, fieis às suas preferências, gostam das aulas de jogos e brincadeiras. Suas ações lembram o que MacLaren (1991 apud TEIXEIRA, 2001, p. 197) denomina de estado de esquina. Os alunos do 6º ano deste estudo vivem intensamente o mundo de fora, em que várias ações são encenadas ao mesmo tempo (TEIXEIRA, 2001, p. 197), parecendo desconhecer que, na escola, deveriam encenar um estado de estudante, em que cada atividade é vivida de uma vez ouvir a explicação da professora, repetir palavras, fazer os exercícios escritos, responder as perguntas da professora, de maneira convencional. Tem-se a impressão que lhes falta a etiqueta de sala de aula, que Teixeira (2001, p. 202), com base em Erickson (1990), definiu como sendo um conjunto de regras relativas à conduta dos alunos e dos professores, à esfera da disciplina ou do controle institucional. Os alunos do 6º ano, crianças recém-saídas do primeiro ciclo do ensino fundamental vivem em sala o mundo do pátio da escola, o mundo das ruas de seus bairros, e, provavelmente, ali reproduzem a cultura de suas casas. Neste cenário, pouco espaço sobra para o inglês, mesmo que eles afirmem gostar da língua, das aulas e da professora. 51
Conclusões A situação é desafiadora para professores em formação. Porém, espera-se que estes resultados sejam relevantes para a elaboração de projetos, atividades e estratégias que se adequem ao contexto cultural dos alunos e estejam em consonância com práticas sociais relevantes a eles. Para dar início a uma proposta de práticas culturalmente sensíveis aos alunos e que, ao mesmo tempo, possam incentivar uma atmosfera mais apropriada à aprendizagem da língua, os bolsistas de iniciação à docência do Pibid de Inglês, juntamente com sua coordenadora de área e a professora supervisora na escola, definiram um sistema de trabalho com tutoria em pequenos grupos nas aulas e adotaram o trabalho por meio de projetos, o qual está sendo colocado em prática desde setembro de 2014. Referências ASSIS-PETERSON, A. A.; SILVA, E. M. N. Os primeiros anos de uma professora de Inglês na escola pública Tarefa nada fácil. Revista Linguagem & Ensino. Pelotas, v.14, n.2, p. 357-394, 2011, ERICKSON, F. O discurso em sala de aula como improvisação: as relações entre a estrutura das tarefas acadêmicas e a estrutura de participação social nas aulas, s.d. (mimeo). FLORES PEDROSO, S. Ensino de línguas estrangeiras na rede pública do Estado de Mato Grosso: a realidade dos objetivos através do currículo. Polifonia, nº 17, Cuiabá: EdUFMT, p. 215-223, 2009. MCLAREN, P. Rituais na Escola: em direção a uma economia política de símbolos e gestos na educação. São Paulo: Vozes, 1991. TEIXEIRA, M. B. Tornar-se aluno: o aprendizado da etiqueta escolar em uma sala da pré-escola. In COX, M. I. P.; ASSIS-PETERSON, A. A. (Orgs.). Cenas de Sala de Aula. Campinas, SP: Mercado de Letras, p. 193-225, 2001. Apêndice Vinhetas elaboradas com base nas notas de campo dos autores do artigo: Cenas de um dia de aula de inglês em uma turma do 6º ano de uma escola pública 22 CENA 1 Iniciando a aula. 22 Os fatos narrados nas vinhetas ocorreram nas aulas observadas, não necessariamente no mesmo dia, e foram reunidos em forma de cenas de um dia de aula para melhor retratar os múltiplos matizes que compõem o ambiente reinante nas aulas de inglês. 52
Ao bater o sino, nem todos os alunos entram em sala, fazendo com que a professora fosse chamá-los no pátio. A sala não fica organizada em filas, algumas meninas, inclusive, sentam em cima de cadeiras empilhadas. Mesmo com o pedido da professora para sentarem em fila, não obedecem. A professora viu que não ia conseguir explicar a atividade oralmente, pois os alunos continuavam a bagunçar na sala. Assim sendo, colocou as palavras da atividade no quadro e distribuiu as folhas com o exercício da aula. CENA 2 Abelhas, gatos e aula de inglês. A professora tenta explicar atividade individualmente, passando de carteira em carteira para verificar as dúvidas dos alunos. Enquanto isso, um grupo de alunos se distrai com uma abelha que entra na sala e grita: Mata ela! Mata ela!. Nesse momento, outros alunos que já estavam de pé aproveitam-se do alvoroço para iniciar a brincadeira do soco nas costas. Os gritos se transformam em gargalhadas. por conta de um gato sem rabo que os alunos avistaram através da janela. No meio de toda a agitação, duas meninas que brincavam de queda de braço, ao serem repreendidas pela professora, também a desafiam. CENA 3 Fim da aula: preparando-se para o mundo de fora da sala de aula. Os alunos pegam suas mochilas e vão para a porta, minutos antes de a aula terminar. Enquanto aguardam, aproveitam para brincar de bola com a cesta de lixo. A professora, numa tentativa de manter a ordem, anota alguns nomes na sua agenda, no entanto, é logo interrompida por um aluno que a toma de sua mão. O conflito, porém, é interrompido ao tocar do sinal, já que os alunos saem correndo, sem responderem à chamada. Algumas meninas se aproximam da professora e se despedem dela com um abraço carinhoso. 53