Da aldeia para a universidade: uma análise sobre a diversidade cultural e linguística dos acadêmicos indígenas da UCDB 1



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Transcrição:

Da aldeia para a universidade: uma análise sobre a diversidade cultural e linguística dos acadêmicos indígenas da UCDB 1 Luiz Henrique Eloy Amado (Acadêmico do Curso de Direito) 2, Maria Fernanda Borges Daniel de Alencastro (Orientadora) 3. E-mail: Luiz-eloy@hotmail.com, mfdaniel@ucdb.br RESUMO: Sabemos da diversidade cultural e linguística que caracteriza a educação do Brasil e tem questões que não podem ser esquecidas: como têm sido recebidos, entendidos aqueles que chegam à escola falando outra língua materna que não o português? Ou ainda, aqueles que têm o português como língua materna, mas não dominam a variedade prestigiada do português adotada como a língua de prestigio escolar? Ou melhor, como tem sido acolhida, tratada nas escolas, a diferença constitutiva da sociedade brasileira, que se traduz na sua diversidade sociolinguística, principalmente os indígenas? Como os docentes podem ajudá-los na inserção de fato na universidade e no uso consciente do idioma português para que eles possam, sem perder o contato e/ou respeito pelo seu idioma, utilizar a língua portuguesa em suas aulas e dela ampliar a possibilidade de um fazer independente? Sendo assim, a pesquisa empreendida com o auxílio e a participação de acadêmicos indígenas foi de relevância ímpar, porque ela nos trouxe subsídios sobre a formação desses acadêmicos indígenas. Palavras Chave: Diversidade Cultural; Idioma Materno e Ensino Superior. ABSTRACT: We know the cultural and linguistic diversity that characterizes education in Brazil. And it has questions that can not be forgotten: as have been received, understood those who come to school speaking another language than the Portuguese? Or, those that have Portuguese as their mother tongue, but not dominate a variety of prestigious Portuguese adopted as the language of prestige school? Or better, as has been received, treated in schools, the difference constitutive of Brazilian society, as reflected in its diversity sociolinguistics, especially the natives? How teachers can help them in entering the university, in fact conscious use of the Portuguese language so that it can, without losing the contact and / or respect for their language, using English in their classes and the possibility to enlarge it make an independent? Thus, the research undertaken with the assistance and participation of indigenous academic relevance was odd, because it has brought about the formation of such subsidies indigenous scholars. Word - Chaves: Cultural Diversity; Mother Language and Higher Education. Apoio: CNPq/ UCDB 1 Artigo apresentado no III Seminário: Povos Indígenas e Sustentabilidade/UCDB. 2 Acadêmico Indígena Terena, curso de Direito/UCDB. Integrante do Programa REDE DE SABERES: Permanência de Indígenas no Ensino Superior. 3 Orientadora do Projeto de Pesquisa; Mestra em Educação pela UCDB. Professora dos cursos de Pedagogia e Direito da UCDB. 1

INTRODUÇÃO... uma coisa é como o terena se identifica para si mesmo ou fala entre si, outra coisa é como ele se apresenta para o branco sua identidade e, nesta relação, utiliza esta ou aquela língua... 4 Este artigo foi elaborado com base em pesquisa feita para o PIBIC - Iniciação Cientifica da Universidade Católica Dom Bosco, tendo como foco o crescente número de indígenas que estão tendo acesso aos cursos de graduação da instituição. Sabemos da diversidade cultural e linguística que caracteriza o Estado brasileiro, e em se tratando de Mato Grosso do Sul, onde grande parte de sua população é formada por várias etnias indígenas, há questões que não devemos deixar de lado. Nos últimos anos, estamos observando as medidas de ações afirmativas que estão sendo adotadas pelos nossos governantes visando dar oportunidades àqueles que no decorrer da história foram desfavorecidos e/ou deixados de lado da política de desenvolvimento. Por ora, há que nos perguntar; como têm sido recebidos, entendidos aqueles que chegam à Universidade falando outra língua materna que não o português? Ou ainda, aqueles que têm o português como língua materna, mas não dominam a variedade prestigiada do Português normalmente aceita e adotada como a língua de prestígio escolar? Melhor explicando, como tem sido acolhida, tratada, nas escolas, a diferença constitutiva da sociedade brasileira, que se traduz na sua diversidade sociolingüística, principalmente os indígenas? São questões como essas que foram suscitadas em nossa pesquisa e aqui nesse trabalho vamos apresentar o desenrolar dos trabalhos e os resultados obtidos. Não se esquecendo, também, de como os docentes podem ajudar os acadêmicos indígenas na inserção desses, de fato, na universidade fazer uso consciente do idioma português para que eles possam interagir, sem perder o contato e/ou respeito pelo seu idioma. 4 LADEIRA, Maria Elisa. O Uso da Língua Terena Segundo uma Analise Macro Sociolingüística. ANPOCS/1999. 2

