Degradação da ocratoxina A por um extracto enzimático isolado a partir de Aspergillus niger

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Transcrição:

Degradação da ocratoxina A por um extracto enzimático isolado a partir de Aspergillus niger Luís Abrunhosa & Armando Venâncio Centro de Engenharia Biológica, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal (E-mail: luisjap@deb.uminho.pt; avenan@deb.uminho.pt) Sumário A ocratoxina A (TA) é uma micotoxina produzida por diversas espécies dos géneros Aspergillus e Penicillium encontrada com frequência em rações animais e em certos produtos alimentares para consumo humano. Quimicamente, esta micotoxina é constituída por uma molécula de ocratoxina α (Tα) que se encontra unida por uma ligação peptídica a uma molécula de fenilalanina. A TA possui diversas propriedades tóxicas, sendo a sua nefrotoxicidade a mais citada, ao contrário da Tα que não possui efeitos tóxicos relevantes e conhecidos. A TA pode ser hidrolisada enzimaticamente por forma a clivar esta ligação peptídica e, assim, reduzir a sua toxicidade. Este trabalho descreve a produção, a partir de uma estirpe de Aspergillus niger, de um extracto enzimático capaz de hidrolisar o ocratoxina A, assim como a sua purificação parcial. A actividade enzimática deste extracto foi comparada com a actividade da carboxipeptidase A (CPA), cuja acção hidrolítica sobre a TA está bem documentada. Verificou-se que o extracto de A. niger possui uma actividade específica de 32,5 U/mg e que a CPA possui uma actividade específica de 2,7 U/mg. Além do mais, verificou-se que o extracto de A. niger actua a um ph óptimo de 7,5, enquanto que a CPA actua a um ph óptimo de 8,5. Testou-se também a actividade destas duas enzimas na presença de dois inibidores específicos de proteases (EDTA e PMSF). Verificou-se que ambas foram fortemente inibidas pelo EDTA, mas não pelo PMSF. Introdução A ocratoxina A (TA) é uma micotoxina produzida por diversas espécies dos géneros Aspergillus e Penicillium passível de ser encontrada em rações animais ou em produtos alimentares para consumo humano, como, por exemplo, cereais, vinho, passas, café, figos secos, cerveja ou cacau. A TA tem propriedades nefrotóxicas, teratogénicas, hepatotóxicas, imunossupressoras e carcinogénicas. Está associada à hipertrofia dos rins em suínos e está classificada pelo IARC como agente carcinogénico pertencente ao grupo 2B, ou seja, com evidências claras em animais mas sem evidências suficientes em seres humanos (Ringot et al. 2006). A TA é facilmente absorvida através do aparelho digestivo, mas é dificilmente eliminada pelos rins e outras vias de excreção, uma vez que possui uma grande afinidade para a albumina do plasma sanguíneo. Esta é um composto cumulativo, que possui tempos médios de vida bastantes grandes, sendo no caso do ser humano de 35 dias (Ringot et al. 2006). A TA é composta por uma isocumarina e uma molécula de fenilalanina que estão unidas por uma ligação amida semelhante às ligações peptídicas (Figura 1). Esta 1

isocumarina é conhecida como ocratoxina α (Tα) e não possui efeitos tóxicos relevantes, segundo a literatura disponível. A Tα é eliminada pelo organismo com mais facilidade do que a TA. Por exemplo, em ratos a Tα possui um tempo médio de vida de 9,6 horas, enquanto que a TA um de 103 horas (Li et al. 1997). Sendo assim, a hidrólise da ligação amida presente na molécula da TA reduz a sua toxicidade. Esta hidrólise pode ser feita utilizando meios químicos, microbiológicos ou enzimáticos. Quimicamente, esta é hidrolisável por refluxo durante 48 h. em ácido clorídrico (6 N) aquecido (van der Merwe et al. 1965). Microbiologicamente, por acção de microrganismos tais como leveduras (Schatzmayr et al. 2003), fungos filamentosos (Abrunhosa et al. 2002; Varga et al. 2000), bactérias (Piotrowska and Zakowska 2000; Wegst and Lingens 1983) ou protozoários (Özpinar et al. 2002). Enzimaticamente, pela acção da carboxipeptidase A de pâncreas bovino ou por enzimas proteolíticas de A. niger e de pâncreas de suínos (Abrunhosa et al. 2006). Este trabalho descreve a produção e purificação parcial de um extracto enzimático, capaz de hidrolisar a TA, obtido a partir de uma estirpe de Aspergillus niger. H H H H H N NH 2 CH H 3 Cl Cl Fenilalanina cratoxina α cratoxina A Figura 1. Constituição da estrutura química da ocratoxina A. CH 3 Material e métodos Material biológico Aspergillus niger MUM 03.58, não produtor de ocratoxina A, e A. alliaceus MUM 03.55, produtor de ocratoxina A, ambos isolados a partir de uvas. Padrões cratoxina A (Sigma); Carboxipeptidase A (EC 3.4.17.1) de pâncreas bovino (Sigma, type II-PMSF) btenção do extracto enzimático extracto enzimático foi obtido segundo o procedimento descrito por Abrunhosa e co-autores (2006). Resumidamente, a estirpe A. niger MUM 03.58 foi inoculada e incubada durante 10 dias a 25 ºC em 30 g de gérmen de trigo dextrinado com 45% de humidade, onde previamente tinha crescido a estirpe A. alliaceus MUM 03.55. Este procedimento permitiu criar um meio rico em TA de forma a ser induzida a enzima em estudo. fermentado obtido foi de seguida misturado com 100 ml de tampão a ph 5,6 (suplementado com 0,24 mm de Triton X100) e o homogeneizado daí resultante filtrado e centrifugado de forma a separar a fracção líquida dos resíduos sólidos. A fracção líquida foi concentrada por liofilização e a fracção proteica presente na amostra precipitada com acetona fria. Finalmente, o pellet proteico foi ressuspendido em 10 ml de tampão fosfato a ph 7,5. Quantificação da actividade hidrolítica sobre a TA A quantificação da actividade enzimática foi realizada de acordo com Abrunhosa et al. (2006). Resumidamente, prepararam-se soluções com 1 µg/ml de TA em tampões a ph 3,0; ph 5,6; ph 7,5; ph 8,5 e ph 10,0; todos suplementados com 0,1% de azida sódica. As reacções de hidrólise foram iniciadas adicionando 20 µl de extracto enzimático (= 0,1 mg de proteína) a 1 ml de cada solução e decorreram a 37 ºC, durante 25 horas. Realizaram-se, nas mesmas condições, ensaios com 0,5 mg/ml de CPA e brancos sem enzima. Em paralelo, e apenas para ph 7,5, realizaram-se ensaios na 2

