O jogo no ensino do handebol: proposta de um plano de ensino pensado para a prática diária



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Transcrição:

Motriz, Rio Claro, v.14 n.1 p.67-73, jan./mar. 2008 Artigo de Atualização O jogo no ensino do handebol: proposta de um plano de ensino pensado para a prática diária Jefferson Alexandre de Castro 1 Sérgio Settani Giglio 2 Paulo Cesar Montagner 3 1 IADE - Instituto Avançado de Desenvolvimento Educacional, Indaiatuba, SP, Brasil 2 Universidade Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil 3 Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil Resumo: A continua evolução dos esportes coletivos e a necessidade adequá-los aos interesses dos alunos geram a necessidade da discussão de novas possibilidades de ensino ou uma nova forma da utilização de métodos consagrados. Partindo desse pressuposto apresentamos nesse artigo uma reinterpretação dos métodos desenvolvidos por BAYER (1994), Garganta (1995) e Werner et al. (1996), os quais objetivam o ensino dos esportes coletivos através da compreensão tática utilizando para isso jogos. Apresentaremos aqui uma proposta de plano de ensino e atividades baseados nos conceitos desses autores, proporcionando aos professores uma possibilidade de utilizar de maneira simples e seqüencial tais conteúdos em sua prática diária. Palavras-chave: Ensino. Jogos. Esportes. The game in handball instruction: a teaching plan for daily practice Abstract: The continuous evolution of team sports and the need to adapt to student interests make it necessary to create new teaching approaches and devise new ways to apply traditional teaching methods. In this article, we discuss and reinterpret the methods developed by Bayer (1994), Garganta (1995) and Werner et al. (1996), who advocate teaching team sports through games for building tactical awareness. The proposal includes a teaching plan and activities based on the concepts of these authors, thereby offering instructors the possibility of applying these concepts in a simple and sequential manner in their daily teaching. Key Words: Teaching. Game. Sports. Introdução O ensino dos esportes coletivos no Brasil, considerando as práticas observadas e estudos referentes ao tema (CASTRO, 2004, FREIRE 2002, MONTAGNER, 1999, MARQUES, 2001) está fortemente relacionado a métodos e uma literatura que valorizam a repetição de gestos técnicos como conhecimento necessário a uma prática efetiva. Apesar da eficácia demonstrada por esses, a busca de novas propostas é relevante para que os praticantes vivenciem outros métodos durante a aprendizagem dos esportes, pois aprender uma modalidade esportiva transcende a execução correta do gesto técnico. (BAYER,1994, GARGANTA, 1995, WERNER et al., 1996, BALBINO, 2005), Movidos por essa discussão, apresentamos uma proposta de plano de ensino do handebol através de jogos e brincadeiras para crianças de 9 a 12 anos de idade, que podem ser transferidos para outras modalidades, buscando a satisfação do praticante, tanto em relação ao prazer da prática quanto ao aumento do conhecimento da modalidade desenvolvida, utilizando para isso os métodos desenvolvidos para essa finalidade como os de Bayer (1994), Garganta (1995) e Werner et al. (1996), com a finalidade de desenvolver a compreensão tática e a técnica dos alunos de uma forma alternativa a realizada atualmente e ser de fácil utilização pelos profissionais envolvidos com o processo. Questões norteadoras Como desenvolver a técnica modo de fazer, (GARGANTA, 1995) dos alunos? Como desenvolver a percepção tática razões de fazer, (GARGANTA, 1995) em relação aos espaços da quadra? Como desenvolver a compreensão dos

