DO PONTAL DO PARANAPANEMA A RIBEIRÃO PRETO: uma viagem geográfica e paradigmática para melhor compreender os modelos de desenvolvimento da agricultura



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Transcrição:

DO PONTAL DO PARANAPANEMA A RIBEIRÃO PRETO: uma viagem geográfica e paradigmática para melhor compreender os modelos de desenvolvimento da agricultura Bernardo Mançano Fernandes Geógrafo, professor dos cursos de Graduação e Pós Graduação da Unesp, campus de Presidente Prudente. Coordenador do Grupo de Trabalho Desenvolvimento Rural do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais CLACSO. E-mail: bmfunesp@terra.com.br Carlos Alberto Feliciano Geógrafo, doutorando em Geografia pela Universidade de São Paulo. E-mail: cacafeliciano@hotmail.com Clifford Andrew Welch Historiador, Professor Associado, Grand Valley State University, membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária NERA UNESP, e do GT Desenvolvimento Rural da CLACSO. E-mail: welchc@gvsu.edu Introdução Este texto foi elaborado para subsidiar o trabalho de campo da reunião do Grupo de Trabalho Desenvolvimento Rural do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO), realizada em Presidente Prudente, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio, Ribeirão Preto e São Paulo, no período de 28 de agosto a 4 de setembro de 2005 1. A reunião está dividida em diversas atividades: reuniões para discussões a respeito de teorias, métodos e metodologias dos projetos; trabalhos de campo; conferências;

108 reuniões com diferentes instituições envolvidas com o tema Movimentos camponeses e agronegócio na América Latina e Caribe. O objetivo dos pesquisadores do GT é compreender as relações que criam, produzem diferentes espaços e territórios na América Latina. Os resultados das pesquisas serão publicados em livro pela Clacso no ano de 2006. Pontal do Paranapanema: movimento camponês e agronegócio O município de Presidente Prudente pode ser considerado como a entrada do Pontal do Paranapanema. Essa é uma região do Estado de São Paulo onde os conflitos por terra são mais freqüentes e o clima de tensão entre sem-terra e fazendeiros é mais acirrado. A história de ocupação e formação do Pontal nos revela a forma violenta e predatória, em que grileiros se apossavam de grandes áreas, expropriando e destruindo. Os primeiros conflitos foram com os grupos indígenas Kaigangs e Caiuá, que com a chegada da frente de expansão na região foram expropriados, exterminados e grande parte migrou para o Mato Grosso do Sul. Outros momentos de luta também podem ser mencionados, como por exemplo, os posseiros da Lagoa São Paulo (em Presidente Epitácio), o conflito entre parceiros, arrendatários e fazendeiros na Fazenda Rebojo (município de Estrela do Norte), dentre outras. Em meados dos anos 1980, através de muita luta foram realizados os primeiros decretos de desapropriação para fins de Reforma Agrária. Esse fato gerou descontentamento por parte dos grandes fazendeiros do Pontal fortalecendo e acirrando os ânimos da UDR (União Democrática Ruralista), que ameaçou invadir a reserva florestal do Morro do Diabo. É no bojo desse processo de irregularidades e contestações aliadas a outros fatores, que ocorreram as primeiras ocupações de terras organizadas pelo MST na região no início da década de 1990, principalmente pelo fato dessa região concentrar grandes áreas devolutas estaduais. Após um década e meia de luta dos camponeses sem terra, hoje estão assentadas na região, aproximadamente 4.414 famílias com a criação de mais de 25.000 empregos diretos, em 88 projetos de assentamentos rurais. Mas essa luta é contínua, pois hoje ainda existem cerca de 4.900 famílias acampadas por toda a região. Assim como o

109 número de famílias é grande, também é proporcional o número movimentos camponeses aproximadamente 15 o que podemos perceber a rica diversidade do movimento camponês nessa região. Por outro lado, foram criadas inúmeras tentativas do setor latifundiário e empresarial com a finalidade de suprimir um modelo de desenvolvimento baseado na pequena produção camponesa em detrimento ao modelo de agricultura baseado na monocultura do algodão, cana e soja, e na pecuária de corte, no denominado agronegócio. Porém dados oficiais e pesquisas revelam que o impacto socioterritorial ocorrido da região provém em grande parte de uma mudança nas relações de produção, comercialização principalmente com a implantação de Projetos de Assentamentos Rurais. Hoje, a renda média mensal das famílias assentadas nessa região gira em torno de 3 salários mínimos (+ ou U$ 300), sem mencionar a renda autoconsumo, ou seja, os alimentos produzidos e consumidos dentro das unidades camponesas. Outro exemplo que podemos mencionar é sobre a arrecadação de impostos municipais. No município de Mirante do Paranapanema, onde está concentrada a maioria dos projetos de Assentamentos, a arrecadação municipal saltou de R$ 1,8 milhão em 1994, para R$ 6,1 milhões em 1997. Outro dado importante refere-se à produção: 50% do leite do Pontal do Paranapanema provêm dos assentamentos rurais. Essa região está em pleno processo de mudança, onde os camponeses estão à frente na luta por um modelo próprio de desenvolvimento da agricultura. Ribeirão Preto: agronegócio e movimento camponês Demora aproximadamente seis horas de viagem para percorrer os 450 quilômetros que separam a segunda região mais pobre (Pontal do Paranapanema) da mais rica região do Estado de São Paulo (Ribeirão Preto). São pólos extremos de riqueza, concentrada pelo processo de territorialização e monopólio do capital, através das monoculturas da cana-de-açúcar e da laranja; e por outro lado, um embate histórico de concentração e grilagem e luta pela de terra. Partido de Presidente Prudente em direção à Ribeirão Preto, seguimos primeiro pela rodovia Raposo Tavares até o município de Assis, cujo trajeto podemos observar

