CAPÍTULO 2 UNIDADE DE CONSERVAÇÃO, LEGISLAÇÃO FLORESTAL E A CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO E DA MATA ATLÂNTICA



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Transcrição:

CAPÍTULO 2 UNIDADE DE CONSERVAÇÃO, LEGISLAÇÃO FLORESTAL E A CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO E DA MATA ATLÂNTICA 2.1 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E O CÓDIGO FLORESTAL Unidades de Conservação são definidas como áreas do território nacional, incluindo as águas territoriais, com características naturais de relevante valor, de domínio público ou propriedade privada, legalmente instituídas pelo Poder Público (Federal, Estadual e Municipal) com objetivos e limites definidos, sob regimes especiais de administração e às quais aplicam-se garantias de proteção (Bruck et. al., 1995). Segundo Bruck et. al. (1995), estas unidades são criadas com a finalidade de: a) Proteger amostras de toda a diversidade de ecossistemas do País, assegurando o processo evolutivo; b) Preservar bancos genéticos de fauna e flora de modo a permitir pesquisas para a utilização racional pela sociedade; c) Acompanhar no entorno e nas áreas protegidas, através do monitoramento ambiental, as alterações que ocorram tanto provocadas por uma ação antrópica quanto natural, correlacionando as mudanças externas que ocorrem de maneira mais impactante com as mudanças internas; estabelecendo-se parâmetros para melhor conduzir o uso do solo ou reabilitar áreas que já estejam degradadas; d) Proteger os recursos hídricos, em especial as cabeceiras de rios e áreas ao longo das bacias hidrográficas, que apresentam pressão demográfica; e) Proteger paisagens de relevante beleza cênica, bem como aquelas que contenham valores culturais, históricos e arqueológicos com finalidade de estudos e turismo; f) Conduzir de maneira apropriada a educação ambiental; 23

g) Proporcionar condições para o desenvolvimento de pesquisas que poderão ir de observações, que não danifiquem os ecossistemas, até alterações nos mesmos. Os produtos das pesquisas têm a finalidade de atender as regiões do entorno das Unidades de Conservação, que contenham ecossistemas similares aos estudados, permitindo uma melhor apropriação dos recursos naturais pela sociedade; h) Proteger áreas de particulares que tenham relevante interesses faunísticos e/ou florísticos; i) Proteger áreas que venham a ter, no futuro, uma utilização racional do uso do solo; j) Fomentar o uso racional dos recursos naturais, através de áreas de uso múltiplo. No Brasil, as Unidades de Conservação são classificadas de acordo com os objetivos de manejo adotados pela União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais (IUCN) (nome recentemente trocado para União Mundial para a Conservação (UMC)) que reconhece três classes sob as quais estão agrupadas as várias categorias de manejo. A classe de uso indireto prevê a restrição à exploração e ao aproveitamento dos recursos naturais, permitindo apenas o aproveitamento indireto dos seus benefícios. A classe uso direto dos recursos prevê a ocupação pela sociedade do espaço considerado em sua plenitude racional, são identificadas como unidades de conservação de utilização sustentável e a terceira classe referente as reservas de destinação mantêm o espaço considerado incólume, de maneira a ser definido no futuro seu uso racional (Bruck et. al., 1995; Rondon, 1995). A classe de uso indireto está dividida em quatro categorias: Categoria I) Reserva Científica tem como objetivo a proteção da natureza e a manutenção dos processos naturais em um estado não alterado, para ter exemplos, ecologicamente representativos; Categoria II) Parques discutida em detalhes a seguir; Categoria III) Monumento Natural protegem e preservam os ambientes naturais devido a seu especial interesse ou características ímpares como por exemplo: quedas-d água espetaculares, cavernas, 24

