A luta pela terra de assentados(as) do Projeto de Assentamento Olhos D água em Sacramento-MG.



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EXPERIÊNCIAS SÓCIO-EDUCATIVAS DO MST. VENDRAMINI, Célia Regina. Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO

Transcrição:

A luta pela terra de assentados(as) do Projeto de Assentamento Olhos D água em Sacramento-MG. ELIANA GARCIA VILAS BOAS* LEANDRA DOMINGUES SILVÉRIO** Ao participar dos debates propostos pela Linha de Pesquisa: Estudos agrário, urbano e culturais NIEPHES, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) sob coordenação da docente Dra. Leandra Domingues Silvério do Departamento de História desta instituição, identifiquei-me com as discussões referentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciando um projeto de pesquisa. Dessa forma, para XXVII Simpósio Nacional de História da ANPUH apresentarei breves questões que norteiam essa pesquisa, que considero de fundamental importância para as discussões que perpassam a sociedade e o meio acadêmico. O intuito é discutir questões que tendem a ser isoladas das discussões políticas, sociais e culturais no sentido de democratizar o acesso ao conhecimento sobre temáticas em torno da reforma agrária. A proposta da pesquisa visa analisar sujeitos que estão insatisfeitos com os padrões sociais que regem a sociedade e com a finalidade de questionar a ordem estabelecida se organizam politicamente e socialmente para reivindicar o direito pela terra e pela reforma agrária. Portanto percebe-se que os trabalhadores Sem Terra vêm sendo perseguindo por parte da mídia desde seu início datado do final dos anos de 1970 até os dias atuais, as pessoas constituintes destas práticas sociais são considerados como vândalos, invasores, sem cultura e marginais, mas cabe ressaltar que parte desta mídia atende aos interesses de uma classe dominante que tem por finalidade manter o poder da ordem e do latifúndio. A problemática que se constitui nesta conjuntura é que setores da sociedade sem fazer maiores indagações acabam se deixando acreditar nesta visão midiática que inferiorizam e marginalizam os trabalhadores. Ademais sabemos que os Sem Terra são ocupadores de territórios, pois tornam produtiva uma terra que até então estava em desuso, e ao olhar sem preconceito para as práticas dos militantes da luta pela terra percebe-se que os trabalhadores estão em busca de melhores condições de vida, e o sonho destes se concretizam a partir do momento em que conseguem tirar o sustento da própria terra e do trabalho. Portanto, olhar as práticas sociais sem uma visão midiática significa olhar para os movimentos sociais sem preconceitos e compreendê-los como fundamentais para o processo de transformações que leva ao desenvolvimento social.

* Graduanda do curso de História da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. ** Docente orientadora doutora do curso de História da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. O cotidiano dos militantes da luta pela terra e árduo e sofrido, pois estes têm que resistir contra a dominação e superar os preconceitos que grupos contrários à luta criam, entretanto deve-se atentar para o fato de que este cotidiano encontra-se ligado ao processo contínuo da luta e se caracteriza pela dedicação e coragem de trabalhadoras e trabalhadores que buscam a concretização de seus objetivos. Ao que se refere no procedimento metodológico que envolve o corpo desta pesquisa destaca-se a priorização para a construção das fontes orais, pois entende-se que por meio desta cada trabalhador escolhe o mais marcante para lembrar no ato da entrevista, e é esta memória individual que vai de encontro com a coletiva, e juntas formam as histórias constituídas pelas vivências como grupo, como comunidade. E para a sistematização das vivências elencaremos a discussão do tempo uma vez que esta é de fundamental importância para a concretização das memórias e também do transformar-se histórico, pois e por meio do tempo acumulativo que os acontecimentos se materializam em mudanças. Através de diferentes estudos científicos pode-se perceber como ocorre o processo de ocupação de uma fazenda, em especial cita-se a tese de doutorado e a dissertação de mestrado de Leandra Domingues Silvério, bem como trabalhos do autor Bernardo Mançano Fernandes, que sempre procuram explicitar em seus escritos o quanto o procedimento para a ocupação de uma terra, deve ser desde o início bem planejado. Observa-se com esses estudos que primeiramente é necessário que os militantes da luta encontrem uma área em condição para ser ocupada, ou seja, uma terra improdutiva é preciso também que se organizem as pessoas que vão fazer parte do processo de ocupação da terra, combinar o dia, hora, preparar a alimentação que vai ser levada e só depois de todo esse processo cuidadoso de preparação e organização que a fazenda é ocupada. Os autores citados trazem também o quanto os primeiros dias no acampamento são difíceis, na maioria das vezes os policiais entram em confronto com os familiares e o dia a dia se transforma em uma constante luta, e o sentimento de esperança é o que prevalece diante das forças políticas e econômicas que tenta oprimi-los. E é dentro da esfera cotidiana que os múltiplos valores são passados que as diversas famílias fazem trocas de experiências do processo vivido, e assim também já vão construindo dentro desta esfera uma nova história que é caracterizada como luta pela reforma agrária. De acordo com os autores citados acima os primeiros dias no acampamento de Sem Terra é muito sofrido e os barracos de lona é alternativa, o cotidiano passa a ser pautado nas

