Uma boa prática de enfrentamento do trabalho infanto-juvenil doméstico no Pará

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Transcrição:

Uma boa prática de enfrentamento do trabalho infanto-juvenil doméstico no Pará Dezembro de 2003

Trabalho feito de sonho

Uma boa prática de enfrentamento do trabalho infanto-juvenil doméstico no Pará Trabalho feito de sonho Belém-Pará 2003

Trabalho feito de sonho Uma boa prática de enfrentamento do trabalho infantojuvenil doméstico no Pará Edição e texto Rose Silveira Fotografias e edição de imagens Paula Sampaio Projeto gráfico e editoração eletrônica Hamilton Braga e Soraya Pessoa / Miriti Multimídia (miriti@miriti.com.br) Revisão de texto Hamilton Braga Catalogação Regina Fonseca copyright by Movimento República de Emaús/Centro de Defesa da Criança e do Adolescente - Emaús T758 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Trabalho feito de sonho: uma boa prática de enfrentamento do trabalho infanto-juvenil doméstico no Pará / Cedeca Emaús, Prefeitura Municipal de Belém. Belém : Emaús; [Brasília]: OIT, 2003. ISBN 92-2-815404-7 1. Trabalho infantil - Pará. 2. Crianças - Pará - Condições sociais. I. Movimento República de Emaús (Belém). II. Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Emaús. III. Belém (PA). Prefeitura. IV. Título: Uma Boa prática de enfrentamento do trabalho infanto-juvenil doméstico no Pará. CDD - 330.34098115

Trabalho feito de sonho 8

M Á R I O S U M Á R I O Apresentação 10 Bairro do Bengui 12 Passo a passo 14 Depoimentos 18 Corte especial 1 - páginas 9 e 10 Contatos 24 Trabalho feito de sonho 9

APRESENTAÇÃO O Projeto de Enfrentamento do Trabalho Infanto-Juvenil Doméstico no Pará foi iniciado em 2000, como resultado de reflexões e discussões iniciadas, no ano anterior, por instituições como Save the Children UK, Organização Internacional do Trabalho (OIT), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Fundação Abrinq e Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Emaús (Cedeca Emaús). No Pará, o Cedeca Emaús, em parceria com o Unicef, deu início a ações que visavam mapear a situação de crianças e adolescentes trabalhadoras domésticas. Ainda em 2000, após encontro nacional promovido pela OIT, com a participação de 60 instituições, o Cedeca Emaús assumiu a coordenação do projeto piloto proposto pela organização para implementar um programa de enfrentamento do trabalho infanto-juvenil doméstico no estado do Pará. Trabalho feito de sonho 10

