LINHA-GUIA DE ATENÇÃO À SAÚDE DENGUE



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Transcrição:

LINHA-GUIA DE ATENÇÃO À SAÚDE DENGUE

AUTORES Adriana de Azevedo Mafra Marco Antônio Bragança de Matos Maria Emi Shimazaki CONSULTORES Eugênio Vilaça Mendes Maria Emi Shimazaki 2

Neucimar Fraga Prefeito de Vila Velha Joanna Barros De Jaegher Secretária de Saúde de Vila Velha Igor Vieira Macedo Secretário Executivo COORDENAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE Sérgio Luís Santos Rissi - Coordenador de Serviços de Saúde Raphael Nunes Rocha - Coordenador da Atenção Primária à Saúde Fernanda Faiçal Ronconi de Oliveira - Coordenadora do Projeto Dengue Zero Raquel Favatto Garcia - Coordenadora da Urgência e Emergência VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA Lisângela Firme Lopes Guimarães - Coordenadora da Vigilância Epidemiológica Flávia Rocha Rangel - Referência Técnica da Dengue Joana Olympia Stein - Referência Técnica da Dengue PROGRAMA MUNICIPAL DE CONTROLE DA DENGUE Max Mauro dos Santos Coelho - Coord. do Programa Mun. de Controle da Dengue Luiz Roberto Meneghel - Gerente de Vetores Micheli Caroline Vidor - Responsável Técnica do Controle do Vetor 3

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACS Agente Comunitário de Saúde AP Atividade de Protrombina CIVD Coagulação Intravascular Disseminada FHD Febre Hemorrágica do Dengue FII Ficha Individual de Investigação FIN Ficha Individual de Notificação GRS Gerência Regional de Saúde Htc Hematócrito LACEN Laboratório Central LIRAa Levantamento de Índice Rápido do Aedes aegypti LT Leucócitos totais OMS Organização Mundial de Saúde PA Pressão Arterial PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde PNCD Programa Nacional de Controle da Dengue Plq Plaquetas PSF Programa de Saúde da Família PTT Tempo Parcial de Tromboplastina Ativada SCD Síndrome do Choque por Dengue SES Secretaria de Estado de Saúde SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação SMS Secretaria Municipal de Saúde SVS Secretaria de Vigilância em Saúde 4

UTILIZADORES POTENCIAIS Equipes do Programa de Saúde da Família: médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, dentistas e agentes comunitários de saúde Profissionais da saúde Assistentes Sociais Acadêmicos dos cursos de interesse da saúde Profissionais dos Serviços de Limpeza Urbana Profissionais de educação e comunicação em saúde Comunidade Conselhos Municipais de Saúde Gestores de saúde estaduais e municipais ELABORAÇÃO Para sua elaboração, realizou-se pesquisa na literatura nacional e internacional, indentificando-se os principais protocolos, consensos, manuais, dentre outros materiais para controle da doença e tratamento de casos suspeitos. NÍVEL DE EVIDÊNCIA E GRAU DE RECOMENDAÇÃO Optou-se por não descrever o nível de evidência e grau de recomendação ao longo do texto, já que a maior parte do material consultado consiste em protocolos, manuais, consensos de opinião de especialistas ou estudos de baixo impacto científico. A escassez de estudos de alto impacto e boa qualidade metodológica se deve provavelmente ao fato de a dengue ser uma das doenças tropicais negligenciadas. CONFLITOS DE INTERESSE Não foram relatados conflitos de interesses pelos elaboradores desta linha-guia. 5

1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS Dengue é uma doença complexa, mas de tratamento muito simples, barato e muito eficaz. Para Teixeira (2009), atualmente a única estratégia de controle da dengue seria reduzir a população de vetores geralmente com uso de químicos. Esta abordagem, entretanto, é cara, pouco sustentável e agressiva para o ambiente, com efeito pequeno ou nulo na redução dos níveis de transmissão. Outras estratégias têm sido usadas sem sucesso. Diminuição da mortalidade por dengue ocorreu por avanços no manejo clinico. Capacitação dos profissionais de saúde e divulgação de informações sobre sinais de alerta de gravidade alteram favoravelmente o desfecho. A veiculação alertaria a população de áreas endêmicas com epidemia a procurar cuidados médicos nas fases precoces de potencial evolução grave. A epidemia é grande desafio para o sistema de saúde em prover cuidados de alta qualidade. Classificação de risco e tomada de decisão terapêutica na Atenção Primária e Secundária onde os pacientes são inicialmente avaliados são cruciais para o desfecho clínico. O tratamento precoce nas linhas de frente não só salva vidas, mas evita internações desnecessárias. A redução da mortalidade requer uma rede de atenção que reconheça a doença, forneça tratamento adequado e encaminhe apenas quando necessário. 6

2 - EVOLUÇÃO DA DOENÇA Após período de incubação, a doença aparece de forma abrupta e é seguida por três fases: Fase Febril Fase Crítica Fase de Recuperação 2.1 - FASE FEBRIL A FASE FEBRIL aguda geralmente dura 2 a 7 dias. Os sinais e sintomas associados à febre incluem: 7

