O CONAR e o apelo sexual nas propagandas de cerveja: O que acontece de fato? 1. Elaine de Melo SOUZA 2. Esaú Viana dos SANTOS 3



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Transcrição:

O CONAR e o apelo sexual nas propagandas de cerveja: O que acontece de fato? 1 Elaine de Melo SOUZA 2 Esaú Viana dos SANTOS 3 Joverane Silva Lopes LYRA 4 Lívia da Silva MOTA 5 Raquel Marques Carrico FERREIRA 6 Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a posição do CONAR sobre os casos de campanhas publicitárias que utilizam do apelo sexual como conceito criativo, bem como compreender o que impulsiona as marcas de cerveja na escolha por esse tipo de estratégia de comunicação. Como metodologia se utilizou do estudo de caso e da revisão bibliográfica para fundamentar e conceituar os termos que englobam o universo aqui estudado. Como objeto de estudo foram utilizados cinco casos que foram julgados pelo órgão no período de 2010 a 2012. Por fim, se observou que existem brechas no julgamento do CONAR, uma vez que os profissionais que julgam os casos muitas vezes não conseguem evitar a compreensão a partir do olhar criativo conceitual, assim esquecendo um pouco a visão enquanto consumidores. PALAVRAS-CHAVE: Publicidade e Propaganda; Apelo sexual; Cerveja; CONAR. INTRODUÇÃO 1 Trabalho apresentado no IJ 2 Publicidade e Propaganda do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 15 a 17 de maio de 2014. 2 Estudante de Graduação 6º. Semestre do curso de Publicidade e Propaganda UFS. 3 Estudante de Graduação 6º. Semestre do curso de Publicidade e Propaganda UFS, email: esau.viana@yahoo.com 4 Estudante de Graduação 8º. Semestre do curso de Publicidade e Propaganda UFS. 5 Estudante de Graduação 6º. Semestre do curso de Publicidade e Propaganda UFS. 6 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Publicidade e Propaganda da UFS, email: raquelcarrico@gmail.com 1

O presente artigo tem como objetivo analisar a posição do CONAR (Conselho de autoregulamentação publicitária) sobre os casos de apelo sexual abusivo nas campanhas de cerveja, a fim de compreender os motivos que levam os anunciantes e agências de publicidade a utilizarem esse tipo de estratégia em sua comunicação. Para tanto utilizou-se da metodologia baseada no estudo de caso, ou seja, da análise de casos reais, e também da revisão bibliográfica para fundamentar e conceituar os termos de maior visibilidade ao decorrer do trabalho, tais como publicidade, sensualidade e ética. Desse modo, foram analisados X casos julgados pelo CONAR compreendidos entre 2010 e 2012 de algumas da principais marcas de cerveja do país, portanto vale ressaltar que a escolha das marcas está relacionada não só pela posição que estas ocupam no mercado, como também pela quantidade de denúncias recebidas por consumidores e concorrentes frente ao órgão. Como estrutura principal o texto se projeta entre apresentação e conceituação dos termos que englobam o universo observado, seguido da descrição dos casos julgados pelo CONAR e por seguinte, as considerações acerca do posicionamento do órgão quanto aos julgamentos analisados. Bigal citado por Castro 2010 discorre sobre os conceitos de publicidade e propaganda levando em consideração o que cada uma delas pretende enquanto objeto de divulgação, sendo a publicidade direcionada a divulgação de produtos, marcas e serviços, assim objetivando gerar lucros. Ao tempo em que a propaganda objetiva gerar adesões. Tendo em vista que há inúmeras definições e conceitos que abarcam os termos publicidade e propaganda, este trabalho se utilizará de ambos os termos como sinônimos para discorrer sobre o tema proposto de forma mais fidedigna, uma vez que no Brasil suas aplicações estão diretamente relacionadas a geração de lucros e persuasão quanto ao consumo de produtos. PUBLICIDADE X APELO SEXUAL X ÉTICA 2

