Revista do Centro de Educação e Letras INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO RE- GIONAL: ELEMENTOS TEÓRICOS

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Revista do Centro de Educação e Letras Enviado em: 03/09/2009 - Aceito em: 20/11/2009 INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO RE- GIONAL: ELEMENTOS TEÓRICOS RESUMO: Esse artigo analisa a integração e o desenvolvimento regional como elementos complementares, que exigem a articulação das regiões e o fortalecimento dos indicadores humanos e sociais. No aspecto econômico, a integração exige o fortalecimento e melhoria no desenvolvimento através da conexão das economias regionais. No aspecto social, a integração implica o fortalecimento do ser humano, a melhoria dos indicadores sociais e a criação de uma identidade coletiva em todos os espaços que irão se integrar. Assim, os programas de desenvolvimento regional necessitam da integração do espaço intra e inter regional e a criação de uma identidade coletiva nas regiões. PALAVRAS-CHA VRAS-CHAVE: VE: Desenvolvimento regional, economia regional, integração, desenvolvimento econômico. ABSTRACT CT: This paper examines the regional integration and development as complementary elements that require the articulation of regions and strengthening of human and social indicators. In the economic integration requires the strengthening and improvement of the connection through the development of regional economies. In the social integration implies the strengthening of the human being, improving social indicators and the creation of a collective identity in all the spaces that will integrate. Thus, the regional development programs require the integration of intra and inter-regional space and creating a collective identity in the regions. KEY-WORDS: Regional development, regional economics, integration, economic development. Jandir Ferrera de Lima 1 ¹ Ph.D. Desenvolvimento Regional (UQAC/Canadá). Professor adjunto do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE (UNIOESTE)/Campus de Toledo. Pesquisador e bolsista do aaacampusaaa Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Pesquisador do Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Agronegócio (GEPEC). E-mail: jandirbr@yahoo.ca ou jandir@unioeste.br FOZ OZ V. 12 - n º 1 - p. 09-20 1º sem. 2010 REVISTA v.. 12 nº 1 p. 9

REVISTA 10 Introdução: Jandir Ferrera de Lima A discussão da integração como elemento importante no processo de desenvolvimento regional exige reflexões sobre dois prismas: a primeira, a integração intra regional, ou seja, os fatores e as mudanças econômicas e sociais que ocorrem internamente na região e fortalecem a sua coesão territorial; a segunda, a integração inter regional, ou seja, os fatores e as mudanças econômicas e sociais que ocorrem na posição geopolítica e econômica da região em relação aos territórios vizinhos ou além das suas fronteiras. Como ambos estão atrelados a questões sociais e econômicas, eles podem ser conduzidos de forma conjunta, pois estes prismas têm importância crucial na mudança do perfil do desenvolvimento regional. Por exemplo, uma região com dificuldades em se integrar internamente e gerar estímulos para um desenvolvimento socioeconômico mais difuso corre o risco de se desintegrar. Da mesma forma uma região que não seja capaz de fortalecer seus vínculos de comércio e transações com outras regiões criarão obstáculos ao crescimento econômico e como isso a melhorias na renda per capita. Isso significa que os ganhos de crescimento econômico advindos do comércio inter regional devem ser distribuídos da forma mais equitativa possível entre os entes territoriais que compõem a região. Geralmente, quando se fala em integração regional há uma confusão quanto ao papel desempenhado pelo comércio. Ricardo (1986), afirmava que o comércio intra regional vai estimular a especialização das regiões. Assim, as regiões que tiverem um custo relativamente menor no uso da mão de obra na produção devem dominar o mercado. As regiões deveriam concentrar seus insumos, seus recursos e sua estrutura produtiva na produção de mercadorias nas quais detém vantagens comparativas. Com isso, todas as regiões saem ganhando com o fortalecimento do comércio regional e o crescimento econômico será uma consequência natural desse processo. Talvez por isso os agentes econômicos e políticos, e até mesmo da opinião pública, associam a integração regional apenas com tratados de livre comércio. Isso se deve a falta de uma visão mais clara do que vem a ser região e o papel dos grupos sociais no espaço.

INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ELEMENTOS TEÓRICOS Para Santos (2003) a região é marcada pelo fenômeno social. O fenômeno social deriva da forma como os grupos sociais organizam seus meios de produção e consumo e gerenciam sua vida em sociedade. A organização dos meios de produção e consumo também é influenciada pelas características geográficas, ou seja, naturais. O fenômeno social é então resultante de um processo social e natural, cuja lógica é dada pelas leis que governam os processos sociais. Todo processo social tem uma espacialidade própria, que conduz a diferenças no processo interno de desenvolvimento regional. Diferente de Santos (2003), para North (1977, 1990, 2006) o comércio inter regional e com ele as exportações regionais são o fator determinante do crescimento de uma região e de sua interação com o resto do mundo. O dinamismo das regiões e as possibilidades da sua integração são dados pelo avanço da base econômica, porém o seu sucesso e desempenho dependem do papel das instituições e de sua evolução. As instituições atuam regulando as relações econômicas e sociais e, com isso, reduzem os custos de transação e de transformação. Os custos de transformação estão ligados aos custos de produção. Os custos de transação incidem sobre as operações do sistema econômico, pois parte da estrutura econômica de uma região não está diretamente ligada aos meios de produção, mas aos meios de consumo. Assim, o comércio inter regional e as instituições são complementares. O comércio garante a distribuição e estimula o consumo dos excedentes gerados nas regiões. As instituições estabelecem o marco regulatório para os encadeamentos produtivos e a forma distributiva com as regras do jogo. Para compreender a base econômica de uma região e o seu papel na integração é necessário entender as suas relações com os demais espaços que compõem o território nacional e com outros países, cuja regulação se dá pelas instituições inter territoriais. Nesse sentido, o foco de interesse para a integração regional está voltado para os fluxos inter regionais de produtos e serviços, capital, emprego e população. No entanto, no caso específico dos fluxos comerciais, seu ponto de partida está na especialização regional e na forma como os agentes econômicos se integram na sua lógica de produção. Por isso, esse artigo analisa através da revisão de literatura a integração e o desenvolvimento regional como elementos REVISTA 11

REVISTA 12 Jandir Ferrera de Lima complementares e necessários para o avanço econômico e social das regiões. Porém, necessitam da articulação de elementos internos e externos à região tais como o fortalecimento da economia regional, da identidade regional e do capital humano e social. 2. Integração e Economia Regional As trocas inter regionais sempre tiveram um tratamento importante na teoria do desenvolvimento regional, pois elas são o fundamento da especialização local e das vantagens comparativas. Por isso, vários estudos clássicos sobre o desenvolvimento regional examinavam as relações mercantis, o movimento do capital e do trabalho entre as regiões. Já os estudos mais recentes articulam-se em torno da nova divisão espacial e internacional do trabalho; outros sobre o papel do capital social e humano nas diferentes fases do processo de produção e na construção do tecido social (BENKO, 1999; CAPELLO, 2008). No plano puramente econômico, o processo de integração regional no plano econômico implica na existência da integração com uma economia nacional e internacional. Ou seja, o objetivo da integração é o fortalecimento e melhoria no desenvolvimento através da conexão das economias regionais e locais. Por isso, o comércio inter regional tem um papel importante nessa conexão. Ele fortalece o continuum que existem entre as atividades econômicas para além dos espaços exclusivamente regionais. O continuum regional é um padrão locacional de desenvolvimento interrupto num espaço, ou seja, a mesma dinâmica e perfil de desenvolvimento socioeconômico ocorrem de forma contígua e sucessiva. Dessa forma, o continuum representa um conjunto conexo. Nesse conjunto, a localização das e a especialização das atividades produtivas muda ao longo do tempo. Esse continuum é fortalecido numa relação de causa e efeito (FERRERA DE LIMA, 2010). Para Vlasman (1996) a relação causa-efeito carrega uma perspectiva de continuidade, ou seja, a causa existe antes do efeito e o efeito é uma conseqüência da causa. Ambos existem numa relação diacrônica e anotam uma continuidade no tempo e o princípio da causalidade: as causas estão próximas dos efeitos. Na integração da economia regional, a causa e o efeito

INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ELEMENTOS TEÓRICOS estão intimamente relacionados, pois o processo de desenvolvimento regional é um processo que advém de uma causação circular e cumulativa. A ocupação de uma região, por exemplo, põe em marcha forças que atuarão sobre a configuração espacial e econômica dessa região ao longo do tempo. Essa configuração econômica e espacial forma a estrutura e regem as transformações possíveis do seu conjunto territorial. Essas transformações se localizam no espaço (sincronia) e no tempo (diacronia) através de uma combinação de elementos: espaço, o tempo, a configuração econômica (perfil setorial da economia), o fluxo da renda, a capacidade de criar postos de trabalho e ampliar o comércio. Dentre os elementos citados, Furtado (1983) chama a atenção da importância do fluxo da renda. Enquanto o crescimento econômico é apenas pela expansão e aumento da produção, o desenvolvimento econômico é a expansão e o aumento do fluxo de renda real. A expansão do fluxo de renda resulta num aumento da produtividade do trabalho decorrente da acumulação de capital e do avanço das técnicas. A possibilidade de desenvolvimento econômico sem crescimento econômico é incompatível com a realidade, pois o aumento da produtividade aumenta a renda, modificando o consumo da população e a estrutura da produção. Assim, a distribuição de renda é um dos principais fatores condicionantes para as mudanças no consumo e na produção. Porém, a possibilidade de crescimento econômico sem desenvolvimento econômico é possível, quando as mudanças estruturais na economia não conduzem a melhorias sociais e a distribuição da renda, retraindo o mercado interno. Nesse caso, as regiões buscam sua dinâmica fora do mercado interno, mas no comercio inter regional. Por isso, os a integração inter regional e intra regional deve ser conduzidas de forma conjunta para fortalecer o processo de desenvolvimento. Furtado (1983) afirma que uma das soluções para se iniciar o processo de desenvolvimento é a abertura comercial, com a especialização dos fatores de produção existentes, permitindo o aumento da renda, iniciando, então, um processo de acumulação na economia. O aumento das exportações estimula o crescimento da renda disponível, aumentando o consumo, diversificando a demanda e modificando o aparelho de produção, que, necessariamente, precisará de novas inversões para atender o progresso e a dinâmica da REVISTA 13

REVISTA 14 Jandir Ferrera de Lima estrutura produtiva. O aumento da produtividade advém do aumento da acumulação de capital, com o aperfeiçoamento do fator humano e das técnicas de produção. No caso, um dos desafios mais proeminentes no processo de integração das economias regionais está além das suas condições de comércio, mas de fortalecimento do fator humano. A idéia de integração transcende o aspecto puramente econômico e envolve questões sociais e culturais. A forma como estas questões são tratadas no âmbito das políticas públicas é que vai indicar o quanto os agentes econômicos estão dispostos e capazes de se integrar. 3 Integração Regional e Capital Humano As questões sociais no processo de integração regional envolvem as disparidades de renda, as condições e a qualidade de vida ao longo do espaço. Se houverem disparidades muito grandes de renda, haverá tendências de migrações intra regionais e a queda na qualidade de vida das áreas mais abastadas. Isso significa uma mudança significativa nas rotas de comércio, de investimentos e de localização do emprego, consequentemente, da população. Por isso, as melhorias na renda e na qualidade de vida estão altamente associadas e são importantes na economia regional. Uma é reflexa da outra e ambas se refletem no espaço. Com isso, um dos focos da discussão em torno da integração é a unificação das economias regionais num processo conexo de desenvolvimento socioeconômico. Essa unificação, para a ação da política pública, envolve a harmonização das taxas de crescimento econômico, melhorias nos indicadores sociais e econômicos. Isso implica em alguns casos a transferência de recursos das áreas mais ricas, a criação de programas sociais, a criação de metas de desenvolvimento e no incentivo ao fortalecimento do capital humano. No caso do capital humano, ele é a capacidade produtiva e intelectual que o individuo adquiri devido ao acesso e acumulação de conhecimentos, que podem ser utilizados nas suas relações sociais e produtivas. O nível de capital humano da população influencia o sistema econômico através do aumento da produtividade, das transações, do fornecimento de

INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ELEMENTOS TEÓRICOS maiores conhecimentos e habilidades. Por isso, a capacidade produtiva e intelectual da população também serve para resolver problemas e superar dificuldades regionais, contribuindo com a sociedade de forma individual e coletiva (SCHULTZ, 1981; BECKER, 1993). Por isso, em alguns casos a transferência de recursos não envolve apenas a criação de infraestrutura produtivas, mas também a construção de um tecido social sustentado no capital humano. As áreas mais ricas destinam parte do seu excedente para a melhoria da qualidade de vida nas áreas mais pobres. Essa transferência é a garantia contra uma mobilidade indesejada dos fatores de produção (trabalho e capital). Além disso, vai possibilitar o fomento a disseminação do conhecimento e das condições técnicas de produção, além da construção do capital social básico, ou seja, a construção de escolas, hospitais, associações, etc., e a formação de um mercado consumidor mais amplo nas regiões. Já a criação de programas sociais vem complementar a transferência de recursos em infraestrutura e garantir que a população tenha acesso a ela. Com os programas sociais criam-se os incentivos ao fortalecimento do capital humano, como a escolaridade, a garantia da renda mínima, a garantia a segurança alimentar, etc. Quanto às metas do desenvolvimento, estas envolvem o planejamento das atividades e da criação de mecanismos de fortalecimento dos interesses coletivos em detrimento dos interesses individuais. Com isso, o desenvolvimento regional fica acima dos interesses locais e passam a ser da coletividade. Já o incentivo a cultura envolve questões de identidade regional. Essa identidade se constrói ao longo dos anos, pois englobam o folclore, a história, as tradições, o sentimento de pertencimento e o empreendedorismo das populações. Sabese que nas regiões mais desenvolvidas a população valoriza e respeita o local onde vivem. Esse respeito e essa valorização advêm do orgulho e da admiração pela sua região. Com o tempo, isso transforma o desenvolvimento e a qualidade de vida em valores intocáveis e que devem ser mantidos pelos grupos políticos. A identidade regional é elemento fundamental para a formação de um espírito empreendedor e desenvolvimentista. O indivíduo só vai empreender sobre algo que ele confia e esti- REVISTA 15

REVISTA 16 Jandir Ferrera de Lima ma. Essa confiança surge da sua história na região e da forma como o poder público administra o espaço local. 4. Integração Regional e Identidade Os traços comuns, além da língua e das tradições, as origens são questões importantes no processo de integração e desenvolvimento regional. Esses traços em comum incluem o grau de educação, o nível de progresso e das condições de bem estar social. Esses elementos fortalecem a coesão social e o pertencimento da população, o que conduz ao fortalecimento do capital social. Como foi analisada anteriormente, a melhoria na qualidade de vida e na distribuição da renda são elementos norteadores da integração e indicadores de desenvolvimento humano. Há pouco interesse de regiões de qualidade de vida superior em se integrar com outra de qualidade de vida inferior, a não ser que isso traga ganhos extraordinários de comércio e fornecimento de matérias primas. É uma tendência do ser humano em querer estar próximo da riqueza e não da pobreza. Da mesma forma, no desenvolvimento regional, os homens querem se integrar com a possibilidade do progresso. Porém, no caso de regiões com desenvolvimento socioeconômico muito dispares, o processo poderá ser danoso para as regiões mais fragilizadas, pois fortalece a dependência. Neste sentido, o processo de integração implica na organização e o planejamento da distribuição da riqueza e do bem estar social ao longo do espaço. A falta da distribuição do bem estar social e do acesso a riqueza tornam-se um obstáculo à integração, pois não dão uma noção de identidade, mas de subdesenvolvimento e dependência. O que deve nortear a integração não é a idéia de dependência ou exploração, mas de que os povos podem progredir mais e melhor de forma conjunta. Assim, o processo de integração envolve um conceito de identidade que engloba a educação, o progresso e o bem estar social. A educação deve atender desde a qualificação da mão de obra até a valorização cultural do espaço e da própria integração. A qualificação da mão de obra dará condições similares para que todos os trabalhadores possam competir no mercado de trabalho e acabará com a idéia de exclusão induzida

INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ELEMENTOS TEÓRICOS ou marginalidade. A exclusão e marginalização são um dos grandes obstáculos para a melhoria da qualidade de vida. Os estudos de Myrdal (1965) apontaram isso claramente, ao analisar o ciclo vicioso da pobreza. Para romper o ciclo da pobreza devem-se criar as condições sociais para isso, e o fortalecimento do capital humano é uma dessas condições. Para Myrdal (1965) a política pública tem um papel primordial na recuperação do tecido social e na construção de uma sociedade mais igualitária, pois o jogo de forças do mercado aumenta as desigualdades, pois algumas regiões são mais favorecidas do que outras devido a fatores locacionais. Da mesma forma, alguns grupos sociais são mais favorecidos que outros em função de fatores históricos e culturais. O mesmo ocorre com a qualidade de vida e a liberdade de escolha. O acesso a ela dá ao indivíduo uma consciência política da sua necessidade e manutenção. O homem passa a ver o bem estar como um direito universal. Assim, o processo de educação não é apenas um processo de alfabetização e de qualificação da mão de obra. É, antes de tudo, um processo de cidadania e de criação de um espírito coletivo que formará a identidade regional. Por isso, todo plano de desenvolvimento regional integrado passa pela melhoria das condições sociais e o acesso a educação de forma equitativa nas regiões. Quanto a isso, podese afirmar que não há desenvolvimento e melhoria na qualidade de vida sem melhorias na educação e nas condições de vida. Os estudos de Sen (1999), Becker (1993) e Schultz (1981) demonstram isso claramente. Melhorar o nível de escolaridade é melhorar as condições de produtividade, e, com ela, garantir a sustentabilidade do crescimento no longo-prazo (KRUGMAN, 1994). A própria realidade empírica tem comprovado esses fatos. A melhoria na qualificação incentiva o empreendedorismo e com ela a produção de inovações. Essas inovações seguem as orientações definidas por Schumpeter (1985), ou seja, inovações no sentido de novas técnicas de produção, na criação de novos produtos, no desenvolvimento e descoberta de novas matérias-primas E na abertura de novos mercados. Assim, mais do que integrar, a identidade produzida para a integração deve ser capaz de tornar a mão de obra qualificada agente da inovação e de adaptar-se a ela facilmente. Em suma, qualquer programa de desenvolvimento regio- REVISTA 17

