SAÚDE MENTAL RELACIONADA AO TRABALHO Marcia Hespanhol Bernardo PUC-Campinas
O que diz o discurso predominante na literatura de gestão atual? Organização que aprende (Senge) Missão compartilhada - Família-empresa Trabalhador colaborador, associado Valorização das competências do trabalhador Propostas de organização do trabalho em equipe Maior autonomia Possibilidade de participação no trabalho...
MAS O QUE FOI QUE MUDOU DE FATO? 1. As características do contexto global do mundo do trabalho. 2. Introdução de novos modelos de organização do trabalho (especialmente o Toyotismo). 3. Utilização de um discurso sedutor para legitimar novas formas de exploração da força de trabalho.
TEMAS DESTACADOS NO DISCURSO DE GESTÃO EMPRESARIAL: Competência Participação Trabalho em equipe Autonomia
COMPETÊNCIA: o savoir-être substituindo o savoir-faire Discurso empresarial: Valorização das `potencialidades`dos trabalhadores e não de sua qualificação; Vivência dos trabalhadores: Inclusão de critérios ideológicos nos processos seletivos (priorizando a socialização prévia e as características pessoais); Avaliação de desempenho substituída por avaliação que focaliza aspectos individuais (personalidade, comportamento );
PARTICIPAÇÃO: discurso de igualdade, vivência de imposição Discurso empresarial: Visão compartilhada ; `colaboradores ; Igualdade; família-empresa; Vivência dos trabalhadores: Obrigação de participar apresentando sugestões para a melhoria dos processos de produção e dos produtos (proposta de Ohno); Dificuldade para exercer a participação legítima por meio das CIPAS
TRABALHO EM EQUIPE: busca da visão compartilhada e estímulo à competição Discurso empresarial: Ênfase na idéia de família-empresa e com poucas referências a trabalho em grupo; Vivência dos Trabalhadores: Somente as metas são coletivas (produção e erros); Agrupamentos de trabalhadores multifuncioniais em células do mod. Japonês. (para Ohno, favorece a cooperação na execução das tarefas); Relações de trabalho individualizadas (competência) e estímulo à competição.
AUTONOMIA: prática de Discurso empresarial: disciplina e controle Autonomia na interação e não no sentido de independência e influência; Fim do contraste entre trabalho real e prescrito; Vivência dos Trabalhadores: Existência de normas rígidas; Autonomia somente para dar conta do trabalho e das intercorrências.
Exemplos da vivência de quem tem a sorte de conseguir entrar no mercado de trabalho formal na atualidade
Relatos de trabalhadores: movimentos repetitivos e automáticos Os movimentos eram muito automáticos. Pra pessoa, normal! Mas, quem vinha visitando a linha de produção enxergava um robô porque o motor chegava, a pessoa fazia aquele movimento: aperta encima, aperta embaixo, aperta, aperta. Vem outro, aperta encima, aperta embaixo, aperta, aperta... Então ele fazia isso o dia inteiro! Pra ele, era normal! Ele tava apertando com a mão dele, tudo bem. Só que quem tava do lado de fora enxergava uma pessoa automática, uma coisa automática e não um ser humano que tava fazendo aquilo ali. E, realmente, quando eu comecei a analisar isso, era verdade mesmo. Eu olhava pro meu lado, eu enxergava um monte de robôs.
Relatos de trabalhadores: ritmo acelerado É um negócio... uma loucura!!! É um desespero!!! É nego correndo pra tomar água. O outro, deu problema na peça lá, tem que correr pra trocar a ferramenta. Corre lá porque não pode perder tempo! É um ritmo totalmente desespero. Tanto que, na hora de almoçar, eles querem que o pessoal vá andando, não pode correr, mas os caras falam: Trabalhei correndo o dia inteiro, por que pra almoçar tem que ir andando?!? É uma loucura!
A INOVAÇÃO: pressão psicológica e atribuição de responsabilidades extras Tem muito problema lá também desse negócio de pressão psicológica. Quando um erra, no dia seguinte, o chefe faz reunião pra chamar a atenção de todo mundo. Todo mundo se sente humilhado, entendeu? E você pode ver que quando acontece isso lá, aí que é o dia mais ruim pra trabalhar. Faz serviço errado. Fica naquele medo: não posso errar, não posso errar, não posso errar.... Nossa! Aquela pressão que a gente sofre lá dentro é demais, cara. É desumano! É tanta pressão, que, de vez em quando dá crepe em um.
