O digitalnativo : a presença indígena na rede



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CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

Transcrição:

O digitalnativo : a presença indígena na rede Massimo Di Felice i Prof. Dr. da Escola de Comunicações e Artes -USP Eliete da Silva Pereira ii Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas CEPPAC - UnB 1. Sconfini e metaterritorialidade Nulla potrebbe essere più lontano dallo spirito della nuova tecnologia di un posto per ogni cosa e ogni cosa al suo posto M. McLuhan In misura crescente persone e cose sono fuori posto J. Clifford O termo italiano sconfini descreve o ato de ultrapassar fronteiras, passar a margem, superar a linha que demarca o fim. A palavra tem a sua raiz no termo confine (confim, limite) barreira, por suposto, mas que precedida pela consonante s assume um sentido dinâmico e contrário, que nos repassa a percepção do dinamismo do ato transgressor de ir além, de sconfinare. Além de sua interpretação ligada aos fluxos migratórios e aos processos culturais, econômicos e políticos globais, assumimos aqui o termo sconfine como uma metáfora dinâmica e aberta, para representar uma característica qualitativa dos fenômenos e das realidades da época contemporânea, marcada pelo repasse permanente de informações e de fluxos comunicativos em todos os setores sociais e em todas as direções. Este processo de incremento do dinamismo comunicativo, que vem se desenvolvendo com intensidade e temporalidades distintas, durante todas as diversas revoluções comunicativas iii, assume na época digital uma transformação qualitativa específica. Esta é marcada não mais, como nas épocas passadas, pelo incremento da velocidade dos fluxos comunicativos, mas como è conhecido, pela supressão do tempo e pelas formas de comunicações meta-espaços-temporais iv. Este pancomunicativismo da época contemporânea expresso em todos os setores das atividades humanas, das inovações tecnológicas às novas dinamicidades atopicas v dos processos econômicos e políticos, implica não somente a difusão de 1

formas de superação do espaço e das distâncias geográficas como analisado por M. McLuhan mas, também, como afirmado J. Meyrowitz, a reformulação dos espaços e das distâncias sociais informativas: Os grupos um tempo separados não só são mais informados sobre a sociedade em geral, mas dispõem também de um maior número de informações recíprocas informações que um tempo distinguem os internos dos externos (...) As redes informativas promovidas pelas mídias eletrônicas, propõem aos indivíduos um ponto de vista relativamente holístico da sociedade e um horizonte mais vasto com qual defrontar o seu destino individual (...) oferecendo às pessoas uma uma perspectiva nova da qual observar as suas identidades vi. As conseqüências da superação das fronteiras e das aproximações dos distantes resultam num incremento extremo do processo de hibridações, que desde as culturas, até as formas bio-comunicativas, assumem o aspecto, não mais de uma simples tendência, mas de uma forma ontológica da vida, do ser e do estar no mundo. Junto aos povos e ás culturas, os espaços e as temporalidades, a tecnologia e os corpos, o masculino e o feminino, a arte e o consumo, o erudito e o popular, misturam-se e confundem-se num processo aberto e dinâmico, onde as identidades, aproximando-se, liquidam-se e pluralizam-se. Se considerarmos como apropriada a afirmação de Wittgenstein, que descreve a linguagem como a representação lógica do mundo, perante tais transformações um dos principais desafios dos cientistas contemporâneos (e portanto, não somente dos cientistas sociais) consiste, além das experimentações radicais e inovadoras, na busca e na reinvenção constante de termos e conceitos polissêmicos que busque conter tais pluralidades híbridas e dinâmicas. Ao propor o termo sconfine procuro, nesta direção, uma superação das tradicionais categorias da modernidade elaboradas e utilizadas pelas distintas disciplinas sociais para a análise da sociedade. Desde a crise da tripartida análise do eu Freudiano, daquela binária das classes sociais marxista, e da dicotomia Durkheimiana de comunidade e sociedade, as representações de realidade criada pelos clássicos cientistas sociais da modernidade, já problematizadas pelos estudiosos da complexidade, encontram-se hoje perante uma inviabilidade epistemológica. O que parece estar em jogo não são simplesmente a superação de categorias e paradigmas obsoletos, mas a reinvenção do mesmo trabalho dos cientistas sociais que 2

de observador-ordenador se encontram, numa época complexa e dinâmica, cada vez mais, na posição de experimentador-sconfinato. Implícito também a esta transformação está a necessidade de repensar a forma do conhecimento. Refiro-me as categorias da dialética binária, assim como criada pelo discípulo de Parmenides, Zenão, e desenvolvida sucessivamente durante todo o processo histórico do pensamento ocidental. A contraposição binária, como assinalado por G. Deleuze vii, marcou a forma do pensamento do ocidente que, desde os paradoxos da escola de Elea, deu ao mundo uma forma dualista e oposta. Proteicamente viii, podemos constatar a fertilidade e a dinamicidade da categoria sconfine nos distintos setores das realidades contemporâneas onde, em seguida das acelerações comunicativas, o olhar dialético e antinômico-sedentário, resulta inadequado e limitado, pois sempre direcionado no esforço de impor ao mundo a própria geometria ordenadora. O antropólogo indo-americano A. Appadurai ressaltando as pluralidades dos hic et nunc contemporâneo destaca o papel ativo da imaginação mass-mediática cuja atividade cria meta-espaços e meta-identidades nos processos de mutações culturais das populações migrantes ix Quelli che desiderano muoversi, quelli che si sono mossi, quelli che desiderano tornare e quelli che hanno scelto di restare formulano di rado i loro progetti al di fuori della sfera della radio e della televisione, della cassetta e dei video, della carta stampata e del telefono. x São estes espaços midiáticos a criar os espaços híbridos onde o tecnológico sconfina no imaginário (invade o imaginário) e na criação de espaços significados, resultando na formação de realidades plurais, materiais-imateriais, psíquicas e coletivas ao mesmo tempo. São estes espaços híbridos, feitos de tecnologias-corpos, geografiasinformações, espaços-fluxos, a abrir possibilidades criativas e inovadoras no interior das meta-arquiteturas pós-coloniais da participação e das novas formas tecnológicas das cidadanias latino-americanas. 3

