Resumo. Palavras-chaves: ensino de línguas, formação docente, pensamento crítico, planejamento curricular, lingüística aplicada.



Documentos relacionados
OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

FORMAÇÃO DOCENTE: ASPECTOS PESSOAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUCIONAIS

ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DOS GRADUANDOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

A LEITURA NA VOZ DO PROFESSOR: O MOVIMENTO DOS SENTIDOS

DA UNIVERSIDADE AO TRABALHO DOCENTE OU DO MUNDO FICCIONAL AO REAL: EXPECTATIVAS DE FUTUROS PROFISSIONAIS DOCENTES

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

PIBID: DESCOBRINDO METODOLOGIAS DE ENSINO E RECURSOS DIDÁTICOS QUE PODEM FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

USANDO A REDE SOCIAL (FACEBOOK) COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

PENSAMENTO E LINGUAGEM: ESTUDO DA INOVAÇÃO E REFLEXÃO DOS ANAIS E DO ENSINO/APRENDIZAGEM DO INGLÊS EM SALA DE AULA

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

UM RETRATO DAS MUITAS DIFICULDADES DO COTIDIANO DOS EDUCADORES

13. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1 COMPLEXIDADE EM AMBIENTES DE SALA DE AULA DE LÍNGUA INGLESA

Pedagogia Estácio FAMAP

A FORMAÇÃO DE SUJEITOS CRÍTICOS NO ENSINO SUPERIOR: UM POSSÍVEL CAMINHO PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL. Marijara de Lima Monaliza Alves Lopes

AULA COM O SOFTWARE GRAPHMATICA PARA AUXILIAR NO ENSINO E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

TÍTULO: ALUNOS DE MEDICINA CAPACITAM AGENTES COMUNITÁRIOS NO OBAS CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CONTEXTO TECNOLÓGICO: DESAFIOS VINCULADOS À SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

compreensão ampla do texto, o que se faz necessário para o desenvolvimento das habilidades para as quais essa prática apresentou poder explicativo.

Por uma pedagogia da juventude

EDUCAÇÃO E PROGRESSO: A EVOLUÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA ESTADUAL ELOY PEREIRA NAS COMEMORAÇÕES DO SEU JUBILEU

Palavras-chave: Ambiente de aprendizagem. Sala de aula. Percepção dos acadêmicos.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA

Maria Izabel Rodrigues TOGNATO[2]

POR QUE FAZER ENGENHARIA FÍSICA NO BRASIL? QUEM ESTÁ CURSANDO ENGENHARIA FÍSICA NA UFSCAR?

PROFISSÃO PROFESSOR DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL DOS ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA UEPB MONTEIRO PB.

NA POSTURA DO PROFESSOR, O SUCESSO DA APRENDIZAGEM

VII E P A E M Encontro Paraense de Educação Matemática Cultura e Educação Matemática na Amazônia

1.3. Planejamento: concepções

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: 184 Parábola Editorial, 2010.

APRENDER A LER PROBLEMAS EM MATEMÁTICA

O olhar do professor das séries iniciais sobre o trabalho com situações problemas em sala de aula

SUA ESCOLA, NOSSA ESCOLA PROGRAMA SÍNTESE: NOVAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA

PROJETO MEDIAR Matemática, uma Experiência Divertida com ARte

LEITURA E ESCRITA: HABILIDADES SOCIAIS DE TRANSCREVER SENTIDOS

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA

PESQUISA-AÇÃO DICIONÁRIO

A INFORMÁTICA E O ENSINO DA MATEMÁTICA

FORMAÇÃO PLENA PARA OS PROFESSORES

Profa. Ma. Adriana Rosa

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NUMA ESCOLA DO CAMPO

VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA, ORALIDADE E LETRAMENTO EM UMA TURMA DE PRÉ-ESCOLAR (CRECHE), EM TERESINA.

5 Considerações finais

Rousseau e educação: fundamentos educacionais infantil.