DIVERSIDADE CULTURAL INDÍGENA NA UCDB A Universidade Católica Dom Bosco possui em seu corpo discente uma riqueza cultural muito vasta, composta por acadêmicos indígenas de várias etnias: Terena, Kadiweu, Kaigang, Guarani, etc. Oriundos de várias aldeias de diferentes localidades do nosso Estado. Diante disso, considerando a nossa sociedade diversificada, tornou-se indispensável uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais variadas. Por outro lado, há que se posicionar no sentido de que a língua é o maior bem cultural de um povo e também a expressão máxima da cultura indígena. A língua é o mais forte traço cultural que identifica um povo; tudo o que a cultura possui se expressa através da língua. 5 Portanto, não podemos reconhecer esse bem cultural e por outro lado impor a língua portuguesa, que é prestigiada pela sociedade nacional. Falta, sim, uma coesão social, uma vez que existem políticas sociais que favorecem a inclusão e a participação dos indígenas na academia universitária e por outro lado não há nenhuma ação que possibilite um intercâmbio entre essas culturas e ao mesmo tempo gere desenvolvimento na capacidade desses estudantes. Esses acadêmicos cursaram o ensino fundamental em suas próprias aldeias, vivenciando todos os problemas que uma escola pública tem, ao passo que, a situação é muito mais agravante, pois além dos caos de infraestrutura que não é tema de nosso presente trabalho, os estudantes são apresentados a outra língua que não a sua língua materna. 5 FERREIRA, Franchys Marizethe N. S. e SOUZA, Claudete Cameschi. Educação Escolar Indígena: Língua Materna X Língua Portuguesa. Anais do II Seminário povos Indígenas e Sustentabilidade, UCDB:2006. 3

O nosso trabalho vem ao encontro dessa necessidade, qual seja superar os entraves com a língua portuguesa e ao mesmo tempo respeitando a língua materna dos estudantes, pois a universidade é o local propício para tanto. Da observação dos dados de nossa pesquisa, o primeiro contato com outra cultura na maioria dos casos acontece no ensino médio, visto que grande parte dos entrevistados cursou o ensino médio em outra aldeia ou em uma escola situada na zona urbana próxima de sua aldeia. Para aqueles que cursaram o ensino médio em outra aldeia, mesmo estando entre indígenas da mesma etnia há uma fator relevante que deve ser levantado. Há em cada um dos estudantes um nível diferente no domínio, tanto do português quanto da própria língua materna. Ora, essa oscilação no domínio da língua entre os estudantes é visto como resultado da influência cultural que cada um teve em seu meio social, aqueles que dominam a sua língua materna tiveram fortes influências do convívio com sua família, que por certo é constituída por membros mais tradicionais, e que ainda falam seu idioma materno no cotidiano familiar. Já aqueles que dominam com mais facilidade a língua portuguesa apresentam esse quadro influenciados pelo convívio daqueles que usam mais a língua portuguesa em seu cotidiano. Nesse sentido, já afirmava BACHMAN 6 : Virtualmente em todas as línguas há variações no uso que podem estar associadas aos usuários da língua provenientes de diferentes regiões geográficas ou pertencentes a diferentes grupos sociais. Essas variedades regionais e sociais, ou dialetos, podem ser caracterizadas por diferentes convenções, e a adequação do seu uso irá variar dependendo das características do contexto de uso da língua. A língua materna desses acadêmicos pode ser definida como o maior bem que eles trazem consigo de suas comunidades, todavia um ponto preocupante de nossa pesquisa foi à constatação de que muitos deles não falam seu idioma materno e quando se arriscam, compreendem muito pouco. Foram raros os casos em que o acadêmico fala 6 BACHMAN, Lyle F. Communicative language ability. In:. Fundamental considerations in language testing. Oxford: Oxford University Press, 1990. Tradução de Niura Maria Fontana e revisão de Isabel Maria Paese Pressanto, professoras do Departamento de Letras da Universidade de Caxias do Sul. Publicação autorizada pelo Autor e pela Editora. 4