O mercado publicitário é um dos que mais movimentam a economia em vários países ao redor do planeta, no Brasil isso não é diferente. Segundo especialistas da Zenith Optimedia, o país movimentará US$ 23,9 bilhões no ano de 2015, se tornando o 5º maior mercado publicitário do mundo. Portanto, é fácil entender que dada tamanha importância desse setor para o país, há uma demanda de conflitos que envolvem o seu desenvolvimento e prática, entre eles estão os conflitos éticos. Sánchez Vázquez 2002 conceitua ética numa visão teórica aplicada ao comportamento humano, em que estuda a moral dos homens em sociedade. Desse modo, é possível entender ética como uma teoria que não cria regras e normas, mas que analisa o modo como a sociedade funciona no que compete ao comportamento dos indivíduos inseridos nela. Nesse sentido, é notório que existem limites éticos que norteiam o campo da publicidade, uma vez que esta é ferramenta do homem e lida diretamente com o comportamento deste em sociedade, na maioria das vezes moldando esse comportamento com fins específicos. Portanto, é justificável a preocupação em compreender os impactos da publicidade sobre a sociedade enquanto influenciadora e modificadora do comportamento humano. Para regulamentar o conteúdo das campanhas publicitárias e coibir a disseminação de peças que perturbam e ferem valores humanos, surge em 1980 o CONAR (Conselho de Autorregulamentação Publicitária). O CONAR é uma ONG (Organização Não-Governamental) que controla a veiculação das propagandas brasileiras. Ele recebe as denúncias, tanto de consumidores como de anunciantes, e as julga de acordo com o seu código de leis. O CONAR não exerce censura, pois só atua mediante as propagandas já veiculadas nos meios de comunicação. (CASTRO, 2010, p.2). O CONAR é dividido em anexos que fazem disposições sobre vários aspectos onde a publicidade se insere, estas disposições são em sua maioria condições necessárias para que as campanhas não inflijam ou destoem dos princípios éticos da publicidade. O anexo P é o nosso foco neste artigo, uma vez que este traz disposições acerca das cervejas e vinhos. Entre outras disposições estão a proibição do uso de apelo à sensualidade, assim como a utilização de modelos como objeto sexual. Muito embora o órgão seja muito respeitado pelos anunciantes e agências de propaganda, é evidente que muitos destes 3

ainda tentam burlar as disposições existentes nesse anexo. Desse modo, este trabalho se constrói justamente sobre essa perspectiva. No Brasil, há muito tempo as campanhas de grandes marcas de cerveja utilizam a figura feminina como elemento persuasivo, o que de certo modo faz sentido uma vez que seu público-alvo é em sua grande maioria composto por homens. [...] pode-se afirmar que há uma relação antagônica entre o consumidor e o sexo do modelo veiculado na propaganda, ou seja, a mulher responde mais favoravelmente do que o homem ao anúncio veiculando modelo do sexo masculino e vice-versa. Entretanto, não se pode afirmar com exatidão relações positivas ou negativas ante as atitudes e a intenção de compra e quais os níveis de nudez mais eficazes para os consumidores. (PETROLL e ROSSI, 2008, p.6). Porém, ao longo do tempo essa estratégia tem sido rechaçada pelo público feminino, pois as associações feitas nas campanhas exploravam cada vez mais o corpo feminino para vender o produto, o que incomodou e associou diretamente as mulheres como objetos, assim, chamando a atenção não só do CONAR, como também dos grupos de proteção ao público atingido. Ao longo da história da publicidade a mulher tem sido associada aos mais diversos produtos, mesmo que estes não lhes sejam destinado, como é o caso dos produtos para homens. Nestas situações, a mulher acaba por ser ela própria um produto, um objeto, já que emerge nas mais diversas poses, funcionando como um elemento altamente persuasivo. (VERÍSSIMO, 2005, p.7) É fundamental enfatizar que o problema não está na utilização da mulher para persuadir o público masculino, mas sim no modo como a mulher é evidenciada nas campanhas publicitárias de cerveja, quase sempre seminuas e em situações com apelo sexual muito exacerbado, o que as transforma também em produto de consumo a venda. Se tudo tem um limite, qual o limite para o uso do apelo sexual nas campanhas de cervejas no Brasil? Ora, se a publicidade reflete a sociedade nos seus vários aspectos, sem nunca a eles se antecipar, se se dirige massivamente a uma população, é impensável a exibição de algumas matérias, quando a sua aceitação não está socialmente consolidada. Logo, é necessário que a nudez se banalize na sociedade para que a publicidade timidamente a reproduza. (VERÍSSIMO, 2005, p.2). 4