Desde então, o projeto vem se ampliando, ao lado de vários parceiros, tecendo um embricado de ações, em Belém e no interior do estado, que têm como alvo retirar crianças e adolescentes do trabalho precoce, apresentando-lhes parâmetros de cidadania e consciência sobre seus direitos e deveres.a forma como o centro de defesa vem conduzindo a ação tem sido destacada nacionalmente pela OIT, na esfera das iniciativas de instituições não governamentais, pela seriedade e eficiência. Mesmo porque inexiste política pública federal específica para o enfrentamento deste problema social - embora o governo federal tenha ampliado a abrangência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Bolsa Escola, para atender famílias que estejam vivendo nessa situação. Vale lembrar, no entanto, que o trabalho infanto-juvenil doméstico ainda não é listado como uma das piores formas de exploração da mão-de-obra infantil, o que tem sido alvo da iniciativa do Ministério Público do Trabalho para reversão desse quadro. Atualmente, o PETI atende cerca de 800 mil crianças em todo o país, e o Bolsa Escola, 10,7 milhões em 5.740 municípios, segundo dados da OIT. A cooperação entre o Cedeca Emaús e a Prefeitura Municipal de Belém (PMB) forma um viés desses esforços. Surge na perspectiva de definição de uma política pública em âmbito municipal, para atingir o objetivo principal do projeto erradicar o fenômeno em Belém -, ao mesmo tempo incentivando as famílias a buscar alternativas de obtenção de renda, sem recorrer à mão-deobra de seus filhos crianças e adolescentes. A inserção de 90 famílias no Programa Bolsa Familiar para a Educação Bolsa Escola e o oferecimento de cursos de qualificação profissional para adultos e adolescentes A ação do Cedeca Emaús tem sido destacada nacionalmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), na esfera das iniciativas de instituições não governamentais, pela seriedade e eficiência com idade acima de 17 anos foi a política adequada à situação. Reunindo técnicos das duas instituições e representantes de diversos organismos, movimentos e associações comunitárias, o programa de cursos pôde ser realizado no Distrito Administrativo do Bengui, na periferia de Belém, onde foi constatada grande incidência de trabalho doméstico entre meninas. Esta publicação apresenta os resultados da primeira turma do Curso de Qualifica- ção Profissional, realizado em agosto de 2003, com a participação de 68 pessoas. As informações baseiam-se em dados de pesquisa auferida no processo de mobilização inicial e na conclusão do trabalho, além de depoimentos de mulheres que participaram da qualificação e já desenvolviam alguma atividade a partir dos cursos, ou que aguardavam aprovação de seus créditos no Banco do Povo, para dar início a uma atividade produtiva. Os primeiros resultados são indiciais da motivação proporcionada pelas oficinas. Adolescentes, antes trabalhadoras domésticas, voltaram à sala de aula ou passaram a dedicar seu tempo integral aos estudos e a atividades de lazer, cultura e educação. Famílias sem perspectivas de renda passaram a planejar a estruturação de pequenos negócios. Mas há desafios a serem vencidos, sendo o principal a reincidência de uma parcela das famílias em recorrer ao trabalho de suas filhas adolescentes. A reavaliação desses casos, mais do que uma rotina técnica, é um compromisso institucional do Cedeca Emaús, do poder público municipal e de todas instituições que abraçaram o projeto. Um compromisso com a dignidade, a defesa de direitos de crianças e adolescentes e o sonho das famílias que apostaram na ação, afinal, parafraseando William Shakespeare, nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos. APRESENTAÇÃO Corte especial 2 - páginas 11 e 12 Trabalho feito de sonho 11

BAIRRODOBENGUI BENGUI O bairro do Bengui, denominado pelo poder municipal Distrito Administrativo do Bengui DABEN, está situado às margens da Rodovia Augusto Montenegro, na periferia de Belém. Tem suas origens na década de 40 do século passado. O nome procede da junção das primeiras sílabas de Benedito e Guilher- me, filhos de uma família que residia às margens da estrada onde outrora passava a linha do trem que ligava o centro de Belém à antiga Vila Pinheiro (atual distrito de Icoaraci). Uma placa com as inscrições Ben e Gui ficava exposta à entrada da residência, sinalizando para o maquinista a presença dos rapazes. Trabalho feito de sonho 12

O lugar acabou se tornando ponto fixo de parada do trem. A história do crescimento do bairro está intimamente ligada ao processo da expansão urbana desordenada de Belém, com todas peculiaridades que esse fenômeno acarreta: falta de infra-estrutura; alto índice de violência; falta de segurança; precariedade nos serviços de saúde; desemprego ou subemprego; alto índice de trabalhadores no mercado informal; e precariedade do sistema educacional. No que diz respeito à educação, a evasão escolar é um dos grandes desafios a serem corrigidos, concorrendo para o problema a gravidez na adolescência, o envolvimento com drogas e o trabalho infantil. Inexistem espaços públicos para atividades de lazer, sobretudo para crianças e adolescentes. Mas os jovens organizam-se em grupos para atividades relacionadas à cultura e à religião. Na escola Cidade de Emaús, adolescentes são incentivados a participar dos cursos profissionalizantes, como informática, serigrafia e estofamento, e de projetos que incentivam o exercício da cidadania. O processo de migração entre as regiões Norte-Nordeste também se verifica pelo perfil dos moradores do bairro: além de belemenses, há pessoas procedentes dos estados do Maranhão, Ceará e Piauí. Mas é exatamente a precariedade do bairro que tem estimulado a organização da sociedade civil. Existe uma inten- sa mobilização social em torno de temas críticos, como segurança, saúde, educação, moradia, emprego e transporte. Uma das maiores conquistas foi a acessibilidade ao sistema de transporte público. Essa característica do bairro foi um dos itens pontuais para a implementação da etapa atual do Projeto de Enfrentamento do Trabalho Infanto-Juvenil Doméstico. Fonte: Rede de Observatórios de Direitos Humanos, Instituto São Paulo contra a Violência, Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo - Onde estamos, in Relatório da cidadania III: os jovens e os direitos humanos - 2002. São Paulo, 2002, páginas 37 a 39 POR QUE O BENGUI FOI ESCOLHIDO PARA SEDIAR O PROJETO? Presença de crianças e adolescentes no trabalho doméstico; Elevado nível de pobreza, desemprego e subemprego; Sistema de transporte acessível; Organizações governamentais e sociedade civil sensíveis ao projeto. DADOS POPULACIONAIS 67.365 habitantes, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/2000) 58% da população economicamente ativa trabalha na informalidade, segundo dados do GMB (Grupo de Mulheres do Bengui) BAIRRO DO BENGUI Corte especial 3 - páginas 13 e 14 Trabalho feito de sonho 13