e escreve em seu idioma materno. Diante disso, o que ficou muito claro em nosso estudo foram dois motivos que passamos a expor: 1. Alguns deles justificaram que não tiveram interesse em aprender sua língua materna, pelo fato de que, o uso da língua portuguesa em sua comunidade é um fator de privilégio, ou seja, aquele que fala um bom português na sua comunidade é visto como portador de um status social em relação aos demais. 2. Outros disseram que não aprenderam o seu idioma materno pela própria imposição de seus pais, pois os mesmos sustentam a ideia de que quando uma criança fala e escreve em sua língua materna, ela tem grandes dificuldades em se comunicar na língua portuguesa. Nesse sentido, é mister transcrever o que já declarava TEIXEIRA: Com relação às línguas, sabe-se hoje que quando elas deixam de ser faladas pelas crianças como primeira língua é um pouco como os animais e as plantas que perdem sua capacidade de reprodução. Para evitar esse processo de perda que, sem dúvida, é um processo de empobrecimento (científico, biológico, cultural e social), é preciso uma política educacional que efetivamente reconheça a diversidade, em todos os campos, não como um problema, mas como um enriquecimento. É preciso uma política educacional que reconheça que é no conjunto das diferenças que encontramos nossa própria identidade. 7 A princípio parece-nos que estamos diante de uma problemática: língua portuguesa versus língua materna; no entanto não é objeto de nosso trabalho analisar até que ponto uma língua influencia na outra. Ou mesmo, se uma serve de empecilho a outra. Nesse estudo levamos em consideração o fato de que maior parte dos acadêmicos compreende muito pouco seu idioma materno e também possui grandes dificuldades com a língua portuguesa, dificuldades essas encontradas em todos os níveis sociais. Sendo assim, a partir disso podemos concluir que, mesmo eles deixando de lado seu idioma materno por quaisquer que sejam as razões e tentando ao máximo dominar a língua portuguesa, ainda assim encontraram grandes dificuldades quando chegam à universidade. 7 (TEIXEIRA, 1995, p.310). 5

A LÍNGUA PORTUGUESA E A SOCIOLINGUÍSTICA A universidade é o local que possibilita o diálogo com os diversos segmentos sociais, em se tratando dos acadêmicos indígenas onde cada um teve sua origem em determinada aldeia, em uma determinada localidade específica e com uma língua materna própria; o domínio com que cada um tem da língua portuguesa varia muito, isto porque mesmo as razões sendo semelhantes, o desenvolvimento de sua língua teve influência peculiar de cada meio social. Por isso, mesmo que o desenvolvimento de uma língua seja considerada natural é inevitável que ela sofra influências, sejam elas consideradas negativas ou positivas. É por isso que toda a nossa pesquisa teve por base uma pesquisa sociolinguística, que nada mais é a ciência que estuda a língua levando-se em conta sua estreita ligação com o meio social onde se origina. Para se situar melhor, em nossa pesquisa procuramos verificar se os conhecimentos ou alguns termos técnicos próprios de seu curso, eles costumam usar em seu dia-a-dia, ou até mesmo em rodas de amigos, momentos de lazer e em sua casa com seus familiares. O resultado foi unânime que não e isso não é próprio do indígena, qualquer ser humano utiliza sua fala de acordo com o meio social em que se encontra. E é certo que em rodas de amigos, momentos de lazer etc, não é local ideal de se usar a linguagem técnica adquirida na universidade. Isto posto, podemos concluir que a universidade é o lugar ideal de se propor intercâmbio entre duas línguas. É claro que o acadêmico indígena merece uma atenção especial, mas acima de tudo essa atenção especial deve valorizar a sua língua materna, pois é possível perfeitamente assimilar a língua portuguesa sem, contudo, deixar de lado seu idioma. 6