110 mudanças na paisagem, com propriedades médias e grandes principalmente na criação de gado e a produção da monocultura da cana de açúcar. Chegando a Assis, seguimos pela rodovia SP 333 até Ribeirão Preto. Passamos pelo município de Marília onde encontramos também a monocultura do café e em seguida alternância de cana-deaçúcar, pastagem, pequenas propriedades. Nessa região a presença de conflitos e luta pela terra até o momento não se revela muito forte. Há um grupo de aproximadamente 30 famílias acampadas no município de Cafelândia, próximo de Promissão (região noroeste de São Paulo), onde a presença do movimento camponês é mais atuante, no que resultou na implantação de nove assentamentos rurais com 940 famílias. Aproximando da região de Ribeirão Preto, podemos visualizar nitidamente a alteração na paisagem, a presença de grandes extensões de plantações de laranja e canade-açúcar. Segundo algumas estatísticas, 98 % da região é cultivado com cana-deaçúcar e a principal atividade desenvolvida nessa região está baseada no setor agroindustrial, sendo açúcar, álcool e suco de laranja concentrado os produtos mais característicos. São vinte e uma usinas de açúcar e álcool que marcam a região, soltando vapor e fumaça, poluindo a atmosfera. A comercialização é essencialmente de exportação do açúcar, tendo como principais consumidores os Estados Unidos e a Europa. A maioria do álcool é consumida no Brasil pela frota de carros fabricados para usar este combustível renovável. Com uma produção anual de 80 milhões de toneladas de açúcar, afirma-se que a região é a maior produtora de cana no mundo. No passado a cultivo da cana e a produção de açúcar foram operações parceiras, mas desvinculadas. O proprietário da fazenda de cana-de-açúcar nem sempre era o mesmo que controlava a usina. Hoje a integração agricultura - indústria é predominante, da tal modo que a maioria das fazendas e das usinas é uma única empresa. Cada usina é cercada por grandes plantações de cana, utilizam alta tecnologia na colheita e na produção, e depende pouco em trabalho assalariado. Em fato, as 21 usinas empregam somente 8.000 pessoas de uma população de mais que 500.000 mil habitantes. Chegando a Ribeirão Preto, deve-se prestar atenção para ver os monumentos que identificam a cidade como à Capital do Agronegócio. A propaganda e a paisagem da região dão à impressão que a cana sempre foi predominante. Mas isso não é verdade.

111 Do século XIX até os anos 1960, a região foi conhecida como a Capital do Café e os pés do café foram a característica mais comum da paisagem. A cana-de-açúcar começou a sua presença na região durante a Segunda Guerra Mundial e foi crescendo em importância até os anos 1970, quando a ditadura militar incentivou a produção de álcool para enfrentar a crises de petróleo da época. Daí iniciou-se os conflitos que acabou com a diversidade agrícola da região. Nos anos 1980, a laranja aumentou sua presença na região quando geadas na Flórida começaram a desestabilizar a produção nos EUA. Hoje, as produções do Estado de São Paulo e do Estado da Flórida correspondem a 90% do suco de laranja comercializado no mundo. A cana e a laranja atraíram centenas de milhares de trabalhadores até a área, principalmente do nordeste, para cortar cana e apanhar laranjas e a população de Ribeirão Preto quase dobrou entre 1980 e 1995. No ano de 1984, o município vizinho de Guariba foi palco das reivindicações dos cortadores de cana, chamado bóias-frias, quando estes entraram em greve, para reclamar contra mudanças nos meios de produção e para aumentar seus salários. Esta greve foi marcada pela grande revolta dos trabalhadores e pela violência da polícia. As vitórias dos grevistas influenciaram outras greves no setor nos anos seguintes, inclusive os apanhadores de laranja, e a força do movimento sindical cresceu na região. A combinação das greves, a instabilidade do mercado de trabalho, a poluição produzida pela pelas queimadas da cana para colheita, e a competitividade fizeram com que o setor sucro-alcooleiro investisse na mecanização. A intensificação da utilização de maquinas para o corte da cana-de-açúcar, sendo este argumento utilizado pelos usineiros como forma de pressão nas negociações com os trabalhadores rurais, aumentou muito no final dos anos 1990. Um usineiro comentou que ele estava jogando a questão social de volta a sociedade. Com isso, os trabalhadores rurais passaram a ficar cada vez mais insatisfeitos com a sua condição, pois vêem seus postos de trabalho ser gradativamente substituídos pela mecanização do corte da cana, com um aumento progressivo do desemprego. Por exemplo, de acordo com pesquisa de Conjunturas e Estudos Econômicos da UNESP, o número de trabalhadores do setor agropecuário do município de Araraquara sofreu uma queda de 50,43% entre 1998 e 1999.

