GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA: COMO VERIFICAR O IMPACTO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORE/AS?



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Transcrição:

GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA: COMO VERIFICAR O IMPACTO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORE/AS? Keila Deslandes Introdução: Preconceito e discriminação, em ambiente escolar Preconceito e discriminação são termos distintos, apesar de geralmente complementares. Do latim praeconcepto, esse termo indica o conceito, opinião ou julgamento que se forma a priori, sem conhecimento ou ponderação dos fatos 1. Quanto à discriminação, a ideia é consagrada no texto da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, como qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública. 2 A partir do preconceito, discrimina-se para inferiorizar, subordinar, dominar e desfavorecer. O conceito, opinião ou julgamento social produz, assim, violação dos direitos humanos. A discriminação originada no preconceito tem, portanto, um caráter conceitualmente negativo, lesivo, atentatório aos princípios de igualdade humana não somente no sentido formal, preconizado pela sociedade liberal-capitalista ocidental e que ignora diferenças de sexo, raça e cor. Mas, muito especialmente, a discriminação atenta contra os princípios da efetiva igualdade de oportunidades de acesso social por exemplo, à educação e ao emprego -, a que todos os seres humanos têm direito. Mas como lidar com o preconceito na escola, esta instituição produtora e reprodutora dos padrões sociais, legitimadora das relações de poder e dos processos de acumulação de capital? Ora, tal como acontece, de maneira mais ampla, na sociedade, sexismo, racismo e homofobia fazem parte do cotidiano escolar. Atitudes preconceituosas, discriminatórias, ofensivas, constrangedoras e mesmo práticas violentas com relação a mulheres, negros, pobres, homossexuais, dentre outras categorias nas quais se veste o preconceito, se inserem no meio escolar, fazendo com que se tenha que lidar, desde a mais tenra infância, com aquilo que se pode chamar de uma 1 Silva, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro. Forense. 2006. 2 Cf Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação. ONU. 1966. 1

pedagogia do insulto, constituída de piadas, brincadeiras, jogos, apelidos, insinuações, expressões desqualificantes poderosos mecanismos de silenciamento e de dominação simbólica (JUNQUEIRA, 2009:17). Para caracterizar estas atitudes e analisar a correlação delas com o rendimento escolar, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FIPE, em parceria com o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais INEP, realizou uma ampla pesquisa, entre os anos de 2005 e 2009. Aplicada em 501 escolas dos 27 estados do território nacional e respondida por 18.599 pessoas, de cinco diferentes públicos da escola 3, o foco central desse trabalho foi dirigido a: (1) atitudes que expressam preconceito; (2) distância social, indicando comportamento discriminatório; e, (3) conhecimento de práticas discriminatórias na escola. Operacionalmente, foram considerados 7 (sete) áreas temáticas do preconceito, a saber: 1) étnico-racial; 2) gênero: 3) geracional; 4) territorial; 5) orientação sexual; 6) socioeconômica; 7) necessidades especiais. O trabalho buscou também avaliar as percepções sobre preconceito e discriminação, na escola; as situações de violência psicológica e física; e, ainda, a relação entre preconceito, discriminação e desempenho escolar. A partir de um conjunto de 83 frases relacionadas a tais temas, os respondentes tinham que se posicionar quanto à concordância ou discordância numa escala de tipo Likert, de quatro pontos. Por exemplo, diante da frase Os estudantes do campo são mais lentos para aprender, que verificava conceitos ou atitudes preconceituosas em relação ao tema (4), territorial, os respondentes tinham que se posicionar, escolhendo entre as opções Discordo (muito ou pouco) e Concordo (muito ou pouco). Todas as frases foram elaboradas a partir de ideias e expressões originadas nos grupos focais 4, realizados durante a etapa qualitativa da pesquisa, o que garantiu que as perguntas fizessem parte do universo cognitivo e cultural dos respondentes em potencial, facilitando a compreensão dos enunciados por parte dos mesmos. Os resultados desta pesquisa mostram que os valores médios de concordância com as afirmações preconceituosas estão entre 20,6% e 38,2%. Ou seja, de maneira geral, os respondentes discordam das afirmações preconceituosas apresentadas no questionário e apresentam um grau relativamente baixo de preconceito diante das 7 áreas temáticas acima relacionadas. A área temática de gênero foi a que apresentou maior percentual de concordância (38,2%); o tema território foi o que apresentou maior discordância (20,6%) quanto às atitudes preconceituosas. Itens específicos, 3 Sendo 15.087 estudantes, 1.004 professores de português e matemática; 501 diretores; 1.005 profissionais de educação; 1.002 pais, mães ou responsáveis, membros do Conselho Escolar ou da APM. 4 A técnica grupos-focais, que será melhor explicada no capítulo 3, consiste na 2