Para um projeto de educação em valores 1

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

EXPRESSÃO CORPORAL: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA

OS DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

A EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES -PROBLEMA NA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DE FRAÇÕES. GT 01 - Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

A PRÁTICA DE MONITORIA PARA PROFESSORES EM FORMAÇÃO INICIAL DE LÍNGUA INGLESA DO PIBID

A aula de leitura através do olhar do futuro professor de língua portuguesa

Gênero: Temas Transversais e o Ensino de História

Avanços na transparência

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM PATOS, PARAÍBA: A PROFICIÊNCIA DOS ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DE PATOS

UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR DE INGLÊS DA CIDADE DE FAGUNDES - PB

OLIMPÍADA BRASILEIRA DE MATEMÁTICA DAS ESCOLAS PÚBLICAS (OBMEP): EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS A PARTIR DO PIBID UEPB MONTEIRO


MÍDIAS NA EDUCAÇÃO Introdução Mídias na educação

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

Resolução de Exercícios Orientações aos alunos

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E EDUCAÇÃO ESPECIAL: uma experiência de inclusão

A PROPOSTA DE ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA DOS PCN E SUA TRANSPOSIÇÃO ENTRE OS PROFESSORES DE INGLÊS DE ARAPIRACA

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RESOLUÇÃO N , DE 22 DE JANEIRO DE 2010

Prefeitura Municipal de Santos

O que fazer para transformar uma sala de aula numa comunidade de aprendizagem?

12. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1. Língua estrangeira nas séries do Ensino Fundamental I: O professor está preparado para esse desafio?

III SEMINÁRIO EM PROL DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Desafios Educacionais

INTEGRAÇÃO DE MÍDIAS E A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NUMA ESCOLA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA: DA TEORIA À PRÁTICA

FUNDAÇÃO CARMELITANA MÁRIO PALMÉRIO FACIHUS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Educação de qualidade ao seu alcance SUBPROJETO: PEDAGOGIA

A IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS DE MATEMÁTICA E FÍSICA NO ENEM: PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO CURSO PRÉ- UNIVERSITÁRIO DA UFPB LITORAL NORTE

USO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PRESENCIAL E A DISTÂNCIA

Resgate histórico do processo de construção da Educação Profissional integrada ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)

O mundo lá fora oficinas de sensibilização para línguas estrangeiras

Título: QUALIDADE VOCAL NAS ESCOLAS DE SALVADOR. Autor: Profª. Ana Paula Corona, Profº Penildon Silva Filho

Disciplina: Alfabetização

PROGRAMA ESCOLA DA INTELIGÊNCIA - Grupo III ao 5º Ano

Fragmentos do Texto Indicadores para o Desenvolvimento da Qualidade da Docência na Educação Superior.

OS LIMITES DO ENSINO A DISTÂNCIA. Claudson Santana Almeida

A Educação Bilíngüe. » Objetivo do modelo bilíngüe, segundo Skliar:

ASPECTOS HISTÓRICOS: QUANTO A FORMAÇÃOO, FUNÇÃO E DIFULCULDADES DO ADMINISTRADOR.

DIÁLOGO COM A CULTURA A PARTIR DO ENSINO SOBRE FITOTERAPIA PARA ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM DE FACULDADES PARTICULARES

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE - UNICENTRO CURSO ESPECIALIZAÇÃO DE MÍDIAS NA EDUCAÇÃO VÂNIA RABELO DELGADO ORIENTADOR: PAULO GUILHERMETI

DEMOCRÁTICA NO ENSINO PÚBLICO

A DANÇA E O DEFICIENTE INTELECTUAL (D.I): UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA À INCLUSÃO

REALIZAÇÃO DE TRABALHOS INTERDISCIPLINARES GRUPOS DE LEITURA SUPERVISIONADA (GRULES)

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

O ENSINO DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA NA EDUCAÇÃO DOS JOVENS E ADULTOS EM UMA ABORDAGEM CTS 1. Educação Matemática na Educação de Jovens e Adultos GT 11

Transcrição:

DESMITIFICANDO A APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NO ENSINO PÚBLICO BRASILEIRO: O PAPEL DO PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NUMA PERSPECTIVA SÓCIO-POLÍTICO-PEDAGÓGICA LINS JR., José Raymundo Figueiredo URCA Universidade Regional do Cariri Departamento de Línguas e Literaturas Resumo Este artigo tem por finalidade apontar e questionar os mitos citados por Moita Lopes (1986) no tocante ao ensino-aprendizagem de língua inglesa no ensino público brasileiro. Enfatizamos a papel do professor de inglês com elemento motivador de transformação social, bem como sua formação e postura crítico-reflexiva. Palavras-chaves: ensino de línguas, formação docente, pensamento crítico, planejamento curricular, lingüística aplicada. "DEMYTHICIZING" THE LEARNING OF FOREIGN LANGUAGE IN THE BRAZILIAN PUBLIC EDUCATION: THE EFL TEACHERS' ROLE UNDER A SOCIO-POLITICAL-PEDAGOGICAL PERSPECTIVE. Abstract: The article aims to question the myths mentioned by Moita Lopes (1986) concerning the teaching-learning of English language in the Brazilian public education. We will focus on English teachers' role as "trigger" to social changes, as well as their pedagogical background and critical posture. Key-words: language teaching, teachers formation, critical thinking, course design, applied linguistics.

