Marcel Sévigny e Dimitrios Roussopoulos



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Transcrição:

AS POTENCIALIDADES DO MUNICIPALISMO LIBERTÁRIO EM MONTRÉAL Marcel Sévigny e Dimitrios Roussopoulos Vários bairros de Montréal são ricos duma tradição de lutas urbanas. As organizações de toda a espécie que mostram resultados e que são activas ainda hoje constituem um património social e político importante nos diversos bairros. Por esta curta apresentação queremos demonstrar que um projecto municipalista libertário baseado nas ideias de Janet Biehl e de Murray Bookchin pode inserir-se nesta dinâmica e constituir uma saída em direcção a uma alternativa política em Montréal directamente saída dos bairros e da organização das pessoas. As lutas urbanas e os jogos políticos No fim dos anos 60 um forte movimento popular e comunitário teve origem em numerosos bairros da cidade de Montréal sobre as questões da vida urbana. É principalmente sobre a base de acessibilidade aos serviços (saúde, alojamento, justiça, alimentação, etc...) nos bairros, que grupos de cidadãos e de militantes conseguiram pelas suas lutas, implantar diversas alternativas sociais, muitas das quais com carácter autogestionário nos anos que se seguiram. Com o fim dos anos 70, novas sensibilidades no movimento das lutas urbanas vieram aumentar as preocupações citadinas ( ex: luta pela protecção do património edificado, luta contra a proliferação do automóvel e em favor da utilização da bicicleta como alternativa à poluição e à degradação da cidade). No interior deste movimento, as ideias autogestionárias atingiram outros sectores da actividade social nos bairros (infantários geridos ou co-geridos (pelos parentes e trabalhadores), cooperativas de habitação, grupos de recursos técnicas em habitação autogerida, grupos de teatro e outros ainda). Enfim, as formas federativas de reagrupamento foram maioritariamente adoptadas pelas organizações em todos os meios. Milton-Parc e Pointe St-Charles

A dinâmica mais particular dos dois bairros onde vivemos servirá para ilustrar o nosso propósito. De maneira distinta, as comunidades de Milton-Parc e de Pointe St- Charles estão no coração das lutas sobre o quadro de vida urbana em Montréal. Vários projectos estão sempre activos nos dois bairros. Deste modo em Milton-Parc, uma rede de cooperativas de habitação foi posta em funcionamento nos anos 1970-80, em seguida duma batalha de longa duração contra um grande especulador imobiliário que ainda é vivo. Esta rede duma vintena de cooperativas compreendendo 600 apartamentos completados por alguns organismos sem fim lucrativo administrando outros edifícios, criou no tempo e no espaço um impacto maior ao nível da protecção do património, da segurança e da acessibilidade dos residentes a uma habitação decente. Hoje em dia, pequenas iniciativas de desenvolvimento continuam a unir-se ( jardins comunitários, ruas floridas e organização de festas). Membros destas cooperativas iniciaram, com os anos, novos projectos que contribuem em aumentar a vida comunitária ( centro cultural Strathearn, jornal Place Publique, Centro de ecologia urbana, etc...) Em Pointe St-Charles, foi pouco a pouco, num período de mais de 20 anos, que 45 cooperativas (1000 alojamentos) e vários organismos sem fim lucrativo ( 230 alojamentos) controlam e gerem uma parte significativa do stock de alojamento no bairro constituindo pelo feito uma base de organização social para este bairro de tradição operária. Abertura desta mesma dinâmica de luta social, uma clínica comunitária de saúde do mesmo modo que uma clínica jurídica co-gerida pelos cidadãos e os trabalhadores funcionam desde à cerca de 30 anos. Nos últimos anos novos projectos colectivos em ligação com a história social do bairro entrarão em acção ( Sociedade de História, Associação cultural Muse-Art ) ou estão em gestação ( Café político/social/cultural, jornal comunitário e outros). Isto permite-nos verificar que o saber adquirido, em termos de organizações sociais controladas pelos cidadãos, são uma base importante da dinâmica actual nas duas comunidades. Todavia, o conjunto das comunidades locais em Montréal são postas numa rude prova pela ascensão do neo-liberalismo e dos seus efeitos que minam gravemente as possibilidades de desenvolvimento da vida colectiva, comunitária e associativa à escala local fragilizando dum golpe o presente e o futuro das diversas associações que os cidadãos se entregaram desde há muito.

