A IMPORTÂNCIA DOS ACERVOS ESCOLARES NO CAMPO DA PESQUISA, ESPAÇO E MEMÓRIA Suele França Costa, Nara Rubia Martins, Carlos Eduardo de Quadro, Juliana Eliza Viana, Douglas Almeida Silva, Rafael de Paula Silva, Michelle Ferreira Auciello, Profª. Drª. Valéria Zanetti, Profª. Drª. Maria Aparecida Papali Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos IP&D/Univap historia@univap.br Resumo: Os documentos que compõe os acervos das instituições de ensino não devem ser compreendidos apenas por seu caráter burocrático. Além da função administrativa, o corpus documental gerado ao longo dos anos nas escolas possui uma gama de possibilidades de estudo sobre a História da Educação ou mesmo sobre o cotidiano escolar. Para o presente artigo foram analisados diversos documentos escolares do acervo da Escola Estadual Olimpio Catão, localizada na cidade de São José dos Campos. Este acervo foi organizado pelos alunos de iniciação científica do Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos IP&D/Univap, em parceria com a Profª. Zuleika Stefânia Sabino Roque que idealizou este projeto. Os documentos, encontrados sujos e mal alocados, foram higienizados e organizados em um arquivo localizado na própria instituição de ensino. Foram encontrados diversos documentos que contam a história e o cotidiano escolar, como livros de ponto e matrícula, mapas de movimento, diários de classe, documentos oficiais e álbuns de fotos. Este trabalho também é respaldado por uma bibliografia básica sobre História da educação e cotidiano escolar e a importância e utilização de fontes documentais. O objetivo desta comunicação é apresentar os resultados a revitalização do acervo escolar realizado na E. E. Olimpio Catão, atrelando a esse projeto a importância de se conservar e disponibilizar esses documentos e utilizá-los para a pesquisa e para o ensino de História. Palavras-chave: Acervos Escolares, História da Educação, Cotidiano Escolar, Pesquisa. Introdução: Principal fonte de informação sobre o cotidiano da cidade, o corpus documental das escolas não se limita aos muros das instituições de ensino, mas integra também a dinâmica social ao seu entorno. As escolas não podem ser compreendidas como instituições isoladas, pois dialogam e se articulam com a cidade e os sujeitos sociais que a compõe. Entende-se a instituição escolar como um ambiente onde a materialidade histórica desses sujeitos se reflete: O historiador, empenhado em resgatar o passado, não se sossega enquanto não conseguir decifrar as lembranças que, entrelaçadas, desnudam um viver muito
2 particular de tempos que só quem os viveu consegue dar a dimensão da sua importância. Entretanto, ao mesmo tempo pessoas imbuídas na preservação sabem da importância histórica das fontes originais de época, o estado deplorável de alguns acervos nas escolas nos impulsiona a buscar recursos o mais rápido possível, para que possamos salvaguardar parte do que ainda resta de tão rico acervo, inadequadamente denominado arquivo morto e considerado um espaço que aloja um punhado de papéis velhos sem utilidade (ZANETTI; PAPALI & ROQUE, 2009, p. 4). Esses mesmos sujeitos que transitam e se comunicam com o ambiente escolar, também são influenciados por padrões de comportamento que as instituições de ensino adotam e que, na maioria dos casos, condizem com os projetos políticos, sejam locais ou nacionais, e que muitas vezes destoam das práticas sociais do cotidiano daquela comunidade (ou cidade). O trabalho realizado pelo Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos na revitalização do arquivo escolar da E. E. Olimpio Catão em parceria com a idealizadora deste projeto, a profª. Zuleika Stefânia Sabino Roque, teve como principal objetivo preservar e disponibilizar a documentação existente nessa escola, pois foi o primeiro grupo escolar de São José dos Campos, fundado em 1896 1 (ROQUE & FRAGA, 2000, p. 77-78). Metodologia: A metodologia empregada para a execução desse projeto baseou-se em procedimentos básicos de limpeza, organização e catalogação da documentação que compunha o acervo escolar da E. E. Olimpio Catão. Os documentos também foram digitalizados a fim de comporem um acervo digital para consulta, facilitando o acesso ao acervo e colaborando para a preservação das fontes escritas e iconográficas que se encontravam em mau estado e suscetíveis ao desgaste pelo constante manuseio. A partir da utilização dos acervos escolares como fonte primária de um objeto de pesquisa, é possível fazer uma série de discussões, uma vez que os documentos produzidos pelas instituições de ensino dialogam com a sociedade e reproduzem sua materialidade histórica. 1 Informações disponíveis também no site do Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos: Linhas de Pesquisa: História da Escola e da Educação em São José dos Campos.
