As relações capitalistas e não capitalistas de produção e a permanência da agricultura familiar no século XXI



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Transcrição:

As relações capitalistas e não capitalistas de produção e a permanência da agricultura familiar no século XXI Elisangela Silva Santana Suzane Fernandes Pereira Jeane Pinto Teixeira Graduandos em Geografia pela Universidade do Estado da Bahia-Campus VI jeaneteixeira73@hotmail.com, suze19cte@hotmail.com, elisangelajane82@hotmail.com Francely Oliveira Professora orientadora da Universidade do Estado da Bahia, Campus VI Caetité. frangeografa@hotmail.com O presente trabalho é resultado de estudos preliminares acerca das relações capitalistas e não capitalistas de produção no campo. Faz um breve histórico sobre a agricultura familiar enfatizando a evolução da agricultura camponesa paralelo a expansão da agricultura capitalista, as estratégias não agrícolas mantidas pelos agricultores, como uma nova maneira para melhorar a sua renda, bem como sua permanência no campo, considerando a contraditória lógica capitalista de produção. Esse estudo tem como objetivo analisar as relações capitalistas e não capitalistas de produção no campo, sendo essas caracterizadas por um processo contraditório que é intrínseco ao próprio modo de produção capitalista, e a partir disso entender como se desenvolve a agricultura familiar nesse contexto. O estudo foi fundamentado através de leituras de autores como: Oliveira (1986, 2002 e 2007), Jesus, Silva e Oliveira (2011) e Filho (2009) e entre o outros. A partir disso foi constatado que o capitalismo se apresenta de diferentes maneiras no campo, permitindo relações capitalistas e não capitalistas. Palavras-Chave: Agricultura familiar, relações capitalistas, relações não capitalistas. Introdução O processo de desenvolvimento do capitalismo no campo é contraditório, visto que ele utiliza as relações capitalistas e não capitalistas para se reproduzir, no caso das relações capitalistas o camponês transforma-se em assalariado, quando a posse da terra é retirada, sendo ele então proletarizado e por isso obrigado a trabalhar nas terras dos grandes latifundiários ou então, a migrar para as grandes cidades. Apesar do pequeno produtor ser expulso de suas terras é notável a permanência em muitos casos deles no campo, utilizando a mão-de-obra familiar. Sua produção e basicamente para o sustento da família, sendo que o pequeno

excedente da produção é comercializado e dinheiro resultante desse comércio é destinado a compra de mercadorias que o camponês não produz. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é analisar as relações capitalistas e não capitalistas de produção no campo, sendo essas caracterizadas por um processo contraditório que é intrínseco ao próprio modo de produção capitalista, e a partir disso entender como se desenvolve a agricultura familiar nesse contexto. Para alcançar os objetivos foi propostos realizada uma pesquisa bibliográfica em autores como Oliveira (1986, 2002 e 2007), Jesus, Silva e Oliveira (2011) e Ramos Filho (2009), entre outros que discutem as relações capitalistas e não capitalistas no campo e a permanência da agricultura familiar. É bom salientar que essa pesquisa terá como método a Dialética, tendo em vista que como enfatiza Severino (2007) esse paradigma considera a reciprocidade sujeito objeto com uma construção social que vai se formando ao longo do tempo histórico. Assim, ao analisar as relações capitalistas e não capitalistas e permanência da agricultura familiar no campo consideraremos as relações sociais e de poder que os camponeses estão inseridos. Um breve histórico sobre agricultura familiar Para entender o desenvolvimento da agricultura familiar nos dias de hoje é necessário analisar essa forma de produção em seu contexto histórico. No período feudal, anterior a produção capitalista, que perdurou por quase toda idade média na Europa. A produção feudal reinou durante muitos séculos, que ficou marcado na história da agricultura. O modo de produção feudal consistia na propriedade do senhor sobre a terra, no qual o camponês utilizava a propriedade em comunhão com senhor, ou seja, a servidão. Através da propriedade os senhores feudais exigiam tributos e prestações pessoais, assim o servo trabalhava nas propriedades feudais em troca de materiais para a sua subsistência e proteção. Originalmente a agricultura sob o feudalismo obedecia a uma lógica interna própria, na qual a servidão era traço fundamental desse modo de produção. Assim o senhor feudal dividia a terra em duas partes o domínio e as parcelas, o primeiro trata-se de uma parte de sua terra ampla e extensa, que sob vigila de seus agentes

