AS VERDADES sobre o mercado de áudio Todos os segredos e técnicas do áudio profissional com todo suporte, simplesmente o mais completo, dinâmico e melhor do Brasil. Este é o texto publicitário de um curso de áudio com letras garrafais e cores fortes, um dos muitos que circulam na Internet. À primeira vista, pode dar a sensação de um mercado de oportunidades. Será que essa propaganda cheia de convicção e adjetivos indica um mercado promissor? Vale a pena investir em formação? O que dizem profissionais de sucesso que atuam na área? Qual é o perfil do profissional desejado pelas empresas? Fernando Magalhães backstage@backstage.com.br Técnico de PA/monitor, especializado em acústica, Antonio Ciampolini, o Toninho Chapolim, um dos profissionais mais respeitados na área, afirma que diploma é importante, mas nem sempre é garantia de qualidade. Tem um monte de cursos por aí que não são sérios. Atualmente, tenho uma vaga para assistente de som que não consigo preencher por falta de gente capacitada. O mercado está carente de mão-de-obra qualificada, enfatiza. Prestes a completar 20 anos no mercado, Ciampolini, que trabalha para grandes empresas e traz no currículo trabalhos para a banda Double You e a cantora Fortuna, ensina o caminho das pedras para quem quer ser um profissional bem-sucedido na área. Primeira coisa é formação. Costumo dizer que é preciso falar inglês e português (risos), porque nesse tipo de serviço, às vezes, não se fala nem o português direito e é importante saber se comunicar. Além disso, é necessário ter a capacidade para solucionar o problema. Tem que conhecer elétrica, cabeamento, etc. Não precisa ser catedrático, por- que também não sou. Ciampolini destaca que na época em que começou era bem mais fácil. Há um tempo não se exigia muito. A pessoa fazia de tudo e aprendia assim. O mercado abriu e a segmentação agora é bem maior. Dono da João Américo Sonorização (Salvador-BA) que está no mercado há 27 anos, João Américo diz que dois requisitos são fundamentais na hora de contratar um profissional em sua empresa. Primeiro tem que ter facilidade com a tecnologia digital. O mundo caminha para ser digital. Não tem jeito. Segundo é ter referência musical. Se puder até ter um equipamento em casa é bom para treinar e escutar boa música. Se tiver uma boa vivência musical, não tenha dúvida de que vai fazer um bom trabalho, pois é essa referência que se leva para a profissão, explica. Já Paulo Roberto Alves, dono da BKS, considera um diferencial importante na hora da contratação o profissional ter um bom relacionamento interpessoal. No nível de operação vejo com quais equipamentos o profissional tem mais fa- 60 www.backstage.com.br
miliaridade, mas um ponto relevante nesse meio é a capacidade de manter um bom relacionamento com os colegas de trabalho. Isto porque o conhecimento de todos, na parte técnica (sei que isso na prática não acontece sempre), deveria estar no mesmo nível. Em geral, técnicos e operadores concordam que é importante aprimorar o conhecimento por meio de estudo, mas com ressalvas. Técnico de PA há 5 anos, Sérgio Mendonça, do estúdio Sheffiel, em Belo Horizonte, apesar de ser formado em engenharia eletrônica, diz que apenas o diploma não forma completamente o profissional. Tem que gostar muito da carreira e para ter sucesso necessitará de um tempo de experiência. Estudar é importante, mas tem um tempo de prática para aprender realmente, explica. Para Júlio da Silva, do estúdio Compasso, em Fortaleza, que costuma dizer aprendi fazendo, o tema é tão controverso que na hora de falar do assunto prefere dar um nome fictício para evitar um clima de desconforto com os colegas. Trabalho há anos como operador de som, técnico de áudio e já passei por vários lugares diferentes, grandes e pequenos. Falta alma, vida no trabalho da maioria das pessoas que chega com diploma. É preciso saber se tem dom para o negócio, enfatiza. Há casos também em que o curso serve para ajudar a realizar um sonho como o do músico Lulla Oliveira. Filho de uma família ligada à música o Cláudio Piovezan avô era maestro o carioca, de 42 anos, que está gravando seu