3 Fig. 1: Acervo Escolar E. E. Olimpio Catão (após revitalização), 2008. Fonte: Acervo Iconográfico, Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos IP&D/Univap. Discussão e Resultados: Pensar nas instituições de ensino como isoladas do meio social ao qual pertencem é ignorar historicamente as relações sociais, políticas e econômicas que imbricam a dinâmica entre as escolas e a sociedade. Segundo a historiadora Nadia Gaiofatto Gonçalves, que trabalhou questões relacionadas ao espaço escolar e os documentos produzidos pelas instituições de ensino como espaço de memória e campo para a pesquisa: Documentos oficiais, como atas ou relatórios, por exemplo (...) registram e constituem a cultura material escolar, específica daquela instituição (...) são testemunhos da vida institucional, da sua cultura e memória, com as particularidades da escola que os produziu (GONÇALVES, 2006, p. 3). Essas influências permanecem mesmo que implícitas, registradas nos documentos encontrados nos acervos escolares. Dessa maneira, a acomodação adequada desses documentos em arquivos nas próprias instituições de ensino as quais pertencem, sua disponibilização ao pesquisador, a própria manutenção da memória da cidade nos documentos escolares, remete à possibilidade de conservação não apenas do corpus documental, mas também da memória e do cotidiano dos sujeitos históricos que, direta ou indiretamente,
4 influenciaram e contribuíram para a produção desses acervos documentais nas escolas: Facilitar seu acesso é importante, pois revelam o cotidiano e a história dessas escolas, ao mesmo tempo em que representa o autoreconhecimento da comunidade enquanto atuante na história e memória (ZANETTI; PAPALI & ROQUE, 2009, p. 1). A escola é, antes de tudo, um espaço onde políticas públicas e projetos governamentais, inseridos no sistema educacional, são postos em prática na sociedade por meio de padrões carregados de conceitos ideológicos. Portanto, podemos compreender a escola como instituição que, longe de ser neutra, revela localmente projetos e processos de caráter mais amplo, constituintes da sociedade que a abriga. Os documentos produzidos nas instituições de ensino estão inseridos em um contexto ideológico, político e social da época, cujas fontes encontram-se, nas entrelinhas, permeados desses conceitos. É possível, portanto, analisar por meio do cotidiano e do espaço escolar, estudos mais amplos sobre processos históricos sociais. Segundo Le Goff: O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio (1990, p. 472). Embora o ambiente escolar esteja permeado e constantemente transformado pela comunidade em que a instituição está inserida, sua dinâmica social é peculiar. De fato, a articulação da comunidade escolar e de seu espaço se desenvolve de um modo próprio, cuja complexidade se alinha com padrões ideológicos, projetos governamentais, contextos econômicos e econômicos e com as transformações culturais e sociais da comunidade na instituição de ensino: As instituições escolares têm-se vindo a afirmar como microcosmos, com formas e modos específicos de organização e funcionamento. As escolas são estruturas complexas, universos específicos, onde se condensam muitas das características e contradições do sistema educativo. Simultaneamente, apresentam uma identidade própria, carregada de historicidade, sendo possível construir, sistematizar e reescrever o itinerário de vida de uma instituição (e das pessoas a ela ligadas), na sua multidimensionalidade, assumindo o seu arquivo um papel fundamental construção dessa memória escolar e da sua identidade histórica (MOGARRO, 2005, p. 104-105). Foram analisados diversos documentos disponíveis no acervo da E. E. Olimpio Catão, como atas de reuniões do corpo docente, jornais produzidos nas escolas, livros de ponto de
5 funcionários, livros de matrículas, folhas de pagamento, prontuários de alunos e professores e o acervo fotográfico. Um exemplo da permanência da sociedade no ambiente escolar é o jornal A Formiguinha, que reproduz o discurso e insere em ambiente escolar o projeto governamental e a ideologia patriota da Ditadura Militar: Êste é o primeiro número de A Formiguinha, cujo nome foi escolhido por votação pelos alunos, numa bela demonstração de entusiasmo cívico e que hoje, apresentamos a eles, às professôras e senhores pais, que se interessam por assuntos escolares (Acervo E. E. Olimpio Catão, Jornal A Formiguinha, nº 1, 1971. Grifo nosso). Fig. 2: Jornal A Formiguinha, nº 1, 1971. Fonte: Acervo, E. E. Olimpio Catão. O arquivo da Escola Estadual Olimpio Catão também dispõe de um rico acervo iconográfico, com diversas fotos do cotidiano escolar e importantes eventos. Entre a documentação fotográfica disponível há uma imagem do primeiro imóvel que sediou o Grupo Escolar Olimpio Catão em 1896, entre outras imagens datadas a partir de 1929.