A explanação do autor possibilita uma reflexão sobre o contexto social ao qual a publicidade se insere atualmente, onde é cada vez mais comum o apelo sexual nos meios de comunicação de massa, não só pela representatividade e influência da publicidade nestes, mas também nos formatos consolidados como no caso dos programas de auditório na TV, com suas dançarinas seminuas e as telenovelas com cenas cada dia mais picantes. Sem mencionar outros aspectos como a música, fotografia de moda e cinema que também exploram bastante essa estratégia. É evidente que esta não é uma justificativa coerente quando o assunto é o abuso desse método de persuasão em campanhas massivas de comunicação das gigantes redes de cerveja, porém, evidencia como as coisas se relacionam e progridem num mesmo espaço de tempo. Em seguida serão analisados alguns casos julgados pelo CONAR para então possibilitar o entendimento que de fato acontece quando uma empresa ou agência abusa no uso do apelo sexual. CASES JULGADOS PELO CONAR 1 - BEM GELADA, BEM LOURA, BEM DEVASSA - 2010 5

O uso de uma personalidade para comunicar suas características foi à estratégia que a Devassa optou para o lançamento nacional da sua marca em 2010. Ao escolher Paris Hilton, a socialite americana conhecida pelo seu comportamento irresponsável, hedônico, infrator e inesperado, a Devassa incorporou essas peculiaridades. A modelo Paris Hilton na campanha usa um micro-vestido preto acentuando o contorno de seu corpo, aumentando a sensualidade, sendo reforçado pela ação do som de uma música de striptease durante todo o comercial. O resultado da campanha Devassa Bem Loura com a modelo Paris Hilton repercutiu com a entrada de três processos abertos no CONAR Conselho Nacional de Autoregulação Publicitária, a partir de reclamações de vários consumidores, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e da Cervejaria Petrópolis. Todas se insurgem contra o apelo à sensualidade, sexismo, desrespeito à figura da mulher e também apelo excessivo de consumo. Um dos processos abrange ainda a apresentação de frase de advertência fora dos padrões recomendados em anúncio de jornal. O anunciante e sua agência enviaram defesa ao CONAR em que ponderam que não há na campanha desrespeito à figura da mulher, tampouco apelo excessivo à sensualidade ou ao consumo da cerveja. Para a Primo Schincariol e a Mood, a ênfase da campanha se dá mais no fotógrafo e nas pessoas que passam pela rua e menos na modelo. A campanha informa as denunciadas, foi inspirada no filme "Uma Janela Indiscreta", apresentando uma celebridade misteriosa, objeto da curiosidade de um paparazzo. No entanto, o conselho deliberativo do órgão julgou que o teaser da campanha denominada "Cerveja Devassa - Bem gelada. Bem loura, Bem devassa", deve ser sustado. Os filmes de 30 e 60 segundos e os anúncios em revista, jornal e internet da mesma ação devem ser alterados. Para o spot, foi recomendado arquivamento, por unanimidade. Apesar da proibição do CONAR, as vendas aumentaram e a campanha Devassa Bem Loura atingiu 75% de recall, sendo mensurado o desenvolvimento um ano após o lançamento reforçado por outro estudo da TNS (TNS Research International, a maior empresa de pesquisa customizada do mundo, presente em mais de 75 países), entre 6