os servos trabalhavam horas árduas de trabalho para o senhor, a corveia, que se trata do trabalho gratuito que os servos prestavam ao senhor feudal durante um certo número de dias. A segunda é a outra parte das terras do feudo, divididas e concedidas aos camponeses, que eram obrigados a pagar tributos sobre a produção de sua parcela de terra onde ele cultivava, e também prestavam dias de trabalho para os senhores feudais. Nesse sentido Oliveira (OLIVEIRA, 2007.p.14 ) afirma: Portanto, duas formas de renda da terra aparecem no feudalismo: no início era mais forte a presença da renda em trabalho, que, em função das lutas dos camponeses contra a corvéia, foi diminuindo em vários lugares, aumentando a participação da renda em produto. Os camponeses e sua família viviam em comunidades aldeã, formada por casas e quintais numa espécie de propriedade privada dos camponeses, dentro das propriedades feudais, ali eles plantavam diversos tipos de plantas. No entorno dessas aldeias ficavam os campos de cultivo e os campos de uso comum. Cada camponês cultivava de modo privado uma parcela de cada campo de cultivo, geralmente eram três, cada parcela possuía tamanho variado em função da localização e da qualidade dos solos. De acordo com Oliveira (2007): Dessa forma, os camponeses utilizavam em comum (inclusive com o senhor) os bosques, as pastagens e os terrenos baldios, ou seja, a área não partilhada. Porém a área lavradia era cultivada independentemente por cada família, mas não a seu bel-prazer, pois em muitos lugares havia uma obrigação de cultivo no interior de cada campo que consistia na necessidade de cultivá-lo de maneira uniforme. Os cereais eram a alimentação básica dos camponeses, porém a criação e a exploração das pastagens dominavam toda a exploração agrícola. Assim, a cada ano um dos três campos de terra lavradia ficava em pousio (transformado em pastagem), ao passo que outro se destinava à cultura dos campos. (p.14) Com a queda do feudalismo, os servos foram expulsos das terras feudais os senhores acabaram por ficar com a maioria das terras e os camponeses tinham que produzir além do que era de costume, porque a partir de agora passava a ser vendida nos centros urbanos. A sociedade feudal foi-se desmontando à medida que a indústria urbana aumentou a procura de dinheiro por parte do camponês uma vez que precisavam sair dessas propriedades onde cultivavam mais para sua