formações rochosas, espécies únicas da fauna e da flora, dunas etc. o que possibilitam oportunidades para a interpretação, educação, investigação e turismo e Categoria IV) Santuário de Vida Silvestre, em função da ampla destruição de habitats, preservam áreas específicas que protejam populações, sítios de alimentação e reprodução e habitats críticos, para a proteção de espécies de flora ou fauna raras ou em perigo de extinção (Bruck et. al., 1995). Os objetivos de manejo de parques, incluindo os Parques Nacionais (PARNA), estão inseridos na Categoria II da classe de uso indireto dos recursos. O objetivo de uma área desta categoria é visar à proteção de áreas naturais e cênicas de significado nacional ou internacional para uso científico, educacional e recreacional e o de perpetuar, em estado natural, mostras representativas de regiões fisiográficas, comunidades bióticas, recursos genéticos e espécies em perigo de extinção, para prover uma estabilidade e diversidade ecológica (Bruck et. al., 1995). Os Parques Nacionais Brasileiros são criados através de Decreto Federal específico, promulgado pelo Presidente da República. O embasamento legal para a sua criação é o artigo 5 do Código Florestal - Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965, que estabelece que o Poder Público criará Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a finalidade de resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais, com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos. E o parágrafo único desse artigo proíbe qualquer forma de exploração dos seus recursos naturais (Farias e Lima, 1991; Bruck et. al., 1995; Rondon, 1995). Com base na lei surge o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros aprovado através do Decreto n 84.017, de 21 de setembro de 1979, em seu artigo 1 definiu mais claramente este tipo de Unidade de Conservação: art 1 -... 1 - Para os efeitos deste Regulamento, consideram-se Parques Nacionais, as áreas geográficas extensas e delimitadas, dotadas de atributos naturais 25

excepcionais, objeto de preservação permanente, submetidas à condição de inalienabilidade e indisponibilidade no seu todo. 2 - Os Parques Nacionais destinam-se a fins científicos, culturais, educativos e recreativos e, criados e administrados pelo Governo Federal, constituem bens da União destinados ao uso comum do povo, cabendo às autoridades, motivadas pelas razões de sua criação, preservá-los e mantê-los intocáveis. 3 - O objetivo principal dos Parques Nacionais reside na preservação dos ecossistemas naturais englobados contra quaisquer alterações que os desvirtuem. O Brasil tem uma área territorial de 8.511.996,3 km 2 dos quais apenas 8,13% são ocupadas por áreas protegidas. Deste total, as Unidades de Conservação de Uso Direto perfazem 5,52% e as de Uso Indireto apenas 2,61%. As Unidades de Conservação gerenciadas pela União são, ao todo, 184 unidades, com área total de 39.068.211 ha que correspondem a 4,59% do território brasileiro (Brasil, 1998). A área total ocupada por Parques Nacionais é de 360.325 ha, dos quais 45.000 ha estão localizados no Estado do Rio de Janeiro e 100.000 ha no Estado de São Paulo. Na Região Sudeste, onde se encontra o Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB), do total de 924.266,3 km 2 da região, 1,1% da área é ocupada por Unidades de Conservação de Uso Direto e 0,5% é ocupada por Unidades de Conservação de Uso Indireto, deste valor a Categoria II perfaz 71% (Bruck et. al., 1995). Além de prever a criação de Parques Nacionais, o Código Florestal - Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965, também protege as florestas reconhecidas de utilidade às terras que revestem e as declara bens de interesse comum a todos os habitantes do país (Moraes, 1987; Farias e Lima, 1991). Pelo artigo 2 são consideradas de preservação permanente as florestas e outras formas de vegetação natural situadas: ao longo dos rios ou qualquer curso d'água desde de seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja: a) de 30 m para cursos d'água de menos de 10 m de largura; b) de 50 m para cursos d'água que tenham de 10 m a 50 m de largura; c) de 100 m para cursos 26

d'água que tenham de 50 m a 200 m de largura; d) de 200 m para cursos d'água que tenham de 200 m a 600 m de largura; ao redor de lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais e num raio de 50 m de largura ao redor das nascentes de rios qualquer que seja sua situação topográfica; nos topos de morros, montes, montanhas e serras; nas encostas ou parte destas com declividade superior a 45 ; em altitude maior que 1.800 m para qualquer que seja a vegetação. E pelo artigo 10 não é permitida a derrubada de florestas situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45, só sendo nelas toleradas a extração de toras quando em regime de utilização racional que vise o rendimento permanente (Ventura e Rambelli, 1999). 2.2 O PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BOCAINA 2.2.1 Histórico e Antecedentes Legais Apesar do Parque Nacional da Serra da Bocaina ter sido decretado a mais de 25 anos, ainda hoje não foi completamente implantado. A falta de regulamentação fundiária do parque, que ainda apresenta população residente, e o problema da delimitação mais precisa e permanente dos limites do parque são os maiores obstáculos para a sua implantação definitiva (Barbosa, 1984; Rondon, 1995). Os primeiros documentos de sugestão para a criação do Parque Nacional da Serra da Bocaina foram manifestados pelo Decreto n 58.077, de 24 de março de 1966, no qual o município de Paraty/RJ foi convertido em Monumento Nacional, determinando que fossem estudados meios para assegurar a conservação dos remanescentes do patrimônio nacional que guarnece e emoldura a cidade histórica desde a sua fundação (Rondon, 1995). Em 1969, foi encaminhada a proposta de criação do Parque Nacional de Mambucaba, no vale do Rio Mambucaba, no Estado do Rio de Janeiro através do Projeto de Lei n 11. A área a ser englobada, seria formada pelas terras pertencentes à Estrada de Ferro Central do Brasil (atual Rede Ferroviária Federal - RFFSA) localizadas nos municípios fluminenses de Angra dos Reis e Paraty, e no município paulista de São José do Barreiro, medindo cerca de 12.228 ha, com a denominação de Horto Florestal de 27

