TRIBUNAL MARÍTIMO PROCESSO Nº 19.897/2002 ACÓRDÃO L/M CAVITOS. Impropriedade da embarcação para o serviço em que era utilizada e empregada para prática de ato ilícito previsto em lei como crime (descaminho). Falta do dever de cuidado exigível do proprietário da embarcação, quanto a seu correto emprego, de acordo com as normas vigentes. Negligência e dolo eventual. Condenação. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Trata-se de analisar fatos da navegação da mesma natureza, caracterizados pelo emprego de embarcação fora de sua classificação e na prática de descaminho, utilizadas para o transporte e entrada ilegal no país de caixas contendo pacotes de cigarros, no rio Paraná, na divisa com o Paraguai, em Porto Belo, Foz do Iguaçu, PR. A primeira ocorrência, em 02/10/2001 (objeto do Processo nº 19.828/2002), envolveu a lancha SANTORINI, apreendida em inspeção naval, quando abarrancada na margem brasileira, sendo descarregada por cerca de 10 pessoas, que se evadiram do local, deixando apenas um menor, com 14 anos, junto à embarcação e sua carga, estando grafado em seu casco o nome WINKERT. A ocorrência se repetiu em 20/11/2001 (objeto deste Processo nº 19.897/2002), envolvendo a lancha CAVITOS, nas mesmas circunstâncias, sendo apreendida mercadoria de mesma natureza, envolvendo outro menor, tido como condutor da embarcação. Após as apreensões, o material arrecadado e os menores envolvidos foram encaminhados para os setores competentes da Polícia Federal e da Delegacia do Adolescente da Polícia Civil em Foz do Iguaçu. Juntados autos de apreensão com fotos dos barcos apreendidos, recibos de compra e venda e boletins de ocorrência. 1
Nos dois inquéritos, desenvolvidos pela agência da Capitania local, apurou-se que o proprietário das duas embarcações era a mesma pessoa, o Sr. Romão Antunes, que não compareceu para depor, apesar de formalmente notificado. De maneira uniforme, os dois militares encarregados dos respectivos inquéritos, apontaram como possível responsável pelo emprego das embarcações na prática de ato ilícito, o proprietário. Em defesa prévia o indiciado alegou que locava seus barcos a terceiros, não podendo ser responsabilizado por seus atos. A D. Procuradoria, nos dois processos, ofereceu representação contra o proprietário dos dois barcos, com fulcro no art. 15, letras a e f, da Lei nº 2.180/54 (impropriedade para o serviço e emprego de embarcação na prática de descaminho), na qualidade de explorador comercial das embarcações, sem dotação de material de salvatagem, entregues a menores inabilitados, para atos ilícitos, sustentando, em resumo, que foram contrariados os arts. 11 (falta de habilitação), 15 (falta de material de salvatagem), 16 I (falta de transferência de propriedade) e 17 (nome incorreto grafado no casco da embarcação SANTORINI ), pois os barcos, classificados para esporte e recreio, foram utilizados para transporte de carga, alugados para pessoas que não sabia serem possuidoras ou não de habilitação, não procurando saber qual o fim em que seriam utilizadas, sendo apreendidas sob a responsabilidade de menores impúberes, incapazes perante a legislação, em prática de descaminho. Diante da correlação dos fatos ocorridos, no que diz respeito ao tipo de infração, local de sua ocorrência e possível autoria, quanto à propriedade das embarcações utilizadas, a PEM requereu, e foi deferida, a conexão dos dois processos. Recebidas as representações e citado, o representado comum foi regularmente defendido por I. advogada constituída. 2
A defesa de Ramon Antunes (proprietário), nos dois processos, alega, de maneira uniforme, que desconhecia a utilização de seus barcos para fins ilícitos; que, quando os locava, era informado que seriam utilizados para a atividade de esporte e recreio e, às vezes, para realização de transporte de objetos em mudanças residenciais, como geladeiras, eletrodomésticos e outros; que o representado não podia estar, a todo instante, verificando se as pessoas realmente iriam utilizar a embarcação conforme lhes informavam. Acrescenta que não cabe à defesa provar que quem conduzia a embarcação era pessoa habilitada, já que, quando apreendida, estava ancorada (portanto, não estava sendo conduzida); que a utilização do material de salvatagem fica a critério dos usuários dos barcos. Quanto à marcação do nome no casco do barco SANTORINI (específico do processo nº 19.828), alega que o representado desconhecia a obrigatoriedade e que o motor não lhe pertencia. Finaliza a defesa alegando que o representado não se encontrava presente quando da realização do flagrante, não restando qualquer dúvida que não estão presentes indícios de autoria quanto a sua pessoa, nos dois episódios. Na instrução, a PEM fez juntada de cópia de mensagem-rádio da Capitania de Foz do Iguaçu informando que apenas as embarcações SANTORINI e CAVITOS constam como pertencentes ao Sr. Romão Antunes, o que, segundo a PEM, rebate a tese da defesa de que o representado não poderia saber a quem alugava as suas embarcações. Em alegações finais, nada mais foi acrescentado. Decide-se. De tudo o que consta nos autos dos processos conexos em apreciação, conclui-se que são de mesma natureza e extensão os fatos da navegação sob análise, tipificados no artigo 15, letras a e f, da Lei nº 2.180/54, envolvendo as lanchas SANTORINI e CAVITOS, quais sejam: impropriedade da embarcação para o serviço em que era utilizada e empregada para prática de ato ilícito previsto em lei como crime (descaminho). 3