subsistência para comprarem itens necessários que de suas próprias ações não conseguiam obter. A nobreza e o modo de produção capitalista tiravam do capital nascente, inteira ou parcialmente, a sua força vital, o camponês passou a produzir gêneros alimentícios para vender nas cidades. Em função da transformação gradativa da terra em mercadoria. É nesse contexto que Oliveira afirma: Porém o crescimento dos mercados urbanos fez com que a procura dos cereais também aumentasse, e os senhores feudais passaram a expulsar os camponeses de seus domínios. Com isso aumentavam as terras pertencentes aos nobres e aumentavam também os contingentes de proletários urbanos. Surgia, então, a necessidade de um aumento da produção de gêneros alimentícios os e com ela a necessidade de adaptação às novas exigências do mercado. No entanto a sociedade de território tinha uma estrutura de funcionamento fechada e, qualquer que fosse o produto procurado no mercado, só se podia plantar nas lavouras o que a comunidade territorial decidia.(2007,p.16) A família camponesa começou a romper-se, pois o feudalismo constituía uma sociedade economicamente quase auto-suficiente, porque produziam agricultura de subsistência, como também construía ou fabricava os produtos fundamentais à sua sobrevivência (casa, móveis, roupas, entre outros). E em épocas de crise ou de má colheita parte dos membros da família camponesa saiam de suas terras para buscar melhores condições de vida, por vezes retornam para sua casa novamente. No contexto brasileiro, a agricultura camponesa acompanhou também a expansão da agricultura capitalista. Segundo Guimarães (2009) durante aproximadamente 400 anos o latifúndio colonial lançaram mão de variados meios para impedir a expansão das massas humanas oprimidas que vegetavam nas sesmarias tivessem acesso a terra e se agregassem nos engenhos, sendo quase sempre expulsos. É quando era concedida a permanência do camponês na terra para mantê-lo em condição inferior, para expropriar sua mão-de-obra reserva junto às proximidades dos latifúndios. Assim, o camponês permanece na terra submetido a um processo de dominação do capital, que o explora por meio dos altos preços dos arrendamentos da terra, e frente ao pequeno aumento da produção camponesa o capitalista latifundiário reduz os preços dos produtos agrícolas e com isso não permite ao pequeno agricultor o recebimento do preço justo de sua produção.

Dessa maneira, o camponês utiliza o resultado de sua produção para a sobrevivência de sua família, o pequeno excedente é vendido para a compra de produtos que ele não produz. Com isso vê-se que o camponês não consegue acumular capital, uma vez que as relações de poder e dominação que ele está submetido apenas permite que ele continue a se reproduzir de forma precária como camponês. Portanto, são urgentes políticas governamentais que incentive a agricultura familiar, que propicie a permanência de forma digna do camponês no campo, por meio de assistência técnica, insumos agrícolas, máquinas para que, inclusive, a produção camponesa abasteça o mercado nacional e contribua para resolver o problema da fome no Brasil. A permanência da agricultura familiar e as relações não capitalistas de produção. A agricultura familiar é uma forma de produção desenvolvida há muitos anos no Brasil por pequenos e médios produtores agrícolas, representando parte dos produtores rurais do país. Com seu grande número de propriedades, é também parte fundamental dos grandes números que compõem a produção agrícola brasileira voltada para o abastecimento interno. Sendo assim uma parte significativa do que integra o Produto Interno Bruto (PIB). A agricultura familiar está intrinsecamente ligada às bases camponesas de produção da terra, consistindo na produção familiar, que tem princípios de funcionamento interno diferente da produção capitalista, no qual sua forma de organização não se dar a partir da extração da mais valia, ou seja, o proprietário é a fonte do trabalho que aciona o capital envolvido no seu processo produtivo. Os agricultores concentram seu trabalho principalmente entre os membros da família, mas quando há necessidade, utiliza-se também a mão-de-obra de terceiros, como trabalho temporário, que não gera nenhum vínculo empregatício e geralmente o trabalhador recebe de acordo com a sua produtividade. Segundo Altafain (2009 apud CARDOSO, 1987), a agricultura familiar apresenta as seguintes características: o acesso estável a terra, seja em forma de propriedade ou mediante algum tipo de usufruto a mão de obra basicamente familiar,