dificuldades, como por exemplo, de ter acesso à água, lá estes trabalhadores passam os primeiros meses enfrentando o calor e a chuva, e as conquistas e melhorias só ocorrem após um árduo processo de dedicação e luta. E foi com intuito de compreender melhor a luta dos militantes Sem Terra, que o presente trabalho propôs a discussão e reflexão acerca da trajetória de luta dos trabalhadores Sem Terra do assentamento Olhos D`água do município de Sacramento MG de 1998 a 2012. Sendo que o objetivo da pesquisa é de produzir um conhecimento histórico sobre os trabalhadores rurais em diversas dimensões do social, e por meio de entrevistas e análises das narrativas desses trabalhadores que estão na condição de assentados da reforma agrária entender o processo cotidiano das famílias na luta pela terra. Acredito que esta discussão por meio da história social pode ajudar a construir o diálogo entre os vários grupos sociais deste país com suas múltiplas experiências sociais, atentando-se para a diversidade de projetos que interpretam as expectativas e perspectivas dos trabalhadores. Considero de extrema importância o desenvolvimento deste trabalho no âmbito da história social, pois neste campo pode-se compreender o processo social e histórico que modela modos de vida, no sentido de compreender e trabalhar com as diversidades culturais. Para a realização do trabalho pondera-se as limitações, as contradições, o processo que se faz de aproximações e distanciamentos de costumes e de acepções entre os próprios trabalhadores. Processo esse entendido como a maneira em que cada militante enxerga o cotidiano no processo de luta, pois cada um interpreta a partir das suas experiências e vivências e assim, enfrentam as dificuldades de se constituir em um grupo social que essencialmente, implica em novas relações e experiências sociais e históricas que são compartilhadas e vividas como tensões (KHOURY; MACIEL; ALMEIDA, 2006). E no processo de sistematização histórica do assentamento Olhos D`água a categoria da memória foi fundamental na discussão, por ser por meio do acesso das experiências, valores e visões de mundo dos trabalhadores Sem Terra que o trabalho se valida. De acordo com Le Goff (2003), a memória seria caracterizada como a propriedade de conservar certas informações e um meio pelo qual o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas (LE GOFF, 2003, p. 419). Ademais, pode-se dizer que a memória seria um processo psicológico e histórico, a partir do qual o homem pode vir à tona, tendo consciência de si mesmo e do mundo que o cerca, numa ação contínua de elaboração (seleção do vivido, quais experiências comporiam a memória do indivíduo),

