POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E AS VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS: DIMENSÕES DA COMPLEXIDADE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA



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Transcrição:

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E AS VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS: DIMENSÕES DA COMPLEXIDADE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA EYNG, Ana Maria (ana.eyng@pucpr.br) PUCPR GISI, Maria Lourdes (maria.gisi@pucpr.br) PUCPR RESUMO Entender a política de formação de professores e as violências nas escolas como dimensões da complexidade da prática pedagógica, significa entender a prática pedagógica, ela em si mesma, uma ação complexa. É ter como pressuposto que esta prática comporta dimensões econômicas, históricas, sociais e culturais e, neste sentido, significa o que Morin denomina de unidade complexa. A fragmentação ainda se faz presente no cotidiano escolar e dificulta ações mais globais na abordagem de situações problemáticas e as violências, assumem uma proporção ainda maior. As violências presentes nas escolas referem-se a um fenômeno complexo que vem despertando, cada vez mais, a atenção dos educadores e da sociedade como um todo e que requer atenção especial das instituições responsáveis pela formação de professores. Considerando, pois a complexidade da atuação junto às situações de violência é que surgiu o interesse em realizar a presente pesquisa sobre as percepções de professores e alunos da rede pública estadual de ensino sobre as violências nas escolas. PALAVRAS-CHAVE Políticas Educacionais; Violências nas Escolas; Formação de Professores. Introdução O estudo sobre as violências nas escolas insere-se no projeto de pesquisa: políticas educacionais e formação de professores, do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCPR. A definição do objeto de estudo, vinculado ao âmbito escolar, está pautado na percepção de um conjunto de pensamentos e sentimentos contraditórios que se fazem presentes no espaço escolar sobre o fenômeno da violência. Considera-se que o estudo sobre as violências nas escolas contribui para uma maior compreensão do fenômeno de modo a subsidiar os cursos de formação de professores. A compreensão dos professores sobre o tema permite esboçar e concretizar projetos de

formação inicial e continuada, tendo em vista o enfrentamento das violências nas escolas. Para compreender as violências na atualidade é preciso situá-las no contexto social mais amplo, nas condições existentes em termos socioeconômicos de grande parte da população, em que muitos se encontram na situação de excluídos. O que se observa, hoje, é uma violência que se apresenta na vida cotidiana, como uma ameaça diária à integridade física, psíquica e da dignidade humana, sendo que as diferentes manifestações das violências no âmbito escolar têm comprometido ainda mais a qualidade da educação no contexto da escola pública brasileira. A implementação de políticas neoliberais que dão ênfase a competição e ao individualismo e que exaltam o consumismo, ao mesmo tempo em que aumentam as desigualdades sociais e levam a falta de perspectivas futuras, contribuem para o enfraquecimento de valores de solidariedade e de respeito ao ser humano, tais condições levam em muitas situações, ao aumento da violência urbana que, por sua vez, tem reflexos no espaço escolar. A violência é assim um problema que se tornou parte da sociedade atual e a escola inserida nesta sociedade, não está imune a este problema. Não se pode, portanto, discutir a violência na escola, sem considerá-la no âmbito social mais amplo. Em se tratando da população jovem cabe questionar quais as alternativas que os países oferecem aos jovens que se encontram excluídos da educação formal e dos empregos cada vez mais escassos para este grupo. A manifestação da violência por parte dos alunos que vem ocorrendo nas escolas é principalmente a violência física contra colegas, a depredação do patrimônio e a violência contra os professores. Podem ocorrer outras formas de violência, mas estas são as mais freqüentes. Neste contexto, os professores que não se encontram devidamente preparados para lidar com o fenômeno e podem estar agravando e mesmo provocando situações de violência. Os professores, muitas vezes, sentem-se impotentes diante das violências porque não sabem como lidar com a questão e suas ações são ineficazes, sentem-se ameaçados e sem capacidade de agir porque uma escola não é uma instituição que tem como finalidade o controle da violência na sociedade, não é esta a sua finalidade, ainda que contribua de certa forma, com seu poder disciplinador, conforme indica Foucault (1987).

