TRIBUNAL MARÍTIMO FC/NCF PROCESSO Nº /11 ACÓRDÃO
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- Márcio Castelo Pinheiro
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1 TRIBUNAL MARÍTIMO FC/NCF PROCESSO Nº /11 ACÓRDÃO Canoa sem nome não inscrita. Naufrágio durante brincadeira dos passageiros. Embarcação desprovida de material de salvatagem. Condução por pessoa sem habilitação. Ocupantes sob efeito de bebidas alcoólicas. Morte de um dos ocupantes por afogamento. Condenação. Vistos, relatados e discutidos o presente processo. Tratam os autos do naufrágio de uma pequena embarcação construída em madeira, sem nome e não inscrita que resultou no óbito por afogamento de um dos ocupantes. Segundo apurou o IAFN, no dia 15 de agosto de 2010, por volta das 17h30min quatro amigos navegavam no açude de Iguatu, CE, em uma pequena embarcação do tipo rabeta sob o efeito de bebida alcoólica. Começaram uma brincadeira de balançar a embarcação que culminou no naufrágio, vitimando o Sr. José Mailton. Participavam da brincadeira os Srs. Antonio Alves de Souza, proprietário e condutor da embarcação, Evânio Souza de Melo e Francisco Alexandre Chaves. Durante o IAFN foram ouvidas seis pessoas, foram juntados os documentos de praxe, inclusive laudo de exame cadavérico e atestado de óbito e a transcrição de uma entrevista dada pelo Sr. Antonio Alves de Souza a uma rádio local. Foi juntada também a perícia que está bem ilustrada com fotos e muito bem feita. Os peritos concluíram que o fator humano contribuiu, na medida em que as pessoas embarcadas estavam sob efeito de bebida alcoólica, que o fator material contribuiu, pois não havia a bordo material de salvatagem e que o fator operacional contribuiu, pois os passageiros não atenderam ao pedido do patrão para que se mantivessem sentados. Concluíram os peritos que os responsáveis pelo acidente seriam a própria vítima, por ser imprudente e entrar numa embarcação sem usar coletes salva-vidas uma vez que não sabia nadar, o proprietário da embarcação, por não prover a embarcação de material de salvatagem e o passageiro Francisco Alexandre Chaves, por ter se colocado de pé na embarcação e a balançado, provocando seu naufrágio. O encarregado do IAFN, depois de analisar as provas colhidas, entendeu que não haveria um responsável direto para o naufrágio, mas que seriam responsáveis indiretos o proprietário da embarcação, Antonio Alves de Souza, por ter conduzido a embarcação sob efeito de bebida alcoólica e dois passageiros, Evanio Souza de Melo e Francisco Alexandre Chaves, por terem ingerido bebida também e por terem ficado de 1/6
2 brincadeiras dentro do bote que culminou no naufrágio. Notificados não apresentaram defesa prévia enquanto os autos do IAFN permaneciam na Capitania dos Portos do Ceará. Apresentaram-na, entretanto, posteriormente, tendo a mesma sido encaminhada a este Tribunal e juntada aos autos depois de oferecida a representação. Os autos do inquérito foram recebidos neste Tribunal que os encaminhou à PEM, que ofereceu representação em face dos Srs. Antonio Alves de Souza, Evânio Souza de Melo e Francisco Alexandre Chaves, com fulcro nos art. 14, a (naufrágio) e 15, e (todos os fatos), da Lei nº 2.180/54. Apontou as condutas negligentes e imprudentes dos representados demonstrados pelo IAFN e pediu suas condenações. A representação foi recebida na Sessão Ordinária de 11 de agosto de Os representados foram regularmente citados e apresentaram defesa tempestiva através de advogados próprios. O primeiro representado, Sr. Antonio Alves de Souza, inicia sua defesa discorrendo acerca da ampla defesa e do contraditório e em seguida passa a descrever os fatos que culminaram no acidente, dizendo que navegavam em um açude quando uma onda forte abateu-se sobre a canoa e a emborcou, atribuindo o acidente à força maior. Diz que há ausência de