A Dinâmica da Política Municipal Paralelamente à ascensão das iniciativas sociais, culturais e económicas desenvolveram-se etapas políticas sobre a cena municipal. Em primeiro lugar o FRAP ( Frente de Acção Política 1970-73) e de seguida a Reunião dos cidadãos e das cidadãs de Montréal ( RCM 1974) partido político municipal do qual a corrente maioritária era social-democrata. É de notar que o RCM aceitou durante vários anos, a influência das correntes minoritárias anarquistas e autogestionárias presentes nas lutas urbanas. Deste modo, várias proposições de organização social e política encontraram lugar no programa político do RCM ( ex: a descentralização do poder político em direcção aos bairros). Os resultados desta conivência política permitiram ao RCM de alcançar a eleição municipal de 1986 e de conservar o poder até 1994. Após esta vitória de 1986, o pessimismo instalou-se gradualmente no conjunto da esquerda em Montréal já que o RCM não soube responder às expectativas que suscitou nos meios progressistas. A este sujeito, algumas verificações aparecem-nos importantes a sublinhar. 1) Desde 1988, uma crise interna estala no seio do RCM. Está ligada ao exercício do poder ( um pequeno grupo eleito centraliza o poder no hotel da cidade) e a colocação das proposições que democratização do aparelho municipal ( ex: conselhos de bairro descentralizados). Esta crise provocou a desilusão nos defensores da descentralização dos poderes políticos. Veio testemunhar da ausência de vontade política da corrente social-democrata de efectuar uma viragem importante dizendo respeito a certos políticos urbanos. Esta crise provocou finalmente a aparição dum partido ecologista em 1990: Montréal-Écologie. 2) A confiança desmesurada e/ou ingénua das correntes políticas radicais face à equipa dirigente do RCM conduziu à sua desmobilização gradual. Logo que veio a necessidade de se dissociarem do RCM e de relançar um novo projecto político urbano alternativo ( Montréal-Écologie) este é organizado sobre bases e em condições precárias. A fraca coesão organizacional dos ecologistas sobre o terreno era evidente no momento da fundação de Montréal-Écologie e apesar dum apoio eleitoral importante nalguns bairros, nunca puderam consolidar este potencial em movimento político activo.

3) ( Esta opinião não é partilhada por Dimitri Roussopoulos) Em 1998, o RCM vagamente social-democrata, apesar certos elementos interessados do seu programa, perdeu bastante da sua influência na opinião pública no seguimento de lutas de poder interna recentes e ao abandono total das suas práticas de luta urbana. É quase marginalizado na vida política municipal. Quanto a Montréal-Écologie, dissolveu-se após oito anos de existência, deixando muitas interrogações em suspenso e sobretudo a ausência dum projecto político alternativo. 4) Enfim, no seguimento das duas experiências de luta eleitoral a partir de Milton-Parc e de Pointe St-Charles durante o decénio de 90, acreditamos que as bases de organização social de cidadania residem num reservatório potencial de intervenção em favor dum projecto político alternativo ao nível municipal. Os princípios políticos e organizacionais do municipalismo libertário correspondem a uma vontade que continua a exprimir-se nas comunidades locais, assim seja a procura de controle sobre o seu desenvolvimento. Breve resumo das experiências eleitorais ( Dimitri Roussopoulos cidadão de Miltion-Parc foi candidato ecologista por Montréal-Écologie. Marcel Sévigny cidadão de Pointe St-Charles é actualmente conselheiro municipal independente para o bairro) Pointe St-Charles: Logo da eleição de 1986, um colectivo de militantes e militantes do movimento comunitário local decidiu de agir sobre a cena política municipal utilizando o RCM como veículo. Foi uma escolha estratégica. Com efeito, o movimento vinha de lançar um volumoso programa de intervenção em 89 páginas cujo objectivo central era baseado sobre o controle do desenvolvimento pela própria comunidade. Este programa local confluía o programa político do RCM com vários elementos de fundo. O colectivo de militantes tinha julgado que um eleito, militante do bairro, era uma vantagem suplementar para fazer avançar as reivindicações populares no interior da administração municipal. Aproveitando uma vaga de mudanças políticas em Montréal, o candidato foi eleito sob a bandeira RCM mas apregoando claramente um programa político local. O