2. Etnotecnodigitalscape Ogni superficie è un interfaccia fra due ambienti in cui regna un attività constante sotto forma di scambio fra le due sostanza poste a contatto P. Virilio Na descrição dos fluxos culturais globais Appadurai utiliza o termo tecnoscape xi para indicar a também fluida, configuração global da tecnologia e a sua capacidade de se deslocar rapidamente em todos os lugares, como, ao mesmo tempo, a palavra etnoscape para descrever as pluralidades híbridas e fluidas das identidades contemporâneas num contexto onde cada vez mais pessoas e grupos enfrentam as realidades de ter que se locomover ou desejam fazê-lo xii. Podemos partir destas duas categorias fluídas e abertas para nos adentrar na análise do digitalnativo, isto é, das produções indígenas digitais, analisando os sites e os CD rom, criados pelos mesmos e veiculados na rede, e portanto, acessíveis por qualquer um em qualquer parte. Chamamos tais meta-espaços etno-tecno-digitalscape em quanto os considerarmos espaços híbridos onde cada elemento, o etno, o tecno e o digital, não atuam como elementos separados mas, juntando-se aos outros, criam uma amalgama nova, plural e comunicativa. O etno-tecno-digital como o digitalnativo é uma paisagem híbrida e deslocante que convida a uma heterogênese cognitiva e interpretatitva, que quebrando as dicotomias primitivo/moderno, nativo/global, natureza/tecnologia, passado/futuro, oferece-nos as possibilidades de sconfinar conceitos e idéias. Apresentam-se em seguida algumas destas novas especialidades metaterritoriais que se multiplicam na rede e que marcam um novo tipo de realidade sócio-culutural do continente americano. Começaremos navengando, isto é, entrando e visitando estas pos-geografia digital e relatando, logo em seguida buscaremos interpretar tal fenômeno. 4

O primeiro etno-tecno-digitalscape é o site zapatista Ya Basta. As comunidades tzetzal, tzotzil, chol, tojolabales, mame, zoque, descendentes dos antigos Maias, insurgiram constituindo um exército, denominado-se zapatista xiii e inventando uma nova forma de luta transnacional que, depois dos primeiros combates, substituiu as armas com uma original forma de comunicação eletrônica que juntavam os rebeldes à sociedade civil, à mídia e ao mundo. Desde primeiro de janeiro de 1994 a conflitualidade social não será mais a mesma. Transferindo a conflitualidade social aos bits eletrônicos os descendentes dos Maias inauguravam uma conflitualidade midiática e glocal, cujos objetivos não eram a conquista do poder nem a instauração de um governo revolucionário, mas a liberdade, a democracia e a justiça, um México e um mundo novos. Desde sempre excluídos pela política, os índios zapatistas começaram a difundir pela internet comunicados dirigidos á sociedade civil e á imprensa internacional e mexicana. A originalidade do conteúdo dos mesmos e as suas formas polissêmicas que juntavam os mitos maias a tradição literária européia (Shakespare, Pavese, Cervantes) conquistaram a solidariedade dos jovens e dos demais setores da população dos quatros continentes. A presença na rede dos comunicados acessíveis a todos e as assumidas invisibilidades do zapatismo criaram novas formas de atuações (caravanas eletrônicas, sit-in simultâneos, formas de observação organizadas pela sociedade civil internacional, consultas eletrônicas, encontros inter-galáticos) dando ao movimento uma popularidade que inviabilizou qualquer ação repressiva por parte do governo mexicano. As armas eletrônicas levaram o conflito a um nível comunicativo onde as comunidades indígenas puderam contar com o apoio da sociedade civil internacional. Em poucos anos o zapatismo foi o inspirador de uma nova consciência civil internacional que sob as ruínas da política institucional, corrupta e sem mais ideais, deflagrou no mundo inteiro movimentos e práticas inovadoras, expressões daquela que A. Touraine definiu como uma nova revolução francesa. Superando a lógica primeiro/terceiro mundo foram os zapatistas historicamente os inspiradores do movimento internacional em rede que desde Seatle começou a atuar através de formas e de práticas simultâneas e temporárias de lutas internacionais, eletronicamente organizadas e orientadas. 5

As palavras eletrônicas zapatistas xiv, ao contrário das armas tradicionais e dos atos terroristas não reproduzem a lógica autoritária e excluídora da política, mas libera espaços e novas formas plurais de participação e de expressão. Longe dos dogmas ideológicos, as palavras dos comunicados, polissêmicas e eletrônicas, realizam na própria forma uma prática inclusiva, onde as culturas excluídas da construção da nação, tomam as palavras, hibridizando significados e conteúdos e realizando nas formas sincréticas um mundo plural onde as verdades e os emblemas são substituídos pelo diálogo e pelo escutar. www.ezln.org. Enter. A página zapatista tem em baixo além do símbolo da bandeira mexicana a imagem de Emiliano Zapata e a escrita bienvenidos Também aqui o site nos propõe alguns itinerários possíveis Ao lado direito em baixo è possível abrir os elencos dos comunicados são separados por anos e é possível abri-los além de em espanhol, em inglês. Abrimos alguns Enter. Os zapatistas se auto-representam : Esto somos nosotros. El Ejercito Zapatista de Liberacion Nacional. La voz que se arma para hacerse oír. El rostro que se esconde para mostrarse. El nombre que se calla para ser nombrado. La roja estrella que llama al hombre y al mundo para que eschucem, para que vean, para que nombren. El manana que se cosecha en el ayer xv Procuro mais, seguo em frente. Enter. Não à burocracia da esperança, não à imagem inversa e, portanto, semelhante à que nos aniquila. Não ao poder com novos símbolos e novas roupagens. Um alento, sim, o alento da dignidade. Uma flor, sim, a flor da esperança. Um canto, sim, o canto da vida. A dignidade è essa pátria sem nacionalidade, esse arco-íris que também è poente, este murmulho do coração que não se importa com o sangue que o alimenta, esta rebelde irreverência que burla fronteiras, aduanas e guerras. xvi 6