2.2 - FASE CRÍTICA A FASE CRÍTICA ocorre na defervescência, quando a temperatura cai abaixo de 37,5-38 C, entre 3 a 7 dias de doença. Há aumento da permeabilidade capilar e aumento do hematócrito (Htc). O período de extravasamento significativo de plasma dura 24 a 48h. Extravasamento de plasma é precedido por leucopenia progressiva e diminuição rápida de plaquetas. Pacientes sem aumento da permeabilidade capilar melhoram nesta fase; Aqueles com aumento da permeabilidade pioram pela variável perda de volume plasmático. Derrame pleural e ascite podem ser vistos pelo exame clínico ou no raio-x de tórax e ultrassom abdominal. O grau de aumento do hematócrito reflete a gravidade da perda plasmática. O choque ocorre quando há perda crítica de plasma. Geralmente é precedido de sinais de alerta e pode ser acompanhado de hipotermia. Choque prolongado e hipoperfusão tecidual produzem disfunção de órgãos, acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada (CIVD) que causará hemorragia e queda do Htc no choque grave, além de aumento de leucócitos. Disfunção de órgãos como hepatite, miocardite e encefalite graves, ou ainda hemorragia intensa podem ocorrer mesmo sem extravasamento plasmático ou choque. DENGUE NÃO GRAVE: pacientes que melhoram com a defervescência. Alguns evoluem para a fase crítica de extravasamento plasmático. Nesta fase, o aumento do Htc serve como guia para definir o início da fase crítica e perda de plasma. DENGUE GRAVE: aqueles que pioram apresentarão sinais de alarme. Eles provavelmente melhorarão com hidratação venosa precoce. São sinais de alarme: 8

2.3 - FASE DE RECUPERAÇÃO A FASE DE RECUPERAÇÃO virá se o paciente sobrevive às 24 48h da fase crítica. Segue-se reabsorção do líquido extravascular nas 48 72h seguintes. Retorna o bem estar geral, o apetite volta, os sintomas gastrointestinais desaparecem, a hemodinâmica estabiliza e a diurese normaliza. Alguns pacientes podem ter ilhas de branco num mar de vermelho. Alguns apresentam prurido generalizado. Bradicardia e alterações eletrocardiográficas são comuns nesta fase. O Htc se estabiliza e pode estar baixo pelo efeito dilucional da reabsorção de líquido. O leucograma começa a aumentar logo após a defervescência, mas as plaquetas se recuperam após os leucócitos. Dispnéia por derrame pleural maciço e ascite pode ocorrer em caso de excesso de volume administrado, com edema pulmonar e insuficiência cardíaca. 2.4 - DENGUE GRAVE A DENGUE GRAVE é conceituada pela ocorrência de: Extravasamento plasmático que pode levar ao choque (choque da dengue) e/ou acúmulo de líquido com ou sem dispnéia Sangramento grave Disfunção grave de órgão Com o aumento progressivo da permeabilidade vascular, a hipovolemia se agrava resultando em choque. Choque ocorre por volta da defervescência, geralmente no dia 4 ou 5 (do D3 ao D7) de doença, precedido de sinais de alarme. Na fase inicial, os mecanismos compensatórios produzem taqui- 9

cardia e vasoconstrição periférica, com diminuição da perfusão cutânea, extremidades frias e tempo de perfusão capilar diminuído. Caracteristicamente, a pressão diastólica aumenta em direção à sistólica e a pressão de pulso se estreita pelo aumento da resistência vascular sistêmica. Por fim, ocorre descompensação e ambas as pressões desaparecem subitamente. Choque com hipotensão prolongada e hipóxia podem levar a falência de múltiplos órgãos e desfecho desfavorável. Em crianças: considera-se choque quando: - Pressão de pulso (diferença entre pressão sistólica e diastólica) 20 mmhg; - Houver sinais de perfusão capilar prolongada (extremidades frias, perfusão capilar diminuída ou freqüência de pulso elevada). Em adultos: - Pressão de pulso 20 mmhg pode indicar choque mais grave; Hipotensão está associada a choque prolongado e freqüentemente se acompanha de sangramento maior. Pacientes com dengue grave podem ter distúrbios da coagulação, mas não o suficiente para causar hemorragia maior. Grandes sangramentos estão associados a choque profundo, já que a associação de trombocitopenia, hipóxia e acidose pode levar a falência de múltiplos órgãos e CIVD. Manifestações atípicas como insuficiência hepática aguda e encefalopatia podem ocorrer mesmo na ausência de extravasamento capilar ou choque. Cardiomiopatia e encefalite ocorrem em poucos casos. A maioria das mortes, entretanto, ocorre quando há choque profundo, principalmente se complicado com sobrecarga na reposição volêmica. São critérios definem DENGUE GRAVE: 10

3 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial é feito de acordo com a fase da dengue: 11