ASPECTOS DA VIVÊNCIA DOS TRABALHADORES NA ATUALIDADE COM REPERCUSSÕES PARA A SAÚDE, ESPECIALMENTE A SAÚDE MENTAL Ritmo da produção que ultrapassa os limites físicos e psicológicos; Excesso de responsabilidades (qualidade, sugestões, produção); Vivência de grande pressão no trabalho; Mecanismos gerenciais similares ao assédio moral; Submissão pelo medo do desemprego; Culpabilização do trabalhador por seus problemas; Dupla mensagem: discurso de valorização dos trabalhadores nas empresas e acentuação da exploração da força de trabalho.
Relatos de trabalhadores - Sofrimento Psíquico Não é o fato de não gostar da pressão, mas é o fato dessa pressão ser exacerbada, uma coisa assim quase que inimaginável. A pessoa que não trabalhava lá dentro, você descrevia o que você fazia e a quantidade que você fazia por dia, muita gente não conseguia imaginar, não acreditava que a pessoa fazia aquilo lá...(relato de trabalhador demitido, que se desiludiu com o modelo japonês) O problema [da pressão] não é só... só o seu corpo... é sua mente também: A hora que você vai ver, você tá ficando meio lelé! (...) se você for levar tudo ao pé da letra, tudo certinho assim, que eles falam tem que ser assim e assim, se você seguir, a pressão bate mesmo... Você fica lelé! Pra mim, lá [na montadora] é que nem escravidão, só que escravidão oculta. O cara é escravo e o cara não percebe que ele é escravo. Ele vai lá e ganha aquele salário dele lá. Só que ele trabalha por dois ou três, entendeu? Era pra dois caras estar trabalhando ali, ele trabalha dobrado e tá todo contente com aquilo. Aí depois vêm as conseqüências. O cara fica doente, começa a aparecer os problemas, o cara não sabe o que tá acontecendo com ele (relato de trabalhador com LER e depressão)
Relatos de trabalhadores - sofrimento Psíquico Tem um fato também que é do stress. Eu chegava a sonhar à noite que eu tava montando carro. Sonhava! Tinha vez que eu ia dormir, eu sonhava que eu tava montando o carro. Quando eu acordava pra ir trabalhar, parecia que eu não dormi nada, entendeu? Parecia que eu tinha trabalhado. Saía cansado já! Psicologicamente, eu saía cansado pra trabalhar. (...) A gente fica muito estressado! Vai estressando, vai estressando e aí dá os problemas. Tem pessoas lá que saíram tipo assim chorando da firma, sabe? Por causa da pressão! Deu depressão nele e ele saiu chorando... Nós temos casos de depressão dentro da fábrica! (...) Pessoas que entram em depressão porque elas se sentem obrigadas a fazer uma coisa que elas não... que o corpo físico não consegue! O Mané, um rapaz que tá com depressão, é difícil provar que é do trabalho, mas todos os relatos que ele faz... Bom, pode até ser uma doença congênita, como eles [representantes da empresa] falam, mas o dele foi do trabalho!!! Da pressão!!! Porque cada organismo é um organismo! E o quê que a empresa coloca? O problema é psicológico do cara... O problema de coluna é degenerativo... É sempre assim...
ENTÃO, O QUE MUDOU DE FATO? O uso do corpo do trabalhador é intensificado Envolvimento da criatividade e inteligência do trabalhador somente no que interessa à produção Discurso de inclusão e valorização do trabalhador que busca legitimar a prática de maior exploração Contraste entre discurso e prática
PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA O ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO DA SM&T NO SUS Na ST: dificuldades para avaliação de questões nãoobjetiváveis da organização do trabalho e para intervenção sobre elas; Falta de integração entre os serviços de saúde mental e de saúde do trabalhador; Formação individualizante dos profissionais de saúde (especialmente de SM); Dificuldade dos serviços de SM para reconhecer o trabalho como adoecedor e não apenas como solução ;
Obrigada! E-mail: marciahb@puc-campinas.edu.br