Desde o levante de 94, as palavras eletrônicas zapatistas espalharam-se pelo mundo. Os tzetzal, os tzotzil, os chol, os tojolabales, os mames, os zoques, os esquecidos das democracias nacionais, do mundo das transações econômicas, dos planos do Nafta, das revoluções e das utopias guerrilheras, dos livros dos cientistas sociais, ganharam voz, livros e espaços através da atuação eletrônica e da presença em rede. O espaço virtual resignifica e altera a memória histórica, os limites dos espaços nacionais e das lógicas ideológicas da política moderna. Navego mais: O número sete na cultura dos descendentes dos antigos povos maias è um numero importante.( ) Os Deuses Primeiros são sete; sete também são as mensagens que os zapatista enviaram durante a marcha para a Cidade do México. Por fora do monoteísmo e da verdade monossêmica a cultura dos povos maia è plural. Ao contrário a lógica da política moderna è a lógica da identidade binaria e da dialética, que contrapõe o um ao um : uma identidade, uma ideologia, um partido, um líder, a um outro, num movimento transitório e sempre idêntico. A lógica zapatista não è a dos uns, mas a dos setes: è múltipla e não singular( ) É indígena, mestiça, eletrônica, mexicana, glocal, mundial, plural, híbrida e dinâmica xvii Além da ordem evolucionista primeiro / terceiro mundo e do conceito ocidental de índio, a presença zapatista na rede subverte conceitos e categorias, abrindo para o novo e o inédito em qualquer lugar desta contemporaneidade. Desvelam-se assim, então, um primeiro significado do etnotecnodigitalscape: na época da comunicação digital o étnico se redefine como tal e reafirma e defende a própria identidade através das tecnologias digitais que, ao mesmo tempo, os veiculam e os reproduz além do próprio território. Nos últimos anos muitos jovens e cidadãos europeus, e mesmo latinoamericanos, se aproximaram das culturas indígenas através da rede que, em muitos casos, constituiu o primeiro contato, permitindo o encontro com a realidade de discriminação e de dignidade rebelde indígenas. De qualquer forma o sconfinare (transbordar) do nativo no digital implica, também, a indigenizaçao do Web e da rede. Se de um lado, nos últimos anos, as etnias indígenas se defendem e reafirmam as próprias especificidades através da tecnologia digital, de um outro, o digital indigeniza-se, tornando-se, na época contemporânea, pelo menos em parte, étnico e 7

local, enquanto habitado pelas culturas nativas, as mesmas secularmente excluídas pela linguagem política e pelos demais meios de comunicação. Daqui a necessidade de considerar o étnico contemporâneo etnotecnodigital, é dizer, como inseparável da sua forma tecnológico-comunicativa, sem a qual estaria condenado, em muitos casos, ao esquecimento e à periferia. Sendo assim, o étnico contemporâneo se redefine em quanto étnico e específico a partir da própria digitalização ou da própria capacidade de se tornar imagem-pixel, fluxo comunicativo. Na contemporaneidade, a forma viva das culturas nativas esta nos pixel e não mais exclusivamente nas representações produzidas pelos antropólogos através dos seus relatos, mas através das redes digitais, espalham-se nas metageografias interativas, nas web paginas e nas demais formas comunicativas, ganhand novso significados e conquistando novas dimensões. O segundo etno-tecno-digitalescape é um CD rom Xavante, criado e realizado pelo cacique Domingos e seu filho Jesus. Moradores de uma área do Mato grosso, no Brasil, a etnia xavante destaca-se pelo seus espírito guerreiro e pela pelas numeras induzidas mudanças que a autoritária presença salesiana impõe nas áreas indígenas XVI. Lembro-me da apresentação feita pelos dois autores do CD, do jovem Jesus, até então com 17 anos, nativos e globalizados, estavam felizes. Este CD havia ganhado um prêmio da Unicef que seria entregue na DisneyWorld, Estados Unidos. Na ocasião o cacique Domingos me deu uma caixa de CDs para levá-los á Itália. O etnotecnodigitalescape não tem geografia e, neste começo de milênio, ultrapassa (sconfina) tempos e culturas, derrotando obsoletas divisões mentais, primeiro/terceiro mundo, primitivo/moderno, índio/europeu. Enter. Uma esfera de fotos em diversas seções por argumentos junto aos típicos cantos do povo guerreiro xavante acolhe o visitador XVI São tristemante famosa a forma de atuação dos missionários nas áreas indígenas, além dos numerosos casos de denuncia de violências e estupros contra minores, marcante é a imposição das roupas, a mudança de habito e da inteira estrutura da aldeia. Alem da artefata posturas paternalística dos padres que difundem comportamentos desviantes entre os jovens indígenas, impondo forma de dependência que sumando-se á violenta historia destes povos ne inibe a autonomia e o espírito de transformação. 8

O etnotecnodigitalescape está dividido em seis itinerários cada um por vez feito de textos, imagens, sons e vídeos. Através destes os xavantes narram-se, falam de si, da própria cultura, dos seus mundos, dos seu valores e da própria história. A UWE UPTABI O meu povo (A UWE UPTABI) vive atualmente na região do Mato Grosso, dividido em vários aldeamentos. Em 1.765 houve o primeiro contato entre a nossa gente e a população da província de Goiás. Naquela época, nos Xavantes constituíamos uma das mais numerosas e temida nações indígenas da região. Em uma determinada época, migramos para as florestas do Mato Grosso, mais seguras e ricas em caça. Calcula-se que pelo menos há cem anos nossa nação Xavante habita a região do rio das Mortes. O meu povo A UWE UPTABI traz registrado em suas tradições os valores das nações indígenas que integravam esse pais em seu passado e que bravamente resistiram a invasão branca e hoje são o presente em com certeza estaremos construindo ativamente o futuro A velha antropologia, que pretendia descrever as culturas indígenas através dos fiéis relatos escritos, expressões de reconstruções etnocêntricas e autoritárias cheias de paradigmas e conceitos ocidentais, está superada. Sigo com a seta no meio do cerco, passando ao lado do perfil do cacique Domingos o etnotecnodigitalescape me propõe um caminho: Enter. Habitação Meu povo conserva a tradição do passado na construção de suas (Ri). Elas são feitas pelos homens de madeira com amarração e depois a oca é coberta por folha de palmeiras buriti 9