dezembro de 2010 e janeiro de 2011, onde os resultados apresentaram a forte lembrança da marca entre os consumidores. O desempenho é traduzido nas vendas. Presente em mais de 30 mil pontos de venda, o lançamento para cá, Devassa Bem Loura cresceu 300% no Rio e 125% em São Paulo. O aumento também acompanha a estratégia gradativa da expansão. Desde dezembro na Bahia, Devassa Bem Loura já é a quarta marca de cerveja na região. 2 - SKOL GAROTA DO TEMPO O JEITO REDONDO DE VER O CLIMA - 2010 Em setembro do mesmo ano o CONAR por iniciativa própria denuncia a Campanha SKOL - Garota do Tempo O Jeito Redondo de Ver o Clima, anunciada pela AmBev em internet e revista, alegando que a mensagem é irregular por apresentar reprovável apelo sexual, reduzindo a mulher a objeto. Refere-se, em especial, ao fato de a "garota do tempo" fazer striptease, ficando apenas de biquíni e exibindo a garrafa de cerveja. Ademais, a cláusula de advertência está fora dos padrões propostos pelo Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária. 7

A AmBev em defesa alegou que o anúncio questionado e o ensaio sensual veiculado na revista Trip fazem parte de um projeto inovador do anunciante, que, em parceria com o Climatempo, passou a disponibilizar um aplicativo de acesso à previsão do tempo em mais de 5 mil cidades. Assim, o usuário cadastrado no site recebe as informações e, para cada ocasião, a "garota do tempo" aparece vestida "adequadamente". Neste contexto, a garota só aparece de biquíni nas cenas condizentes com o clima quente. Em primeira instância, o relator ponderou que, em relação à denúncia de apelo à sensualidade, a defesa tem razão, uma vez que, em vista do contexto da campanha, não há exagero; as mensagens encontram-se, a seu ver, dentro dos limites éticos e recomendou o arquivamento, já em segunda instância o relator concordou que se trata de uma ideia inovadora e observou que na maioria dos esquetes a "garota do tempo" realmente aparece vestida. Assim, recomendou a alteração do anúncio apenas de internet. Seu voto foi acolhido por unanimidade pela Câmara Especial de Recursos, que acolheu também a recomendação de voto complementar, para que fosse sustada a veiculação do anúncio de revista, em virtude da impossibilidade da sua alteração. 3 - DEVASSA PELO CORPO SE CONHECE A VERDADEIRA NEGRA - 2011 8