Mambucaba. No futuro, englobaria as terras do Núcleo Colonial Senador Vergueiro, no município paulista de São José do Barreiro e outras terras a serem demarcadas e desapropriadas nas vertentes da Serra da Bocaina, na região de Paraty e Angra dos Reis/RJ e Cunha/SP (Barbosa, 1984; Rondon, 1995). Em 04 de fevereiro de 1971, através do Decreto n 68.172, foi criado o Parque Nacional da Serra da Bocaina, em partes dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, com área total de 134.000 ha, englobando as terras do Horto Florestal de Mambucaba, do antigo Núcleo Colonial Senador Vergueiro, da Reserva Florestal da Bocaina - que nunca chegou a ser criada, do antigo Campo de Fruticultura Senador Vergueiro, além de terras devolutas dos dois Estados e de propriedades particulares. Após a criação do parque foi designada uma comissão para propor as medidas necessárias à implantação do mesmo, que achou por bem, sugerir a alteração dos limites suprimindo áreas ditas degradadas. Nesta redelimitação, aprovada pelo Decreto n 70.694, de 08 de junho de 1972, além de suprimirem as áreas ditas abandonadas de campos nativos no município de Bananal/SP e a região de campos nativos da Bocaina no município de São José do Barreiro/SP, que abriga as nascentes do Rio Mambucaba, cuja bacia hidrográfica é a mais importante do parque; englobaram áreas de mata do município de Ubatuba em melhores estado de conservação. Com isso, os 134.000 ha originais foram reduzidos para cerca de 110.000 ha (Barbosa, 1984; Rondon, 1995). 2.2.2 Localização Geográfica O Parque Nacional da Serra da Bocaina localiza-se entre os paralelos 22 40 e 23 20 de Latitude Sul e os meridianos 44 24 e 44 54 de Longitude W.G. a sudeste do Estado do Rio de Janeiro e a nordeste do Estado de São Paulo, entre as duas mais populosas capitais do País (Figura 2.2.1). Do primeiro Estado inclui terras dos municípios de Angra dos Reis e Paraty e, do segundo abrange parte dos municípios de São José do Barreiro, Areias, Cunha e Ubatuba (Barbosa, 1984; Rondon, 1995). 28

Fig. 2.2.1 - Parque Nacional da Serra da Bocaina PNSB (linha amarela) e a área de estudo (linha azul). 29

2.2.3 Contexto Biofísico-Climático A região do Parque Nacional da Serra da Bocaina encontra-se sobre o Escudo Brasileiro - que serve de sustentáculo à grande maioria das terras brasileiras, no núcleo cristalino pré-cambriano do Grupo Itapira, constituídos de gnaisses e xistos granitíferos. A sua topofisionomia é caracterizada em grande parte por um relevo acidentado com planaltos montanhosos que às vezes apresentam-se escarpados e dissecados pela erosão - mar de morros. Abrange, ainda, paisagens escarpadas com declives superiores a 100% (igual ou superior a 45 ) com grande suscetibilidade à erosão. A área norte do parque apresenta vales profundos recortados no degrau do Planalto da Serra da Bocaina e, na parte voltada para o litoral - Ponta da Trindade, Paraty e Mambucaba - apresenta-se escarpado e bastante íngreme; seguindo-se em direção ao Vale do Paraíba há presença de suaves patamares. As cotas altimétricas vão de 0 a 2.088 m no Pico do Tira Chapéu. O tipo de solo dominante na área do parque é o latossolo vermelho amarelo de textura argilosa, com profundidade variando de profunda a mediamente profunda, pouco diferenciados e com transições difusas entre os horizontes. Os cambissolos e solos litólicos apresentam profundidade rasa e baixa fertilidade, com rochosidade elevada e ocorrem também em áreas com declividade acentuada (Barbosa, 1984; Galante, 1984). A rede de drenagem é rica e os rios são adaptados às linhas mestras do relevo. Os cursos d água se orientam em duas direções principais: dos pontos mais altos da Serra da Bocaina e de alguns pontos da Serra do Mar em direção ao interior, tem-se os rios que correm para a Bacia do Rio Paraíba do Sul à oeste; para leste, os cursos d água de pequena extensão que descem as abruptas encostas e logo se lançam ao mar. Deve-se destacar a influência das amplitudes altimétricas na hidrografia da região, onde os perfis altimétricos ocasionam tanto a formação de rios de pequena declividade como a formação de cursos d água bastante acidentados, formando cachoeiras. Como por exemplo: a Cachoeira de Santo Izidro com desnível de 60 m, no rio Mambucaba, uma das principais bacias do parque (Barbosa, 1984). O tipo climático da região varia de quente, subquente a mesotérmico brando, todos superúmidos. Os índices de pluviosidade são elevados com médias anuais em torno de 30