J. A. Castro, S. S. Giglio & P. C. Montagner alunos a respeito dos princípios que regem o esporte coletivo? Essas questões balizaram o estudo na busca de uma diferente abordagem de ensino. Bayer (1994), Garganta (1995) e Werner et al. (1996), consideram que o ensino dos esportes coletivos deve ser centrado na compreensão das situações encontradas durante o decorrer do jogo, para isso direcionaram a opção da utilização de jogos, brincadeiras e situações reduzidas de jogo para o desenvolvimento das habilidades e dos conhecimentos dos praticantes, defendendo que através desses o objetivo é alcançado. De acordo com Costa et al. (2002), sem conhecer a essência do jogo e dos seus princípios táticos, não se pode aproveitar na plenitude os recursos técnicos. A leitura e estudo de diferentes propostas permitem o diálogo entre os métodos. Apresentaremos alguns conceitos desses autores que são utilizados como base teórica em nossa prática o que permitirá no desenvolvimento do texto, proporcionar uma discussão de como podemos utilizá-los em nossas aulas. Bayer (1994), através do estudo das situações encontradas durante o jogo, nos apresenta as relações entre seus componentes, denominando os de princípios operacionais, apresentadas no quadro 1: Ataque Conservação da bola Progressão dos jogadores e da bola para a baliza adversária Atacar a baliza adversária, quer dizer fazer um ponto Quadro 1. Os princípios operacionais, Bayer, 1994, p.47 Para o autor esses são princípios básicos dos esportes coletivos, sua compreensão permitirá ao aluno entender a simultaneidade de ações entre o ataque e a defesa, possibilitando a percepção em situação ofensiva das suas ações e da equipe adversária em busca da tomada da bola. Levando a percepção que suas atitudes devem ser direcionadas a continuidade do jogo e não apenas ser focada na ação que está realizando. A proposta de Werner et al. (1996) denominada Teaching Games For Understanding (T.G.F.U.), propõe a utilização 68 Defesa Recuperação da bola Impedir a progressão dos Jogadores e da bola para a minha própria baliza Proteção da minha baliza E do meu campo cíclica dos jogos, o qual é apresentado e desenvolvido em uma seriação que busca o aumento de sua complexidade. A exploração pelo aluno pode ser entendida no quadro a seguir: 2. Apreciação do Jogo 3. Entendimento tático 1.Jogo Aprendiz 4.Tomada de Decisão O que fazer? Como fazer? 6. Rendimento 5. Desenvolvimento de habilidade Quadro 2. Adaptado de: Games for understand model (WERNER, THORPE & BUNKER, 1996, p.28). Como visto no quadro 2, podemos observar que os alunos desenvolvem as seguintes ações: jogará (apreciação do jogo), entenderá o mecanismo do jogo (entendimento tático), criará suas opções táticas (o que fazer) e técnicas (como fazer), gerando um melhor rendimento no jogo (desenvolvimento de habilidade / rendimento). Nesse método, entende-se que o praticante passará por esse processo em vários momentos do jogo, desenvolvendo suas capacidades. Garganta (1995) propôs uma alternativa para a prática dos fundamentos do jogo. A realização de estruturas reduzidas, que reproduzem as características dos jogos, cria condições de experimentar técnicas dentro de um contexto, os quais o autor denomina de níveis de relação, descritos a seguir: Eu-bola: atenção sobre a familiarização com a bola e seu controlo; Eu-bola-alvo: atenção sobre o objectivo do jogo; finalização. Eu-bola-adversário: combinação de habilidades; conquista e conservação da bola (1x1); procura a finalização. Eu-bola-colega-adversário: jogo a 2; passa e vai (desmarcação de ruptura); passa e segue (desmarcação de apoio); contenção e cobertura defensiva. Eu-bola-colegas-adversários: jogo a 3; criação e anulação de linhas de passe; penetração e cobertura ofensiva. Eu-bola-equipa-adversários: do 3x3... ao jogo formal; assimilação e aplicação dos Motriz, Rio Claro, v.14, n.1, p.67-73, jan./mar. 2008