PASSOAPASSO A Trabalho feito de sonho 14

1. Reconhecimento do fenômeno O início da cooperação entre Cedeca Emaús e PMB, por meio da Fundação Papa João XXIII/Programa Bolsa Escola, envolveu a sensibilização dos gestores e técnicos do programa em oficina específica, para identificação do fenômeno do trabalho infantil doméstico. A compreensão de como - e em que condições - se instaura este problema social, enraizado na cultura brasileira, como um reflexo da cultura escravista, é o primeiro passo para o seu enfrentamento. A exploração da mão-deobra infantil no âmbito doméstico, de acordo com a OIT, apresenta duas peculiaridades: ocorre no sistema informal da economia; tem um impacto diferente sobre a socialização para o trabalho em relação ao exercido em estabelecimentos empresariais, por não ser resultado de um programa de educação para o trabalho; e não é passível de fiscalização sistemática, por ser realizado em âmbito residencial, expondo o trabalhador a uma série de injustiças, incluindo-se o não pagamento de salário, a excessiva jornada de trabalho ou mesmo casos de abuso sexual e atos de violência. 2. Mobilização Social Todos os procedimentos para implementação das ações do projeto na comunidade - da seleção das famílias e a elaboração do programa de cursos - foram possíveis graças a um processo de mobilização social empreendido pelas equipes técnicas do Cedeca Emaús e da PMB dentro e fora do Bengui. Foram consultadas e ouvidas lideranças de movimentos e associações atuantes ou não no bairro, cujo trabalho possuía afinidade aos objetivos do projeto. O envolvimento da infra-estrutura do poder municipal, como escolas e unidades de saúde, aliado aos espaços cedidos por associações e grupos comunitários, foi fundamental para a realização dos encontros com as famílias envolvidas e execução dos cursos. Trabalho feito de sonho 15 A equipe técnica realizou visitas domiciliares a várias famílias, nas quais havia registro de crianças e adolescentes trabalhando como domésticas. Foram cadastradas 68 famílias, e a pesquisa feita forneceu informações para o processo de seleção e inclusão no Programa Familiar para Educação Bolsa Escola. As famílias selecionadas, em seguida, participaram de encontros com os técnicos, durante os quais puderam refletir sobre a sua condição, conhecer as diretrizes do projeto piloto e votar pelo tipo de atividade a ser oferecida no programa de qualificação profissional. 3 NOVA C PASSO A PASSO Corte especial 3 - páginas 15 e 18

3. Seleção dos participantes Os candidatos aos cursos de qualificação deveriam possuir o seguinte perfil: Ter registro na família de crianças e adolescentes em situação de trabalho doméstico; Possuir idade mínima de 17 anos; Ter vinculação ao Programa Bolsa Familiar para Educação - Bolsa Escola; Ter acompanhamento socioeducativo pelo Cedeca Emaús; Ter disponibilidade de tempo. Perfil socioeconômico dos participantes O grupo de 68 pessoas selecionadas para participação no projeto piloto apresentou o seguinte perfil, detectado em pesquisa realizada pela equipe técnica: Sexo: 89,7% são mulheres Faixa etária: 69% possuem entre 17 e 35 anos Estado civil: 50% são solteiros Número de filhos: 45,5% têm de 1 a 3 filhos Situação escolar: 100% são alfabetizados 42% não completaram o ensino fundamental 73,52% não estudam Situação no mercado de trabalho: 69% encontram-se fora do mercado de trabalho 30,8% trabalham eventualmente Renda mensal: 51,47% não possuem renda mensal 56,47% recebem menos que um salário mínimo Fonte: Prefeitura Municipal de Belém, Fundação Papa João XXIII/Programa Bolsa Escola - Relatório do Curso de Qualificação Profissional, agosto de 2003, Belém - PA Trabalho feito de sonho 16