6 Fig. 3: Turma masculina de 1933. Fonte: Acervo Iconográfico, E. E. Olimpio Catão. Ao analisar o acervo iconográfico, é possível verificar que o principal elemento que difere os alunos mais pobres daqueles com mais recursos é o calçado: enquanto os alunos com recursos freqüentavam o grupo escolar com sapatos, aqueles com baixa condição financeira utilizavam sandálias ou mesmo frequentavam as escolas descalços. Outro fato interessante que abre diversas possibilidades de pesquisa é a uniformização dos alunos, independente de sua condição social. Na imagem seguinte, datada de 1935, verifica-se novamente o convívio entre alunos de famílias mais abastadas e famílias pobres no mesmo ambiente, com o calçado como principal elemento diferenciador do status social no grupo. Um exemplo dessa análise encontra-se na Fig. 4, em relação, particularmente, às duas primeiras alunas da primeira fileira, a contar da esquerda para a direita: a primeira encontra-se descalça e sem maiores detalhes na roupa, enquanto a aluna ao seu lado está calçada com sapatos e meias e sua roupa é de uma qualidade aparentemente melhor:
7 Fig. 4: Alunos e alunas do Grupo Escolar Olimpio Catão, 1935. Fonte: Acervo Iconográfico, E. E. Olimpio Catão. O cotidiano escolar também é representado nas fontes fotográficas, passíveis de análises e estudos sobre a comunidade que dinamiza o espaço escolar e seu entorno: Fig. 5: Horário de troca de turmas, 1957. Fonte: Acervo Iconográfico, E. E. Olimpio Catão.
8 Considerações Finais: Uma vez organizado o corpus documental da instituição de ensino, promovendo sua democratização, foi possível incentivar diversos estudos relacionados à linha de pesquisa sobre a História da Educação e Cotidiano Escolar, entre outras pesquisas cujo acervo da E. E. Olimpio Catão foi utilizado: Para a comunidade acadêmica, o acesso a essa documentação viabiliza novos campos de pesquisas, no sentido de compreender os processos históricos da cidade, assim como suas sociabilidades, lutas e memórias, reveladas por meio do ambiente escolar (MARTINS et. al, 2009, p. 1). Pormenorizar os documentos das instituições de ensino e entender sua importância apenas no campo da pesquisa do cotidiano escolar, entre os muros da instituição, é cometer o erro de relativizar a importância documental desses acervos, ignorando o caráter mais amplo que o documento escolar pode mostrar ao historiador. O projeto também contou com o apoio da comunidade escolar. Algumas ex professoras auxiliaram a equipe na identificação das fotos (ano e turma). Esse contato também favoreceu o campo da pesquisa utilizando a História Oral como fonte, pois essas mesmas ex professoras concederam entrevistas e reviveram suas memórias relativas ao período em que lecionaram na E. E. Olimpio Catão. De fato, um dos principais fatores que levam os acervos escolares a serem um relevante contingente documental é a possibilidade de criarem diversas linhas de pesquisas. É possível, a partir do estudo desses documentos, constituírem uma análise e compreensão da dinâmica social atrelada ao cotidiano escolar. Referências: GONÇALVES, Nadia Gaiofatto. A Escola e o Arquivo Escolar: Discutindo possibilidades de interlocução entre atividades de ensino, pesquisa e extensão. Anais do IV Congresso Brasileiro de História da Educação: A educação e seus Sujeitos na História. Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 05 a 08 de novembro de 2006. Disponível em http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuaiscoautorais/eixo07/nadia%20gaioa tto%20goncalves%20-%20texto.pdf. Acesso em 27 de março de 2011. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990, p. 462 476.
9 MARTINS, Nara Rubia et. al. Memória e Escola: O acervo do 1º Grupo Escolar Olímpio Catão de São José dos Campos. Disponível em http://www.camarasjc.sp.gov.br/promemoria/. Acesso em 30 de maio de 2011. MOGARRO, M. J. Os arquivos escolares nas instituições educativas portuguesas. Preservar a informação, construir a memória. Proposições. V. 16, n. 1 (46), jan./abr. 2005. ROQUE, Zuleika Stefânia Sabino; FRAGA, Estefânia K. Canguçu. As Escolas de Antes da Escola: a gênese da escola (re)(publica) na em São José dos Campos (1889-1896). In: ZANETTI, Valéria (org.). Os Campos da Cidade: São José Revisitada. São Paulo: Intergraf, 2000. SITE NÚCLEO DE PESQUISA PRÓ-MEMÓRIA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Linhas de Pesquisa. História da Escola e da Educação em São José dos Campos. Disponível em http://www.camarasjc.sp.gov.br/promemoria/. ZANETTI, Valéria; PAPALI, Maria Aparecida; ROQUE, Zuleika Stefânia Sabina. Projeto Escola, Lugar de Memória: São José dos Campos / SP. Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos, 2009. Fontes Primárias: Acervo Escola Estadual Olimpio Catão: Jornal A Formiguinha, nº 1, São José dos Campos, 1971. Acervo Iconográfico.