Eu investigo, eu não asseguro. Não afirmo coisa alguma com certeza definitiva. Conjecturo, tento, comparo, ensaio, pergunto... (Adumbratio Kabbalæ Christianæ) Numa pesquisa realizada em escolas do município do Rio de Janeiro, em 1984, Moita Lopes (1986) observou que vários professores atribuíam quase que unicamente aos seus alunos a incapacidade de aprenderem a língua inglesa, presente no currículo escolar. O mesmo autor, dez anos depois retoma este ponto analisando a questão da formação acadêmica do professor de língua estrangeira em seus aspectos intra e extra curricular, bem como o posicionamento adotado pelo mesmo na sua atividade profissional. Nesta mesma perspectiva traçamos o caminho deste trabalho que pretende questionar os porquês de encontrarmos professores de inglês que ainda insistem em repetir, e pior ainda, acreditar em conceitos do tipo:... uma criança aprende mais facilmente uma LE 1 em situação formal de aprendizagem que adultos; para se ensinar uma LE tem-se que necessariamente ensinar as quatro habilidades lingüísticas; [...] a tradução como solução pedagógica é prejudicial à aprendizagem de LE; o apelo à língua nativa (LN) como um artifício para ensinar a LE é nocivo por causa do fenômeno da interferência da LN na LE; o aluno tem que aprender a pensar na LE; [...] quem não sabe a LN não pode aprender uma LE; etc. (Moita Lopes, 1996, p. 65). Acreditamos que tais mitos são difundidos e preservados, pela falta de uma postura crítica dos professores de LE em relação a sua atividade profissional, levando em consideração, ainda, outros aspectos que não os simplesmente lingüísticos. Conhecemos bem a realidade do ensino público brasileiro, mas não podemos tomar as várias dificuldades encontradas como justificativas para um posicionamento social alienado. Isso só irá contribuir para mascarar a estrutura social de exploração à qual as classes subalternas 2 (Patto, 1984, p. 26) estão submetidas. Neste aspecto, percebemos que há uma certa intencionalidade por parte dos grupos dominantes de que a educação seja um fator não libertador e favorável às mudanças, mas algo que contribua para o continuísmo em que vivemos, onde os futuros protagonistas desta nação aceite os programas educacionais préestabelecidos, sem discutir sua real significação ou relevância. Desta forma, entendemos que os mitos supra citados são revestidos de uma ignorância social e total falta de questionamento crítico. Se por um lado reconhecemos a falta de comprometimento social no papel do educador contemporâneo, por outro lado temos que analisar o porquê desta atitude. Voltamonos, então, para a questão da formação acadêmica destes profissionais. Percebemos que cada vez mais, a dicotomia nas áreas de estudo vão se estabelecendo. O que antes era domínio das licenciaturas em geral, hoje se vê limitado aos cursos de pedagogia, onde as disciplinas da área pedagógica são centralizadas pelo curso de Pedagogia. Isso nos leva a duas conseqüências diretas: o distanciamento do diálogo entre os cursos específicos e as disciplinas de didática, psicologia e estágios supervisionados, e a multiplicidade de cursos dentro das salas de aulas dessas disciplinas, o que, muitas vezes, prejudica o diálogo já mencionado 1 LE, abreviação de Língua Estrangeira. 2 A autora utiliza este termo ao invés de classes desfavorecidas ou desprivilegiadas na defesa que tais termos só tendem a aumentar o não reconhecimento da injustiça social que sofre o nosso país.