4 - CLASSIFICAÇÃO DE RISCO O êxito no desfecho está associado à assistência de qualidade nos três níveis de atenção: Primário, Secundário e Terciário. A maioria melhora sem internação, mas alguns evoluem para doença grave. Uma classificação de risco simples e efetiva, associada a tomadas de decisão no manejo adotadas na Atenção Primária e Secundária onde o paciente é primeiro avaliado, ajudam a identificar aqueles com risco de evoluir para doença grave e necessitar internação nos centros de referência. Os procedimentos adotados no primeiro nível de cuidado incluem: Reconhecer que o paciente febril possa ter dengue; Notificar a vigilância em saúde sobre a suspeita de caso de dengue; Tratar o paciente precocemente na fase febril; Reconhecer precocemente o extravasamento de plasma na fase crítica e iniciar reposição volêmica; Reconhecer pacientes com sinais de alerta que necessitam transferência para internação e / ou reposição volêmica na Atenção Secundária; Reconhecer e tratar pronta e adequadamente o extravasamento grave de plasma, o choque, o sangramento grave e a falência de órgãos. Em vigência de uma epidemia, a classificação de risco do paciente com suspeita de dengue na chegada ao ponto de atenção poderá ser feita por enfermeiro qualificado. Poderá ser usado o protocolo de Manchester ou a classificação de risco da dengue. O objetivo é evitar atendimento por ordem de chegada, organizando-o por ordem de gravidade. A prioridade para atendimento seguirá a seguinte norma: A seguir, a classificação de risco da dengue e o fluxograma Mal Estar no Adulto como exemplo da classificação pelo Sistema Manchester de Classificação de Risco. 12

13

14 PROTOCOLO DE MANCHESTER FLUXOGRAMA 33

Frente a uma epidemia de dengue e uma vez deflagrado o plano de contingência do município há opção de classificar todos pelo protocolo de Manchester ou, em caso de febre entre 2 a 7 dias, usar o cartão da dengue. Atendimento ao Paciente com Suspeita de Dengue nos APS Chegada do paciente Registrar o paciente Classificar risco pelo Protocolo de Manchester Encaminhar à sala da dengue Sim Febre < 7 dias + 2 sinais e sintomas Não Atendimento médico conforme Classificação de Manchester Classificar Risco da Dengue Sinais de choque Sim Vermelho Atendimento médico imediato Sim Vermelho Não Paciente aos cuidados do SAMU Acionar SAMU Preencher cartão da dengue Notificar Sim Dengue provável Não Paciente atendido Não Sinais de alarme Sim Laranja Atendimento médico em até 10 min Sim Laranja Não Oferecer SRO Notificar Preencher o cartão da dengue Manifestações hemorrágicas Sim Amarelo Encaminhar para PA Sim Amarelo Não Não Situação especial Sim Verde Atendimento médico em até 2 h Sim Verde Não Não Não Azul Atendimento médico em até 4 h Azul 15

5 - ESTADIAMENTO E MANEJO CLÍNICO 5.1 - ESTADIAMENTO DA DENGUE E PONTO DE ATENDIMENTO PREFERENCIAL Esta atividade será feita por profissional médico obedecendo à prioridade de atendimento estabelecida na classificação de risco. Conforme o quadro clínico, os pacientes serão divididos em três grupos (A, B e C) com definição do ponto de atendimento preferencial: 5.2 - O PAPEL DA ATENÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA A Atenção Primária (Unidades Básicas de Saúde e Estratégia de Saúde da Família) e a Atenção Secundária (Pronto Atendimentos e hospitais locais) são responsáveis por: Primeiro atendimento das emergências, Classificação de risco, Tratamento dos casos A e B, Transferência dos casos de dengue grave (C). 16

Classificação de risco é um processo que rapidamente prioriza o paciente logo na chegada do serviço de saúde. O objetivo é identificar: Dengue grave (necessita tratamento de emergência para evitar a morte), Dengue com sinais de alarme (que devem ser priorizados na fila de tal forma que possam ser avaliados e tratados sem demora) e Casos não urgentes (que não possuem dengue grave nem sinais de alarme). No início da fase febril, geralmente não é possível predizer clinicamente se o paciente vai evoluir para doença grave. As manifestações graves devem aparecer apenas quando a doença progride para a fase crítica. Mesmo assim, os sinais de alerta são bons indicadores de maior risco de evolução para dengue grave. O paciente deve, portanto, ser avaliado diariamente para progressão da doença procurando sinais de alarme e manifestações de dengue grave. 17

Profissionais da Atenção Primária e Secundária devem seguir as etapas propostas no quadro abaixo: 5.3 - HOSPITAIS DE REFERÊNCIA Serviços de referência para casos graves de dengue devem oferecer atendimento rápido e adequado, com leitos disponíveis para aqueles com critério de admissão mesmo que procedimentos eletivos tenham que ser adiados. Se possível, separar uma área para casos de dengue e outra de alta dependência ou de cuidados intensivos para pacientes com choque. Estas unidades devem ter médicos e enfermeiros capacitados a reconhecer pacientes de alto risco, tratá-los e monitorá-los. 18

5.4 - RECURSOS NECESSÁRIOS Em todos os níveis de atenção, avaliação e tratamento da dengue requerem alguns recursos: Recursos humanos: o mais importante é médicos e enfermeiros capacitados. Equipe adequada deve ser alocada na Atenção Primária para ajudar na classificação e no tratamento de emergência. Hospitais de referência devem ter profissionais experientes nos surtos. Área especial: deve ser definido local bem equipado e com bons profissionais para tratamento imediato de pacientes que necessitam hidratação venosa até serem transferidos. Laboratório: hematócrito seriado é o exame mais importante e também a contagem global de células. Deve estar ampla e facilmente disponível com resultados em 2h nos casos graves. Insumos: cristalóides, colóides, equipos de infusão venosa. Medicamentos: estoque de antitérmicos e sais de hidratação oral e drogas para casos graves: vitamina K1, gluconato Ca, NaHCO3, glicose, furosemida, KCl, vasopressores, inotrópicos. Comunicação: providenciar logística para comunicação entre Atenção Primária, Secundária e Terciária e laboratórios, além de consultas por telefone. Banco de Sangue: hemoderivados são necessários em pequena porcentagem de pacientes, mas devem estar rapidamente disponíveis quando necessários. 5.5 - CAPACITAÇÃO E EDUCAÇÃO Capacitação de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e técnicos de laboratório é prioridade para assegurar qualidade dos profissionais em todos os níveis. O programa deve desenvolver competências para classificar casos e melhorar o reconhecimento, manejo clínico e diagnóstico laboratorial da dengue. Um comitê nacional deve monitorar e avaliar o manejo clínico e o desfecho. Comitês de revisão em todas as instâncias (nacional, estadual, municipal, hospitalar) deverão rever óbitos e casos de dengue grave, avaliar o cuidado da atenção e dar retorno aos médicos de como melhorar o cuidado. 19