primeiro CD de música instrumental, decidiu fazer algumas aulas. Tive a necessidade de gravar. Pensei: ou eu faço, ou ninguém faz. O que estou aprendendo será útil para aplicar no meu próprio estúdio. Tenho que estar bem informado, destaca Lulla, que lançará o CD ainda no primeiro semestre deste ano. Diante da procura de escolas e cursinhos de áudio, a revista lançou recentemente uma enquete em seu site com a seguinte pergunta: a realização de um curso profissionalizante no exterior é imprescindível para um técnico de áudio? A provocação acabou gerando reações diversas, algumas de desabafo como a do técnico de áudio Leonardo Almeida, que disse: Acho curioso isso, pois a realidade do mercado é totalmente outra. Quem trabalha nessa área sente na pele como é. Começando pelos cachês que as empresas e ou escritórios oferecem aos profissionais sem falar no tempo que levam para pagar. Falta de oportunidades, falta de opções, falta de investimentos da parte governamental em cultura e oficialização dessa profissão e o sindicato pouco tem contribuído em melhorias ou fiscalização. Tem um monte de gente sem competência no lugar de vários profissionais que ralaram muito para aprender na prática quando ainda não havia cursos profissionalizantes. Muitos deles inflam o mercado de pessoas recém-formadas que se consideram aptas a operar som ou montá-lo. Eles não são preparados como deveriam para as coisas básicas Para ser um bom técnico de áudio hoje tem que ter um pouco de arte e um pouco de técnica. Ser meio músico, meio técnico. O técnico, o operador de mesa, de PA, de monitor, enfim todos têm que passar a escutar música de forma minuciosa quanto mais para operar som de alguma banda ou coisa parecida. Nunca trabalharam como assistente dentro de um estúdio, nunca trabalharam dentro de uma empresa de som. Nunca abriram um caminhão e montaram um equipamento tendo que botar a mão no pesado. Nunca colocaram o pé na estrada e tiveram que alinhar um sistema mal projetado. Enfim, acho que a teoria é muito im- www.backstage.com.br 61
portante, mas a realidade desse mercado é outra. Para ser um bom técnico de áudio hoje tem que ter um pouco de arte e um pouco de técnica. Ser meio músico, meio técnico. O técnico, o operador de mesa, de PA, de monitor, enfim todos têm que passar a escutar música de forma minuciosa. Saber qual é o timbre da guitarra, o timbre do contrabaixo, como a caixa da bateria está soando. Não pode ouvir música como todo mundo. Conselhos como estes damos aos alunos, porque são profissionais assim que vão fazer a diferença, destaca o professor de áudio do Instituto Gaúcho de Áudio-Vídeo Profissional (IGAP), Carlos Antonio Jardim. Jardim explica que muitas vezes ouve reclamações de profissionais que não gostam de trabalhar com equipamento digital, mas a razão, segundo ele, está no desconhecimento dessas pessoas em dominar os recursos que o aparelho oferece. Há técnicos que têm aversão à mesa digital, por exemplo, mas quando você vai ver, na maioria das vezes, eles não sabem é trabalhar com elas, finaliza. FALTA DE ORGANIZAÇÃO E SALÁRIOS BAIXOS Lulla Oliveira Filho O mercado é uma bagunça. Cada um paga o que quer, da forma como quer e quando quer. O desabafo é de Tuka, dono da Tukasom (São Paulo) uma das empresas de áudio mais reconhecidas no mercado por atuar profissionalmente. Tuka reclama das entidades que representam a categoria. Embora exista há 30 anos, o sindicato (SATED) nunca fez nada. A ABPAudio (Associação Brasileira dos Profissionais de Áudio) está engatinhando. Não existe um preço mínimo a ser pago ao profissional que seja respeitado. Temos um sub-emprego. Somos considerados um peão do som. No fim de um trabalho pergunta-se quanto é pelo serviço, paga-se R$100, R$150 por um cachê e pronto, critica. Paulo Roberto Alves, da BKS, também diz que não vê utilidade em se filiar a nenhuma entidade. Tenho uma imagem ruim. Para mim não servem para nada. Pode ser que venha a morder minha língua, mas não vejo vantagem alguma em me associar. Técnico de PA/Monitor com mais de 15 anos de experiência na área de sonorização profissional de shows e eventos de médio e