produção destinada à subsistência, podendo haver uma vinculação ao mercado, ocasional ou constante - autonomia nas decisões sobre o que plantar e quando, e qual finalidade dar ao excedente, dentre outros. Neste contexto, vale a pena voltar na primeira fase do capitalismo que tinha como característica principal a produção de mercadorias, o que levou o capital a alcançar o esfera mundial, contudo, (...) essa dominação não se deu sempre pela expansão, nessas áreas novas, da produção de mercadorias através de relações especificamente capitalistas. Assim, a etapa de produção imediata e a da distribuição não eram especificamente capitalistas, porém a circulação e o consumo sim. (OLIVEIRA, 1986, p.31) Os colonizadores europeus utilizavam a maneira dos povos nativos produzirem, que não era capitalista, para produzir mercadorias, estas por sua vez iam circular no mercado capitalista. É interessante ressaltar que ao mesmo tempo em que permanecem no campo estas relações não capitalistas, que não produzem capital, surge, também uma agricultura tipicamente capitalista, baseada na mão-deobra assalariada, nos arrendamentos, nas grandes propriedades privadas. Portanto o capital está em todos os lados, não se importando com sua forma de ação contanto que esta seja a mais rentável. Como afirma Oliveira (2002) O capital ora controla a circulação subordinado a produção, ora se instala na produção subordinada a circulação. Ou seja, o modo de produção capitalista sendo contraditório como é ora controla a circulação permitindo a existência de relações não capitalistas, ora controla a produção admitindo uma relação capitalista. Partindo disso, é admitido em uma relação não capitalista que o camponês continue com a posse da terra, entretanto lhe é negado o acesso aos especializados meios de produção para cultivá-la, faltando assistência técnica, ocasionando uma baixa produção, sendo suficiente apenas para o sustento da família, assim o pequeno excedente é vendido e o resultado dessa venda será destinado à compra de outros produtos que ele não produz. A esse respeito Oliveira (2002) enfatiza que: Esse processo contraditório de desenvolvimento da agricultura ocorre nas formas articuladas pelos próprios capitalistas, que utilizam de relações de trabalho familiares para não terem que investir, na contratação de mão-de-obra assalariada, uma parte de seu capital.

Ao mesmo tempo utilizando-se dessa relação sem remunerá-lá, recebem uma parte do fruto do trabalho dos camponeses proprietários, parceiros, rendeiros ou posseiros, convertendo-o em mercadoria e, ao vendê-la, convertem-na em dinheiro. Assim transformam, realizam a metamorfose da renda da terra em capital. É importante salientar que em virtude das dificuldades encontradas pelo pequeno agricultor, muitas delas em detrimento do beneficio do grande latifundiário ele precisa desenvolver em alguns momentos atividades não agrícolas em consonância com a agricultura para garantir o sustento de sua família durante todo o ano. Nesse contexto, Jesus, Silva e Oliveira (2011) consideram que: As atividades não agrícolas consistem na complementação da renda familiar do homem do campo, através da conciliação com as atividades agrícolas, em que os agricultores recebem pagamentos pelos trabalhos realizados, e estes, por sua vez, irão ajudar na obtenção de melhores condições para sua sobrevivência no campo, pois em determinadas épocas do ano o que é obtido nas terras dos pequenos agricultores torna-se insuficiente até mesmo para o sustento da própria família. (p.179) Dessa forma, vê-se que o camponês recebe pouco incentivo do governo para permanecer trabalhando no campo e continuar a reproduzir-se como camponês, sendo que também falta divulgação das políticas existentes de incentivo a agricultura familiar como: o Plano Safra da Agricultura Familiar e o Programa Nacional da Família ( PRONAF). Em virtude disso alguns membros da família precisam diversificar suas atividades geralmente os filhos de camponeses que se destinam aos centros urbanos para trabalhar no comercio ou na indústria, mas frequentemente volta para cultivar a terra. Portanto, essa é a nova realidade das famílias de agricultores que necessitam diversificas suas atividades como forma de garantir sua permanência no campo, persistindo à modernização e o avanço de uma agricultura capitalista marcada pelas terras improdutivas e em paralelo, pelos complexos agroindustriais que expulsa e expropria o pequeno agricultor daquilo que lhe é mais soberano a sua sobrevivência. Assim vê-se que como afirma Oliveira (2007) o modo capitalista de produção sendo contraditório como é permite a produção reprodução no campo de relações não capitalistas, mesmo de maneira precária.