A população deve ser educada para: Fazer o auto cuidado, Procurar cuidados médicos no tempo certo, Evitar automedicação, Identificar sangramento de pele, Considerar o dia da defervescência (e as próximas 48h) como período das complicações, Procurar por sinais de alarme como dor abdominal intensa e contínua e vômitos freqüentes. A mídia pode contribuir muito se corretamente veiculada. Oficinas e outros encontros com jornalistas, editores, artistas e executivos podem contribuir para desenhar a melhor estratégia para informar e educar o público sem alarmá-lo. Nas epidemias, acadêmicos de enfermagem e medicina junto com líderes comunitários podem visitar casas com duplo propósito de promover educação em saúde e fazer busca ativa de casos de dengue. Isto é factível, barato e efetivo, e deve ser coordenado pela Atenção Primária. É interessante distribuir folhetos sobre a dengue e os sinais de alarme para a comunidade. 6 - Recomendações para Tratamento Pela recomendação da OMS (2009), devemos dividir o tratamento da dengue em etapas. 6.1 - ETAPA I AVALIAÇÃO GERAL História: deve incluir: - Data de início da febre / doença - Quantidade de ingestão oral - Pergunta específica de história de sangramento (gengivorragia, epistaxe, alteração menstrual, hematêmese, melena) - Avaliação dos sinais de alerta - Diarréia - Avaliação do estado mental / convulsão / tonteira - Débito urinário (frequência, volume, última micção) - Outros dados importantes (dengue na família ou vizinhos, via gem para área epidêmica, condições pré-existentes criança, gravidez, obesidade, diabetes mellitus, hipertensão) 20

Exame físico: deve incluir avaliação de: - Estado mental - Hidratação - Estado hemodinâmico PA sistólica e diastólica Sentado ou deitado e em pé Pressão de pulso Frequência cardíaca Perfusão capilar periférica Extremidades - Taquipnéia / respiração acidótica / derrame pleural - Dor abdominal, hepatomegalia, ascite - Exantema / manifestações hemorrágicas - Prova do laço (repetir se previamente negativa ou na ausência de manifestações hemorrágicas) Prova do Laço Etapas para realização da prova do laço: Propedêutica - Hemograma: - Hematócrito no início da fase febril será usado como Htc basal do paciente - Leucopenia pode sugerir dengue - Diminuição rápida de plaquetas associada a aumento do hematócrito basal sugere extravasamen - to plasmático / fase crítica da doença 21

- Na ausência de Htc basal, usar o esperado considerando idade/sexo - Testes sorológicos devem ser feitos, mas não são necessários para o tratamento da fase aguda, exceto em casos de manifestações atípicas. - Sorologia para confirmação de caso: - Períodos não epidêmicos: em todos os pacientes; - Período epidêmico: para cerca de 10% dos casos; - Teste Rápido (Ag NS1 para dengue) tem sensibilidade apenas razoável e o valor preditivo negativo não é suficiente para descartar dengue. - Outros exames podem estar indicados: função hepática, glicose, íons, uréia, creatinina, bicarbonato, lactato, enzimas cardíacas, ECG, exame de urina. 6.2 - ETAPA II DIAGNÓSTICO, AVALIAÇÃO DA FASE E GRAVIDADE DA DOENÇA A avaliação da história, do exame físico e hemograma / hematócrito permitirão a tomada de decisão: Avaliar se a doença é dengue, Qual fase está (febril, crítica ou recuperação), Se há sinais de alerta, O nível de hidratação, O estado hemodinâmico, A necessidade de internação. 22

6.3 - ETAPA III MANEJO Notificação da doença - Em países endêmicos, casos suspeitos, prováveis e confirmados devem ser notificados logo que possível para que ações de saúde pública sejam iniciadas. Confirmação laboratorial não é necessária antes da notificação, mas deve ser feita. - Critérios sugeridos para notificação precoce de casos suspeitos incluem: - Paciente mora ou viajou para área endêmica; - Febre de três dias ou mais; - Leucócitos baixos ou diminuindo; - Trombocitopenia com ou sem prova do laço positiva. Manejo - tomada de decisões: conforme quadro clínico e outras condições, o paciente pode: - Ir para casa (Grupo A) - Ser internado (Grupo B) - Precisar de tratamento de emergência e transferência urgente (Grupo C) 6.3.1 Tratamento conforme grupos A C 6.3.1.1 Grupo A Está neste Grupo o paciente que pode ir para casa; Consegue ingerir líquidos, urinar pelo menos cada 6 horas e não apresenta qualquer sinal de alarme, principalmente quando a febre melhora; O paciente de ambulatório deve ser reavaliado diariamente para piora do quadro (diminuição dos leucócitos, defervescência e sinais de alarme) até que esteja fora do período crítico; Aquele com hematócrito estável pode ir para casa após: - Orientado a retornar imediatamente se apresentar qualquer um dos sinais de alarme e - Aderir ao seguinte plano de ação: - Incentivar ingestão de soro de hidratação oral, sucos de frutas e outros líquidos contendo eletrólitos e açúcar para repor as perdas da febre e vômitos; Ingestão oral adequada reduz hospitalização; Cuidado! Ingestão de açúcar pode aumentar hiperglicemia do estresse fisiológico da dengue e do diabetes mellitus; 23