grande porte, Alves possui experiência em estúdios de gravação e masterização. Para João Américo, da João Américo Sonorização, as entidades de classe são importantes desde que funcionem. Em qualquer área, profissão, as entidades de classes são importantes, mas precisam atuar de forma eficiente. Acho também que cabe aos associados fazê-las funcionar, destaca João que, no entanto, não é associado a nenhum sindicato ou entidade de classe. Com a correria do dia-a-dia, a gente acaba se acomodando, justifica. Segundo profissionais que atuam no setor, ouvidos pela Backstage, o valor a ser pago para o técnico de PA, monitor ou operador de som depende de fatores, como experiência, estilo de música, além da banda e do artista para o qual se trabalha. Não existe regra. No nordeste, a exceção, afirmam esses profissionais, seria a Bahia, mais especificamente Salvador, que se aproxima da média dos salários e cachês pagos no sudeste e, mesmo assim, dentro de um nicho que é o axé music. Na tabela que consta no site do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Rio (SATED-RJ), por exemplo, a remuneração do técnico em shows é de R$219,68, pela diária, R$768,91 por semana e R$2.196,91 por mês. Já o piso do operador de som é R$ 193,81 pela diária, R$ 678,46 por semana e R$ 1.938,45 por mês. Diretor do SATED-RJ, Cláudio Piovezan, por exemplo, afirma que na prática a tabela não é obedecida pelas empresas, nem por parte de particulares. É um mercado volúvel, a maioria é autodidata. A gente sabe que São Paulo paga melhor do que o Rio. No nordeste se paga menos. Não existe um piso 62 www.backstage.com.br
igual em todo o território nacional, a categoria não conseguiu reunir toda a classe para estabelecer parâmetros de salários, a chamada convenção coletiva do trabalho, explica. Técnico de monitor de uma das maiores duplas sertanejas do país, Rio Negro e Solimões, e sócio do Digital-Studio de Uberlândia (MG) que é filiado à ABPAudio (Associação Brasileira dos Profissionais de Áudio), Emerson Oliveira, o Porfa, acredita que é preciso dar crédito às entidades. Falavam muito pouco no início e de concreto muito pouco foi realizado. Agora a diretoria é nova. O pessoal está correndo atrás. Sou muito a favor de tudo que pode organizar e unificar nosso setor. Se tivesse um órgão único para resolver os problemas seria ótimo, defende. O presidente da ABPAudio, Marcelo Claret, diz que a existência da entidade (que conta com 1.500 associados) fundada em 2003 já é uma vitória. Nossa maior conquista é o próprio fato da existência da associação. Historicamente foram feitas várias tentativas por diversos profissionais em épocas diferentes. Infelizmente nenhuma delas foi para frente. A credibilidade que a ABPAudio vem demonstrando ter aliada à consciência dos profissionais a respeito da importância dessa união está transformando esse desejo antigo de todos os profissionais em realidade. Claret destaca que, apesar dos desafios, os profissionais brasileiros têm Carlos Antonio Jardim tido reconhecimento, inclusive no exterior. Hoje o Brasil exporta cultura e tecnologia ligadas à música. Um exemplo claro disso são os trios Nossa maior conquista é o próprio fato da existência da associação. Historicamente foram feitas várias tentativas por diversos profissionais em épocas diferentes elétricos que são produzidos aqui, com knowhow e tecnologias nacionais, e exportados para vários lugares do mundo. Temos ainda várias empresas de sonorização brasileiras que realizam eventos na América Latina e na Europa, enfrentando a concorrência mundial não só em relação aos equipamentos, mas também aos serviços prestados. Nota A reportagem da revista fez contato com o SATED São Paulo, mas não teve retorno até o fechamento desta edição. PARCERIA COM EMPRESA O Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio (SATED-RJ) está em negociação com uma empresa para agilizar e profissionalizar a emissão do registro profissional de técnico de áudio, operador de som e de outras profissões que integram o sindicato. De acordo com o diretor do SATED-RJ, Claudio Piovezan, a empresa faria os exames de habilidade específica