Ficou demonstrado nos autos, sem quaisquer dúvidas, que em datas próximas distintas (02/10 e 20/11/2001), as duas embarcações (a SANTORINI e a CAVITOS ), abarrancadas na mesma região do rio Paraná, foram flagradas transportando pacotes de cigarros procedentes do Paraguai, para ingresso ilegal no país, apresentando-se como seus condutores dois menores. Embora a defesa, nos dois processos, tenha se preocupado em alegar que o representado não se encontrava presente quando da realização dos flagrantes, restando dúvida de que estariam presentes indícios de autoria quanto a sua pessoa nos dois episódios, deve-se considerar que, no âmbito do Tribunal Marítimo, o representado não foi acusado pela prática do ato ilícito em si, mas pelo emprego da embarcação para sua realização, nos dois eventos (letra f do supramencionado art. 15). E mais: conforme ficou demonstrado nos autos, o representado era proprietário, tão-somente, daqueles dois barcos sendo inaceitável a alegação de que os locava a terceiros, não se inteirando dos fins de sua utilização. Restou patente a negligência do representado, como proprietário dos barcos, classificados para esporte e recreio, quanto a cedê-los por locação, sem se preocupar com o modo de sua utilização em função de sua classificação, permitindo (como admitiu em sua defesa), seu emprego para realização de transporte de objetos em mudanças residenciais, como geladeiras, eletrodomésticos e outras mercadorias (letra a do mesmo artigo). Inaceitável o argumento de que o representado não podia estar, a todo instante, verificando se as pessoas realmente iriam utilizar a embarcação conforme lhes informavam, culminando em serem utilizadas, repetidamente, na prática de crime. A causa determinante dos fatos da navegação assinalados foi, portanto, a falta do dever de cuidado exigível, como proprietário da embarcação, quanto a seu correto emprego, de acordo com as normas vigentes. 4
A falta de cuidado ao locar seus barcos, não se preocupando em cadastrar seus utilizadores, repetindo-se seu uso na prática de descaminho, caracterizam, além da negligência, o dolo eventual nos dois episódios. Pelo exposto, deve-se julgar integralmente procedentes os termos da representação, com a condenação do representado, levando em conta o que prevê a Lei nº 2.180/54 em seus arts. 121 VII parágrafo 5º, 124 IX e seu parágrafo 1º, quanto a aplicação das penas nos dois processos conexos. As infrações ao RLESTA em seus arts. 11 (falta de habilitação), 15 (falta de material de salvatagem), e 16 I (falta de transferência de propriedade), devem ser noticiadas à DPC. Em complemento, deve-se oficiar ao órgão da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, PR, remetendo cópia dos Acórdãos, diante dos indícios de que a autoria do crime previsto no art. 334 do Código Penal está relacionada com a atuação do representado, como proprietário das duas embarcações envolvidas. Assim, A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza e extensão dos fatos: impropriedade da embarcação para o serviço em que era utilizada e empregada para a prática de ato ilícito previsto em lei como crime (descaminho); b) quanto à causa determinante: falta do dever de cuidado exigível por parte do proprietário da embarcação, quanto a seu correto emprego, de acordo com as normas vigentes; c) decisão: julgar os fatos da navegação, previstos no art. 15, letras a e f, da Lei nº 2.180/54, como decorrentes de negligência e dolo eventual, condenando o representado Ramon Antunes, proprietário da embarcação, por maioria, à pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e ao pagamento de custas processuais. Oficiar à DPC informando as infrações ao RLESTA (art. 11, 15 e 16 I ). Oficiar ao órgão da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, PR, remetendo cópia do Acórdão, diante dos indícios 5
de que a autoria do crime previsto no art. 334 do Código Penal está relacionada com a atuação do representado, como proprietário da embarcação envolvida. O Exmº Sr. Juiz Everaldo Soares votou com o Exmº Sr. Juiz-Relator, contudo, aumentava a pena de multa para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), no que foi seguido pelos demais juizes. Vencido na aplicação da pena o Exmº Sr. Juiz-Relator, que aplicava a pena de R$ 2.000,00 (dois mil reais). P.C.R. Rio de Janeiro, RJ, em 20 de fevereiro de 2003. CARLOS FERNANDO MARTINS PAMPLONA Juiz-Relator WALDEMAR NICOLAU CANELLAS JÚNIOR Almirante-de-Esquadra (RRm) Juiz-Presidente 6