É importante compreender que há uma diferença, segundo Nascimento (2000, p.142) entre agressividade e violência. Esta última se caracteriza pela [...] tendência à destruição, ao desrespeito e à negação do outro, podendo a ação situar-se no plano físico, psicológico e ético. É também com Bobbio et al, (2004) que se tem esta compreensão, pois indica que a violência tem como finalidade destruir, ofender, coagir. Verifica-se que existe, de modo geral, uma percepção bastante diversificada e muitas vezes carregada de preconceitos sobre este fenômeno prejudicando o encaminhamento de ações mais efetivas. Tais questões deixam evidente que a violência nas escolas, é uma problemática complexa e afeta a atuação dos professores no cotidiano escolar, o que motivou o presente estudo: Investigar a percepção de professores e alunos do ensino fundamental e médio sobre as violências nas escolas. Dimensões da complexidade da prática pedagógica Entender a política de formação de professores e as violências nas escolas como dimensões da complexidade da prática pedagógica, significa entender a prática pedagógica, ela em si mesma, uma ação complexa. É ter como pressuposto que esta prática comporta dimensões econômicas, históricas, sociais e culturais e neste sentido significa o que Morin (2000a) denomina de unidade complexa. Uma unidade complexa é multidimensional, isto é, constitui-se de diferentes elementos inseparáveis e, portanto, constitutivos do todo. Além de serem constitutivos do todo, há uma interrelação entre as partes que constituem o todo e do todo com as partes. Não é desta forma que a educação escolar e como decorrência a prática pedagógica têm sido entendida. A separabilidade como um dos pilares do pensamento clássico e que corresponde ao princípio cartesiano, favoreceu a hiperespecialização disciplinar (Morin, 2000b) e afetou profundamente o modo como se desenvolveu a formação do professor e se concretiza a prática pedagógica. Como bem nos indica Vieira (2000): A fragmentação formal rompe com as relações entre a parte e o todo, separa a forma do conteúdo. É isto que se verifica na educação escolar em que, segundo Saviani (2000, p.14-20), há um divórcio entre conteúdo e método de ensino com ênfase num pólo ou no outro. Ora, a supremacia do conteúdo em detrimento do método e, na maioria das vezes, a supremacia do método em detrimento do conteúdo. Tal separação evidencia até onde chegou a separabilidade, uma vez que, os dois pólos são, pela sua natureza,

intimamente relacionados, entrecruzam-se e se imbricam numa mesma prática, a pedagógica. Esta questão remete a uma outra que se refere a função da educação na sociedade que segundo a autora é uma dupla função: técnica como e com que educar são os meios e política por que e para que educar são os fins. È na busca da superação da dicotomia técnica versus política que se encontra a possibilidade da superação da dissociação conteúdo versus método. Chega-se assim a uma terceira questão que diz respeito a dissociação conteúdo e realidade do aluno. Esta dissociação tem relação com o processo de aquisição da aprendizagem e também em como é concebido o aluno no cotidiano escolar. Estas duas questões, por sua vez, estão intimamente relacionadas, pois o entendimento de quem é o aluno é que deve dar a direção ao processo de aprendizagem. O aluno é considerado, de modo geral, como sendo aquele indivíduo que apresenta determinadas características, construídas socialmente, que dizem respeito a sua aparência, ao seu comportamento e a sua capacidade de aprendizagem o que constitui o aluno padrão. O que não está de acordo com o perfil esperado é considerado desvio e o professor não está preparado para lidar com o desvio. Como se construiu este aluno padrão? É interessante retomar aqui os escritos de Foucault sobre uma outra face da racionalidade moderna: a normalização. Em seu livro Vigiar e Punir Foucault (1987, p 153) escreve: O normal se estabelece como princípio de coerção no ensino, com a instauração de uma educação estandardizada e a criação das escolas normais; [...]. Tal como a vigilância e junto com ela, a regulamentação é um dos grandes instrumentos de poder no fim da era clássica. As marcas que significavam status, privilégios, filiações, tendem a ser substituídas ou pelo menos acrescidas de um conjunto de graus de normalidade, que são sinais de filiação a um corpo social homogêneo, mas que têm em si mesmos o papel de classificação, de hierarquização e de distribuição de lugares. Na sociedade contemporânea ainda se faz presente esta educação estandardizada e homogeinizante e a formação de professores tem acompanhado esta concepção, o que se coloca como um grande problema no contexto de uma globalização que busca a homogeinização cultural. Verifica-se que após a aprovação da LDB Lei nº 9394/96, a formação de professores para a educação básica tem uma nova orientação o que deu origem as Diretrizes Curriculares Nacionais Resolução CP/CNE nº 01/2001. Este novo