112 Com esse cenário de exclusão e desemprego ocorreu a formação e o fortalecimento dos movimentos socioterritoriais na região, com uma forte atuação do sindicalismo que resgatou as necessidades e anseios dos trabalhadores, dando assim apoio à formação de ocupações e acampamentos de camponeses sem terra. Hoje há aproximadamente 1000 famílias em 11 acampamentos nessa região, sendo quatro movimentos/organizações envolvidas nesse processo de luta: MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MLST Movimento de Libertação dos Sem Terra, grupos independentes, FERAESP Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo). Após anos de lutas, os movimentos camponeses vêm travando uma batalha gigantesca na região, onde o poder do capital está visivelmente mais concentrado e territorializado. Mesmo assim, até o momento foram conquistados 16 projetos de assentamentos rurais, onde vivem 1.286 famílias no processo de (re) territorialização do campesinato. Entretanto, os ruralistas têm criado formas mais violentas de atuação. Enquanto os pecuaristas do Pontal organizaram-se na UDR, contratando jagunços e pistoleiros para reprimir as ocupações, os agricultores de Ribeirão Preto se transformaram em agronegociantes. Deixaram de cultivar a imagem do velho coronel ou grande fazendeiro, colocaram ternos e gravatas, montaram Website na Internet, buscaram mercados no exterior, investiram pesadamente nas campanhas políticas, e organizam periodicamente o agrishow: um espetáculo de agrotecnologia. Estudiosos do modelo agribusiness dos EUA, procuram demonstrar como o agronegócio poderia produzir superávits que tornaria desnecessária a reforma agrária, apenas com maior investimento de subsídios do orçamento público no agronegócio. Estas realidades nos desafiam à compreensão das conflitualidades entre o agronegócio e o movimento camponês. Existem diferentes interpretações que procuram explicar o desenvolvimento dessas relações. Uma interpretação é do paradigma do Capitalismo Agrário. Este explica que o crescimento econômico, com o estabelecimento de uma economia completa, metamorfoseia o campesinato em agricultor familiar (farm). A produção predominante para o mercado, a capitalização e o uso de tecnologias modernas estão entre os principais indicadores que definem a metamorfose.

113 A luta por políticas públicas para o desenvolvimento da agricultura familiar, como crédito fundiário para compra de terra, crédito habitação e crédito agrícola, determina as ações políticas dos movimentos camponeses. No Paradigma do Capitalismo Agrário o mercado e o Estado são os principais protagonistas e todas as possibilidades de transformação das realidades acontecem no interior do modo de produção capitalista. Deste modo, a agricultura familiar é uma parte do agronegócio, já que este é compreendido como uma totalidade, não existindo outra possibilidade de desenvolvimento além dele. Neste Paradigma, a luta pela terra e a reforma agrária são vistas como afronta à ordem e como impossibilidades. Os conhecimentos das populações tradicionais são apropriados sob o controle ideológico do paradigma, que procura convencer os diferentes tipos de camponeses que suas perspectivas de desenvolvimento estão na relação harmônica com o capital. Desse modo, luta e resistência não fazem parte dos princípios do paradigma, já que não há conflito, não há nada além do capital. Outra interpretação é do paradigma da Questão Agrária. Este explica que a agricultura camponesa e a agricultura capitalista são relações distintas e que o modo capitalista de produção torna subalterno o modo de produção camponês, expropriando, destruindo e recriando essa relação social. Nesta interpretação o campesinato e agronegócio são territórios distintos e suas relações acontecem por meio da conflitualidade. O agronegócio é o modelo de desenvolvimento da agricultura capitalista e procura incorporar o campesinato para manutenção do controle político. Para o avanço da luta e da resistência camponesa, a construção de espaços políticos como a elaboração de modelos de desenvolvimento da agricultura camponesa é essencial. A luta contra o capital com as ocupações e pressão por política de reforma agrária; a constituição de experiências na tentativa de não reproduzir as relações capitalistas são referências que a busca pela transformação e construção de outro mundo é possível. Para este paradigma, o agronegócio não é totalidade e as perspectivas de construção de outro modelo de desenvolvimento apontam para os estudos das diversas experiências dos movimentos camponeses no mundo, articulados na Via Campesina. Essas são referências geográficas e paradigmáticas para se compreender a história da agricultura e seus territórios. A perspectiva crítica é fundamental frente à apologia ao

114 agronegócio. As possibilidades de transformação dessas realidades estão nos sentidos das relações sociais, na construção teórica, política e, portanto, ideológica. Nota 1 - Nossos agradecimentos à CLACSO, ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Unesp, campus de Presidente Prudente, à direção da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp e à Superintendência de São Paulo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), pelo apoio para que esse evento fosse realizado.