A nossa tradicional oca Xavante é circular e pontuda na parte superior, mas muitos possuem a parte superior arredondada. E uma habitação milenar com estrutura simples e o material utilizados em sua construção é extraído por nos no meio onde vivemos.. 3. Índios on-line e Eliane Potiguara: a presença indígena brasileira na rede Sigo na seqüência do etno-tecno-digitalscape. A interatividade do ciberespaço passa por uma extraordinária imaterialidade que transcende as formas de comunicar, altera as noções de espaço e de tempo. Remete àquilo que é experiência cotidiana a uma nova e criativa forma de fazer pesquisa. Embora crescente, são relativamente recente investigações sobre, na e através da rede. Sem contar que são poucos xviii os estudos sobre os índios na Internet ainda mais sobre a experiência dos índios situados no Brasil. Desde o surgimento há pouco mais de 10 anos de provedores de acesso a Internet no Brasil, a presença indígena na rede tornou-se significativa, não por sua expressão numérica, já que a inclusão digital desses povos não constitui uma política institucional estruturada xix, mas porque ela corresponde a uma nova forma de atuação nativa. O tema é provocativo para uma imagem de índio presente no imaginário popular brasileiro, pois índio na Internet significaria o contrário de índio, ou até a perda de indianidade de um determinado grupo ou sujeito. Apresento aqui dados da pesquisa xvii em andamento sobre a presença indígena brasileira na rede. Fiz um mapeamento dos sites indígenas de etnias situadas no Brasil, onde localizei inicialmente 31 sites até o dia 21 de junho de 2006. Na última verificação, realizada em 04 de novembro de 2006, este número se reduziu para 27 sites. Alguns ficaram fora do ar ou foram desativados por motivos não investigados xx. Para o levantamento, utilizei o buscador Google do Brasil com as palavras chaves: índios e Internet, índios na rede. Deste modo, consegui localizar alguns sites: www.indiosonline.org.br, www.elianapotiguara.org.br. Mas, quase sempre eu encontrava mais referências informativas sobre índios, emitidas por canais de comunicação de OnGs ou de outras instituições governamentais. Em 2005, tive acesso à pesquisa de PIBIC/PUC-SP (2003-2004) de Gláucia Maria Paschoal, orientada pela Profª Drª Lucia Helena Rangel intitulada Auto-imagem das sociedades indígenas e ciberespaço xxi. Esta 10

pesquisa consistiu num levantamento de sites indígenas do Brasil e da América Latina, sejam eles realizados pelas próprias comunidades ou pelas associações de direitos indígenas. Serviu de referencial para coleta de novos sites entre os quais eu tinha localizado. Defini, portanto, o critério de auto-identificação indígena para escolha do universo dos sites a ser mapeado, totalizando 27 sites, sem contar as comunidades virtuais presentes no Orkut. Logo, estabeleci critérios de classificação por níveis de interatividade e por conteúdo e, posteriormente, analisei por meio da análise dos sites e das entrevistas os significados desta presença segundo a interpretação dos sujeitos indígenas, constituindo-se assim, num horizonte intersubjetivo os significados desta experiência nativa, para nós pesquisadores e para eles artífices e interpretes desta experiência. Tratando dos critérios de classificação, os níveis de interatividade estão ligados às modalidades presentes no ciberespaço: site, blog, portal xxii e comunidades virtuais. Site em inglês significa local/lugar que no ambiente da rede designa um conjunto de páginas interligadas por links. O site é um espaço básico de informação, onde existe uma arquitetura para que todo o conteúdo de informação seja acessado. Todos os sites seguem a seguinte estrutura: Protocolo://rede.domínio. tipo de domínio.país. Por exemplo: http://www.indiosonline.org.br, indiosonline é o domínio e org é o tipo de domínio. Cada página é hospedada em um servidor conectado à Internet. Cada página possui um endereço específico onde um domínio próprio deve ser registrado com pagamento de taxas xxiii e hospedado por um servidor pago, embora existam serviços de hospedagens gratuitos. Na maioria dos casos analisados foram utilizados os serviços gratuitos de hospedagens (55,55%). Dos serviços pagos de hospedagem, 33,33% dos domínios são.org e 11,11%.com. Nem sempre o domínio.com significa uma página comercial, assim, especificada na literatura técnica sobre a Internet (SANTOS, 2006), como nos casos da Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque http://www.povosindigenasdooiapoque.com.br) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (http://coaib.com.br) ambas são organizações não governamentais de direitos indígenas, mas que não adotaram o domínio.org. É o caso também do site pessoal do escritor Daniel Munduruku (www.danielmunduruku.com.br ), o qual o escritor apresenta seus livros, porém não faz da página um meio de vendê-los. Portanto, o tipo de domínio não oferece informações precisas, de acordo com as especificidades técnicas. 11