Um dos casos mais comentados do ano de 2011, a Brasil Kirin foi alvo de duras críticas após a sua campanha impressa para cerveja Devassa Tropical Dark Pelo corpo se conhece a verdadeira negra ser veiculada. Foram mais de 80 denúncias, chegando algumas a ser de fora do país (Los Angeles). O anúncio trazia, além da frase de mesmo nome da campanha Pelo corpo se conhece a verdadeira negra-, a ilustração de uma mulher negra numa pose sensual. As principais queixas a respeito do anúncio são relacionadas a machismo, sexismo e racismo. Segundo as denúncias, a mulher foi tratada como objeto sexual, tal como se fazia na época da escravidão. Esse é um artifício muito utilizado pela indústria de cerveja, principalmente pela Devassa, que tem como princípio fazer relação da sua bebida com o corpo da mulher, o que, dessa vez, não foi bem interpretado. A Schincariol e a Mood, agência de publicidade responsável pelo anúncio, negaram qualquer relação de racismo ou apelo à sensualidade. Reforçaram ainda o fato de que muitos consumidores chama a cerveja através de características femininas (loura, ruiva), o que justificava o uso da ligação da cerveja com a mulher negra. Por fim, a defesa lembrou a campanha anterior da própria cervejaria com o Slogan Bem loura. O relator da primeira instância, Conselheiro Carlos Rebolo da Silva, reforçou que o problema central do anúncio estava na sua forma de construção, na associação entre o título e a ilustração, que eram, indiscutivelmente, de natureza sensual, fato que é vedado pelo Código. Reforçou, ainda, que o anúncio vulnera os artigos que tratam de respeito à pessoa humana e estímulo à discriminação. Finalmente, o relator fundamentou o seu aval nos artigos 1º, 3º, 6º, 19, 20 e 50, letra "b" do Código e seu Anexo P e propôs a alteração, voto aceito por maioria. O Grupo Schincariol e a Agência Mood tentaram recorrer da decisão, sem sucesso. A relatora do recurso, a conselheira Ana Carolina Pescarmona, concordou com a decisão inicial e reforçou o apelo sexual do anúncio e escreveu, em seu voto, pela manutenção da decisão inicial, que foi acolhido por unanimidade pela Câmara Especial de Recursos. Devido à tamanha repercussão, o Ministério da Justiça abriu processo administrativo contra o anunciante, que poderá ser multada em até 6 milhões de reais. A ação foi motivada por uma representação do Procon no Espírito Santo. A justificativa do processo administrativo foi que o Código de defesa do consumidor também protege os 9

consumidores da publicidade abusiva e que o anúncio da Devassa reforça a discriminação de gêneros e estereótipos racistas. A Brasil Kirin se defendeu negando que a propaganda seja abusiva e alegando que nem mesmo o CONAR recomendou a suspensão da propaganda, mas apenas a alteração da mesma. 4 - CERVEJA DEVASSA- ÁGUA - 2011 Mais uma vez, a Devassa foi alvo de litígio ao CONAR depois de veicular o seu filme para TV, onde, segundo o próprio órgão, abusa da sensualidade, o que é vetado pelo mesmo. O filme mostra uma modelo jovem em trajes provocantes é molhada pela água de uma mangueira, ao mesmo tempo dançando. Além disso, segundo a direção do CONAR, há a possibilidade de dupla interpretação ao associar a mulher ao produto. A Devassa e a agência alegaram rigorismo na denúncia e que o apelo central da campanha não é a sensualidade, mas a piada criativa presente em anúncios de outras cervejas. O relator conselheiro Raul Orfão Filho, baseado nos artigos 1º, 3º, 6º e 50, letra "b" do Código propôs a alteração do filme, que foi aceito por unanimidade. 5 - NOVA SCHIN INVISÍVEIS - 2012 10

O caso foi analisado pela Segunda Câmara em novembro de 2012 pela série de denúncias (mais de mil, sendo em sua maioria mulheres) que havia acumulado. O caso já havia sido representado em julho (nº 062/12) do mesmo ano e o CONAR decidiu por levá-lo a julgamento novamente. A cena do filme ocorre em uma praia onde cinco amigos estão bebendo em um bar enquanto um deles fala: "Já pensou se a gente fosse invisível?", após esta fala todos os rapazes ficam invisíveis e começam a mexer com as mulheres da praia, aproveitando sua condição de invisibilidade. Pelo fato de tirarem biquinis, beliscarem as moças e terem entrado no banheiro feminino sem permissão, a peça foi alvo de queixas por parte das mulheres, alegando que a mesma estaria sendo desrespeitosa à condição feminina e até mesmo estaria fazendo "apologia ao estupro". A fundamentação se deu pelo Artigo 27, nº 1, letra "a" do Rice e o relator do caso, o Conselheiro Carlos Chiesa, defendeu o posicionamento tomado pela Schin e sua agência quando colocaram que a piada seria o principal objetivo da campanha e não a sensualidade, muito menos o desrespeito à mulher. O relator ainda reforça: "A mim, parece claro que as mulheres que aparecem no filme foram surpreendidas com liberdades - excessivas para as condições normais - tomadas por rapazes na condição de invisibilidade". E para justificar a decisão de arquivar o caso pela segunda vez ele ainda comenta que os manifestantes não se atentaram para a ausência 11