As relações capitalistas de produção no campo A lógica gerada nas relações estabelecidas no campo, no que diz respeito ao território brasileiro, esta principalmente sob o escudo do capitalismo como modo de produção central e os processos produtivos nele pautados, disseminando múltiplas relações socioespaciais. Primeiramente, consideramos importante ressaltar que a historia do desenvolvimento socioespacial do Brasil colonial foi centrada na exploração exaustiva dos seus recursos naturais e que tal exemplo de acumulação, consolidou-se expandindo para outros espaços no território conforme o passar do tempo e o desenvolvimento das técnicas e tecnologias. Tais melhorias, aliados as determinações políticas representam no cenário nacional e mundial, a modernização, contudo, os novos arranjos produtivos mantem em sua essência, forte vinculo com as praticas intrínsecas ao período colonial, sobretudo no aspecto da concentração de terras, de recursos e de poder paralelo a exploração da força de trabalho. Dessa maneira, a terra irá se caracterizar com o uma mercadoria importante para a economia brasileira, sendo ela assinalada principalmente pela concentração de grandes extensões nas mãos de poucos latifundiários. Outra característica marcante nesse contexto, é que essas grandes extensões de terra se encontram improdutivas, algumas inclusive com mata virgem, sendo vista como uma reserva de capital. Nesse sentido, Oliveira (2002) enfatiza que: Na realidade, quando se analisa a sua estrutura produtiva, verifica-se que o caráter da terra como reserva de valor se manifesta na terra improdutiva, em parte ainda coberta com mata natural contida nos latifúndios, mas sobretudo, na terra ocupada pelas pastagens. Já no pólo oposto está a terra ocupada pelas produtivamente pelas lavouras, nos estabelecimentos com menos de 100ha (p.88) Assim, vê-se a partir da fala de Oliveira (2002) que a estrutura fundiária brasileira é marcada pela concentração dos grandes latifúndios, geralmente improdutivos e com os minifúndios que acabam por garantir o abastecimento de produtos agrícolas do mercado nacional. Outro agente importante na agricultura sob o modo capitalista de produção é o Estado, esse por meio de políticas territoriais e incentivos fiscais que vai estimular

o aumento da produção, sobretudo daqueles voltados para a exportação como os grãos. Segundo Oliveira (2002) o Estado atuou estimulando setores competitivos da agricultura, principalmente daqueles voltados para a exportação, enquanto que aquelas culturas destinadas para a alimentação dos trabalhadores vão sendo abandonadas. É notório destacar no modo de produção capitalista a mecanização dos latifúndios, a utilização constante de insumos agrícolas e também a inserção dos complexos agro industriais no campo. A junção desses fatores vão contribuir para o aumento da produção, melhora da qualidade e também redução do custo de produção voltada prioritariamente para a exportação. Nesse sentido, o camponês que possui uma pequena propriedade de terra, não é dono dos meios de produção que permitem aumentar a produção e diminuir o custo do cultivo, não dispõe de assistência técnica e com isso, ele precisa pegar dinheiro emprestado para financiar os custos de sua produção. Se a colheita for satisfatória o camponês poderá pagar sua divida, entretanto caso a colheita não seja boa ele terá que entregar a terra ao banco ou ao latifundiário para pagar sua débito, é a partir dai que o pequeno proprietário é separado de seu único meio de produção: a terra, sendo então obrigado, a partir de então para sobreviver a trabalhar como assalariado na propriedade do latifundiário e se proletarizar, sendo que a mais valia de seu trabalho será expropriado, ou então será obrigado a migrar para periferia das metrópoles brasileiras, bem como as médias e pequenas cidades e se marginalizar. Como salienta Oliveira (2007) As relações capitalistas de produção são relações baseadas no processo de separação dos trabalhadores dos meios de produção, ou seja, os trabalhadores devem aparecer no mercado como livres de toda a propriedade, exceto de sua força de trabalho. (p.36) Sendo assim, o camponês deve estar livre de único seu meio de produção e possuir apenas a sua força de trabalho para vende-la ao latifundiário ao preço baixo, que a partir disso irá explorar a sua mais valia e acumular capital pelas horas de trabalho não pago ao trabalhador. Assim, a força de trabalho que anteriormente era posse do trabalhador, agora é mais uma propriedade do capitalista.