papel do conselheiro eleito era de defender o programa local em todo o lado onde fosse possível e o objectivo colectivo dos militantes era de ir buscar o máximo de proveito favorecendo o controle dos instrumentos de desenvolvimento no bairro. Durante os cinco anos e meio passados no interior das estruturas do RCM pelos militantes de Pointe St-Charles a atitude foi constantemente de vigilância e crítica em relação ao poder político no lugar. A mobilização nas lutas sociais é sempre demorada, o instrumento privilegiado de intervenção para o bairro e o apoio ao eleito. Em 1994, sempre a partir dum programa local e apoiado essencialmente pelos militantes do movimento social do bairro o conselheiro municipal foi reeleito como independente. Milton-Parc: Os militantes do bairro Milton-Parc foram em grande parte a base do nascimento de Montréal-Écologie. Logo da eleição de 1990, Montréal-Écologie apresentou um candidato proveniente de Milton-Parc um bairro fazendo parte do distrito eleitoral de Jeanne Mance. Com um programa de partido inspirando-se da ecologia social, o candidato colheu cerca de 24% dos votos em todo o distrito. No único sector de Milton-Parc os sufrágios expressos em favor do candidato ecologista foram maioritários nas 6 mesas de voto. Estes resultados demonstraram que a grande sensibilidade ambiental deste meio urbano constituindo um elemento político maior nesta comunidade do centro da cidade. A forte presença duma rede de organizações sociais dos cidadãos, do qual as cooperativas de habitação do bairro, a grande facilidade e o apoio em favor das ideias ecologistas. As Experiências das Lutas Urbanas: Um Património social e político a partir do qual edificar Parece ser evidente para nós que é nos bairros podendo apoiar-se numa tradição de lutas urbanas ou em novas alternativas de organizações sociais, ecologistas, culturais ou outras emergem actualmente, que um movimento político na base do municipalismo libertário tem mais possibilidades de tomar forma. É preciso, de maneira geral, implementar laços entre acção social e acção política nos bairros. E apesar uma situação

geral difícil na sociedade, alguns elementos de conjuntura favoráveis à emergência dum projecto municipalista libertário em Montréal nos parece presente. Eis alguns. A crise do modelo organizacional dos partidos políticos em Montréal, cuja experiência de Montréal-Écologie, convida-nos a uma reflexão aprofundada em favor duma alternativa política; Um grande número de cidadãos com as ideias progressistas percebem claramente a abstenção dum projecto político de mudança na sociedade de Montréal e nos diversos bairros e são portanto susceptíveis de ser mais receptivos a um projecto alternativo; A fraqueza política e organizacional da social-democracia de Montréal e sobretudo a sua abstenção quase total de laços com a dinâmica das lutas urbanas, deixa o campo livre por uma alternativa política do municipalismo libertário; Uma certa subida do radicalismo nas lutas sociais nos jovens com a utilização de estratégias de luta não-violenta e de preocupações ecologistas ( ex: organização e manifestação do Plano G, manifestação contra a AMI) poderia alimentar um eventual movimento municipalista libertário. Todavia, seria pretensioso de acreditar que o desafio seria fácil de levantar. Já o dissemos mais atrás, o ambiente político, social, cultural e económico em Montréal provoca efeitos demoralizadores nos cidadãos e nos militantes nos bairros. Neste contexto e para melhor fazer jogar os elementos conjunturais positivos os militantes interessados pelo municipalismo libertário deveriam perseguir as seguintes prioridades: Construir um movimento político autónomo Em Montréal vivemos durante oito anos a experiência dum partido político socialdemocrata no poder no hotel da cidade. Sabemos que o RCM e a administração pública que foi de passagem foram dominadas por um pequeno grupo de políticos ( cujo vários membros provenientes portanto do movimento popular), que se apoiou sobre o poder dos tecnocratas no aparelho administrativo municipal. A corrente social-democrata está no seu mais fraco nível desde há 30 anos e perdeu, na cena política municipal, uma grande parte do seu poder de atracção. É possível de ocupar este espaço deixado vago pela construção dum movimento político autónomo baseado sobre o municipalismo libertário. Este movimento político autónomo