evocação (movimento de evocação das informações apreendidas), reelaboração (processo de recalcamento da experiência arquivada, em relação com as novas vivências do indivíduo) e esquecimento (falha nesse processo ou sua supressão intencional). Levando em consideração todo o processo que permeia a memória, esta será aqui tratada com ênfase para a compreensão das diferentes relações que permearam e permeiam a vida no acampamento e assentamento. Portanto, na sistematização da memória buscará os significados que cada trabalhador vai impregnar na narrativa, e, ao buscar o passado é necessário a sistematização dessas narrativas orais para a compreensão dos significados daquele tempo no tempo presente. E nesta conjuntura se torna notável a relação do presente com o passado, uma vez que não é possível produzir um conhecimento histórico sem que haja esta relação. Ao trazer os trabalhadores Sem terra para ser discutido no campo da história social, é preciso compreender as necessidades emergentes que levaram cada família a se engajar no processo de luta e, com isso, analisar outras versões das lutas dos trabalhadores nos movimentos sociais, abrindo o leque de possibilidade de interpretação e compressão sobre elas. Abordando a realidade das pessoas que ali estão em busca de seus ideais questionando o que a mídia conservadora impõe. E dentre as indagações proposta por este trabalho buscar-se-á entender como se encaminham as políticas públicas frente aos movimentos sociais e, principalmente que suporte estas políticas estão dando aos assentados. Elas estão sendo eficientes e eficazes? Estão enquadrando nas realidades locais? Estes questionamentos embasaram este projeto? Ao aprofundar o conhecimento a respeito do processo de luta dos trabalhadores Sem Terra, o projeto de pesquisa em questão poderá contribuir para desconstrução da visão pejorativa que setores da sociedade têm sobre as práticas sociais dos trabalhadores Sem Terra. Esta construção do conhecimento é de fundamental importância, pois a história de luta será narrada do ponto de vista daqueles que vivenciaram o cotidiano nos acampamentos, permanecendo durante anos em barracos de lonas, sem infraestrutura. Com intuito de analisar as questões propostas nesta pesquisa, iniciei a pesquisa de campo com visitas nas casas dos assentados, onde foram escolhidas nove pessoas para serem entrevistadas. Dentre elas, três participaram do processo de ocupação da fazenda que hoje é o assentamento Olhos D`água, três que já saíram do assentamento e três recém chegados no local.

Com esta escolha será possível reconstituir o processo de memória no assentamento, assim como compreender os motivos que levaram algumas famílias a desistirem da luta pela terra. Pretende-se abordar, dentre as temáticas emergidas por meio das narrativas orais, as políticas públicas em relação ao pequeno produtor rural, na medida em que é a condição dos assentados. Levar-se-á em conta nesta análise o número de assentados que desistiram da terra, já que é possível constatar que das vinte setes famílias assentadas tiveram quinze substituições. Na sistematização da primeira entrevista que foi realizada no dia 23 de dezembro de 2012 com o assentado Aguinaldo da Silva Batista podemos compreender por meio do seu depoimento o porquê da sua participação na luta pela terra. Alguém que já era do Movimento era meu vizinho me chamou você já é do PT já é da Pastoral da terra e você para ir pro MST está feito é um passo e então estava em um momento de desemprego achei que era legal eu entrar nessa luta e comecei a juntar alguns vizinhos, algumas pessoas que estava com essa mesma vontade e ajudei, né? Ficamos aí uns dois meses fazendo no Movimento o que nós chamamos de trabalho de base, reunimos umas quarenta famílias, mas na hora H foram só dezessete. (Aguinaldo da Silva Batista 23 de dezembro 2012). Por meio da narrativa do trabalhador Aguinaldo percebe-se que seu engajamento no processo de luta ocorreu porque já era militante político e pela sua identificação com os ideais do MST, sua decisão de ocupar a terra e se tornar um militante foi motivada pela condição de vida e de trabalho, no caso o desemprego. Estas dificuldades financeiras são bem comuns entre pessoas que estão ou já estiveram na luta, torna-se desafios a serem superados a partir da luta dos trabalhadores. A fazenda Olhos D`água foi escolhida pelos militantes porque estava em situação ilegal, o procedimento para ocupação ocorreu da seguinte maneira primeiramente as lideranças do MST receberam a informação de pessoas que trabalhavam no banco do Brasil que a fazenda estava sendo leiloada. Passou-se o primeiro leilão e ninguém ofereceu nem um lance, e um segundo leilão foi marcado para o dia oito de junho de 1998 e como o MST já estava estruturado e organizado eles ocuparam a terra no dia quatro de junho deste mesmo ano. A ocupação se deu de forma peculiar frente à violência com que o Estado nessa época lidava e repreendia o MST no país, já que não teve boletim de ocorrência, nem repressão da polícia e