- Dar paracetamol para febre alta se paciente estiver desconfortável até cada 6 horas. Não usar aspirina ou antiinflamatórios não esteróides, que podem agravar gastrite ou sangramento; - Orientar cuidador a retornar com o paciente imediatamente em caso de: Não melhora clínica, Piora no período de defervescência, Dor abdominal, Vômito persistente, Extremidades frias e pegajosas, Letargia ou irritabilidade / inquietação, Sangramento (fezes enegrecidas ou vômitos em borra de café), Não urinar em 4 a 6 horas. - O paciente encaminhado para casa deve ser avaliado por profissional de saúde quanto a padrão de temperatura, volume de líquidos ingeridos e perdas, diurese (volume e freqüência), sinais de alarme, sinais de extravasamento plasmático, hemorragia, hematócrito, leucograma e plaquetas. 6.3.1.2 Grupo B Estão neste grupo os pacientes que deverão ser transferidos para internação; Pacientes podem necessitar admissão em hospital secundário, principalmente se atingirem a fase crítica. Incluem pacientes com: - Algum sinal de alarme, - Condições preexistentes que complicam o tratamento (gravidez, crianças, idosos, obesos, diabetes mellitus, insuficiência renal, anemia hemolítica crônica), -Dificuldades sociais (mora só, ou sem acesso ao sistema de saúde ou sem meios de transporte); Se o paciente apresenta sinal de alarme, o planejamento das ações deverá ser: - Fazer um hematócrito de referência antes da soroterapia; - Infundir apenas soluções isotônicas como salina - SF 0,9% 24

- Iniciar 5 7 ml/kg/h por 1 2h - Reduzir para 3 5 ml/kg/h por 2 4h - Reduzir para 2 3 ml/kg/h ou menos conforme resposta clínica - Manutenção (fórmula de Holliday-Segar): 4 ml/kg/h para os primeiros 10 Kg peso corporal, + 2 ml/kg/h para os próximos 10 Kg peso corporal, + 1 ml/kg/h para os subsequentes Kg peso corporal. Reavaliar o quadro clínico e repetir o hematócrito: - Se o hematócrito continua o mesmo ou aumenta muito pouco - Manter mesma velocidade de infusão 2 3 ml/kg/h por mais 2 4h - Se os dados vitais estão piorando e o hematócrito está aumentando rapidamente - Aumentar infusão para 5 10 ml/kg/h por 1 2h Reavaliar quadro clínico, repetir hematócrito e ajustar a velocidade de infusão. Infundir o mínimo de volume necessário para manter boa perfusão e diurese de 0,5 ml/h. Soroterapia geralmente é necessária por apenas 24 48h. Reduzir gradualmente o aporte de volume IV enquanto a velocidade de extravasamento plasmático diminui no final da fase crítica (diurese adequada, ingestão oral satisfatória ou hematócrito diminuindo abaixo do valor basal em paciente estável). Monitorar casos de sinais de alarme até o período de risco (fase crítica) acabar: - Balanço hídrico detalhado deve ser monitorado, - Dados vitais (P, PA, FR) incluindo perfusão periférica cada 1 4h, TAx cada 4h, - Diurese cada 4 6h, - Hematócrito antes e após reposição hidroeletrolítica, depois cada 6 12h, - Se indicado, glicemia, função renal e hepática, coagulograma (RNI, PTTa). Se o paciente não apresenta sinais de alarme, o planejamento das ações deverá ser: 25

Insistir na ingestão de líquidos, Se houver intolerância, iniciar cristalóide (SF 0,9%), velocidade de manutenção: 4 ml/kg/h para os primeiros 10 Kg peso corporal, + 2 ml/kg/h para os próximos 10 Kg peso corporal, + 1 ml/kg/h para os subsequentes Kg peso corporal. Reavaliar com frequência, pois pacientes podem conseguir ingerir líquidos após algumas horas de soroterapia. Infundir o mínimo de volume necessário para manter boa perfusão e boa diurese. Soroterapia geralmente é necessária por apenas 24 48h. Monitorar padrão de temperatura, volume ingerido e perdas, diurese (volume e freqüência), sinais de alarme, hematócrito, leucócitos e plaquetas. Outros exames (função renal e hepática) podem ser necessários. 6.3.1.3 Grupo C Estão neste grupo os pacientes que necessitam de tratamento de emergência e transferência urgente por dengue grave. Estão neste grupo pacientes na fase crítica da doença: - Grave extravasamento de plasma levando a - Choque da dengue ou - Acúmulo de líquido e angústia respiratória; - Hemorragia grave; - Disfunção grave de órgão: - Lesão hepática, - Insuficiência renal, - Cardiomiopatia, - Encefalopatia, encefalite. Pacientes com dengue grave devem ser admitidos em hospitais com unidade de alta dependência ou de tratamento intensivo, além de capacidade transfusional. Ressuscitação volêmica criteriosa é essencial e geralmente a única intervenção necessária. O cristalóide usado é o isotônico em volume apenas o necessário para manter volemia suficiente durante o período de extravasamento plasmático. Repor imediata e rapidamente a perda plasmática com cristalóide (SF 0,9%) ou, se choque com hipotensão, soluções de colóide. Se possível, tenha Htc antes e após a ressuscitação volêmica. 26