princípios de jogo, ofensivos e defensivos. (GARGANTA, 1995, p.21). O autor sugere ao professor uma proposta pedagógica de aplicação e desenvolvimento. Através dos níveis de relação, o praticante desenvolverá as habilidades necessárias ao esporte praticado, mas de forma contextualizada. Em conjunto Garganta (1995), defende que o jogo passa por uma evolução de quatro fases, sendo elas: Jogo anárquico, caracterizado pela centração bola; Descentração, as funções não dependem somente da bola; Estruturação, tomada de consciência das atitudes durante o jogo e Elaboração, atitudes tomadas pensando no coletivo. Usando o jogo na prática diária O estudo e a discussão sobre as possibilidades de intervenção que esses propõem, permitem a construção de um plano de aulas em que esses conhecimentos se relacionam e criam uma possibilidade de ensino que se adequa às necessidades dos professores. As aulas devem ter como objetivo desenvolver a compreensão tática dos alunos em relação ao jogo, a ocupação de espaço, o desenvolvimento das habilidades dentro do contexto do jogo e a satisfação do praticante. Podendo ser utilizada a seguinte estrutura: 1ª parte: Conversa em grupo para explicação das atividades a serem realizadas durante a aula. 2 a parte: Aplicação de jogos desportivos 3ª parte: Aplicação de jogos adaptados para o aperfeiçoamento e aprofundamento dos níveis de relação. 4ª parte: Jogo Formal (handebol) 5 a parte: Discussão com o grupo sobre o que foi realizado durante a aula. Por entender que os jogos esportivos proporcionam uma maior freqüência de aparecimento dos princípios operacionais, podemos utilizá-los com o objetivo de desenvolver tais conhecimentos, assim os que privilegiam a troca de passes, permitem aos alunos visualizarem na prática a relação entre a manutenção e a tomada de bola. A utilização dos jogos esportivos de forma cíclica como na proposta T.G.F.U. (WERNER et al., 1996), pode ser aplicado buscando o desenvolvimento até chegarmos a um ponto de saturação pelos alunos, que pode ser a perda do O jogo no ensino do handebol interesse ou o fim das possibilidades de evolução. Como defende Harvey (2007), as adaptações em jogos desse tipo devem ser realizadas pela observação e análise do professor durante as atividades. Como exemplo citamos a utilização do passa 10. Um jogo que se caracteriza pela realização de 10 passes pela equipe que detém a posse de bola, sem que haja interrupção pela equipe adversária, na qual o aluno que está com a bola não pode se movimentar. Ressaltamos que inúmeras variações podem ser feitas nessa atividade, como veremos adiante. Inicialmente o jogo é realizado nesse formato, na aula seguinte podemos reformulá-lo visando o aumento de complexidade, que nesse caso, pode ser a regra de não retornar a bola para quem a passou e em seguida a restrição ou aumento do espaço utilizado. Na seqüência a alteração no número de alunos é eficaz, num primeiro momento diminuí-se e no seguinte aumenta-se o número sem modificar o espaço da quadra. Continuando a evolução do jogo, há a adaptação visando à aplicação ao handebol. Assim, primeiramente há a proibição dos passes encobrindo outros jogadores, na seqüência só é permitido apenas passes picados, obrigando os alunos a utilizarem diferentes formas de passes e não somente os mais comuns. Na etapa seguinte, podem ser utilizados 3 passos (ritmo trifásico) antes do passe e na seqüência a utilização de 3 passos-drible-3 passos (ritmo duplo trifásico) característicos da modalidade, variando as possibilidades de passes. Conforme o andamento das aulas pode ser proposto um objetivo, como ao fim dos 10 passes, alvos a serem atingidos (como cones ou mesmo a trave). É importante evitar jogos com mais de seis alunos em cada equipe, é mais adequado realizar mais de uma atividade dividindo o espaço da quadra, possibilitando aos alunos maior contato com a bola, o que é mais difícil em atividades com muitos participantes. Essa medida transforma-se em uma ferramenta pedagógica eficaz, pois permite a organização por níveis, onde são agrupados os jogadores com desenvolvimentos próximos. Evita-se, dessa forma, situações em que os mais habilidosos concentram a bola e não permitem a participação dos outros. Motriz, Rio Claro, v.14, n.1, p.67-73, jan./mar. 2008 69