4. Escolha dos Cursos Os participantes optaram pelos seguintes cursos de qualificação: Cabeleireiro: 28 inscrições Corte e Costura: 26 inscrições Arte Culinária: 14 inscrições 5. Aplicação e Resultados Os cursos foram ministrados em duas etapas (uma teórica, outra prática), norteadas pela realidade e pela experiência de vida dos participantes. O primeiro momento foi marcado por reflexões sobre relações sociais, solidariedade e cooperação. Em seguida, foram oferecidos os cursos de controle financeiro e contábil; comercialização e marketing; noções de cooperativismo e associativismo; e atendimento ao público. A segunda etapa foi dedicada à produção e à apresentação dos resultados. Doces e salgados, peças íntimas, cortes e penteados, aprendidos ao longo de um mês, foram colocados à apreciação do público na Escola Municipal Walter Leite. Associados aos produtos estavam as idéias de como apresentálos e vendê-los. Trabalho feito de sonho 17

DEPOIMENTOS Trabalho feito de sonho 18

As histórias apresentadas a seguir emergem de um micro-universo de famílias envolvidas no Curso de Qualificação Profissional realizado no Distrito Administrativo do Bengui, em agosto de 2003. São experiências de quatro mulheres que conseguiram quebrar o ciclo do trabalho infantil em sua família, quando, motivadas, conseguiram enxergar-se a si próprias, reconhecendo o seu potencial de transformação e superação. Não são todas que conseguem, e o índice médio de reincidência de 30% a 40% no município de Belém - é uma realidade a ser enfrentada. As falas de Márcia, Deuzuita, Olga e Lúcia são tecidas com esperança e coragem. Trabalho feito de sonho 19 DEPOIMENTOS Corte especial 3 - pág 19 a 24

DEPOIMENTOS MÁRCIA DO ESPÍRITO SANTO CASTRO LIMA Márcia do Espírito Santo Castro Lima, 36 anos, casada, mãe de Maria Cristina, 15 anos, e Gabriela, 12 anos. No dia em que completou dez anos de idade, Márcia perdeu o pai. Sem dinheiro para sustentar a família, a mãe dela consentiu que os cinco filhos pequenos fossem trabalhar para ajudar na renda mensal. Márcia foi trabalhar como doméstica; outros irmãos foram para uma serraria e um deles ganhava dinheiro vendendo doce. Minha avó fazia sonho para o meu irmão vender, relembra Márcia. Nenhum deixou de freqüentar a escola, mas era difícil trabalhar e estudar. Dormia na sala de aula de tão cansada. Às vezes passava mal, porque não me alimentava direito, mas ficava calada, porque não podia reclamar com a patroa. Não recebia salário, ganhava mantimentos para a família e roupas que as amigas da patroa não queriam mais. Márcia Não tem comparação a vida que tenho hoje. Agora estudo de manhã e faço estágio à tarde. Faço mobilização de jovens e ministro oficinas sobre o ECA, confecção de cartões, ética e cidadania. Foi um aprendizado sobre todos os meus direitos. Trabalho feito de sonho 20 trabalhou como doméstica até os 22 anos, quando se casou e teve suas filhas. A mais velha, Maria Cristina, trabalhou como babá de três crianças, durante um ano e meio. Aos 12 anos, não tinha tempo para brincar e até parou de estudar. Ganhava R$ 50 mensais. Abordada pela equipe técnica do Cedeca Emaús, deixou de trabalhar e se tornou bolsista do Movimento de Emaús. Em seguida, a família foi inserida no Bolsa Escola. Não tem comparação a vida que tenho hoje. Agora estudo de manhã e faço estágio à tarde. Faço mobilização de jovens e ministro oficinas sobre o ECA, confecção de cartões, ética e cidadania. Foi um aprendizado sobre todos os meus direitos, conta a adolescente, que pretende se formar em jornalismo. Márcia fez o curso de culinária. Sem modéstia nenhuma, garante ser boa cozinheira. E é enfática, ao se referir à renda mensal possibilitada pelas duas bolsas: As coisas mudaram. As coisas: boa alimentação, informação que chega pela TV, aparelho de som para ouvir música e o direito de sonhar. O marido dela, Madson Monteiro, 30 anos, autônomo, almeja ser motorista em uma empresa. A caçula, Gabriela, aluna da Escola Cidade de Emaús e da Escola Circo, equilibrando-se em pernas-de-pau e malabares, deseja estudar Direito.