As características dos sites entre dinâmicos e estáticos revelam características técnicas importantes que determinam a sua atualização. No site dinâmico não há dependência do desenvolvedor do sites, pois em muitos casos, há um gerenciador de fácil utilização. Já um site estático, geralmente não é atualizado, realizado em linguagem html, exige um conhecimento básico e uma maior dependência com relação ao desenvolvedor do site, sendo assim, há custos para sua manutenção e é pouco interativo. Os recursos interativos são salas de bate-papo, fóruns e comentários. Portanto, boa parte dos sites indígenas demonstra pouca interatividade, já que não apresenta recursos para uma interação em tempo real entre vários usuários. Geralmente, existe um e-mail para contato, configurando uma comunicação assincrônica, onde não há uma comunicação simultânea entre os usuários. Dentre os sites mapeados, encontrei somente um portal: www.indiosonline.org.br. O portal é constituído por um conjunto de sites, a diferença entre o portal e o site é que o primeiro tem público e conteúdos específicos (conteúdos verticais) além de que existem ferramentas que constroem um relacionamento entre quem produz e quem interage com a informação, como fóruns, pesquisa online (ferramenta de busca) e chats (bate-papo). Das quatro modalidades, o portal é a mais interativa, pois oferece um chat, possibilitando uma conversa em tempo real. O blog, abreviação de weblog, é geralmente um espaço pessoal, organizado em forma cronológica. Possui relativa interatividade proporcionada pela ferramenta comentários, onde qualquer usuário pode postar seu comentário para cada informação colocada pelo dono ou moderador do blog. Alguns blogs filtram, ou seja, podem aceitar ou não o comentário. Este recurso é geralmente utilizado para filtrar comentários indesejados. Identifiquei três blogs indígenas: de Douglas Krenak, construído em 2004 e no mesmo ano desativado; do grupo AJI Ação dos Jovens Indígenas de Dourados, formados por jovens Terena, Kaiowá e Guarani, ativado desde março de 2006; da Organização das Mulheres Indígenas do Acre e Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia SITOAKORE; e o recém lançado de Eliane Potiguara utilizado pela Rede de Comunicação Indígena GRUMIM. No caso das comunidades virtuais, principalmente as do Orkut, o nível de interatividade não se equipara a dos chats, em tempo real, pois envolve uma estrutura organizada em torno de recados (scraps) que são deixados no scrapbook do perfil do usuário ou da comunidade virtual. Embora recentemente, foram adicionados novos recursos à ferramenta, por exemplo, Google Talk xxiv, este ainda é pouco acionado pelos 12

usuários. Até o dia 05 de novembro de 2006 existiam por volta de 7 comunidades virtuais moderadas por sujeitos que se auto-identificam indígenas com a participação de índios e não índios. Em relação à classificação por conteúdo, dividi em sites de organização nacionais, regionais e locais (51,85%), sites pessoais (18,51%) e sites temáticos (29,62%). Como toda classificação é arbitrária, optei por esta estrutura para melhor sistematizar os dados. Os estudos dos sites, blogs e comunidades virtuais, como fontes eletrônicas, implicaram a análise das narrativas hipertextuais, no seu repertório de significação xxv. Incluiu-se, assim, a análise, em conjunto, de textos e imagens, e os diversos percursos que o leitor/pesquisador pode fazer na interação com esta linguagem multimídia. Esta passagem paradigmática abre para potencialidades de pesquisa e mudanças no processo de produção do saber interligado às tecnologias da inteligência, mais que instrumentos de investigação têm-se nessa passagem, uma transformação no conteúdo do saber re-feito em conexão com a rede flexível, plástica, virtual, mutante e imersiva. Seguem alguns exemplos: 3.1 Guerreiros On-line - Portal Índios Online www.indiosonline.org.br Desenvolvido pela ONG Thydêwa, este projeto envolve os grupos indígenas Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe e Tumbalalá (Bahia), Xucuru-Kariri e Kariri-Xocó (Alagoas) e Pankararu (Pernambuco) e utiliza as tecnologias de informação e comunicação para promover o desenvolvimento humano, social, econômico e cultural das comunidades participantes. Trata-se de um portal produzido e atualizado pelos próprios índios, com fotografias, textos e um chat, que permitem o diálogo intercultural, entre os índios e entre os não-índios. Enter... Na página inicial do Indios Online, chamada de oca encontra-se os links de navegação: Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe, Tumbalalá, Xucuru-Kariri e Kariri- Xocó e Pankararu. Cada nome/etnia/link, é um nó, uma passagem hipertextual em que a 13

linguagem transforma-se em arquitetura informativa de histórias, memórias, ritos e sinais diacríticos de etnicidade que se confronta e se interroga com a imagem de índio produzido pelo processo colonial. Por terem passado um forte processo de miscigenação, há o conflito daqueles que não possuem o fenótipo indígena, e isto é sintetizado na fala de uma criança a qual comenta que muitos não o consideram índio, pois é branco. Ou seja, para ele ser índio ultrapassa o fenótipo, segundo a criança, como no relato desse homem Truká: Meus filhos são uns brancos e outros mais morenos porque eu sou descendente de dois povos indígenas: Atikun e Truká e a família da minha mulher que é do Estado do Pará junto com Rio Grande do Sul. Ser índio é a gente nascer descendente indígena, valorizar a nossa cultura, que os mais velhos passem pra agente.meu costume é dançar Toré, sempre ir às mesas, dos trabalhos de ciência, defender a questão indígena, educar sempre a família da importância de ser índio e dar valor a nosso sangue...ser índio é ser unido com a comunidade dos povos indígenas; temos que ser irmãos de um ao outro, resolver as questões junto com os outros. O que vale é valorizar nossa cultura, plantando.ser índio é ser uma comunidade bem unida. Se um sente uma dor de cabeça o outro já leva uma casca de pau de remédio.pra ser índio tem que valorizar sua cultura (Homem Truká). (www.indiosonline.org.br 12.10.2005 10:15) Existe uma identificação do termo índio para expressarem a sua alteridade por uma condição de ancestralidade e não fenotípica. O termo caboclo, nessa região do nordeste Alagoas, Bahia e Pernambuco refere-se ao índio, que segundo alguns relatos, demarcam-se a discriminação lingüística através da não aceitação por parte dos não-índios da indianidade desses grupos. Comenta-se também do uso do termo por eles mesmos. Tal referência situa-se principalmente em regiões em que antigas áreas indígenas foram incorporadas pelas cidades e se transformaram em ruas. A experiência da Internet na aldeia é vista como necessidade para a formação de competência para a cidadania, autoridade e possibilidade de atualizarem a imagem que se tem dos povos indígenas: a nossa resistência continuou e continua até os dias de hoje, e o Índios Online facilitou bastante assim, pra gente estar se mostrando, estar fazendo as nossas cobranças de estar mostrando a nossa cultura, os nossos costumes, para estar se 14