A infusão volêmica deve repor a posterior perda de plasma para manter uma circulação efetiva por 24 48h. Hemotransfusão só deve ser feita para sangramento grave. Ressuscitação volêmica não é uma simples administração de líquidos. A estratégia é infundir grandes volumes (por ex. 10 20 ml/kg, bolus) por tempo limitado, sob monitoramento cuidadoso para avaliar a resposta evitar o edema pulmonar. O déficit intravascular de volume no choque da dengue é variável. No balanço hídrico, os ganhos são tipicamente muito maiores que as perdas e essa diferença não é útil para avaliar a necessidade de volume na ressuscitação volêmica desta fase. O objetivo da ressuscitação volêmica é: - Melhorar a perfusão central e periférica: - Diminuir a taquicardia, - Melhorar a pressão arterial, - Aumentar o volume do pulso, - Extremidades coradas e aquecidas, - Perfusão capilar < 2 seg; - Melhorar a perfusão de órgãos-alvo: - Estado de consciência estável (mais alerta ou menos inquieto), - Diurese 0,5 ml/kg/h - Diminuição da acidose metabólica. * Hipotensão: adultos: PAsistólica < 90, PA média < 70 mmhg ou na sistólica > 40 mmhg, crianças até 10 anos: 70 + (idade X 2) mmhg 27

6.3.1.3.1 - Plano de ação para tratamento do choque compensado: Iniciar ressuscitação volêmica com soro fisiológico (SF 0,9%) 5 10 ml/kg/h por até 1h; - Reavalie quadro clínico (sinais vitais, perfusão capilar periférica, hematócrito, diurese; Se houve melhora, reduzir gradualmente a infusão de volume para: - 5 7 ml/kg/h por 1 2h - Depois 3 5 ml/kg/h por 2 4h - Depois 2 3 ml/kg/h e, conforme resposta clínica - Manutenção (fórmula de Holliday-Segar): 4 ml/kg/h para os primeiros 10 Kg peso corporal, + 2 ml/kg/h para os próximos 10 Kg peso corporal, + 1 ml/kg/h para os subseqüentes Kg peso corporal. Se os dados vitais ainda estiverem instáveis (choque persistir), avalie o hematócrito após o primeiro bolus. - Se o hematócrito aumentar ou ainda estiver alto (>50%) - Repetir segundo bolus de cristalóide a 10 20 ml/kg/h por 1h - Após o segundo bolus, - Se houve melhora - Reduzir infusão para 7 10 ml/kg/h por 1-2h - Continuar redução. Hematócrito menor que o inicial de referência (<40% em crianças ou mulheres adultas ou < 45% em homens adultos) indica sangramento: - Transfundir sangue Bolus posteriores de cristalóides poderão ser necessários por 24 48h. 28

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6.3.1.3.2 - Plano de ação para o choque hipotensivo: Iniciar a ressuscitação volêmica com cristalóide ou colóide (se disponível) a 20 ml/kg, bolus em 15 min. para tirar o paciente do choque o mais rapidamente possível. Se houver melhora, infundir cristalóide/colóide 10 ml/kg/h por 1 hora. Depois continuar com cristalóide reduzindo administração para 5 7 ml/kg/h por 2 4 horas e depois 2 3 ml/kg/h ou menos, por até 24 48h. Se os dados vitais ainda estiverem instáveis (choque persistente), reavaliar Htc obtido antes do primeiro bolus. Htc baixo (<40% em crianças e mulheres e < 45% em homens) sugere sangramento e necessidade de hemotransfusão. Se Htc maior que o inicial (se indisponível, usar o basal da população), troque o cristalóide por colóide 10 20 ml/kg como segundo bolus por 30 a 60 min. - Reavaliar após segundo bolus. - Se houver melhora: - Reduzir colóide para 7 10 ml/kg/h por 1 a 2 horas, - Trocar por cristalóide e reduzir infusão conforme acima. - Se instável, repetir Htc após segundo bolus: - Htc diminuindo em comparação com o prévio (<40% em crianças e mulheres e < 45% em homens) sugere sangramento e indica transfusão de hemoderivados. - Htc aumentando em relação ao anterior ou se mantém muito alto (>50%), manter colóide 10 20 ml/kg como terceiro bolus em 1 hora. - Após esta dose, reduzir infusão a 5 7 ml/ Kg/h por 1 a 2 horas, - Trocar para cristalóide e reduzir infusão conforme acima quando o paciente melhorar. Novos bolus de infusão poderão ser necessários nas próximas 24 horas. A velocidade e o volume de cada bolus deverão ser definidos pela resposta clínica. Pacientes com dengue grave deverão ser admitidos em Unidades de Alta Dependência ou de Cuidados Intensivos. 30