anteriormente. Fique claro que não estamos propondo um isolamento disciplinar, ao contrário, questionando este problema reivindicamos uma solução. Por outro lado, não podemos esquecer que negligenciamos os estudos lingüísticos frente aos literários, por exemplo, pelo fato de encontrarmos mais fontes de pesquisa para estes do que para os primeiros. E mais, os questionamentos levantados pelos estudos lingüísticos, são quase sempre associados a outras questões, de ordem social, psicológica, antropológica, política e tantas outras, tornando-os, assim, mas difíceis de serem resolvidos. Em geral, os departamentos de línguas estrangeiras ou têm tratado a linguagem como um produto de análise lingüística ou ficado á mercê da última moda lançada no mercado editorial estrangeiro para o ensino-aprendizagem de LÊS [...]onde as pesquisas têm sido orientadas para o fenômeno literário, fazendo com que os estudos lingüísticos, quando existente, recebam uma atenção secundária e, muitas vezes, equivocada. (Moita Lopes, 1996, p. 64.) Cabe, então, ao próprio professor tornar-se um pesquisador no intuito de prover-se de informações que são omitidas na sua formação acadêmica seja pelos motivos já descritos, seja por outro motivo qualquer. E neste sentido, ressaltamos o papel da universidade, que deve atender às necessidades básicas da comunidade na qual está inserida, ministrando um ensino de qualidade, realizando pesquisas e estimulando atividades criadoras nas suas diversas áreas e estendendo o ensino e a pesquisa à comunidade, mediante cursos e atividades de extensão. Se conseguirmos ver a instituição de ensino superior como um instrumento catalisador para a transformação social, e não apenas uma fonte de conhecimento elitista, onde o seu produto é quase sempre restrito à comunidade que a permeia, então entenderemos que a educação, por ser uma prática de intervenção na realidade social, é um fenômeno multifacetado composto por um conjunto complexo de perspectivas e enfoques (Rego, 2001, p. 124) e estaremos formando profissionais mais preparados para agir na sua comunidade. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. [...] Formação que se funda na análise crítica de sua prática. (Freire, 2001, p. 259/260). Na formação específica do professor de LE, e aqui limitaremos nossa discussão para o professor de inglês, é necessário refletir sobre outras questões que envolvem esta disciplina que não apenas a lingüística. Precisamos perceber a ideologia sócio-cultural (bem como seus efeitos) que permeia o ensino de uma segunda língua, especificamente tratando-se de alunos da escola pública, que trazem um conhecimento de mundo limitado por pertencerem às classes subalternas, submissas economicamente e, consequentemente, impossibilitadas de participar das diversas atividades sociais e políticas praticadas pelas classes dominantes. A Instituição-Escola, então, passa a ser representante dessas classes, exercendo a função de reprodutora de verdades válidas, ou seja, de conhecimentos construídos a partir das experiências e possibilidades daqueles que constituem essas classes dominantes. Acreditamos, portanto, que mesmo conscientes dos engenhos ideológicos que constituem as nossas instituições, não há como escapar do fato de que somos, também, transmissores dessas ideologias:

O importante [na discussão do assunto] é [não esquecer] que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é [...] a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar). [...] Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Foucault, 1984, p. 12). Esse conhecimento de mundo limitado por parte do aluno da escola pública é que dificulta o seu acesso à assimilação do conteúdo. Tocamos, então, no ponto essencial deste artigo: não se trata de incapacidade pessoal ou cognitiva a questão da aprendizagem escolar, mas de falta de interação entre aluno e conteúdo. Pois, por mais que este seja aplicado (ainda que repetitivamente) ao aluno, não terá significação nenhuma, a menos que seja reconhecido, ou seja, codificado através de experiências pessoais. Paulo Freire (2001) defende a necessidade de uma codificação para que a leitura a palavra possa suceder à leitura do mundo. Esta afirmação, então, obriga o indivíduo a ter esta referência (leitura) do mundo a qual citamos anteriormente. Tomemos este exemplo para situarmos o ensino-aprendizagem da língua inglesa. O grande índice do fracasso escolar nesta disciplina é que os professores não fazem esta codificação acontecer. Ao contrário, eles afastam mais ainda o conteúdo de seus alunos, através de regras sistemáticas e desprovidas de significação, ou mesmo exemplos sem nenhum sentido concreto, como se isto resolvesse a questão da insuficiência cultural, do reconhecimento de valor. O inglês não deve ser visto como um elemento opressor, elitista, diferenciador, mas como um elemento de integração, que faz o falante (ou leitor 3 ) perceber-se como cidadão que tem uma contribuição a ofertar à sua comunidade e que por isso tem direito a apropriar-se de todo o conhecimento que lhe seja pertinente, e não apenas àquele(s) que lhe sejam destinados (ou à sua classe). Neste momento, percebemos, então, que a não-aprendizagem de um determinado conteúdo se dá por uma falta de codificação do mesmo, e não por problemas cognitivos ou lingüísticos, o que anula, a priori, o primeiro e os dois últimos mitos apresentados, como explicitamos a seguir. O fator idade não pode ser trazido à tona como fator determinante à aquisição, pois há estudos onde, a depender da modalidade de ensino aplicada, o adolescente/adulto tem uma maior potencialidade para assimilar as estruturas lingüísticas trabalhadas (cf. Snow & Hoefnagel- Höhle apud Ellis, 1994). Outro fator é o que diz respeito à questão de pensar na LE ; este é um mito que realmente mostra o total despreparo de um professor de língua estrangeira, pois conhecemos o processo cognitivo do pensar, e sabemos que o ato de conhecer e reconhecer é expresso pelas experiências adquiridas, assim, é inaceitável pedir a um aluno que ele pense em uma determinada língua, cuja cultural não lhe é familiar ou mesmo conhecida. Por fim, o fato mais crítico de todos os já mencionados, como afirmar que um falante nativo do português não conheça a língua que fala? Acredito estarmos, aqui, diante do que colocamos quando questionamos a pouca importância dada aos estudos lingüísticos na formação do licenciado em letras. Dizer que o aluno não detém as normas de uma variação lingüística é aceito, mas que ele não aprende, ou até mesmo que ele não sabe o português, aí já é passar dos limites. Conta-se aqui com o total 3 E nesta diferenciação já anulamos três dos mitos apontados no início do artigo: o que trata do ensino obrigatório das quatro habilidades lingüísticas, pois o ensino instrumental de LE possibilita o indivíduo a compreender textos nesta língua, utilizando-se de recursos morfossintáticos. Da mesma forma, os que tratam do uso da tradução ou do apelo à LN, que são estratégias utilizadas por essa modalidade de ensino.