REVISTA 18 nal passa pela integração do espaço e pela criação de uma identidade coletiva nas regiões. Para isso, há a necessidade de uma revolução na educação objetivando a melhoria da qualidade de vida e Na criação das condições necessárias à sustentabilidade do progresso. Conclusão: Jandir Ferrera de Lima A discussão em torno da integração regional e seu papel no fortalecimento das economias regionais não á atual, mas permeia o debate econômico e político da geopolítica no século XX. Tanto que iniciativas na América Latina como a Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), substituída pela Associação Latino Americana de Integração (ALADI), e recentemente a Comunidade Andina e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) sempre foram apontadas como instrumentos importantes para fortalecer o comércio inter e intra regional e estimular o crescimento econômicos dos países signatários. No entanto, a experiência da União Européia chama a atenção para a necessidade de se harmonizar também as melhorias sociais e a infraestrutura da regiões que compõe as alianças de integração. No caso da União Européia, além de fortalecer o capital humano e social, as medidas de nivelamento dos países signatários do tratado de livre comércio e integração também tem o objetivo de evitar a mobilidade indesejada de capitais e mão de obra. Nesse sentido, criar programas sociais que melhorem as condições de vida das regiões que tem interesse num processo amplo de integração serve não apenas para recuperar o tecido social, mas também para garantir equidade na competição entre as regiões e na otimização do capital humano. As experiências com as crises mundiais vivenciadas no inicio do século XX e do século XXI demonstraram que as forças de mercado por si só não são capazes de recuperar a economia em um estágio de depressão econômica. Por isso, a política pública tem um papel importante não só em harmonizar as condições sociais da população, mas em criar a regulamentação necessária para os mercados. Essa regulamentação dá as condições de ação das instituições e a proteção ao cidadão. Em suma, qualquer processo de integração e desenvolvimento regional é feito para a sociedade. Isso implica em garan-

INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ELEMENTOS TEÓRICOS tir a equidade de oportunidades e de bem estar social. Se uma política de integração regional não é capaz de garantir a melhoria das condições de vida nos espaços regionais que se integram, então a mesma está fadada ao fracasso e ao fortalecimento das desigualdades regionais. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CAPELLO, Roberta. Regional economics in its 1950s: recent theoretical directions and future challenges. The Annals of Regional Science, Berlin, vol. 42, nº 04, p.747-767, 2008. BECKER, Gary. Human capital: A theoretical and empirical analysis, with special reference to education, 3º ed. Chicago: University of Chicago, 1993. BENKO, George. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. 2º ed. São Paulo: Hucitec, 1999. FERRERA DE LIMA, Jandir. La diffusion spatiale du développement économique regional. Sarrabruck: Éditions Universitaires Europpéennes, 2010. FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 8º ed. São Paulo: Nacional, 1983. KRUGMAN, Paul. A era da incerteza: As expectativas econômicas frustradas. São Paulo: Campus, 1994. MYRDAL, Gunnar. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: Saga, 1965. NORTH, Douglas C. A Teoria da localização e crescimento regional. In: SCHWARTZMAN, J. (org.) Economia regional: textos escolhidos. Belo Horizonte: EdUFMG, p.291-314, 1977. NORTH, Douglas C. Custos de transação, instituições e desempenho econômico. 3º ed. Rio de Janeiro: IL, 2006. NORTH, Douglas C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. (coleção Os economistas). São Paulo: Nova Cultural, 1986. SANTOS, Milton. Economia espacial. 2 o ed. São Paulo: Edusp, 2003. REVISTA 19

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