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Pacientes com choque da dengue devem ser monitorados até que o risco acabe. Balanço hídrico rigoroso com todas as perdas e ganhos devem ser mantidos. Os parâmetros incluem: Dados vitais e perfusão capilar periférica - Cada 15 30 min até sair e, após, cada 1 2h. Quanto maior e mais rápido o volume infundido, mais frequentes serão as reavaliações para evitar sobrecarga de volume e assegurar reposição volêmica adequada. Pressão Intrarterial (PIA) em dengue grave, se disponível, já que a medida indireta da PA por manguito é inadequada no choque. ECG e oximetria de pulso se internado na UTI. Diurese: - Cada 1 2 horas por SVD. Diurese aceitável é 0,5 ml/kg/h. Hematócrito: - Antes e após bolus até estabilizar e, após, cada 4 6 h. - Outros exames: gasometria arterial ou venosa, bicarbonato, lactato, glicemia, função renal, perfil hepático, coagulo - grama. O hematócrito deve ser avaliado no contexto do quadro hemodinâmico, da resposta clínica à reposição volêmica e do equilíbrio ácido-base: Htc aumentando ou persistentemente alto + hemodinâmica instável (diminuição da pressão de pulso) = extravasamento ativo de plasma necessário novos bolus de volume. Htc aumentando ou persistentemente alto + hemodinâmica estável + diurese adequada = extravasamento plasmático diminuindo reposição volêmica extra não necessária Htc deve cair em 24h. Htc diminuindo + hemodinâmica instável (diminuição da pressão de pulso, taquicardia, acidose metabólica, oligúria) = grande sangramento hemotransfusão urgente. Htc diminuindo + hemodinâmica estável + diurese adequada = hemodiluição e/ou reabsorção do líquido extravasado suspender reposição volêmica parenteral (risco de edema cerebral). 32

6.3.1.3.3 - Tratamento das complicações hemorrágicas Sangramento de mucosa pode ocorrer em qualquer caso de dengue, mas se o paciente mantém estabilidade com ressuscitação/reposição volêmica, este é considerado um sangramento menor. O sangramento geralmente melhora rapidamente na fase de recuperação. Assegurar repouso no leito para pacientes com trombocitopenia intensa para protegê-lo de trauma e risco de sangramento; Não fazer injeção intramuscular para evitar hematomas. Lembrar que transfusão profilática de plaquetas para trombocitopenia grave em pacientes hemodinamicamente estáveis não se mostrou efetiva e não é necessária. Se ocorrer sangramento maior, ele geralmente será do trato gastrointestinal ou vagina. Hemorragia digestiva pode ser aparente apenas quando aparecer melena. Maior risco de hemorragia maior inclui: Choque prolongado/refratário; Choque hipotensivo com insuficiência renal ou hepática ou acidose metabólica grave e persistente; Uso de antinflamatório não esteróide; Úlcera péptica prévia; Uso de anticoagulante; Qualquer tipo de trauma, inclusive injeção IM. Portador de doença hemolítica apresenta risco de hemólise aguda e necessitará hemotransfusão. Suspeitar de sangramento grave se: Sangramento persistente ou aumentando associado a instabilidade hemodinâmica independentemente do hematócrito; 33

Diminuição do hematócrito após ressuscitação volêmica associada a instabilidade hemodinâmica; Choque refratário que não responde a ressuscitação volêmica consecutiva de 40 60 ml/kg; Choque hipotensivo com hematócrito baixo/normal antes da ressusciração volêmica; Acidose metabólica persistindo ou piorando com ou sem pressão arterial sistólica mantida, principalmente naqueles com distensão e dor abdominal intensa. Hemotransfusão é crucial e deve ser realizada logo que um sangramento maior seja reconhecido ou suspeitado, mas deve ser feita com cuidado para evitar sobrecarga de volume. Não espere o hematócrito cair demais para decidir transfundir. Htc < 30% como critério de hemotransfusão não é aplicável na dengue grave, já que o sangramento geralmente ocorre após um período de choque prolongado que é precedido por extravasamento plasmático: Planejamento do tratamento das complicações hemorrágicas: Transfundir 5 10 ml/kg glóbulos (frescos) com ou sem 5 10 ml/kg plasma fresco congelado em velocidade apropriada para resposta clínica adequada (melhora do estado hemodinâmico e equilíbrio ácido- -base). Avaliar nova transfusão se o sangramento persistir, voltar ou não houver aumento do Htc. Cuidado para passar SNG que pode causar sangramento grave e obstruir via aérea. Cateter venoso central deve ser inserido apenas guiado por ultrasson ou por médico muito experiente. 6.3.2 Tratamento das Complicações 6.3.2.1 Sobrecarga volêmica Sobrecarga de volume com grande derrame pleural e ascite é causa comum de dispnéia e desfecho desfavorável na dengue grave. Outras causas de dispnéia incluem edema agudo de pulmão, acidose metabólica grave e síndrome de angústia respiratória do adulto (SARA). 34