culpabilidade por quatro motivos: Seu bote era de pesca e ele sobrevive da pesca; ele desconhecia a necessidade de registrá-la, uma vez que o local é um açude muito distante da cidade; ele não sabia que era crime andar de canoa com tripulantes desprovidos de coletes salva vidas e, por fim, que todos os ocupantes assumiram o risco de um possível naufrágio, pois aquele bote, por ser utilizado somente para pesca, não possui o suporte necessário de sobrevivência. Encerra a defesa com um tópico com a tese de culpa exclusiva da vítima, por ter assumido o risco de subir a bordo sem saber nadar e sem portar colete salva-vidas. Pede para ser exculpado, em face de ausência de culpabilidade. O segundo representado, Evanio Souza de Melo, foi defendido pela DPU/CE e pede de plano a gratuidade de justiça. Segue com a descrição do acidente, dizendo que ele e seus amigos estavam no açude do Trussu, em Iguatu, CE, a bordo do bote em uma situação descontraída, sob efeito de bebidas alcoólicas, batendo fotos com seus aparelhos de telefone celular, e não perceberam a aproximação de uma onda que desestabilizou a embarcação e a virou. Disse que o desejo de todos a bordo era de aproveitar alguns minutos de lazer, contudo a falta de equipamentos de salvatagem foi fator fundamental para o acidente em que todos foram vítimas, que se transformou em tragédia pela morte do amigo José Mailton. Diz que não provocou o emborcamento do bote e que a vítima assumiu o risco do acidente, ao embarcar sem saber nadar, sem portar colete salva-vidas 2/6
3 e sob efeito de bebida alcoólica. Afirmou que o condutor não era habilitado e que não tinha conhecimentos básicos sobre segurança e que nenhuma das pessoas a bordo tinha a consciência da necessidade do uso de coletes salva-vidas, que teria salvado a vítima. Acrescenta que este trágico acidente alerta para a situação do açude Trussu, tendo em vista que as atividades náuticas de recreio são desenvolvidas ali sem qualquer fiscalização, causando perigo aos banhistas e também aos condutores e passageiros das embarcações de recreio que por lá circulam. Disse também que a acusação é baseada exclusivamente no depoimento dado pelo proprietário do bote a uma rádio, que não tem valor como prova, desprezando os depoimentos colhidos na fase de inquérito. Encerra a defesa pedindo que seja exculpado ou, na eventualidade de ser condenado, que apliquem como atenuante o fato de que desconhecia a necessidade de portar coletes salva-vidas, com base no art. 143, c/c art. 139, inc. III, ambos da Lei nº 2.180/54. Por fim, apresentou contestação o terceiro representado, Sr. Francisco Alexandre Chaves, abrindo a defesa com preliminares de inépcia da inicial, por não haver no pedido a tipificação da conduta e de que ele seria passageiro da embarcação e, por tal motivo, não estaria alcançado pela jurisdição do Tribunal Marítimo. As preliminares foram rejeitadas por despacho saneador não recorrido. No mérito disse que a representação toma por base o depoimento de um dos representados perante uma rádio que contradiz todos os depoimentos prestados na Capitania pelas testemunhas e por ele próprio. Diz que sua conduta - ingressar a bordo em estado de embriaguez e sem portar colete salva-vidas - não tipifica o fato da navegação pelo qual está sendo acusado. Diz que o afogamento da vítima foi decorrente de sua conduta irresponsável, estando, porém, extinta sua punibilidade e encerra pedindo que, se apenado, seja aplicada somente com repreensão ou multa no valor de 11 UFIR. Aberta a instrução nenhuma prova foi produzida. Em alegações finais a PEM e a DPU se reportaram aos elementos dos autos. Decide-se: Como consta do relatório acima, os autos tratam do naufrágio de uma pequena embarcação construída em madeira, sem nome e não inscrita, que resultou no óbito por afogamento de um dos ocupantes. Segundo se apurou estavam quatro pessoas a bordo, não portavam coletes salva-vidas e estavam sob efeito de bebida alcoólica. A embarcação virou durante uma brincadeira a bordo atirando todos na água, tendo um dos ocupantes vindo a óbito por afogamento. Os três sobreviventes do naufrágio foram representados sob o argumento de que o proprietário e condutor teria sido imprudentes e negligente ao conduzir a 3/6