J. A. Castro, S. S. Giglio & P. C. Montagner Em relação ao desenvolvimento dos fundamentos, se encaixa a proposta de níveis de relação (GARGANTA, 1995). Aplicando um nível por semana, repetindo-o nas duas aulas desse período, variando as atividades de uma sessão para outra. Ao se colocar um desafio na atividade a ser trabalhada, transforma um simples exercício de passe em uma brincadeira. Nesse momento o professor pode através de sugestões realizar correções no movimento dos alunos, ou seja, ao invés de se adequar o praticante ao gesto técnico, realiza-se o oposto. Quadro 3. Evoluções do Passa 10 Sugestão de seqüência de evoluções do jogo Passa 10. Regra inicial: 10 passes pela equipe que detém a posse de bola, sem que haja interrupção pela equipe adversária, na qual o aluno que está com a bola não pode se movimentar, evitando jogos com mais de seis alunos em cada equipe 1º passo: Passar a bola para todos (regra que pode ser dispensada conforme o desenvolvimento do grupo) 2º passo: Não retornar a para quem a passou. 3º passo: Restrição ou aumento do espaço utilizado. (Na largura objetivando passes de longa distancia e de largura visando a ocupação lateral da quadra) 4º passo: Alteração no número de alunos, primeiro momento diminuí-se e no seguinte aumenta-se o número sem modificar o espaço da quadra. Adaptação ao handebol. 5º passo: Proibição dos passes encobrindo outros jogadores 6º passo: Realização apenas de passes picados. 7º passo: Utilização dos 3 passos (ritmo trifásico) antes do passe 8º passo: Utilização de 3 passos-drible-3 passos (ritmo duplo trifásico) característicos da modalidade, variando as possibilidades de passes. 9º passo: Colocação de um objetivo, como ao fim dos 10 passes, alvos a serem atingidos (como cones ou mesmo a trave). Como exemplo podemos citar uma atividade de arremesso à meta, na qual o aluno no início têm que passar por uma seqüência de arcos (figura 1), na qual se treina as possíveis utilizações dos três passos permitidos pela regra do handebol, criando assim três opções, com um, dois ou três arcos. Figura 1. Posicionamento dos arcos passos e arremesso ou três passos. Em conjunto pode experimentar as diversas formas de realizar esses passos, não se prendendo apenas ao tradicional: esquerda, direita e esquerda (para os destros), permitindo que esses possam criar e experimentar suas próprias passadas. Ao propor desafios nas atividades, tais como, quem consegue realizar três gols em cada situação, conduz-se a atividade para que os alunos se preocupem em conseguir, não importando quem terminará primeiro. Para isso é utilizado como ferramenta pedagógica um limite de tempo para que todos completem a tarefa. Os níveis podem ser aplicados em ciclos semanais, conforme explicitado no quadro 4. O posicionamento dos arcos permite ao aluno experimentar as diferentes possibilidades de passadas, como: um passo e arremesso, dois 70 No quadro 4 é demonstrado a relação entre as aulas e a aplicação do conteúdo. Ao invés dos alunos permanecer em contato com um nível de relação por um longo tempo, os mesmos passam por todos os níveis, retornando ao primeiro no fim do processo. Cabe ao professor propor atividades mais complexas, buscando os limites do desenvolvimento dos alunos. Motriz, Rio Claro, v.14, n.1, p.67-73, jan./mar. 2008