articulando entre os parentes para estar levando um pouco da nossa cultura para frente, sabe? Quando acabou aquele negócio do cacau, em Ilhéus, as pessoas começaram a entender que eles só tinham aquele poder, aquela onda que eu posso, eu mando porque existia um ouro ali, sabe? E quando aquele ouro se acabou, foi se acabando, foi se acabando, foi se acabando... Aquele negócio de manda-chuva, de coronelismo, de doutor, foi se acabando e muito, e nós indígenas começamos a penetrar nesta evolução, começamos a estudar, a buscar espaço, a ter emprego, a penetrar nas tecnologias atuais, a usar o computador. Hoje estamos assim, mais fortes por causa do Índios Online, por causa do Gesac xxvi que está levando a inclusão digital para dentro da aldeias e isso facilitou e vem facilitando, porque a gente lá coloca as nossas matérias, fala com os parentes, está se articulando. Se vai para uma reunião os parentes vai se encontrar para discutir as matérias, os parentes dessas sete etnias que faz parte, a gente sempre discute o que vai ser discutido lá. A gente sempre se fala quando está lá dentro do chat. E isto é o que é interessante, de a gente estar mostrando a nossa cara hoje, está levando a nossa realidade e não aquela história que os livros continuam contando para os índios e o não índios da cidade. Somos, com a Internet, os guerreiros online! (Jaborandy, jovem tumbalalá, 15 de novembro de 2006.) 3.2 A Internet é globalização Eliane Potiguara Rede GRUMIN www.elianepotiguara.org.br Eliane Potiguara, remanescente Potiguara, é escritora indígena, professora, mãe, avó, com 54 anos. É Conselheira do INBRAPI (Instituto Indígena de Propriedade Intelectual) e Coordenadora da Rede de Escritores Indígenas na Internet e o Grumin/Rede de Comunicação Indígena. O site pessoal de Eliane Potiguara é composto por discursos e textos escritos por ela, entrevistas da escritora e um jornal eletrônico, parte da Rede de Comunicação Indígena integrado ao Grupo de Mulheres Indígenas (GRUMIN). Enter... 15

No site localizo edições do GRUMIN/Rede de Comunicação Indígena (nº 1-09/08/2005, nº 2-20/08/2005, nº 3-30/08/2005 e nº 4-20/09/2005) dividido em temas/links: 1- OPORTUNIDADES PARA ESCRITORES E AUTORES INDÍGENAS: divulgação de concursos literários para escritores indígenas; 1º e-book (livro eletrônico) indígena na Internet; cursos para escritores indígenas, divulgação de uma comunidade de escritores indígenas no Orkut. Estímulo para a formação de escritores indígenas, e boa parte destes são professores indígenas participantes do processo de educação indígena implantado, em 1994, pelo governo federal em conjunto com as comunidades indígenas, com vista para uma educação bilíngüe e multidisciplinar. 2- ESPAÇO COMUNITÁRIO: divulgação de oportunidades de tratamento médico para as comunidades indígenas. Informações de outras associações de mulheres indígenas; informações sobre projetos com as comunidades indígenas. 3- GÊNERO, RAÇA E ETNIA: Participação na rede feminista (ex. divulgação do 10 Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, em São Paulo, ocorrido em outubro de 2005). Defesa da participação de mulheres indígenas em cargos públicos. Notícias do INBRAPI (Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual). Comentário sobre a indicação de Eliane Potiguara para o Prêmio Nobel de Paz coletivo em conjunto com outras 52 brasileiras. Interessante comentar a iniciativa indígena de um mini-curso Identidade Indígena no Brasil: Teoria e Realidade, realizado em Manaus, entre 29 de agosto a 02 setembro, com apoio da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em que se discutiu, com antropólogos e indígenas, sobre uma teoria antropológica sobre a especificidade indígena contemporânea. Tendo em vista o crescente fenômeno dos índios que vivem na cidade e que não são considerados índios. A adesão ao conceito de raça é muito ambígua: ora critica-se a racialização das comunidades indígenas por parte dos não-índios, ora afirma-se uma identidade associada à noção de raça seja ela indígena ou negra. Existe uma solidariedade entre o tema relativo aos quilombos, ou à uma identidade negra associada a sua marginalização junto aos índios no processo histórico brasileiro. Neste sentido, percebe-se que o discurso de Eliane Potiguara está intimamente afinado com alguns movimentos sociais, principalmente o movimento feminista e o movimento negro. 4- DESTAQUES INTERNACIONAIS INDÍGENAS: Notícias de lutas e organizações indígenas na América Latina; também de foros e organizações 16

internacionais. Todos os textos estão em espanhol. Notícias de mobilizações indígenas no México, Bolívia, Peru. Informações sobre o grupo de trabalho indígena nos fóruns indígenas preparatórios para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação a ser realizado na Tunísia, Marrocos em novembro de 2005. Para Eliane Potiguara as novas tecnologias não opõem as culturas indígenas, ou melhor, sugere um devir indígena baseado na harmonia com a natureza e respeito às tradições, pois as novas tecnologias permitem a expressão da diversidade cultural: A tradição e a modernidade é um caminho a ser percorrido para nossa sobrevivência física e cultural e que nos assegure direitos de acesso aos novos conhecimentos e informação. Baseado nas nossas tradições, temos um compromisso com a modernidade e os novos conhecimentos, com propostas construtivas que fortaleçam a criação de um mundo mais humano e harmônico com a natureza. Recomendamos portanto, que a revolução tecnológica jamais seja utilizada como mecanismo comercial de promoção ao lucro ou que nos transforme em meros consumidores, mas que promovam a diversidade de expressão cultural, nossos conhecimentos e tradições dentro da sociedade da informação. (www.elianepotiguara.org.br 13.12.2005 14h30) Na entrevista realizada com a escritora, por Skype, em 12 de janeiro de 2007, para ela com a Internet Reencontrei pessoas e nosso trabalho tem ganhado visibilidade. As pessoas respondem, o nosso site está altamente interativo, o blog da Rede Grumim tem tido uma receptividade maravilhosa, as pesssoas mandam textos, querem participar. Quando perguntei o que significava a Internet para ela e para os povos indígenas, Eliane Potiguara reintera: A Internet é a globalização. Não a globalização oficial. Mas para nós indígenas, uma globalização para nós mesmos, aquilo que queremos de escrever, formar conteúdos e divulgar.. Além de estar no mundo, a Internet permite o reencontro, uma globalização, com os próprios povos nativos. A aldeia global literal, não só um mundo conectado, como sinalizou M. McLuhuan, mas um mundo que as aldeias pudessem se comunicar entre elas. Da produção digital indígena, do digitalnativo à paisagem híbrida e deslocativa do etnotecnodigitalscape, ambos convidativos para uma experiência evocativa do ciborgue indígena. Mediado pelas tecnologias a sua presença digital incorpora as paisagens híbridas e deslocativas da rede. O devir de um pós-humano integrado e 17