foto B2 Mãe e filha encontraram um caminho diferente, quando a família passou a ser beneficiada pela Bolsa Escola. A mãe, que utiliza o recurso sobretudo nas despesas de alimentação, prepara-se para o dia em que não for mais beneficiada por ele. Fez o curso de corte e costura, enriquecendo seus conhecimentos de bordado, e quer montar um negócio com duas outras colegas da qualificação. A menina, que estuda a sexta série na Escola Cidade de Emaús e quer ser atriz, pasfoto B2a DEPOIMENTOS MARIA DEUZUITA CONCEIÇÃO Trabalhava seis horas por dia, tomando conta de uma criança, e ganhava R$ 5 por semana, lembra a adolescente Lethiene, filha de Maria Deuzuita. Mãe e filha encontraram um caminho Maria Deuzuita Conceição Silva, 31 anos, casada, mãe de Lethiene, 13 anos, Laiane, 10 anos, e Poliana, 5 anos. A maranhense Deuzuita chegou a Belém há oito anos na esperança de encontrar vida melhor. Trabalhou como diarista, deixando a filha mais velha tomando conta das duas menores. Cada vez que o telefone tocava na casa da minha patroa, eu me assustava, achando que alguma coisa ruim tinha acontecido. Para ficar em casa com as irmãs, Lethiene faltava bastante às aulas, o que chamava a atenção dos professores. Em 2002, Lethiene começou a trabalhar como babá para ter seu próprio dinheiro. Foram seis meses de experiência ruim. Trabalhava seis horas por dia, tomando conta de uma criança, e ganhava R$ 5 por semana, lembra a adolescente. diferente, quando a família passou a ser beneficiada pela Bolsa Escola. sou a freqüentar as oficinas do Cedeca Emaús, onde conheceu seus direitos e deveres e aprendeu também a partilhar esse conhecimento. No segundo semestre de 2003, participou de um encontro nacional de jovens, em Brasília, pela erradicação do trabalho infantojuvenil doméstico. Em seguida, viajou ao Marajó para dividir esse aprendizado com o grupo de jovens protagonistas que o Cedeca Emaús coordena nos municípios de Soure e Salvaterra. Trabalho feito de sonho 21

Olga Ferreira de Aragão Filha, 32 anos, costureira, separada, mãe de Monique, 13 anos, Aline, 8 anos, Pedro, quatro anos, Vitória, dois anos, e Dênis, de menos de um ano. Paraense de Curuçá, Olga veio morar em Belém aos 24 anos, para trabalhar como costureira. Já era mãe de Monique, de seu primeiro casamento. Em Belém, conseguiu um terreno para morar, em uma área de invasão. Construiu a casa de dois cômodos e sonha em dar mais conforto à família. Para isso, não se dobra às dificuldades: põe a pequena máquina de costura debaixo do braço e sai em busca de trabalho. Mas o dinheiro nem sempre foi fre- foto B3 DEPOIMENTOS OLGA FERREIRA ARAGÃO FILHA Olga, que estudou até o segundo ano do segundo grau, tem consciência de que o trabalho atrasou o desenvolvimento da filha. Ela não conhecia quase nada. Não sabia ler quase, relembra. Por isso, quando abordada pelos técnicos do projeto, decidiu aceitar fazer o curso de qualificação. Trabalho feito de sonho 22 qüente. Por isso, Olga acabou cedendo ao convite de uma família de conhecidos seus para que Monique fosse trabalhar como babá. Não ganhava salário, apenas roupa. Olga, que estudou até o segundo ano do segundo grau, tem consciência de que esse trabalho atrasou o desenvolvimento da filha. Ela não conhecia quase nada. Não sabia ler quase, relembra. Por isso, quando abordada pelos técnicos do projeto, decidiu aceitar fazer o curso de qualificação. Passou a ser beneficiada pela Bolsa Escola e aguarda nova turma para aprender a arte de ser cabeleireira. Está entusiasmada com a idéia de montar o próprio negócio e organizar a vida de sua família. Monique, estudante da quinta série da Escola Municipal Walter Leite, também participa de um grupo de jovens na Igreja da Assembléia de Deus. A mãe incentiva as atividades da filha e vislumbra bom futuro para os filhos menores. É muito bom que o filho da gente só estude. É bom demais.