É esse contexto de expulsão do trabalhador do seu único meio de produção que florescerá os conflitos pela posse da terra. A batalha pela detenção da terra é na verdade um combate contra o capitalismo dominante que no comprimento de seu único objetivo (o lucro), segrega as populações camponesas. Nesse sentido, Ramos Filho (2009) aponta que: A luta pela terra faz parte de uma dimensão das lutas contra o capital, que deseja da terra a sua reprodução ampliada e a manutenção de estrutura de poder. Na medida que o capital se reproduz, agrava o quadro de desigualdades que o sustenta, mediante a exclusão.(p.255) Assim, na medida em que o capitalismo se reproduz dessa maneira selvagem acaba por excluir cada vez mais um número maior de camponeses. Com isso esses pequenos proprietários excluídos vão se unir para reivindicar a posse da terra. É a partir dai que irá surgir os movimentos sociais no campo, que como principal exemplo temos o MST( Movimento dos Trabalhadores sem Terra) que de forma organizada ou não tem ocupado terrenos ociosos de grandes latifundiários. É nesse sentido que Ramos Filho (2009) afirma que a política dos assentamentos tem sido historicamente realizada de diversas maneiras pelos trabalhadores e não pelas políticas governamentais de reforma agrária. Considerações finais O modo capitalista de produção no campo é marcado por características contraditórias, que são intrínsecas ao próprio sistema. Assim o capital ora engendra relações capitalistas ora gera relações não capitalistas, sempre com o objetivo principal de se reproduzir e ampliar gerando lucro. Nesse sentido, diante aos grandes latifundiários de terra improdutiva, dos complexos agroindustriais, a mecanização da produção que é voltada para a exportação é marcante a permanência do camponês na terra, consistindo nela o seu único meio de produção, com suas culturas voltadas, sobretudo para o abastecimento da família. Portanto, para que o camponês permaneça no campo com dignidade é necessário políticas governamentais que incentivem a produção camponesa, que

lhes permita acesso aos meios de produção para que ele possa competir no mercado com igualdade com os latifundiários. É necessário também resolver o problema da posse da terra, já que frete a terra improdutiva dos grandes latifúndios é marcante a grande quantidade de pessoas sem terras para produzir. Além disso, resolver o problema agrário e contribuir para a resolução de problemas urbanos, uma vez a permanecia do camponês na terra vai contribuir para a diminuição do êxodo rural, da marginalização dos centros urbanos, da exploração do trabalhador pelas horas de trabalho não pago. Referências CARDOSO, Ciro Flamarion. Escravo ou Camponês? O Protocampesinato Nero nas Amé-ricas. São Paulo: Brasiliense, 1987. FILHO, Eraldo da Silva Ramos. De pobre sem-terra a pobre com terra e sem sossego: territorialização e territorialidades da reforma agrária de mercado. In: FERNANDES, Bernardo Maçano; MEDEIROS, Leonilde Servolo de; PAULILO; Maria Ignez (Orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: Condições, dilemas e conquistas. São Paulo: Editora UNESP, 2009. GUIMARÃES, Alberto Passos. Força da pequena propriedade: intrusos e posseiros (1963). WELCH, Cilfford Andrew... [et al.]. In: Camponeses brasileiros: leituras e interpretações clássicas. São Paulo: Editora UNESP, 2009. JESUS, Elaine de Araujo, OLIVEIRA, Kaio Eduardo de Jesus, SILVA, José Adailton Barroso da. Estratégias não agrícolas da agricultura familiar: uma perspectiva de permanência no campo. In: Cadernos de Graduação - Ciências Humanas e Sociais Aracaju v. 13 n.13 p. 71-81 jan./jun. 2011 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista e Agricultura. São Paulo: Ática, 1986.

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