presença de 10 mm de EDTA ou 1 mm de PMSF. Recolheram-se amostras ao longo do tempo, que foram analisadas para quantificar a TA e a Tα. A identidade da Tα foi confirmada por hidrólise da TA com CPA. A actividade específica das enzimas foi calculada considerando que 1 unidade de actividade por mg de proteína (U/mg) representa a formação de 1 ng/min de Tα a 37 ºC por cada mg de enzima utilizada. Utilizou-se para tal a Tα detectada ao fim de 3 horas de incubação. Purificação por FPLC Utilizou-se uma resina aniónica Macro-Prep High Q (Biorad), para preparar uma coluna de cromatografia. A fase móvel seleccionada foi 100 mm de tampão fosfato a ph 7,5 e a eluição decorreu com um gradiente de NaCl até 1 M, em 60 min, a um caudal de 0,5 ml/min (Figura 5.D). Injectaram-se 200 µl do extracto de A. niger na coluna e recolheram-se amostras de 2 em 2 min. Em cada amostra quantificou-se a proteína total (método de Bradford) e a actividade hidrolítica sobre a TA. Para tal, adicionou-se 1 µg de TA a cada amostra e incubaram-se a 37 ºC durante 15 horas. A TA e Tα foram quantificadas por HPLC como descrito em Abrunhosa et al. (2006). sistema de FPLC era constituído por duas bombas Pharmacia LKB P-500 e um controlador LCC- 500 plus, acoplados a um detector Diode Array Merck-Hitachi L-7455. Resultados e discussão Nos ensaios de actividade hidrolítica realizados, verificou-se uma diminuição dos conteúdos de TA ao longo do tempo, sendo esta diminuição acompanhada por um aumento de Tα (Figura 2). A ph 7,5 verificou-se que o extracto de A. niger foi capaz de hidrolisar muito rapidamente a TA, tendo-se registado uma actividade específica de 32,5 U/mg. Esta actividade é cerca de 12 vezes maior à observada para a CPA, cuja actividade específica registada para ph 7,5 é de 2,7 U/mg. Ambas as enzimas foram capazes de hidrolisar a TA a ph 5,6, 7,5 e 8,5 (Figura 3). No entanto, o ph óptimo para a actividade das enzimas é de 7,5 para o extracto de A. niger e de 8,5 para a CPA. 1.25 1.25 1.00 1.00 [TA] µg/ml 0.75 0.50 [Tα] µg/ml 0.75 0.50 0.25 0.25 0.00 0 5 10 15 20 25 horas 0.00 0 5 10 15 20 25 horas Figura 2. TA e Tα quantificadas ao longo do tempo nos ensaios realizados com (- -) extracto de A. niger a ph 7,5; (- -) CPA a ph 7,5 e (- -) Branco a ph 7,5. A actividade das duas enzimas na presença de EDTA, um inibidor específico das metalo-proteases, e de PMSF, um inibidor específico das proteases serínicas permitiu avaliar a natureza da actividade da enzima presente no extracto de A. niger. Verificouse, que ambas foram fortemente inibidas pelo EDTA (96 % para a CPA e 99 % para o extracto) e que o PMSF não teve efeito inibidor considerável (Figura 3). A CPA é uma metalo-carboxypeptidase que é inibida pelo EDTA, tal como se verificou nos nossos ensaios com TA. Tudo indica que a enzima presente no extracto de A. niger necessite também da presença de iões metálicos para poder actuar sobre a TA uma vez que foi inibida de igual forma pelo EDTA. 3

