COUTO, G. A. As mudanças climáticas globais e as ONGs socioambientais brasileiras: novas estratégias de conservação para a Amazônia. 2012. 207 f. Dissertação (mestrado) Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. As mudanças climáticas são hoje um dos maiores desafios globais a serem resolvidos pela sociedade contemporânea. Dados, fatos e previsões são gerados e divulgados diariamente, causando reações diversas nos indivíduos e organizações. Para alguns, o conhecimento de fatos pode despertar o interesse pela mudança, nem que isso represente reciclar o lixo gerado dentro de casa. Para outros, a inércia pode ser a opção, uma vez que a tragédia pode ser tão grande que não há nada que possa ser feito. Alguns terão a tendência de olhar para os custos econômicos das mudanças climáticas e os possíveis prejuízos que podem gerar, outros podem enxergar oportunidades de negócios e de fazer dinheiro com os fatos. Ainda que existam controvérsias, se reconhece hoje que o fenômeno das mudanças climáticas tem causas e as ações humanas são das principais delas e conseqüências. Baseado nesta perspectiva, esta pesquisa considera as mudanças climáticas também como um fenômeno social, em que os processos de tomada de decisão por parte de diferentes grupos de atores sociais para determinadas ações contribuem com as mudanças climáticas e/ou reduzem seus impactos. Assim, compreender o papel desempenhado pelos atores se faz central na percepção, interpretação e mobilização pela sociedade. São diversos os grupos de atores sociais que têm cumprido o papel de fazer com que a sociedade compreenda e incorpore, mesmo que lentamente, a problemática das mudanças climáticas. Por um lado, alguns deles se apresentam como proponentes de novas formas de pensar e se relacionar como o planeta, em busca de encontrar soluções alternativas para resolver a problemática vivida. Contrariamente, outros buscam manter o cenário do businessas-usual. Esta pesquisa de mestrado concentrou-se no papel de um grupo específico de organizações não-governamentais ambientalistas aqui considerados como atores relevantes no processo social de condução de projetos e contribuição para o debate relativo às mudanças climáticas no Brasil. Para este estudo, utilizamos o conceito de Princen & Finger (1996) para definir o termo ONGs ambientalistas como grupos sem fim lucrativos cuja missão primordial é
reverter a degradação ambiental e promover formas sustentáveis de desenvolvimento (PRINCEN & FINGER, 1996: 16). Esta pesquisa buscou compreender, a partir da emergência e posicionamento do tema das Mudanças Climáticas Globais na agenda da cooperação internacional, como as ONGs ambientalistas que atuam na região Amazônica são influenciadas e, por outro lado, também influenciam o processo de tomada de decisão relativo às mudanças climáticas. Para tanto, foram reunidos elementos teóricos e empíricos para responder, de forma mais específica, por que as ONGs ambientalistas que atuam na Amazônia brasileira modificam suas estratégias e ações a partir a emergência do tema das mudanças climáticas globais? A pergunta proposta nesta pesquisa poderia ser respondida pela perspectiva do senso comum: é o tema da moda ou ainda é a bola da vez. Uma hipótese algo mais elaborada, mas seguindo a mesma orientação, poderia ser assim apresentada: as ONGs brasileiras que trabalham na Amazônia se envolvem na temática das mudanças climáticas porque é para este tema que os recursos financeiros estão sendo realocados, segundo as orientações temáticas e prioridades de seus financiadores. Para continuarem sobrevivendo, se adaptam às agendas externas, e reorientam sua atuação para atuar junto á mitigação dos impactos das mudanças climáticas na Amazônia. Esta pesquisa trabalhou com outra hipótese. Pretendeu demonstrar que tal resposta é demasiado simplista, pois não considera a complexidade de fatores que configuram o universo social em que estas ONGs estão imersas. Um elemento central da análise aqui apresentada diz respeito à capacidade de aprendizagem e inovação, que constituem uma das principais características destas ONGs, associadas ao desafio de manterem a legitimidade de que desfrutam frente aos demais atores que fazem parte do seu universo relacional. Formulada de forma mais direta, a hipótese central do trabalho considerou que a emergência do tema das mudanças climáticas desafia estas ONGs a ampliar seu quadro de ação e relações e a conquistar a aceitação de novos atores, sem modificar sua missão e sem perder o vínculo com aqueles atores responsáveis por legitimar sua atuação e sua própria existência. São diversas as teorias que podem explicar o fenômeno ONGs, havendo divergências entre as escolas se as mesmas são parte de um movimento social, se são apenas membros da sociedade civil global, se são mais um grupo dentro do Terceiro Setor, etc. Mas a fim de ser ter um bom entendimento das ONGs ambientalistas brasileiras que atuam na Amazônia, buscando compreender com base nos contextos nos quais estão inseridas