tais como concordar que deficientes visuais e auditivos estudem em escolas especiais (63,5%) ou concordar que as mulheres são mais habilidosas para as tarefas domesticas (55,7%), apresentaram resultados indicadores de um grau mais elevado de preconceito. Quanto aos comportamentos discriminatórios, no entanto, a pesquisa revelou que todos os percentuais são superiores a 55%, o que indica uma dissonância cognitiva entre aquilo que se pensa e o modo como se age. Assim, a discriminação em relação a homossexuais chegou ao índice percentual de 72%, seguido pela discriminação em relação a portadores de deficiência mental (70,9%), ciganos (70,4%), deficientes físicos (61,8%), índigenas (61,6%), moradores de periferia e/ou favelas (61,4%), pobres (60,8%), moradores e/ou trabalhadores de áreas rurais (56,4%) e negros (55%). Ou seja, os respondentes adotam comportamentos discriminatórios ainda que tenham opiniões contrárias em relação a isto. Com base nesses resultados, os pesquisadores concluem que o preconceito e a discriminação não acontecem de maneira isolada nas escolas e não afetam apenas um ou poucos grupos sociais. Concluem também que há uma correlação negativa entre atitudes de preconceito e discriminação e as notas médias obtidas na avaliação da Prova Brasil, nas escolas. Ou seja, quanto maiores os índices de preconceito observados na escola, menores os resultados obtidos pelos alunos nessa Prova criada em 2005 para avaliar os estudantes dos anos finais do ensino fundamental em suas habilidades de língua portuguesa (com foco em leitura) e matemática (com foco na resolução de problemas). Os resultados obtidos na Prova Brasil foram mais baixos tanto em escolas onde foi observado maior conhecimento de práticas discriminatórias vitimando professores e funcionários, quanto em escolas em que os alunos apresentaram maiores índices de preconceito. Sendo assim, considera-se importante e oportuno iniciar e potencializar um processo de mudança no ambiente escolar para promover a diversidade (MAZZON, 2009), a partir de ações para a disseminação de informações e para a mudança de comportamento e, principalmente, no longo prazo, para a mudança de valores relacionados ao preconceito e à discriminação. O curso Gênero e Diversidade na Escola GDE Resultado de uma articulação entre diversos órgãos de Governo Brasileiro (SPM, SECAD, SEPPIR), o British Council (Reino Unido) e o CLAM-UERJ, o curso de aperfeiçoamento Gênero e Diversidade na Escola (GDE) caracterizou-se como uma formação continuada de professores e professoras da rede pública de ensino fundamental, com prioridade para os que lecionam entre a 5ª 3

e a 8ª séries (hoje, 6º a 9º anos), na modalidade a distância. Oferecido em versão piloto no ano de 2006, para 1200 professores de seis municípios brasileiros Porto Velho, Dourados, Salvador, Maringá, Niterói e Nova Iguaçu), esse curso de aperfeiçoamento tem carga horária de 200 horas e enfoca em seus módulos, de maneira articulada, a temáticas da equidade de gênero, das relações étnicas e raciais e da diversidade da orientação sexual, numa proposta de instrumentalizar a comunidade escolar para transformar as práticas de ensino, desconstruir preconceitos e romper o ciclo perverso da reprodução do preconceito e da discriminação, na escola. A partir de 2008, a oferta do curso GDE passou a se dar por meio de editais SECAD-UAB (001/ 2008 e 026/2009), abertos para todas as instituições públicas de ensino superior. Sendo assim, a cobertura se ampliou para todo o território nacional, pela atuação de primeiro 19 (dezenove) e, depois, 26 (vinte e seis) instituições parceiras. Hoje, alguns milhares de professores da rede pública de todo o Brasil fizeram ou fazem esta formação, cujo trabalho de conclusão é sempre definido como a elaboração de um projeto de intervenção, relacionado a uma das temáticas discutidas, a ser implementado no ambiente escolar. Pelo projeto de intervenção, o curso GDE visa gerar impactos de curto, médio e longo prazo na sociedade e na cultura nacional, com base no pressuposto de que os professores e as professoras são tanto mediadores do processo educacional das novas gerações, quanto potenciais agentes multiplicadores da mudança social que se prentede implantar por uma política pública de estímulo à inclusividade democrática. A pergunta que não se pode calar é: os cursos de formação de professores transformam a sociedade, pelo efeito multiplicador de suas ações? Como identificar e construir indicadores de impacto da oferta do curso, a partir dos objetivos e metas estabelecidos nos projetos? Os projetos de intervenção do curso GDE e seus impactos Todos sabemos o quão difícil é mudar valores e condutas que estão arraigados na educação e na cultura de toda uma comunidade e que, às vezes, são mesmo considerados como válidos e legítimos! Valores e condutas com os quais se conviveu desde a mais tenra infância e que causam até certo conforto psicológico aos sujeitos, que os fazem se sentir em casa, mesmo estando no mundo público, na polis! Então, em primeiro lugar, a motivação para propor mudanças de atitude, de percepção e de mentalidade relacionadas a temas que envolvem a dignidade dos seres humanos deve ser forte o bastante para não sucumbir às resistências daquelas pessoas ou grupos que preferem deixar tudo como está e/ou que têm valores opostos aos nossos. 4