O jogo no ensino do handebol Quadro 4. Seqüência de aplicação dos níveis de relação Mês 1 2 Aulas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 Nível de 1 1 3 3 4 J 5 5 6 6 1 1 1 1 J relação e 2 e 2 e 2 e 2 e 2 e 2 J 1 e 2 1 e 2 LEGENDA Nº Nível de relação Nº Nível de relação 1 Eu bola 5 Eu bola colegas adversários 2 Eu bola alvo 6 Eu bola equipe adversário 3 Eu bola adversário J Coletivo de Handebol 4 Eu bola colega adversário (legenda: adaptada de GARGANTA,1995, p.21) No primeiro e segundo nível, as brincadeiras devem ter como finalidade arremessos a meta, atividades como a descrita com arcos e de circuitos sempre em situação de desafio em que os alunos passem por dificuldades, tais como alterar sua trajetória, saltar, correr de costas, com um pé só entre outros e corridas de velocidade, na qual deviam ir de um ponto ao outro com velocidade mantendo a posse da bola. Há diversas atividades que desenvolvem as características dos dois primeiros níveis de relação, o que permite seu trabalho conjuntamente. No terceiro nível as brincadeiras devem visar manter a posse de bola. Como exemplo, podemos citar uma atividade em que os alunos agrupados em duplas disputam o domínio da mesma, sendo o único recurso o drible. Na evolução os dois jogadores com bola, em que são trabalhados o ataque e defesa simultaneamente. Outra variação é determinar o trajeto a ser realizado, como ir de um lado ao outro da quadra mantendo a posse de bola, a qual podemos somar o arremesso à meta ou a um determinado alvo. Uma brincadeira bastante efetiva é colocar um cone dentro de um arco (que determina a área a ser respeitada, não podendo ser invadida por nenhum jogador), ao defensor cabe evitar o arremesso e roubar a bola, e ao atacante derrubar o cone e manter a posse da mesma. No quarto, quinto e sexto níveis trabalha-se atividades como as duas últimas apresentadas. As variações são em relação ao número de jogadores, como: 2x2, 3x3... até o 6x6. Em conjunto pode ser realizada a variação do número de atacantes e defensores, criando situações de vantagem e desvantagem defensiva, em situações como: 1x2, 2x1, 3x2... até o 5x6 e 6x5, buscando o maior número de vivências possíveis aos alunos, e elevar o repertório motor através de experiências variadas em situações que encontrariam nos jogos. Os jogos formais não acontecem somente a partir da realização de um coletivo tradicional, aos alunos cabe cumprir um conjunto de objetivos. Propor regras de passes como as já explicadas no passa 10, somando a isso a obrigação dos alunos utilizarem sistemas táticos de ataque e defesa, criadas por eles, devem ser realizadas paradas durante as atividades que permitam aos alunos discutir quais serão suas ações táticas na seqüência do jogo, determinando as funções a serem realizadas pelos participantes do jogo, Com as discussões e sugestões dadas pelo professor os alunos são capazes de estruturar o jogo, o que permite o aumento da exigência da tática de jogo durante o processo. Na parte final da aula devem ser realizadas discussões como as propostas por Berkowitz (1996) na qual os alunos são questionados a respeito das atividades realizadas por eles, em relação as ações que tomaram durante o jogo e possíveis alternativas. Pois como defende a Motriz, Rio Claro, v.14, n.1, p.67-73, jan./mar. 2008 71

J. A. Castro, S. S. Giglio & P. C. Montagner autora, essa prática os leva a criarem uma visão mais ampla, entendendo que problemas oriundos do jogo podem ter mais de uma solução, tendo como exemplo a técnica, que é o meio de se executar as tarefas e que não precisa estar preso a um modelo fixo. Quadro 5. Seqüência de aulas (exemplo de 2 semanas) AULAS Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4 1ª Parte Discussão Discussão Discussão Discussão 2ª Parte Passa 10 Passa 10 com restrição de espaço Passa 10 com aumento do espaço Passa 10 com diminuição do número de 3ª Parte Circuito com bola (Eu-bola / Eubola-alvo) Arremesso à meta (Eu-Bola / Eu-bola-alvo) Corrida com bola (Eu-Bola / Eubola-alvo) jogadores Arremesso à meta passando pelos arcos (Eu- Bola / Eu-bolaalvo) 4ª Parte Jogo Formal Jogo Formal Jogo Formal Jogo Formal 5ª Parte Discussão Discussão Discussão Discussão Finalizando no quadro 5 apresentamos uma seqüência de quatro aulas com duração de uma hora cada, organizadas seguindo a proposta de utilização dos jogos pré-esportivos e dos níveis de relação apresentados, através de ciclos semanais, abarcando assim todos os conceitos expostos no texto. Considerações finais Apresentamos aqui uma forma simples e direta para a aplicação dos métodos discutidos no texto, através do dialogo entre as diferentes propostas pudemos conceber uma aplicação na qual a continuidade dos conteúdos e o prazer do praticante são o foco. Nossa proposta não tem a intenção de se transformar em um novo método de ensino, mas propor reflexões sobre novas possibilidades de prática e ser de fácil utilização para os professores em seu dia a dia. Referências BALBINO, H. F. Pedagogia do treinamento: métodos, procedimentos pedagógicos e as múltiplas competências do técnico nos jogos desportivos coletivos. 287 f. Tese (Doutorado em Educação Física) Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000 347950 Acesso em: 31 jan. 2007. BAYER, C. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Dinalivros, 1994. 72 BERKOWITZ, R. J. A practitioner's journey: from skill to tactics. Journal of Physical Education, Recreation and Dance, Reston, v.67, n.4, p.44-45, 1996. CASTRO, J. A. Inferências sobre um plano de ensino de esportes para crianças de 9 a 12 anos de idade. 2004. 205 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Educação Física) Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2004. COSTA, J. C.; GARGANTA J.; FONSECA, A.; BOTELHO, M., Inteligência e conhecimento específico em jovens futebolistas de diferentes níveis competitivos. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, Porto, v.2, n.4, p.7 20, 2002. FREIRE, J. B. Questões psicológicas do esporte. In: WAGNER, W. W.; SIMÕES, R. (Org.) Esporte como fator de qualidade de vida. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2002. GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos coletivos. In: GRAÇA, A.; OLIVEIRA, J. (Ed.) O ensino dos jogos desportivos. 2. ed. Porto: Universidade do Porto, 1995. HARVEY, S. Using a generic game invasion for assessment: conducting authentic assessments for invasion-game knowledge and skills just became easier!, Journal of Physical Education, Recreation and Dance, Reston, v.67, n.1, p.19-25, 48-50, 2007. MARQUES, R. F. R. Sistematização do ensino dos esportes coletivos para crianças: o caso Motriz, Rio Claro, v.14, n.1, p.67-73, jan./mar. 2008

do futsal. 2001. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Educação Física) Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2001. MONTAGNER, P. C. A formação do jovem atleta e a pedagogia da aprendizagem esportiva. 1999. 190 f. Tese (Doutorado em Educação Física) Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1999. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000 188353 Acesso em: 31 jan. 2007. WERNER, P.; THORPE, R.; BUNKER, D. Teaching games for understanding evolution of a model. Journal of Physical Education, Recreation and Dance, Reston, v.67, n.1, p.28-33, 1996. O jogo no ensino do handebol Endereço: Jefferson Alexandre de Castro IADE - Instituo Avançado de Desenvolvimento Educacional. Rua Homero Paulo Lourenço Barnabé, 580, Pq. São Lourenço, Indaiatuba SP 13330-000 e-mail: jefhand@hotmail.com Recebido em: 19 de junho de 2008. Aceito em: 29 de julho de 2008. Motriz. Revista de Educação Física. UNESP, Rio Claro, SP, Brasil - eissn: 1980-6574 - está licenciada sob Licença Creative Commons Motriz, Rio Claro, v.14, n.1, p.67-73, jan./mar. 2008 73