atravessado por software e hadwares, sistemas informativos e fluxos comunicativos, entre linguagens, signos e circuitos conectados em rede. 18

4. Além das mediações A pesquisa sobre as novas tecnologias da comunicação tem um capítulo central no estudo de seus efeitos sobre a cultura. No entanto o conceito de efeito, as relações entre tecnologia e cultura nos trazem de volta à velha concepção: toda a atividade de um lado e mera passividade do outro. Com a agravante de continuar supondo uma identidade da cultura que estaria na base de qualquer identidade cultural. A tecnologia seria o plural e o cultural seria o idêntico. Na América Latina pelo menos, os processos demonstram o contrário: é da tecnologia em sua logo-tecnia, que provem um dos mais poderosos e profundos impulsos para a homogenizaçao da vida, e è a partir da diferença, da pluralidade cultural, que tal processo esta sendo desmascarado ( ) J. Martin Barbero Chegou a hora de fazer um balanço teórico, isto è, de apontar para algumas implicações que tais novos espaços pós-políticos, híbridos, glocais e etno-técnicos nos sugerem. É dizer, de apontar, além de, como feito, a nível sociológico, antropológico e político, as possíveis implicações teóricas a nível filosófico-comunicativo. Em primeiro lugar, quero expressar aqui as necessidades de repensar a relação comunicação, cultura e hegemonia (política) assim como nos è proposto, em sua forma tripartida, por J. Martin Barbero. Não se trata de reproduzir uma fórmula tecnológica ou tecnicista do materialismo histórico, que ao dogma do papel central da economia no processo histórico substitua aquela do papel central da tecnologia, mas de reconhecer a importância no interior dos processos sociais da rapidez das inovações tecnológicas. Muitas vezes ainda se considera o processo comunicativo e as formas de reproduções dos processos culturais e das mediações políticas como práticas relacionais entre indivíduo, isto é, entre grupos, classes, etnias deixando completamente de lado a variável mecânica do processo, ou seja, a forma (leia-se conteúdo) através da qual acontecem as mediações. Voltando á lógica do sconfine, è fora de lugar tentar estabelecer uma hierarquia no interior dos processos das formas práticas comunicativas. Nem antropocentrismo nem tecnicismo, mas multiplicidades e complexidades híbridas. A hibridação torna-se na época contemporânea não somente um fato antropológico, mas no interior dos processos sociais em geral, e naqueles comunicativos, em particular, uma estética da contaminação que prossegue pluralizando e misturando subjetividade trans-orgânicas xxvii. A exclusão sistemática das novas formas de subjetividade inorgânica no interior dos processos sociais, reproduz um conjunto de relações abstratas e meta- 19

históricas, capaz de estabelecer tipos de funções e de descrever formas comunicativas análogas, tanto na polis grega quanto nas formas glocais do habitar contemporâneo. A análise do J. M. Barbero xxviii a respeito è, sem dúvida, uma das mais avançadas, na medida em que consegue reverter a irreal passividade da cultura perante as mutações tecnológicas, mas continua pensando a socialização e o tecnológico como realidades que, embora dialogando, continua ainda por natureza separadas. Transferindo o conflito de classe e aquele cultural no tecnológico, Barbero admite a pluralidade de usos das tecnologias que deixa de ser um simples instrumento de opressão, mas não passa a ser, em quanto funcionalmente ligado às tensões políticohegemônicas, uma forma hibridizadora da experiência e da existência. A tecnologia comunicativa è em Barbero uma logo-tecnia, isto è, uma produção lógico-racional de uma determinada cultura. Se é difícil afirmar o oposto de tal concepção, è também, limitador descrever as experiências de auto-representações digitais nativas nas formas restritas da logotecnia. Na contemporaneidade, o humano, o tecnológico, o cultural e o político se invadem, gerando inovações e abrindo novas possibilidades que superam a visão que limita a tecnologia a um fato político-econômico. É preciso, portanto, passar da tríade comunicação, cultura, política, ás novas formas abertas e contaminadas revertendo aquele processo que a partir do século XIX através de Malinowski, F. Boas, R. Benedict, até Levi Strauss buscou reduzir a complexidade cultural á modelos, instituições, ritos e estruturas. A esta forma ordenadora è preciso substituir formas expressivas, textos e metodologias abertas, que recusem a objetividade dos relatos e a produção de leis gerais e que empreendam o caminho da experimentação, isto è, do olhar inédito e transformador. Existem já estudos que começaram a teorizar uma antropologia da tecnologia capaz de abordar as relações entre cultura e tecnologia á vários níveis. Um destes aspectos seria constituído pela cyborg anthropology, isto è, pelo estudo etnográfico das fronteiras entre homens e máquinas a partir da constatação que ao antropos, sujeitoobjeto da antropologia è preciso flanquear a forma híbrida do homem-máquina, uma vez que a atividade humana e social são, cada vez mais, è o resultado das contaminações midiáticas: Corpos, organismos e comunidade, devem assim, ser teorizados novamente uma vez que estão formados por 20