Por outro lado, a motivação dos agentes que propõem a mudança não deve se sobrepor, de maneira autoritária, aos demais membros da comunidade que participam do processo de mutação. Ou seja, não se trata de impor uma mudança desejada por apenas um grupo ou sujeito; mas, de expor uma situação-problema de maneira objetiva, apresentando possibilidades reais de superação dos conflitos observados e vividos, a partir do que se conseguiria uma melhora objetiva nas condições de vida de todos. Por exemplo, a melhoria dos resultados escolares, a redução da evasão escolar, a diminuição dos índices de violência na escola, o aprimoramento dos métodos e recursos pedagógicos utilizados etc. É assim que se justifica a proposta de um projeto de intervenção, definido como um conjunto articulado de ações e pessoas motivadas para o alcance de um objetivo comum, a partir de uma justificativa plausível, por meio de estratégias previstas, num tempo determinado (início, meio e fim), com recursos limitados e sob constante avaliação. Isto dito, importa destacar que, em qualquer processo de mudança social, tendo em vista os diferentes valores, ideologias e interesses em jogo, encontramos sempre pessoas e grupos sociais com opiniões e posturas favoráveis e contrárias ao processo como um todo ou a algumas ações dele. Ou seja, ao longo de todo e qualquer projeto de intervenção, independentemente da temática com a qual estamos lidando, vemos surgir reações de apoio motivadas pela adesão ideológica, pela solidariedade, pelo convencimento político -, e/ ou de rejeição, motivadas pelo comodismo, pela desconfiança, pelos preconceitos, pela rivalidade e pelas disputas de poder. Portanto, para empreender um projeto de intervenção, é fundamental estar convicto da necessidade de mudança, motivado pela relevância do tema, entusiasmado pelas ações a serem implementadas e cheio de paixão pelo desafio de levar a termo a proposta que se pretende empreender. É também fundamental estar preparado para convencer os outros atores de que o problema existe, exemplificando situações concretas nas quais ele se manifesta e estabelecendo assim uma situação-problema, ou seja, o foco da intervenção, uma delimitação capaz de transformar uma realidade que é complexa, numa situação simplificada e com a qual conseguimos lidar. O marco zero e as metas No planejamento de um projeto de intervenção, o estabelecimento do marco zero e a definição das metas se constitui como um momento fundamental. O marco zero é uma referência original a partir de onde a meta se projeta, formulado para verificar e comparar as mudanças 5

ocorridas pelas ações de intervenção empreendidas e servindo de base para o acompanhamento dos resultados do projeto. A definição do marco zero possibilita o monitoramento e a avaliação do grau de alcance da meta. Sem estabelecer o marco zero, ou seja, sem marcar o ponto de onde estamos partindo, é difícil saber se o projeto de intervenção provocou qualquer mudança na situaçãoproblema. Já as metas são definições precisas dos objetivos específicos do projeto de intervenção, que se configuram como uma descrição dos resultados esperados, a partir das ações executadas pelo projeto. Quando conseguimos descrever claramente uma meta, facilmente conseguimos definir os indicadores que vão evidenciar o seu grau alcance. As metas quantificam ou qualificam os resultados esperados, sendo descritas com prazos para a sua realização. Quando se trata de uma meta quantitativa, o resultado é obtido a partir de um determinado número de intervenções. Por exemplo, a realização de dez oficinas de capacitação para uma centena de docentes, sendo que ao menos 70% de participação é necessária, é considerada uma meta suficiente para atingir o objetivo de formação de docentes sobre a temática da diversidade. Quando se trata de uma meta qualitativa, por sua vez, o resultado é obtido a partir de aspectos subjetivos dos produtos. Por exemplo, a partir das dez oficinas realizadas para uma centena de docentes, esses devem ser capazes de operacionalizar noções como preconceito, discriminação, lei 10.639/ 2003, racismo, diversidade étnica e racial, dentre outras. Podemos, também, propor como meta qualitativa o desenvolvimento de relacionamentos interétnicos satisfatórios e, com isto, temos que definir operacionalmente o que consideramos serem relacionamentos inter-étnicos satisfatórios, pois se trata de uma meta qualitativa, ou seja, não diretamente mensurável por meio de certo número de gestos e atitudes pouco perceptíveis ou subliminares. Assim, para verificar o nível de satisfação dos participantes frente ao tema do preconceito e da discriminação, teremos, por exemplo, que aplicar questionários ou propor entrevistas junto aos participantes do projeto. Definição de indicadores Já os indicadores são elementos mensuráveis, específicos e diretamente relacionados à meta, que sinalizam e são capazes de evidenciar que a situação-problema está sendo alterada, por meio da intervenção. Ou seja, indicam se as metas estão promovendo uma aproximação gradual dos objetivos específicos a serem atingidos. Os indicadores são construídos com base nas metas e a sua definição exige sensibilidade e perspicácia, por parte do agente facilitador da intervenção. 6