direcionamento está baseado no modelo de formação profissional baseado em competências, conforme indica Campos (2003, p.86): [...] a reforma brasileira [...] buscou estabelecer na formação inicial, as bases para a construção de um outro tipo de profissional da educação, cuja legitimidade social não repousa mais nos conhecimentos que possui e transmite, mas nas competências que constrói e que o habilita para a convivência com situações cada vez mais complexas e incertas. Nesta perspectiva poderíamos considerar que a formação de professores já não repousa mais em conhecimentos distantes da realidade, mas que contempla uma formação para diferentes situações e diferentes alunos. No entanto, não é assim que se percebe a formação inicial hoje, mas pensar a educação básica numa perspectiva igualitária envolve, também, o reconhecimento e respeito à diversidade cultural presente no contexto escolar, ou seja, enfrentar o desafio de valorizar a cultura de todos. Apesar da imposição feita pelos grupos detentores do poder em promover uma globalização cultural, o reconhecimento por parte da escola das diferenças existentes entre os alunos devido à cultura, meio onde foram socializados, situação econômica entre outros fatores viabiliza uma seleção mais justa dos conteúdos culturais a serem trabalhados, que respeite a cultura de todos, que sejam atuais e necessários, sem baratear a educação pública. Santos e Lopes (In: MOREIRA, 1991, p. 36 37) destacam a importância de considerar a diversidade cultural ao elaborar o Projeto Político Pedagógico, como uma tentativa de atenuar a desigualdade tão presente em nossa sociedade: Reconhecendo-se a importância de o espaço escolar ser utilizado para fortalecer e dar voz aos grupos oprimidos na sociedade, impõe-se como tarefa primordial dos educadores trabalhar no sentido de reverter essa tendência histórica presente na escola, construindo um projeto pedagógico que expresse e dê sentido à diversidade cultural. A construção e gestão do projeto pedagógico se constituem atribuição coletiva cuja característica fundamental esta relacionada à capacidade de expressar a identidade de cada contexto escolar e sua integração com a sociedade. Conforme indica a LBD número 9394/96 no seu artigo Art. 12º. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I-

elaborar e executar sua proposta pedagógica; [...] VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; Essa atribuição está diretamente ligada a ação do professor, pois o artigo 14º. da mesma Lei define que a gestão democrática do ensino público na educação básica se oriente pelo princípio da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; A legislação estabelece ainda com a incumbência dos professores: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. Na prática pedagógica o professor se constitui o principal agente promotor da educação básica numa perspectiva igualitária que envolve o reconhecimento e respeito à diversidade cultural presente no contexto escolar, que seja capaz de enfrentar o desafio de valorizar a cultura de todos. Para tanto os processos de formação inicial e continuada dos professores tem seu desafio suscitar as condições para que as competências que constrói o habilitem para a convivência com situações cada vez mais complexas e incertas. Verifica-se, portanto, que discutir as violências nas escolas nos remete a rever a própria concepção de educação e a proposta pedagógica a ser desenvolvida pelos professores na educação básica e como decorrência a formação inicial e continuada dos professores. Dados Preliminares da Pesquisa Apresentamos dados preliminares da pesquisa, em andamento, que refletem as percepções de professores e alunos da escola pública sobre as violências nas escolas. Com o objetivo identificar os significados atribuídos pelos professores e alunos às