1.500 a 2.000 mm, bem distribuídos durante o ano. Dos municípios abrangidos pelo parque, os municípios paulistas de Cunha e São José do Barreiro apresentam estação seca de um mês, julho e junho, respectivamente. Apenas o município de Bananal/SP apresenta um período seco maior, de maio a julho. Os meses mais frios são junho e julho, em geral os meses mais secos, quando podem ocorrer leves geadas. As médias térmicas variam em função da altitude, decrescendo do alto da Serra para o Vale do Paraíba. Em geral, a temperatura média anual é elevada, oscilando entre 21 e 22 C. A umidade da área é intensa e é aumentada pelo grande número de dias com neblina, típico da região costeira (Barbosa, 1984). A cobertura vegetal do Parque Nacional da Serra da Bocaina é formada pela Floresta Ombrófila Densa ou Mata Atlântica e pelos Campos de Altitude. Ocorrem na área do parque matas secundárias ou capoeiras, várzeas brejosas, matas galerias e manchas dispersas de Floresta Ombrófila Mista com a presença de pinheiro-do paraná (Araucaria angustifolia) e do pinheiro-bravo (Podocarpus lambertii). A floresta é substituída nas áreas de planaltos pelos Campos de Altitude que ocorrem, em geral, em cotas acima de 1.500 m, ocupando relevos ondulados de vales pouco profundos. Esta formação também denominada campos nativos é caracterizada pela dominância de gramíneas e localiza-se principalmente na direção norte do parque (Barbosa, 1984). 2.3 MATA ATLÂNTICA E O SEU QUADRO ATUAL A Mata Atlântica é uma floresta de altitude que se localiza sobre a imensa cadeia montanha litorânea, que corre ao longo do Oceano Atlântico, desde o Rio Grande do Sul até o Nordeste. A sua área central reside nas grandes Serras do Mar e da Mantiqueira, abrangendo os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Fora desta área principal, ela possui numerosas dependências mediterrâneas, sob a forma de capões e matas galerias (Rizzini, 1979). Veloso et. al. (1991) emprega o termo Floresta Ombrófila Densa para classificar este tipo de vegetação que é caracterizado por fanerófitos, principalmente pelas subformas de vida macro e mesofanerófitos, além de lianas lenhosas e epífitas em abundância. Porém, a característica ecológica principal reside nos ambientes ombrófilos que 31