De acordo com Minayo (2009), os indicadores podem ser quantitativos, quando tangíveis e facilmente observáveis tais como redução da evasão escolar por adolescentes grávidas, melhoria dos índices de avaliação na Prova Brasil, variação de renda da população negra a longo prazo, aumento dos número de anos de escolarização da população LGBT, frequência na participação de eventos na escola etc; ou qualitativos, quando intangíveis e somente observáveis indiretamente tais como aumento da auto-estima, valorização da consciência social e satisfação nos relacionamentos interpessoais. Por exemplo, quando tratamos da meta dez oficinas de capacitação realizadas, os indicadores quantitativos poderão ser o número de oficinas, o número de participantes ou o número de temas abordados. A coleta de dados para estes indicadores é simples, bastando, por exemplo, contar as oficinas efetivamente realizadas, verificar a lista de presença de cada uma e enumerar os itens temáticos abordados. Já para os indicadores qualitativos de construção mais complexa -, a observação em geral se dá de maneira indireta. Por exemplo, o indicador valorização da consciência social deve ser traduzido para itens mais pragmáticos, tais como a participação de estudantes negros em grêmios escolares. Assim como o aumento da auto-estima deve ser traduzido, por exemplo, pelo uso da fala em sala de aula, ou seja, os estudantes negros passam a fazer mais questões para o professor. Ou seja, mesmo os indicadores qualitativos devem ser quantificáveis, num certo sentido. Os indicadores qualitativos apresentam ainda a dificuldade de que as mudanças que eles apontam no fenômeno observado podem ter sido influenciadas por outros fatores e atores. Por exemplo, se, durante o período em que se está implementando um projeto de intervenção para aumento da auto-estima dos estudantes negros, Barack Obama é eleito presidente dos EUA, este fato pode gerar um aumento coletivo da auto-estima da população negra, sem que haja qualquer influência direta da intervenção que se está empreendendo. Conclusões Para verificar o impacto da implantação de uma política nacional para a redução do preconceito e da discriminação, na escola, a partir de micro-projetos de intervenção, é importante delimitar a situação-problema que se deseja objetivamente mudar. Nesse sentido, a definição do marco zero, de metas tangíveis e de indicadores de execução, para acompanhamento das metas e redefinição das estratégias de implementação dos projetos tornam exequíveis a análise do impacto dos projetos de intervenção pontuais. 7

Bibliografia BOBBIO N. Elogio da serenidade e outros escritos morais. 4ª Ed. São Paulo. Unesp. 2002. GOMES J B. Ação afirmativa e principio de constitucional de igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro. Renovar. 2001. MINAYO MCS, SOUZA ER. Construção de Indicadores Qualitativos para Avaliação de Mudanças. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, Brasil. l. Rio de Janeiro, 2009. RIOS R R. Homofobia na perspectiva dos Direitos Humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In JUNQUEIRA R D (org). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasilia. MEC/ SECAD UNESCO. 2009. VALARELLI LL. Indicadores de resultados de projetos sociais. 2004. [online]. [Acesso em: 4de Abril de 2010]. Disponível em: http://www.rits.org.br/gestão WWF BRASIL: Monitoramento e Avaliação de Projetos de Conservação e Desenvolvimento Sustentável: Sistematização de uma Experiência. Programa Piloto de Monitoramento de Avaliação - PPMA /São Paulo: WWF Brasil, 2000. 8