e os aprovados obteriam o registro pelo sindicato. Piovezan não quis revelar o nome da empresa que entrou em contato com o SATED há mais de um mês, porque o negócio ainda não foi fechado. Segundo ele, tudo caminha para uma concretização que deve acontecer em breve. Pessoas com formação em engenharia eletrônica conseguem o registro de técnico de áudio, operador de som, bastando comprovar a graduação, mas há profissionais, por exemplo, que conseguiram o registro no sindicato dos radialistas. No SATED, os registros são emitidos por meio de certificados de cursos, relatos, documentos que comprovam a experiência da pessoa. Não temos outra maneira de emitir o registro para o profissional, a não ser dessa forma. Com a parceria que estamos fechando com a empresa acredito que vai ser melhor para todo mundo. 64 www.backstage.com.br
Entrevista Carlos Antonio Jardim Aluno de uma das primeiras turmas do IGAP Instituto Gaúcho de Áudio-Vídeo Profissional, em Porto Alegre (RS) no ano de 2001, Carlos Antonio Jardim hoje é professor de áudio básico no instituto. Nesta entrevista exclusiva à Backstage, Jardim destaca, entre outros assuntos, a necessidade da formação constante para quem pretende trabalhar como operador de som ou técnico de áudio especialmente, na atualidade em que é cada vez mais comum o surgimento de equipamentos digitais no mercado, exigindo cada vez mais que o profissional busque informação e formação. Backstage É grande o número de pessoas querendo ser técnico de áudio? Como o Sr. vê a procura no Instituto em que é professor? Carlos Jardim Tirando o fato de que pessoas leigas, às vezes, nem sabem que eles existem (risos), a procura é boa. Não existe uma pesquisa que dê números, mas se sabe que vem aumentando gradualmente a cada dia em todo o Brasil. É uma profissão que está muito aliada ao prazer de trabalhar com música. O trabalho com as tecnologias digitais (como temos aqui no IGAP) e as facilidades de se ter um estúdio em sua própria casa são alguns dos fatores que vêm trazendo mais alunos para a escola. Backstage O que é necessário para um técnico de áudio ser um profissional bem-sucedido? Carlos Gostar da coisa e estudar muito. Tudo isso se resume no binômio arte e técnica. Backstage Qual a importância dos cursos para essa profissão? Eles (as escolas, os cursos) têm acompanhado as mudanças na área, as novas tecnologias que vêm surgindo? Carlos Os cursos são atalhos para o aprendizado. O que antes tinha que ser aprendido no método de tentativa e erro, hoje pode ser aprendido em pouco tempo dentro de uma escola. As escolas sérias têm acompanhado muito bem a tecnologia, pois com a internet as pessoas passam a saber que existe muita informação sobre áudio, que muitas vezes são desencontradas, e isso obriga as instituições de ensino a ficarem em constante atualização. Backstage Tem mercado para esse profissional no país? E a remuneração? Carlos Como em todas as áreas, o profissional que se destaca sempre tem colocação garantida. Com o áudio não será diferente. Agora, com a entrada de equipamentos digitais no mercado, será cada vez maior a necessidade de o profissional buscar informação. Os salários variam de acordo com a região do país. São Paulo e Rio pagam melhor do que aqui no Rio Grande do Sul e no restante do Brasil. Backstage Alguns técnicos têm buscado uma complementação no exterior. Como o Sr. vê essa tendência? Carlos Estudar em um outro país onde a tecnologia é mais acessível sempre será um bom upgrade no currículo de um profissional. Para se aventurar em uma jornada de estudos fora do Brasil o técnico deverá estar muito ciente do mercado em que ele está inserido, para que todo o investimento tenha retorno no futuro. Backstage Para encerrar, qual conselho o Sr. daria para quem deseja ser um técnico de áudio? Carlos Se não optar por estudar em uma escola, sempre procurar pessoas sérias e idôneas como referência para o aprendizado, pois devemos evitar a disseminação de informação de caráter duvidoso, aproveitar as oportunidades de trabalho que a vida nos traz e, como não poderia faltar, não parar de estudar nunca. www.backstage.com.br 65