e para quê foram criadas, como estabelecem suas estratégias e ações, esta pesquisa se apóia mais detidamente naqueles autores que trabalham com os conceitos de legitimidade e aprendizagem organizacional. Suchman (1995), que em seu trabalho sintetizou uma extensa literatura sobre legitimidade organizacional, aponta a perspectiva de legitimidade como ponto de partida para um extenso aparato teórico que aborda as forças cognitivas e normativas que moldam, constroem e empoderam as organizações. Para Brown (2008), em seu livro Creating Credibility: Legitimacy and Accountability for Transnational Civil Society o processo de aquisição de legitimidade se dá com base em um quadripé, formado pela missão, valores, objetivos e estratégias organizacionais, inseridos dentro de um sistema social de normas, regras e valores que se comportam através de determinados padrões e expectativas (ver Figura 2.1). MOTIVO DA SUA EXISTÊNCIA MISSÃO SISTEMA SOCIAL ATIVIDADES REGRAS LEGITIMIDADE ESTRATÉGIA NORMAS IMPACTO PRETENDIDO OBJETIVOS PADRÕES & EXPECTATIVAS Figura 2.1 Figura esquemática do processo de aquisição de legitimidade, com base em Suchman (1995) e Brown (2008). As teorias sobre aprendizagem organizacional complementam o aparato teórico de legitimidade à medida que nos permite compreender como as organizações se adaptam às mudanças institucionais que as cercam, assim como aprendem e mudam a partir de suas experiências locais, que do mesmo modo, influenciam o processo de mudanças institucionais (EBRAHIM, 2005). Segundo o autor, o processo de aprendizagem envolve: i) a geração de conhecimento, informação e ii) o uso deste conhecimento para influenciar práticas e processos organizacionais (e que nem sempre acontece de forma intencional) a fim de acarretar em mudanças do comportamento organizativo segundo as necessidades locais. Ao definir claramente sua missão e a partir de quais objetivos pretende cumpri-la, a organização deverá estabelecer suas estratégias e ir para campo realizar suas ações. Ao atuar
no campo, sobre determinada arena, o próprio ambiente vai ser responsável por gerar reações sobre a organização ao mesmo tempo em que a organização vai agir sobre o ambiente a fim de transformá-lo. A isto se chama exploração do ambiente. O processo de exploração vai fazer com que a organização adquira e gere novos conhecimentos a respeito do ambiente trabalhado. A capacidade organizacional de racionalizar sobre o conhecimento adquirido e inovar a partir dele farão com que a organização reveja suas estratégias e ações, dado baixo um processo de aprendizagem em circuito único. Deste modo, a organização será capaz de gerar mudanças no comportamento organizativo segundo as necessidades locais, sem que para isso sejam modificados os valores e missão organizacional (Figura 2.2). ORGANIZAÇÃO ARENA OBJETIVOS MISSÃO AÇÃO ESTRATÉGIA APRENDIZAGEM RACIONALIZAÇÃO EM CIRCUITO ÚNICO EXPLORAÇÃO DO AMBIENTE GERAÇÃO DE CONHECIMENTO Figura 2.2 Modelo do processo de aprendizagem em circuito único, criado com base em Ebrahim (2005). O modelo das estruturas que definem uma organização (missão, valores, estratégias e objetivos) foi criado com base em Brown (2008). O processo de racionalização é incluído no circuito da aprendizagem com base em Hwang & Powel (2009). Foram as ONGs definidas para este estudo: Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e Instituto Socioambiental (ISA). Mesmo que tenham características bastante particulares, que variam desde o objetivo pelo qual foram criadas, passando por sua estrutura institucional e os recursos disponíveis, as mesmas têm em comum as seguintes características, utilizadas aqui como critério de seleção: (i) atuam no tema das mudanças climáticas; (ii) consideram a proteção da floresta Amazônica como elemento central da sua estratégia; (iii) atuam desde a escala local e nacional à
internacional; (iv) foram criadas 1 e tem escritório apenas no Brasil; (v) tem mais de 10 anos de fundação e atuação; (vi) tem orçamento anual igual e/ou acima de cinco milhões de reais; e (vii) estão devidamente registradas no Cadastro Nacional das Entidades Ambientalistas - CNEA. Para uma análise minuciosa da atuação das quatro organizações não-governamentais escolhidas para este estudo, baseados nos sete critérios acima mencionados, foram feitas leituras detalhadas dos relatórios anuais de cada uma das organizações (quando disponíveis), análise dos sítios eletrônicos e entrevistas com seus membros. Também foram entrevistadas pessoas externas às organizações escolhidas, a fim de trazer às análises e à leitura do papel destas organizações, visões externas. ANDAMENTO DO PROJETO O projeto de pesquisa se encontra finalizado, mas a autora segue trabalhando na área de pesquisa das Ciências Socias das Mudanças Climáticas, atuando no projeto Estudo de Ciências, Políticas Públicas e Mudanças Climáticas no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE, junto à prof. Dra. Myanna Lahsen. Referências teóricas BROWN, L. D. Creating Credibility: legitimacy and accountability for transnational civil society. Kumarian Press, USA, 2008. EBRAHIM, A. NGOs & organizations change: discourse, reporting and learning. Cambridge, Cambridge University Press, 2005. HWANG, H. & POWELL, W.W. The Rationalization of Charity: The Influences of Professionalism in the Nonprofit Sector. Administrative Science Quarterly, 54, 2009. SUCHMAN, M. C. Managing Legitimacy: strategies and institutional approaches. Academy of Management Review, vol. 20. No. 3, 571-610, 1995. 1 A autora do presente trabalho reconhece a importância das ONGs ambientalistas transnacionais que atuam no Brasil no tema das Mudanças Climáticas e seu papel na conservação da Amazônia, porém optou por selecionar apenas as ONGs ambientalistas criadas no Brasil para tratar de minimizar as possíveis influências nas análises das decisões estratégicas que podem ter sido tomadas por escritórios internacionais.