QUESTÃO PEDAGÓGICA FRENTE AO BILINGUÍSMO Em nossa pesquisa não deixamos de lado a questão pedagógica. Por isso, desde o inicio da pesquisa já perguntávamos: como os docentes podem ajudar os indígenas na inserção de fato na universidade e no uso consciente do idioma português? E percebemos em nossa entrevista que quando o acadêmico indígena tem dúvidas ou encontra dificuldades com a escrita, com leitura ou outro assunto próprio de seu curso. As respostas foram variadas, porém ficou claro um dado: pedir auxílio do professor, em nenhum dos casos foi elencado como primeira opção. Isto demonstra, pela pesquisa, o distanciamento de determinados docentes com o acadêmico. A respeito desse distanciamento do docente, podemos dizer em uma visão bem genérica que também não é só o indígena que deixa de buscar auxílio junto ao professor, a maior parte dos universitários que não são índios também não buscam esse apoio pedagógico. Talvez isto se deva ao fato de estarmos na universidade ou algum outro fator que não nos coube pesquisar. Por ora, há que se considerar que o acadêmico indígena tendo toda sua formação escolar dentro de sua comunidade e chegando a universidade se depara com todo o universo diferente, pessoas diferentes e com valores culturais diferentes do seu, tudo isso corrobora para que o indígena se feche ainda mais em suas dificuldades, mesmo por que há de se constatar que dentro das salas de aula existe um fenômeno que o linguista Marcos Bagno denomina de preconceito lingüístico. críticas, in verbis: Em sua obra BAGNO 8, transcreve um trecho de Darcy Ribeiro, e faz duras... os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos. (Folha de São Paulo, 05/02/1995) 8 BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. Ed Loyola, 2006: SP. 7

Crítica: Esse mito é muito prejudicial à educação porque, ao não conhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a Escola tenta impor sua norma lingüística como se ela fosse de fato, a língua comum a todos os milhões de brasileiro, independente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolaridade, etc. Como a educação ainda é privilegio de muita pouca gente nesse pais, uma quantidade gigantesca de brasileiros permanece à margem do domínio de uma norma culta. E conclui ainda o autor: Como nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não corresponde à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos que o português é uma língua difícil, porque temos que decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós. No dia em que nosso ensino de português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil é bem provável que ninguém mais continue achando difícil. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, não há que se prolongar tentando mostrar aquilo que de fato deve ser reconhecido, ou seja, a diversidade está materializada nas salas de aula de nível superior e diante disso a instituição não pode tapar seus olhos e não enxergar. Ela deve se atentar para as especificações daqueles que no momento são alvos de políticas de ações afirmativas, e ao mesmo tempo em que lhes possibilitem o acesso ao ensino superior, também possam dar subsídios para que os mesmos permaneçam e se desenvolvam na universidade. Isto posto, podemos concluir esse texto transcrevendo o art. 7º da Declaração Universal sobre a diversidade cultural, senão vejamos: Artigo 7 O patrimônio cultural, fonte da criatividade 8

Toda criação tem suas origens nas tradições culturais, porém se desenvolve plenamente em contato com outras. Essa é a razão pela qual o patrimônio, em todas suas formas, deve ser preservado, valorizado e transmitido às gerações futuras como testemunho da experiência e das aspirações humanas, a fim de nutrir a criatividade em toda sua diversidade e estabelecer um verdadeiro diálogo entre as culturas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHMAN, Lyle F. Communicative language ability. In:. Fundamental considerations in language testing. Oxford: Oxford University Press, 1990. Tradução de Niura Maria Fontana e revisão de Isabel Maria Paese Pressanto, professoras do Departamento de Letras da Universidade de Caxias do Sul. Publicação autorizada pelo Autor e pela Editora. BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. Ed Loyola, 2006: SP. CARVALHO, Marlene & SILVA, Maurício. Como ensinar a ler a quem já sabe ler. In: Ciência Hoje. V. 20, nº 19, abril/1996, p.p. 68-72. CHIAPPINI, Lígia (Coord. Geral). Aprender e ensinar com textos. São Paulo, Cortez, 1997. 3 v. COLL, César. Significado e sentido na aprendizagem escolar. Reflexões em torno do conceito de aprendizagem significativa. In: Aprendizagem e construção do pensamento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994. COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo, Martins Fontes, 1991. COURA SOBRINHO & SILVA. Considerações básicas sobre pesquisa em sala de aula. In: Revista de estudos da linguagem. Belo Horizonte, v.7, nº 1, p. 51-58, jan./jun. 1998. FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. São Paulo, Contexto/Edusp, 1990. FERREIRA, Franchys Marizethe N. S. e SOUZA, Claudete Cameschi. Educação Escolar Indígena: Língua Materna X Língua Portuguesa. Anais do II Seminário povos Indígenas e Sustentabilidade, UCDB: 2006. LADEIRA, Maria Elisa. O Uso da Língua Terena Segundo uma Análise Macro Sociolingüística. ANPOCS/1999. 9