de má fé por parte dos produtores do filme e que nem o mais severo juízes interpretaria a lei de forma tão severa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entre os casos acima analisados é possível perceber que o CONAR além de julgar através da perspectiva do consumidor ou denunciante, também usa da percepção dos profissionais de propaganda para tentar perceber o conteúdo da campanha enquanto estratégia de comunicação viável. Logo, muitas vezes a perspectiva do profissional supera o olhar dos denunciantes sobre as campanhas, o que de certa forma abre brechas para eventuais justificativas dos anunciantes e agências de publicidade. O caso 1 Devassa, não teve muito o que justificar, portanto a alteração foi inevitável, mas vale ressaltar que o número de denúncias impulsiona o julgamento a favor dos denunciantes. No caso 2 Skol, já se visualiza a interpretação do relator sobre a perspectiva do profissional, no qual ele permite uma análise sobre a ótica da criação do conceito, ou seja, desconsiderando um pouco a interpretação dos denunciantes, por consequência prevendo a alteração parcial da campanha só no ambiente virtual. O caso 3 Devassa, traz uma situação evidente de abuso no uso do apelo sexual, desse modo não dá espaço para interpretações que compreendam o conceito criativo como justificativa para tal, além de ter um número muito grande de denúncias. O caso 4 também da Devassa, faz novamente uso do apelo sexual e acaba com julgamento do CONAR propondo alteração na campanha. No último caso Nova Schin, é mais notória a abertura para justificativas baseadas na interpretação pela visão profissional, onde o conceito da campanha e a sua piada são consideradas inofensivas, o que leva o caso ao arquivamento. Apresentados e analisados os casos, se torna mais simples a percepção sobre como funciona o CONAR e o porquê das marcas de cerveja insistirem na utilização da mesma estratégia de comunicação até os dias de hoje. Partindo do pressuposto de que o órgão é composto por profissionais de propaganda, é praticamente impossível que o julgamento 12

deles não compreendam o universo criativo conceitual das campanhas e desse modo, possibilite brechas no que convém as proibições e recomendações. Outro fator crucial para as marcas ainda utilizarem esse tipo de estratégia é que o públicoalvo é atingido facilmente, gerando números grandiosos de sucesso das campanhas, mesmo estas muitas vezes sendo retiradas dos meios de comunicação de massa depois do julgamento do CONAR. A cultura do corpo como atração principal da mulher está impregnada no Brasil, e portanto, as agências de publicidade e seus profissionais criativos percebem nesse fato perfeitas oportunidades para seduzir seus targets. Por fim, há de se admitir que o CONAR precisa de um pulso mais firme nos seus julgamentos para efetivamente fazer valer os princípios éticos da publicidade, e por consequência melhorar a imagem dessa atividade profissional diante dos consumidores. REFERÊNCIAS CASTRO, Antonia Isadora Ribeiro. A Publicidade e sua Autorregulamentação. XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste Campina Grande PB 10 a 12 de Junho. PETROLL, Martin de La Matinière; ROSSI, Carlos Alberto Vargas. Apelo sexual na propaganda e seus efeitos sobre o consumidor: um experimento em mídia impressa. Revista de Administação Eletrônica, São Paulo, v.1, n.2, art7, Jul/Dez, 2008. SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. VERÍSSIMO, José Domingos Carapinha. A mulher objecto na publicidade. Universidade do Porto, LIVRO DE ACTAS 4º SOPCOM, 2005. www.conar.org.br último acesso em: 17/02/2014 www.g1.globo.com. Economia, mídia e marketing último acesso em: 17/02/2014 www.mundodomarketing.com.br - último acesso em: 17/02/2014 13