violências nas escolas foi realizada a coleta de dados mediante a evocação de significados a partir das seguintes palavras: escola, professor, aluno, adolescente, violência. A investigação da temática se desenvolveu no ano letivo de 2006 em duas escolas públicas estaduais que atendem alunos do 2º segmento do ensino fundamental e ensino médio. Com o intuito de preservar o anonimato as escolas foram identificadas com as letras A e B. Verifica-se pelos dados coletados que a faixa etária dos alunos nas duas escolas é de: 11 a 14 anos no Ensino Fundamental, e entre: 15 a 17 anos no Ensino Médio. A escola A, atende a aproximadamente 900 alunos no ensino fundamental e a 500 no ensino médio, e conta com 52 professores. A escola B, atende a aproximadamente alunos no ensino fundamental e a no ensino médio, e conta com professores. Na escola A, participaram da pesquisa 10 professores, 126 alunos do ensino fundamental e 41 alunos do ensino médio. Na escola B, participaram da pesquisa 8 professores, 84 alunos do ensino fundamental e 78 alunos do ensino médio. Na seqüência são apresentados os significados atribuídos pelos professores e pelos alunos à: escola, professor, aluno, adolescente, violências nas escolas. a) Significado de escola Posicionamento dos professores: educação 33,3%; aluno 11,1%; trabalho 11,1%; diversos tais como conhecimento, desenvolvimento, professor, inteligência, saber 44,5%. Segundo os alunos do ensino fundamental escola significa: professor 30%; estudo (ar) 19,52%; aluno 10%; educação 6,6%; diversos tais como amigos, aprender, caderno, prova, etc.33,88%. Segundo os alunos do ensino médio escola significa: professor 15,56%; educação 13,44%; estudar 10,08%; aprender 5%;amigos 4,2%; diversos tais como cadeira,prova,brigas,aprender, etc. 51,72% Na visão dos três segmentos de sujeitos da pesquisa, a palavra educação melhor representa escola. b) Significado de professor

Segundo os professores ser professor está relacionado a uma diversidade bastante grande de significados, sendo que a maior reincidência é: educador 11,1%; mediador 11,11%; diversos tais como aula, orientar, desinteresse, dedicação alunos ensino, exemplo, matéria, etc. 77,8%. Segundo os alunos do ensino fundamental professor relaciona se a: ensinar 9,04%; lição 7,14%;nota 5,7%; legal 5,7%; prova 5,7 %; diversos tais como gritos, prova, exigência, etc. 39,44%. Para os alunos do ensino médio professor relaciona se a: ensinar 13,44%; chato 5,8%; inteligentes 5,8%; respeito 4,2%;legal 3,36%; prova 3,36% e diversos tais como amigo, paciência, etc. 64,04%. c) Significado de aluno Para os professores a palavra aluno está relacionada à: desinteresse 16,6%; indisciplina 16,6%; diversos tais como: aprendizagem; carência; compromisso; pais; Etc.66,8%. Segundo os alunos do ensino fundamental ser aluno se relaciona à: inteligência 12,38%; estudo 9,5%; estudioso 8%;bagunça 5,7%; ser esperto 5,7%;diversos tais como: amizade, bom, aprendiz, uniforme, etc. 58,72%. Para os alunos do ensino médio, ser aluno se relaciona à: estudo 13,44%; aprender 11,76%;bagunça 10,08%; amigos 9,2%; inteligência 5,8%; diversos tais como: legal, respeito,divertido,conversar,etc. 49,72%. d) Significado de adolescente Na visão dos professores a palavra adolescente está relacionada à: novidade 11,11%; rebeldia 11,11%; diversos tais como: ambição, amizade, dialogo,experimento, etc. 77,78%. Segundo os alunos do ensino fundamental ser adolescente se refere à: namoro 8,5%; sexo 8,09%; trabalhar 6,6%; balada 5,2%;diversos tais como;amigos,amor, bagunça,irresponsabilidade, universidade,etc. 71,61%. Para os alunos do ensino médio, adolescência significa: Namoro 16,80%; Sexo 13,44%; estudo 5,8%; amizade 4,2%; rebeldia 3,36% e diversos tais como: responsabilidades, diversão,balada, etc. 56,40%. e) Significado de violência nas escolas