foto B4 DEPOIMENTOS LÚCIA MATAR DOS SANTOS Diante das dificuldades, a filha Leilane quis experimentar seu primeiro emprego. Trabalhou seis meses como babá, três horas por dia. Tem lembranças boas e ruins dessa Lúcia Matar dos Santos, 39 anos, casada, mãe de Lidiane, 20 anos, Leidiane, 17 anos, e Leilane, 14 anos. Lúcia sonha em associarse com outras amigas para montar um negócio em corte e costura. Gostou das aulas de economia, cálculos de custos e investimentos. Resultado do curso de qualificação profissional que fez junto com Deuzuita. Enquanto aguarda a aprovação de seu cadastro no Banco do Povo, leva sua vida vendendo produtos de catálogos populares e trabalhando como voluntária no projeto MOVA. É essa renda, somada a dos serviços autônomos que o marido faz, que sustenta a família. Diante das dificuldades, a filha Leilane quis experimentar seu primeiro emprego. Trabalhou seis meses como fase, mas ao participar das oficinas do Cedeca Emaús, percebeu que seu caminho poderia ser outro. babá, três horas por dia. Tem lembranças boas e ruins dessa fase, mas ao participar das oficinas do Cedeca Emaús, percebeu que seu caminho poderia ser outro. O conhecimento sobre direitos e deveres incentivam-na agora a planejar estudar Direito. Mas seus sonhos também se alimentam da atividade teatral. Como atriz, longe da rotina de trabalho mal-remunerado que diminuía seu tempo de ser criança, Leilane descobre um novo sentido para sua vida. Trabalho feito de sonho 23

CONTATOS OIT Brasil Setor de Embaixadas Norte, Lote 35 Brasília DF. CEP: 70.800-400 Telefone: (61) 426-0118 Cedeca Emaús Tv. Dom Romualdo de Seixas, 918, Umarizal Belém PA. CEP: 66.050-110 Telefone: (91) 242-7307 Prefeitura Municipal de Belém Fundação Papa João XXIII Tv. 14 de abril, 1127. São Brás Belém PA. CEP: 66.060-460 Telefone: (91) 229-4926 Save the Children Rua Cardeal Arcoverde, 142, Graças Recife PE. CEP: 52.011-240 Telefone: (81) 3221-5626 Unicef Belém Av. Alcindo Cacela, 287, Bloco B, térreo (Unama) Belém PA. CEP: 66.060-000 Telefone: (91) 241-2639 Parthenon Saint- Nicholas, 9 2000 Neuchatel. Suíça Telefone: (41) 327248130 Trabalho feito de sonho 24

PROJETO DE ENFRENTAMENTO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL DOMÉSTICO CURSO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL Financiamento Organização Internacional do Trabalho/Prevenção e Eliminação do Trabalho Infantil Doméstico Fundo das Nações Unidas para a Infância e Save The Children UK Apoio Organizações Romulo Maiorana e Câmara de Responsabilidade Social Realização Movimento República de Emaús/Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Emaús e Prefeitura Municipal de Belém Comitê Assessor Ministério Público do Estado - Maria do Socorro Martins Carvalho Mendo Ministério Público do Trabalho - Loana Lia Gentil Uliana Sindicato das Trabalhadoras Domésticas - Lucileide Mafra Reis Delegacia Regional do Trabalho - Demétrio Medrado Fundação Papa João XXIII - Rosa Cecília Fernandes Ferreira Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - Sílvio Brasil Grupo de Estudo e Pesquisa da Infância e Adolescência/Universidade Federal do Pará - Maria Luiza Lamarão Fundo das Nações Unidas para a Infância - Escritório para a Amazônia - Jaques Schwarzstein Movimento República de Emaús - Graça Trapasso Fundação da Criança e do Adolesente do Pará - Angelina Falcão Valente Secretaria Especial de Estado do Trabalho e Proteção Social - Inês Terezinha Comitê de Comunicadores pela Cidadania de Crianças e Adolescentes - Cláudia Aguila Trabalho feito de sonho 25 Contatos

FINANCIAMENTO APOI0 REALIZAÇÃO