deveria ser organizado do mesmo modo para exercer as pressões sobre os poderes políticos no lugar que para construir novas instituições políticas. Em razão da dinâmica particular das duas comunidades de Pointe St-Charles e Milton-Parc, a iniciativa dum projecto municipalista libertário deveria proceder de indivíduos destes dois bairros a partir da eleição de Novembro de 1998. Dar utensílios para difundir as ideias políticas do movimento municipalista libertário. Apesar das aquisições que constituem as diversas experiências colectivas dos dois bairros donde provimos, sabemos que as experiências de luta e de organização social não desentopem automaticamente sobre um projecto político alternativo para a comunidade. É preciso que as ideias políticas do municipalismo libertário associadas a estas experiências sociais possam circular a fim de se opor aos discursos políticos dominantes. E falta-nos utensílios para o fazer. É preciso portanto consolidar e alargar os que temos ou criá-los se é necessário. Eis portanto projectos interessantes, para os militantes libertários, que poderiam fazer a ligação com as redes de organização social já existentes. Em Milton-Parc, o jornal comunitário Place publique que tem cinco anos, joga um tal papel favorecendo o espírito de organização colectiva para fazer face aos problemas do bairro. A criação do Centro de ecologia urbana é uma outra iniciativa educativa que permite desde então de reagrupar actividades ligadas às questões ecológicas e urbanas. Outras intervenções ( livraria, café, etc...) poderiam amplificar uma rede de difusão das ideias alternativas. Em Pointe St-Charles, tendo feito o ponto sobre a conjuntura política há dois anos, e tendo sentido uma ausência cada vez mais marcada de reflexão sobre as alternativas sociais e políticas, um pequeno grupo de militantes empenhou-se na construção dum café social/cultural e político que agirá como polo de reagrupamento e de difusão, por debates, mini-conferências, cinema, espectáculos e outros. Um projecto de jornal comunitário está também em gestação com o objectivo de informar os cidadãos fazendo a promoção da tomada do encargo individual e colectivo pelos cidadãos, do desenvolvimento da comunidade. Estas duas iniciativas visam por sua vez reforçar a rede de organizações sociais do bairro e a abrir espaços públicos de debate.

Trabalhar para consolidar, a desenvolver e/ou a relançar as experiências sociais significativas nas nossas comunidades locais caminhando no sentido da promoção dos valores do municipalismo libertário. As experiências de luta e sobretudo as organizações sociais que os cidadãos e cidadãs deram às comunidades e mais particularmente as que funcionam sobre modelos autogestionários e pela democracia directa ou participativa ficam saberes adquiridos que é preciso segurar e fazer progredir à falta de arriscar isolar-se sobre elas próprias e de se escoliosar. Por exemplo, em Milton-Parc uma experiência de co-gestão, entre representantes do bairro e da cidade de Montréal, do Centro cultural Stratharn deu lugar a um desafio difícil para os cidadãos implicados. O poder político e a burocracia municipal puseram fim por último a esta experiência de mais de 10 anos. Esta situação chama a uma reflexão mais aprofundada sobre os modelos de co-gestão aceitáveis para os cidadãos face às instituições públicas. Outro exemplo vindo de Pointe St-Charles onde numerosas cooperativas autogeridas fazem face a problemas de gestão financeira e a uma deterioração da vida democrática que ameaça a própria existência de algumas delas. Um grande inquérito popular, alojamento por alojamento, se mantém actualmente junto dos membros e levará a Estados gerais do alojamento social daqui a um ano a fim de relançar uma nova dinâmica do movimento das cooperativas autogeridas. O mesmo procedimento em relação ao que diz respeito a clínica comunitária de saúde que após quase 30 anos de co-gestão ( empregados e cidadãos) vive uma crise sem precedente. Um comité de reflexão formado maioritariamente por cidadãos tenta actualmente definir um projecto de relance desta importante organização social. Parece-nos importante que estas experiências locais, que permitiram e permitem ainda a centenas de cidadãos de viver a democracia participativa e directa, a co-gestão ou a autogestão, possam fazer face aos novos desafios com que se confrontam. É necessário fazer uma ligação entre a capacidade dos cidadãos a fazer face aos seus problemas colectivos e aquele de gerar e de fazer viver um projecto político do municipalismo libertário. É por isso que as experiências locais devem fazer objecto de preocupações particulares pelos militantes libertários que são parte interessada destes entrelaçamentos na sua vida quotidiana.

(Tradução de Francisco Trindade)