4 embarcação sem habilitação, sob efeito de bebida alcoólica e por não oferecer material de salvatagem e os outros dois por terem imprudentemente balançado a canoa provocando o emborcamento. A defesa de cada um dos três representados nega que contribuíram para o emborcamento, dizendo que este teria sido resultado de uma onda que os colheu enquanto estavam distraídos tirando fotos. Não negam, porém, a ingestão de bebida alcoólica ou que navegavam sem portar coletes salva-vidas e sem serem habilitados. A prova constante dos autos demonstra que todos ingeriram grande quantidade de bebida alcoólica, que não portavam coletes salva-vidas ou qualquer outro tipo de material de salvatagem e que nenhum deles era habilitado para conduzir a embarcação, fatos que tampouco foram refutados pelas defesas apresentadas. Assim, a atitude imprudente do primeiro representado ficou demonstrada, devendo ser acatado o pedido de sua condenação pelo fato da navegação tipificado no art. 15, alínea e, da Lei nº 2.180/54. A causa do naufrágio restou também provada e foi resultado da conduta imprudente dos dois outros representados, ao terem por brincadeira balançado a canoa. Em suas defesas os representados disseram que o emborcamento se deu depois que uma onda os colheu. Essa afirmação, portanto, não encontra respaldo nas provas dos autos. Todas as testemunhas ouvidas, inclusive os representados, afirmaram que no dia havia pouco ou nenhum vento, que navegavam dentro de um açude e que nenhuma outra embarcação capaz de provocar ondas com seu deslocamento navegava nas proximidades. As defesas disseram, ademais, que o depoimento do proprietário da canoa dado a uma rádio ainda no calor dos acontecimentos, enquanto buscavam o corpo do passageiro desaparecido, não pode ser aproveitado, pois seria contrário às demais provas colhidas. Neste depoimento dado à Rádio Liberdade no dia 15 de agosto de 2010 (fls. 50/51) o Sr. Antonio Alves de Souza, vulgo Tonhão, afirma que os ocupantes teriam provocado o emborcamento da canoa ao balançarem de um lado para o outro. O Sr. Antonio disse ao repórter: A gente ia no barco e eles começaram a brincar no barco e eu pedindo, pedindo e eles brincando, brincando. Aí o barco afundou. O repórter perguntou como era essa brincadeira, ao que ele respondeu: Eles balançavam a canoa. Eles balançavam a canoa. Pro lado direito, pro lado esquerdo. Pro lado direito, pro lado esquerdo. E a água começou a entrar rápido, rápido, rápido. Nos autos há o depoimento da pessoa que ajudou a retirar da água os náufragos e que afirmou ter ouvido do Sr. Antonio esse mesmo fato. Transcreve-se trecho 4/6
5 do depoimento da Sra. Josefa Suzana de Oliveira Matos, que estava no local onde os representados estavam bebendo antes de saírem com a canoa (fls. 43): (...) Perguntado como poderia resumir os fatos ocorridos, respondeu que quando eles chegaram na ilha sentaram na mesa e o garçom os atendeu. Beberam e depois o Sr. Mailton foi pagar a conta (...). Então eles saíram e pegaram o barco deles (...). Depois de poucos minutos decidimos pegar o barco para voltar para nossa casa em Iguatu. Quando estava entrando no barco já vi as garçonetes dizendo que estavam ouvindo uns gritos chamando o Sr. Josemir, pai do Josenildo, então elas acharam que a canoa dos homens tinha virado. Nesse mesmo momento o Josenildo saiu com o barco em que estávamos em direção ao local do acidente para prestar socorro. Quando chegamos lá encontramos três homens