do prefeito do município de Sacramento na época; dentro de poucos dias as famílias já estavam sendo organizadas em seus lotes. O entrevistado mencionado anteriormente narra às varrias dificuldades que as famílias passaram no início da ocupação, mas faz questão de reforçar que a ocupação se diferenciou das demais por não ter tido violência e repressão. Esta aceitação imediata por parte das autoridades se deu pelas relações articuladas entre os militantes do MST, com o prefeito Nobuhiro Karashima e os secretários de governo que eram simpatizantes pelos ideais do Movimento. O entrevistado também evidência em sua narrativa as melhorias que o assentamento já teve, mas ressalta que ainda há muito para ser feito. Por meio das narrativas percebemos os cuidados que os trabalhadores tiveram para ocupar a terra, cuidados estes que não são passados em grande maioria das reportagens de jornais ou televisão. Nota-se também os diferentes motivos que levaram cada pessoa a engajar no processo de luta, as dificuldades enfrentadas e os múltiplos significados que cada um atribui no processo de luta. Foi ressaltada a identidade que os trabalhadores possuem com a terra, o jeito que cada um trabalha com a lavoura e com a pecuária, e estas múltiplas ações acaba favorecendo um aprendizado no fazer-se cotidiano como assentado. E ao pensar as políticas públicas em relação à reforma agrária o entrevistado Aguinaldo da Silva Batista pondera o seguinte: Estamos vivendo em um período histórico em que o governo distanciou da política da reforma agrária em todos os aspectos seja na área técnica seja na área financeira seja política, então se distancia talvez esta política seja organizada em um outro tempo [...] os assentados tem que se organizarem porque os problemas estruturais são os mesmos, são problemas infraestruturais, problemas assistência técnica, problema de escoamento da produção, são problemas comuns nos assentamentos. (Aguinaldo da Silva Batista, 23 de dezembro 2012). Por meio deste depoimento percebe-se a ausência do governo em relação às políticas públicas voltadas para a reforma agrária, sobretudo, nota-se a consciência em que o assentado tem de se organizar politicamente para resolver o problema. Talvez esta ausência de políticas justifique, ou seja, a motivação para o elevado número de desistência que acontece em meio ao processo de luta dos trabalhadores.

Contudo, conclui-se que o movimento de luta pela terra do MST organiza-se em prol da conquista da terra, e esta não é uma luta em vão, pois são vários os motivos que fizeram com que cada trabalhador torna-se um militante desta causa. Tendo que vencer, superando o preconceito que parte da sociedade cria em relação às praticas de luta, exercidas por estes trabalhadores. Referência bibliográfica: ARÓSTEGUI, J. A pesquisa histórica. Bauru: Edusc, 2006. FERNANDES, Bernardo Mançano. A Formação do MST no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. HELLER, A. O cotidiano e a história. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. KHOURY, Yara Aun; MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de. Outras histórias: Memórias e linguagens, SP, olho d água, 2006. LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Unicamp, 2003. MORISSAWA, Mitsue. A História da Luta Pela Terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. SILVÉRIO, Leandra Domingues. Reforma agrária no Triângulo Mineiro: memórias, histórias e lutas de assentados(as) dos Projetos de Assentamento Emiliano Zapata e 21 de Abril 1980-2012. 2012. Tese (Doutorado em História Social) - Programa de Estudos Pós- Graduados em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.. Assentamento Emiliano Zapata: trajetórias de luta de trabalhadores na construção do MST em Uberlândia e Triângulo Mineiro (1990-2005). 2006. Dissertação (Mestrado em História Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.