três elementos que se originam em três distintos espaços com fronteiras comunicantes: o orgânico, o técnico (ou o tecnomeconomico) e o textual Ao mesmo tempo que natureza, corpos, e organismos tem com certeza uma base orgânica, estes são produzidos cada vez mais juntos a máquinas, e tal produção è sempre mediada das narrativas científicas (discurso sobre biologia, tecnologia etc..) e da cultura em geral xxix. A cultura transferida na Web não é, portanto, analisável como a utilização de um novo recipiente para a reprodução de identidade enraizada, mas como uma forma outra da cultura e da cidadania. A arquitetura das aldeias xavantes redesenhadas pelos salesianos, assim como o cerco militar do exército mexicano em volta das comunidades zapatistas, foi quebrada pelas páginas Web, cuja extensão ultrapassa, sconfina, significados e antiga dependências. Podemos, portanto, descrever o etnotecnodigitalscape, parafraseando M. Heidegger, mais que como uma forma de mediação, como uma forma comunicativa deslocada, uma forma entre, como um ser plural, homemaquina, portador de subjetividade eletrônicas, expressões de um protagonismo pós-político e de formas transitórias do habitar. 21

5. Digital nativo e pós-política Pensar o indígena na América Latina não è propor somente a questão dos 26 milhões de índios agrupados em cerca de 400 etnias; è propor também a questão dos povos profundos, que atravessa e complexifica, mesmo nos países que não têm populações indígenas o sentido político e cultural do popular. Jesus Martin-Barbero 22

Nesta última década a partir das tecnologias comunicativas cinema, vídeos, CD rom, site on line, página da Web, os nativos de Américas passaram a se narrar e a ganhar a palavra. É este segundo quem escreve um fato central na arquitetura política do continente latino-americano e, em geral, pela conflitualidade social na época contemporânea. A política pós-colonial, eurocêntrica e excluídora, se caracterizou indistintamente em todos os países do continente pela sua forma monossêmica que buscava reproduzir na América as formas, os modelos e as categorias das realidades das nações européias. As específicas condições históricas e o contexto antropológico heterogêneos foram, conseqüentemente, sistematicamente negados, impondo às sociedades uma uniformidade falsa e impedindo, de fato, a participação ativa e criativa das populações indígenas e dos demais setores portadores de outras visões de mundo. Além dos problemas específicos, como no caso indígena das demarcações de terras e das invasões das áreas, existe um problema qualitativamente democrático, isto è, ligado à participação e à subjetividade de tais populações. A linguagem e a forma da política sejam estas, escritas (livros, jornais, panfletos etc.,) ou audiovisuais, (radio, TV) excluíram sistematicamente, em todo o continente, a polissemias das linguagens e as multiplicidades das suas expressões culturais, impondo categorias, formas e instituições européias xxx. Se no velho continente a difusão das media levou as formas cada vez mais amplas de participação e de democracia, as vastas dimensões e as profundas heterogeneidades culturais dos países latino-americanos revelaram desde o começo formas de exclusão, lingüística, religiosa, cultural e estética. Pensando as análises de M. McLuhan sobre as influências dos meios na qualidade do conteúdo das mensagens, recentemente retomadas por M. Castells, è possível teorizar uma relação entre a qualidade das formas comunicativas analógica de massa e a exclusão das diversidades culturais. Em outros termos è possível pensar a uma incompatibilidade entre a sociedade do espetáculo, caracterizada pela difusão de mensagens do emissor para as massas receptoras, e a coexistência igualitária de formas plurais de visões de mundo xxxi. Existe, de fato, além de um fato técnico implícito no sistema comunicativo analógico de massa, devido a separação entre o emissor e o público, um aspecto mais qualitativo, ligado à representação alheia das diversidades culturais. 23

Neste sentido a presença, sobretudo nas formas digitais, constituem um ponto de partida, abrindo, de fato, uma nova fase da democracia no continente. Em direção oposta às políticas e ás novas legislações que reproduzem a fórmula tardo colonial das quotas de participação, as novas formas comunicativas passaram a multiplicar as vozes xxxii, invertendo o processo histórico de exclusão e levando á luz a pretensão autoritária das monossêmicas democracias contemporâneas. Depois da crise das formas revolucionárias e das políticas institucionais, as arquiteturas das conflitualidades sociais resultam profundamente mudadas. Como demonstrado pelo drama das guerras civis na Colômbia e pela instabilidade das situações de países como Venezuela, México, a política na sua forma identitária e dialética, continua gerando violência e exclusão. Ao lado de tais formas violentas da política analógica e dialética baseada na luta pela conquista do poder e pela exclusão econômica e cultural de parte da população, surgiram novos sujeitos no interior de novos espaços extra-pólis. Caracterizados pela própria desterritorialidades e pela própria secular exclusão, tais novos sujeitos não podem e não querem, na minoria dos casos, serem inseridos nas formas da política institucional. Buscam existir. Além das dramáticas diferenças econômicas, as arquiteturas da conflitualidades social do continente passam para uma outra transformação que parece questionar a polis, isto é, as formas identitárias e massivas da democracia. Como aconteceu com o advento da imprensa de massa e em seguida da televisão, a introdução de novos meios possibilita a inclusão de novos sujeitos e novos significados, que transformam as formas anteriores de participação, modificando o imaginário coletivo e ampliando as dimensões da polis. No caso da difusão das tecnologias digitais, como demonstrado pela presença indígena e pelo fenômeno dos hackers, a transformação parece levar a mesma superação da pólis, entendida como a forma delimitada e ordenada das lutas entre grupos ou classes pela conquista do poder. Além das espacialidades e das racionalidades maquiavélicas o digital-nativo e as novas formas digitais de participação no continente levantam as questões da pluralidade, superando a lógica dialética, massiva e identitária da política analógica. O digital-nativo, além da forma monossêmica e autoritária dos relatos e3tnograifcos, escritos pelo observador-antropólogo, diz adeus à pretensão universalista da participação da política ocidental, abrindo para novos territórios etnotecno-digitais, impermanentes. 24

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