l [Tα] µg/ml 1.2 1.0 0.8 0.6 0.4 0.2 inibição (%) 100 75 50 25 0.0 3.0 5.6 7.5 8.5 Figura 3. Tα quantificada nos ensaios realizados a diferentes ph após 25 horas de incubação com (- -) Extracto de A. niger e (- -) CPA. 10.0 0 CPA(PMSF) CPA(EDTA) Extr.(PMSF) Extr.(EDTA) Figura 4. Inibição da actividade das enzimas registada após 25 h. a ph 7,5 e 37 ºC na presença de 1 mm de PMSF e 10 mm de EDTA (expresso em percentagem). extracto enzimático foi parcialmente purificado, utilizando-se uma resina aniónica. No cromatograma obtido (Figura 5.A), observa-se um pico predominante com tempo de retenção de 31,4 min. Nas amostras recolhidas entre os 27 e 37 min, referentes a esse pico, detectou-se a maior parte da proteína presente na amostra inicial (Figura 5.B) e da actividade hidrolítica sobre a TA (Figura 5.C). Sendo assim, a enzima presente no extracto de A. niger e responsável pela hidrólise da TA apresenta uma boa afinidade para esta resina aniónica. Este procedimento poderá permitir, no futuro, um aumento de escala de forma a isolar maiores quantidades de enzima pura. 2,5 2,0 31,4 A) 0,10 B) 0,08 Abs. 1,5 1,0 0,5 mg/ml 0,06 0,04 0,02 0,0 0,00 [Talfa] µg/m 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 100 C) D) (% B) 75 50 25 0 Figura 5. A) Comatograma obtido por FPLC; B) Proteína detectada nas amostras recolhidas; C) Actividade hidrolítica sobre a TA detectada nas amostras; D) Gradiente de NaCl utilizado no FPLC. Conclusão Isolou-se a partir de uma estirpe de A. niger um extracto enzimático capaz de hidrolisar a TA. Este extracto apresentou a ph 7,5 uma actividade específica de 32,5 U/mg de proteína. A enzima presente no extracto parece actuar de forma semelhante à carboxipeptidase A, uma vez que são ambas inibidas pelo EDTA. Esse extracto foi ainda parcialmente purificado por FPLC, o que irá permitir no futuro realizar mais estudos sobre a enzima em causa. A ocratoxina A é uma micotoxina que se encontra presente em diversos produtos alimentares estando-se neste momento a avaliar a aplicação desta enzima para reduzir os seus níveis nalguns produtos. 4

Agradecimentos Luís Abrunhosa agradece a bolsa SFRH/BD/11228/2002 da Fundação para a Ciência e Tecnologia FCT, Portugal. Bibliografia Abrunhosa, L., Santos, L. and Venâncio, A. (2006) Degradation of chratoxin A by proteases and a crude enzyme of Aspergillus niger. Food Biotechnology in press. Abrunhosa, L., Serra, R. and Venâncio, A. (2002) Biodegradation of ochratoxin A by fungi isolated from grapes. Journal of Agricultural and Food Chemistry 50, 7493-7496. Li, S., Marquardt, R. R., Frohlich, A. A., Vitti, T. G. and Crow, G. (1997) Pharmacokinetics of chratoxin A and Its Metabolites in Rats. Toxicology and Applied Pharmacology 145, 82-90. Özpinar, H., Bilal, T., Abas, I. and Kutay, C. (2002) Degradation of ochratoxin A in rumen fluid in vitro. Medicine and Biology 9, 66-69. Piotrowska, M. and Zakowska, Z. The biodegradation of ochratoxin A in food products by lactic acid bacteria and baker's yeast. Bielecki, S., Tramper, J., and Polak, J. Food Biotechnology. Progress in Biotechnology 17, 307-310. 2000. Amsterdam, Elsevier. Ringot, D., Chango, A., Schneider, Y. J. and Larondelle, Y. (2006) Toxicokinetics and toxicodynamics of ochratoxin A, an update. Chemico-Biological Interactions 159, 18-46. Schatzmayr, G., Heidler, D., Fuchs, E., Mohnl, M., Täubel, M., Loibner, A. P., Braun, R. and Binder, E. M. (2003) Investigation of different yeast strains for the detoxification of ochratoxin A. Mycotoxin Research 19, 124-128. van der Merwe, K. J., Steyn, P. S. and Fourie, L. (1965) Mycotoxins. Part II. The constitution of ochratoxins A, B, and C, metabolites of Aspergillus ochraceus Wilh. Journal of Chemical Society 7083-7088. Varga, J., Rigó, K. and Téren, J. (2000) Degradation of ochratoxin A by Aspergillus species. International Journal of Food Microbiology 59, 1-7. Wegst, W. and Lingens, F. (1983) Bacterial degradation of ochratoxin A. FEMS Microbiology Letters 17, 341-344. 5