desconhecimento dos conceitos lingüísticos, imprescindíveis a um professor de línguas, nativa ou estrangeira! E mais ainda, quando não se reconhece que esta limitação apresentada pelo aluno, não é pessoal, mas social. Mas uma vez, trata-se da falta de oportunidades imposta pela classe dominante e que profissionais mal formados e sem uma postura crítico-reflexiva, acreditam (e retransmitem) se tratar de uma incapacidade do aluno. Muitas são as atividades desenvolvidas por profissionais comprometidos político, social e pedagogicamente para reverter esse quadro social tão assustador no nosso país. Este trabalho não pretende apresentar um receituário metodológico sobre técnicas e abordagens, e sim contribuir com a conscientização do papel sócio-político-pedagógico que o educador possui de tornar seus alunos indivíduos pensantes e capazes de modificar também a sociedade em que vivem no intuito de tornar o mundo um lugar cada vez mais justo e igual. O que vale ressaltar é que ensinar uma língua estrangeira não pode estar desassociado à realidade dos seus aprendizes, então, cabe ao professor encontrar o meio para fazer esta interação se efetivar, trazendo elementos que possam ser codificados pelos alunos para que eles compreendam o que está sendo trabalhado. [...] o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo como uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando-os. Efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos, enquanto indivíduos, é um dos primeiros efeitos do poder. \ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e, simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu. (Foucault, 1984, p. 183). Nesse direcionamento, o ensino-aprendizagem do inglês se manifesta como um instrumento a mais para a igualdade social, capacitando seus falantes a estabelecerem relações cada vez mais igualitárias e, assim, afastando julgamentos de ordem econômica, religiosa, sexual ou de qualquer outra ordem. Concluindo, partimos de alguns mitos referentes ao ensino-aprendizagem de língua estrangeira para questionar a má formação do profissional de letras e, consequentemente, a sua falta de compromisso ético, social e profissional com a atividade docente. Ao longo do artigo, apresentamos estudos que contradizem os mitos apresentados, mostrando que os mesmos são criados, muitas vezes para mascarar uma realidade social injusta, onde uma pequena classe dominante se apropria do saber construído tornando-o seletivo, elitista em vez de cumprir a sua função social que deveria ser minimizar as injustiças sociais presentes onde ele é construído. Terminamos com uma proposta de como pensar criticamente para exercer a nossa práxis pedagógica de maneira eficaz, a fim de promover uma sociedade consciente, digna e participativa.

Referências bibliográficas: ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Tendências na formação continuada do professor de lingual estrangeira. IN: Revista da Associação de Professores de Língua Inglesa do Estado de Minas Gerais. n. 1. Belo Horizonte: APLIEMGE, 1997. ELLIS, Rod. Understanding second language acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1994. pp. 104-108. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. São Paulo: Edições Graal, 1984. FREIRE, Paulo. Carta aos professores. Revista Estudos Avançados, v. 15. nº 4, pp. 259-68. 2001. MOITA LOPES, L. P. Discourse analysis and syllabus design: an approach to the teaching of reading. Tese de doutoramento. Universidade de Londres, 1986.. Eles não aprendem português quanto mais inglês. A ideologia da falta de aptidão para aprender línguas estrangeiras em alunos da escola pública. IN: Oficina de Lingüística Aplicada. 5. ed. Campinas: Mercado de Letras, 1996. pp. 63-79. PATTO, M. H. S. Psicologia e ideologia. São Paulo: Queiroz, 1984. REGO, Tereza Cristina. Vygostsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. TEIXEIRA, A. Ensino superior no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.