Para os professores o fator violência nas escolas esta associado à: família 22%; medo 11%; diversos tais como: regras, roubo, causa, soluções, etc. 67%. Segundo os alunos do ensino fundamental se relaciona á: Brigas 17,6%; morte/matar 6,6%; droga 3,8%; polícia/patrulha 3,33%; armas 3,33%; xingamentos 3,33%; apelidos 2,8%, diversos tais como:brincadeiras de mal gosto, discriminar, preconceito,fofocas, namoro, etc. 59,21%. Para os alunos do ensino médio e violência nas escolas relaciona se à: brigas 21,84%; vandalismo 9,2%; morte 6,72%; desrespeito 5,4; diversos tais como: fofoca, liderança, inveja, respeito, ameaças, etc.56,84%. QUADRO 1 PERCEPÇÃO DE PROFESSORES E ALUNOS PROFESSORES / ALUNOS ESCOLA PROFESSOR ALUNO ADOLESCENTE VIOLÊNCIA Professores Educação Educador Desinteresse Novidade Família Aluno Mediador Indisciplina Rebeldia Medo Trabalho Alunos Ensino Fundamental Alunos Ensino Médio Professor Estudo / Educação Aluno Educação Professor Educação Estudar Aprender Amigos Ensinar Lição Nota Ensinar Chato Inteligentes Respeito FONTE DADOS DA PESQUISA DE CAMPO. Inteligência Estudioso Bagunça Estudo Aprender Bagunça Amigos Inteligência Namoro Sexo Trabalhar Balada Diversos Namoro Sexo Estudo Amizade Rebeldia Brigas Morte/Matar Droga Polícia/Patrulha/Armas Brigas Vandalismo Morte Desrespeito Apontamentos para continuar a reflexão As violências nas escolas constituem-se em um fenômeno complexo e de difícil abordagem, os professores sentem que seu preparo para lidar com as situações de violência é insuficiente e não existem ainda programas contínuos que tratam desta temática no cotidiano dos professores, assim não foi surpresa perceber pelos dados da pesquisa de campo que há uma dispersão de posicionamentos em todos os significados atribuídos. Observa-se, também, a influência da padronização do perfil do aluno e professor nos posicionamentos tanto dos professores quanto dos alunos. Outro aspecto que merece atenção é a percepção de professores e alunos sobre o mesmo fenômeno, no caso a violência, verifica-se que para os alunos há uma relação direta com violência física de uma pessoa contra outra pessoa, não considerando outros tipos de violência

como, por exemplo, a violência contra o patrimônio da escola. Cabe fazer referência também a percepção mais positiva que professor e aluno tem de si e pouco positiva quando se refere ao outro. Embora a pesquisa de campo não tenha sido concluída pode-se apontar já para a importância a implementação de medidas educacionais, pois representam um importante passo na direção da prevenção da violência produzida e sofrida pela população jovem incluindo uma educação que respeita a diversidade cultural; escola aberta, possibilitando espaços culturais e artísticos nas escolas em finais de semana ou em outros espaços; bolsa escola para famílias. A escola lida, também, com muita dificuldade com as diferenças, uma vez que, a formação, de modo geral, tem sido homogeinizante no que diz respeito à figura do aluno, da aluna, assim quando estes não correspondem a esta figura, o professor sentese impotente ao lidar com a situação. Referências Bibliográficas BRASIL, MEC - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96. CAMPOS, R. F. (2003). Do professor reflexivo ao professor competente: os caminhos da reforma da formação de professores no Brasil. In MORAES, M.C.; PACHECO, J. A.; EVANGELISTA, M. O. Formação de professores: perspectivas educacionais e curriculares. Porto: Porto Editora. FOUCAULT, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. 32º ed. Petrópolis: Vozes. MORIN, E. (2000a). Os sete saberes à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO. MORIN, E.; LE MOIGNE, J. (2000b) A inteligência da complexidade. São Paulo: Peirópolis. SAVIANI, N. (1984). Saber escolar, currículo e didática: problemas de unidade conteúdo/forma no processo pedagógico. Campinas: Autores Associados. VIEIRA, E. (2000). Política social, política económica y método. In E. Borgianni & C. Montaño (Orgs). La política social hoy. São Paulo: Cortez.