boiando. A canoa e o Mailton já haviam afundado (...). O Tonhão (...) conseguiu subir com a ajuda do Josenildo. Ele chorava muito. O Tonhão não parava de lembrar que tinha pedido tanto para os outros não balançarem o barco. Falou várias vezes a mesma coisa pedi tanto, pedi tanto para vocês não balançarem o barco (...). Portanto, ao contrário do que disseram as contestações, o depoimento do condutor e proprietário do bote, Sr. Antonio Alves de Souza, prestado a um repórter da rádio local é válido para provar em que circunstâncias o acidente ocorreu, mormente por ele ter feito a mesma afirmativa para outra pessoa, como transcrito acima. Assim, o acidente da navegação ficou provado que ocorreu em decorrência da atitude imprudente dos ocupantes da canoa, ao terem por brincadeira a balançado, provavelmente por terem ingerido grande quantidade de bebidas alcoólicas, segundo afirmaram em seus depoimentos. Desta forma, o fato da navegação previsto no art. 15, alínea e, exposição a risco das vidas e fazendas de bordo, restou caracterizado pela condução da embarcação por pessoa sem habilitação, sob efeito de bebida alcoólica e sem portar a bordo qualquer material de salvatagem e o acidente da navegação previsto no art. 14, alínea a, restou caracterizado pelo emborcamento seguido de naufrágio da canoa, que tiveram por extensão a perda do bote e dos pertences de bordo e o falecimento por afogamento de um dos ocupantes. A causa determinante do fato foi a permissão dada pelo condutor não habilitado do bote para o embarque de pessoas a bordo sem portar coletes salva-vidas, expondo suas vidas a risco e a causa determinante do acidente foi a atitude dos passageiros de balançarem o bote até provocarem seu emborcamento. Devem, assim, ser julgados procedentes os argumentos lançados na representação e serem acolhidos os pedidos da Douta Procuradoria Especial da Marinha 5/6
6 para ver condenados os representados. Assim, ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza e extensão do acidente e do fato da navegação: condução da embarcação por pessoa sem habilitação, sob efeito de bebida alcoólica e sem portar a bordo qualquer material de salvatagem e emborcamento seguido de naufrágio da canoa, que tiveram por extensão a perda do bote e dos pertences de bordo e o falecimento por afogamento de um dos ocupantes; b) quanto à causa determinante: permissão dada pelo condutor não habilitado do bote para o embarque de pessoas embriagadas sem portarem coletes salvavidas e a atitude dos passageiros de balançarem o bote até provocarem seu emborcamento; e c) decisão: julgar o fato da navegação capitulado no art. 15, alínea e, como decorrente da atitude imprudente e negligente do proprietário do bote, Sr. Antonio Alves de Souza, condenando-o à pena de repreensão e multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), com fulcro no art. 121, incisos I e VII, c/c art. 135, inciso II e julgar o acidente da navegação, capitulado no art. 14, letra a, como decorrente da imprudência dos outros dois representados, Sr. Evânio Souza de Melo e Francisco Alexandre Chaves, condenando-os à pena de repreensão e multa no valor de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) cada um, com fulcro no art. 121, incisos I e VII, c/c art. 135, inciso II, todos os artigos da Lei nº 2.180/54. Custas processuais proporcionais, dispensado do pagamento das custas o Sr. Evânio Souza de Melo por ter sido deferida a gratuidade de justiça pleiteada por sua defesa. Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Rio de Janeiro, RJ, em 14 de dezembro de Cumpra-se o Acórdão: Aos 28 de fevereiro de NELSON CAVALCANTE E SILVA FILHO Juiz-Relator LUIZ AUGUSTO CORREIA Vice-Almirante (RM1) Juiz-Presidente DINÉIA DA SILVA Diretora da Divisão Judiciária AUTENTICADO DIGITALMENTE 6/6
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