Causas de sobrecarga volêmica: Reposição hidroeletrolítica excessiva ou muito rápida, Uso incorreto de soluções hipotônicas (SG 5%) ao invés de isotônicas (SF 0,9%), Uso indevido de muito cristalóide em paciente com sangramento maior não reconhecido, Transfusão inapropriada de plasma fresco congelado, concentrado de plaquetas e crioprecipitado, Manutenção da infusão de cristalóide após resolução da fase de extravasamento plasmático (24 48h após defervescência), Comorbidades como insuficiência cardíaca, doença pulmonar crônica, insuficiência renal. Exames complementares: Rx Tórax: cardiomegalia, derrame pleural, elevação das cúpulas diafragmáticas (ascite), consolidação em asa de borboleta, linhas B de Kerley; ECG: excluir isquemia e arritmia; Gasometria arterial; Ecocardiograma: avaliar miocardiopatia isquêmica, Enzimas cardíacas. Planejamento do tratamento da sobrecarga volêmica: Oxigênio nasal, Suspender infusão de cristalóide na fase de recuperação: - Permite que o derrame pleural e a ascite retornem para o intravascular, - Aumenta diurese, - Resolução do derrame pleural e ascite. 35

O manejo da sobrecarga volêmica varia conforme a fase da doença e o estado hemodinâmico: - Hemodinâmica estável e fora da Fase Crítica (> 24 48h da defer vescência) suspenda soro, mas mantenha monitoramento cuidadoso; - Se necessário, use furosemida VO ou IV 1 a 2 vezes ao dia (0,1 0,5 mg/kg/dose): Avaliar K e repor se necessário. - Hemodinâmica estável, mas ainda na Fase Crítica: - Reduzir infusão de cristalóide; - Evitar diurético para não agravar depleção de volume; - Choque mantido com hematócrito normal ou baixo, mas com sinais de sobrecarga de volume podem ter hemorragia oculta: - Infusão de mais cristalóide vai levar a desfecho desfavorável; - Iniciar transfusão de glóbulos frescos com ou sem plasma fresco congelado; Choque mantido e hematócrito elevado: - Tentar pequenas doses de colóide. 6.3.2.2 - Outras complicações da dengue Hipo ou hiperglicemia podem ocorrer mesmo em não diabéticos; Distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-base são comuns na dengue grave (por vômitos, diarréia ou uso de soluções hipotônicas): Hiponatremia, hiper ou hipocalemia, alterações de Ca e acidose metabólica. Cuidado com infecções associadas e infecção hospitalar. 36

6.3.2.3 - Outros tratamentos avançados: Hemodiálise, Vasopressores, inotrópicos, Ventilação mecânica. 6.3.2.4 - Critérios de alta hospitalar Se a internação foi bem indicada, os critérios de alta abaixo devem estar todos contemplados: 6.3.2.5 - Boas e más práticas na dengue 37

6.3.2.6 - Resumo das recomendações clínicas 38

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7 - RECURSOS NECESSÁRIOS 8 - INDICADORES PARA AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO 40

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10 - BIBLIOGRAFIA Bridget A. Wills, M.R.C.P.et al. Comparison of Three Fluid Solutions for Resuscitationin Dengue Shock Syndrome; N Engl J Med, 2005, 353:877-89. Dale Carroll, Stephen Toovey, Alfons Van Gompel. Dengue fever and pregnancy - A review and comment. Travel Medicine and Infectious Disease (2007) 5, 183 188 Dengue: Diagnóstico e Manejo Clínico - Adulto e Criança, 3ª edição, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Diretoria Técnica de Gestão, Brasília, DF, 2007. Jacqueline L Deen, et al. The WHO dengue classification and case definitions: time for a reassessment. Lancet 2006, 368: 170 73 José G Rigau-Pérez. Severe dengue: the need for new case definitions, Personal View. Lancet Infect Dis., 2006, 6: 297 302. Kumarasamy V, et al. Evaluation of a commercial dengue NS1 antigen-capture ELISA for laboratory diagnosis of acute dengue virus infection. Journal of Virological Methods, Volume 140, Issues 1-2, March 2007, Pages 75-79 Lee VJ, et al. Predictive value of simple clinical and laboratory variables for dengue hemorrhagic fever in adults. J Clin Virol, 2008, doi:10.1016/j.jcv.2007.12.017. Lukas Tanner, Mark Schreiber, Jenny G. H. Low et al. Decision Tree Algorithms Predict the Diagnosis and Outcome of Dengue Fever in the Early Phase of Illness. Shrishu R. Kamath and Suchitra Ranjit. Clinical Features - Complications and Atypical Manifestations of Children with Severe forms of Dengue Hemorrhagic Fever In South India. Indian J Pediatr, 2006, 73 (10):889-895. Scott B Halstead. Dengue, Seminar. Lancet, 2007, 370:1644 52. Sameer Gulati and Anu Maheshwari. Atypical manifestations of dengue. Tropical Medicine and International Health, September, 2007, volume 12 n.9:1087 1095. Shibani Bandyopadhyay, Lucy C. S. Lum and Axel Kroeger. Classifying dengue: a review of the difficulties in using the WHO case classification for dengue haemorrhagic fever. Tropical Medicine and International Health, august 2006, volume 11, n.8: 1238 1255. WHO. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention and control -- New edition, 2009, disponível em http://www.who.int/rpc/guidelines/9789241547871/en/index.html World Health Organization. Dengue Hemorrhagic Fever: Diagnosis, Treatment, Prevention and Control. 2nd edition, Geneva, 1997. 43