apresentam fatores climáticos tropicais de elevadas temperaturas (médias de 25 C) e de alta precipitação, bem distribuída durante o ano (de 0 a 60 dias secos) o que determina uma situação bioecológica praticamente sem período biologicamente seco. Nestas florestas dominam latossolos distróficos e excepcionalmente eutróficos, originados de vários tipos de rochas, desde as cratônicas (granitos e gnaisses) até os arenitos e eventuais derrames vulcânicos de variados períodos geológicos. De acordo com o RADAMBRASIL (1983), estes ambientes são originalmente representados por 5 formações: Floresta de Terras Baixas: ocupa os ambientes situados próximos ou no nível do mar e pode estar relacionada às litologias do Pré-Cambriano, terciária e quartenária, sobre diversas formas de relevo, desde planícies até terraços. Sua vegetação caracteriza-se pela sucessão desde a fase pioneira dos locais salobros com vegetação higró-halófila (manguezais em depósitos argilosos) ou psamo-halófila (restingas em depósitos arenosos) até a fase fanerofítica. Na parte bem drenada estão os agrupamentos mais estáveis que apresentam 4 estratos: um estrato dominante de aproximadamente 25 m de altura, outro estrato de mais ou menos 20 m de altura, um estrato intermediário de 10 m e um estrato inferior com ocorrência generalizada de Palmae, Bromeliaceae, Orchidacae e Pteridophytae. A estrutura fanerofítica da formação apresenta lianas e epífitas em abundância; Floresta Submontana: ocupa as áreas dissecadas que ocorrem na faixa de altitude entre 50 e 500 m sobre litologia do Pré-Cambriano, quase sempre de relevo montanhoso e posicionados nas fraldas das serras e planaltos. E possui uma estrutura fanerofítica com um estrato de até 25-30 m de altura que suporta sinúsias de epífitas e lianas. No estrato inferior encontram-se plântulas da regeneração de espécies do estrato dominante, algumas criptófitas e umas poucas caméfitas. Seus remanescentes constituem comumente áreas de preservação permanente, por situarem em encostas com declive acentuado ou por fazerem parte de parques ou reservas equivalentes; Floresta Montana: ocupa as cotas de 500 a 1.500 m, sobre litologia pré-cambriana de modo geral ou alcalina cretácica, ambas com relevo dissecado de caráter montanhoso. A 32

maior e mais contínua porção de vegetação remanescente pertence a esta formação e está posicionada sobre os contrafortes ao longo de toda a Serra do Mar, ocupando normalmente locais de difícil acesso e quase sempre constituindo áreas de preservação permanente. A sua vegetação caracteriza-se por apresentar um estrato dominante com altura até 25 m com grande quantidade de epífitas e lianas e um estrato de meso e nanofanerófitas dominado pelas famílias Rubiaceae, Myrtaceae e Melastomataceae, e ainda a presença generalizada de Palmae e Pteridófitas; Floresta Alto-Montana: ocorre em ambientes acima do nível de 1.500 m de altitude em locais com Solos Litólicos e Cambissolos. Em função da altitude, a vegetação se caracteriza por apresentar uma estrutura de nano e microfanerófitas cuja altura pode variar em torno de 5 e 10 m de altura. É comum a vegetação se apresentar com formas xerofíticas devido às baixas temperaturas (médias abaixo de 15 C) com troncos e galhos finos, casca rugosa, folhas ericóides, pequenas, coriáceas ou carnosas e brotos terminais protegidos. Normalmente há grande incidência de epífitas e líquens indicando a existência de alto teor de umidade relativa do ar; Formação Aluvial: são as florestas que ocupam os ambientes relacionados aos sedimentos fluviais quartenários independentemente do nível de altitude. A Mata Atlântica e seus ecossistemas associados cobriam originalmente uma área de 1.290.692,46 km 2, que correspondia a cerca de 15% do território brasileiro, espalhados por 17 Estados (RS, SC, PR, SP, GO, MS, RJ, MG, ES, BA, AL, SE, PB, PE, RN, CE e PI). Porém, o processo de ocupação do Brasil levou a uma drástica redução de sua cobertura vegetal original, hoje dispersa ao longo da costa brasileira e no interior das regiões sul e sudeste, além de importantes fragmentos no sul dos Estados de Goiás e Mato Grosso do Sul e no interior dos Estados do Nordeste (SOS Mata Atlântica, 1998). No Atlas da Evolução dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados no Domínio da Mata Atlântica no Período de 1990-95, estudou-se uma área de 218.945.958 ha do território brasileiro, abrangendo nove estados (RS, SC, PR, SP, GO, MS, RJ, MG e ES). Deste total foram mapeados 130.718.980 ha, dos quais 98.699.583 ha pertence ao Domínio de Mata Atlântica. Este estudo mostra ainda que, em 1990, a 33

área ocupada por Mata Atlântica e seus ecossistemas associados era de 8.682.412 ha que ficou reduzida para 8.182.095 ha, em 1995. A redução de seus remanescentes foi de 500.317 ha correspondendo a uma taxa de desmatamento de 5,76% ao ano. Em 1995, o Estado de São Paulo possuía 1.848.152 ha de área ocupada por cobertura florestal natural que corresponde a 7,64% da área do estado. Neste mesmo ano, no Estado do Rio de Janeiro a área de cobertura florestal natural foi de 928.858 ha, abrangendo 21,07% da área estadual (SOS Mata Atlântica,1998). 34