Depressão não é sintoma, mas inibição



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4 (29/4/2015) Tristeza Atualmente denominada de depressão, por lhe dar por suporte o humor, a tristeza é uma covardia de dizer algo do real. Seu avesso, no sentido moebiano, a alegria, pode ir até a elacão. 1 Depressão não é sintoma, mas inibição Em Inibição, Sintoma e Angústia 2 Freud se propõe distinguir sintoma e inibição, tal como o uso lingüístico o faz. A distinção se justifica porque existem neuroses nas quais observamos a presença de inibições, mas não de sintomas. Os dois conceitos não se encontram no mesmo plano. Uma inibição é uma restrição de uma função. Um sintoma é uma formação sintomática, um retorno do recalcado. Freud classifica as inibições de acordo com as funções nelas implicadas: inibição sexual (impotência, frigidez...); inibição do desejo de comer (anorexia, bulimia...); inibição do desejo de dormir (insônia, pesadelos...) inibição da locomoção (astenia, fobia...); inibição do desejo de trabalhar (cansaço, falta de atenção...), inibições de autopunição (não poder ter êxito e lucro), e sobretudo as inibições generalizadas (luto, depressão) que justifica nosso subtítulo. É fácil notar que o modelo que Freud utiliza para distribuir as inibições dentre as funções em questão, está de acordo com sua hipótese do desenvolvimento da libido em fases oral, anal e fálica. Assim ele chega ao conceito. Uma inibição é uma restrição de uma função subjetiva. A finalidade de uma inibição pode ser bem específica. Tocar, escrever, andar, comer são funções objetivas. Quando estão inibidas é porque adquiriram uma significação fálica. A significação fálica é o que no dicionário se chama de significação metafórica, conotativa, em oposição à significação, literal, denotativa. Assim uma função objetiva pode, por alteração de sua finalidade se tornar uma função fálica, uma função de satisfação subjetiva. Depressão não é sintoma, mas afeto 1 Lacan TV IV 2 Freud ISA 1

Lacan não negligencia o afeto. Ele aceita que um afeto concerne ao corpo, mas discorda que seja efeito de uma emoção. O afeto é efeito da linguagem. Ele crê que seu conceito de inconsciente estruturado como uma linguagem verifica melhor o afeto do que a ideia de adequação. Discorda da ideia de separar afeto e intelecto. A tristeza, a depressão desde que se aceite que é um afeto está sujeito à metonímia ou transnominação que consiste no emprego de um termo por outro, dada a relação de semelhança ou a possibilidade de associação entre eles. A tristeza, a depressão é um afeto, uma paixão da alma. As paixões da alma passam pelo corpo. Lacan prefere conceber a tristeza como falta moral, como pecado, no sentido de Dante que diz que é no inferno que se encontram os homens tristes que condescendem como que por inércia na satisfação pela via do sofrimento. Trata-se de autopunição, de sentimento de culpa. Na tristeza, na depressão trata-se de acedia, do não cuidar de si, de se colocar como se nada lhe dissesse respeito. Resulta disso o tédio (ennui) que acomete o sujeito triste e que é preciso combater com a receita de Spinoza, isto é, estabelecer a relação entre a paixão da tristeza e a ética do bem dizer. A tristeza, a depressão é rejet (rejeição, foraclusão) do inconsciente, do dever de bem dizer, ou de orientar-se no inconsciente, na estrutura de linguagem. Assim o tédio (ennui), por um anagrama, pode tornar-se união (unien), identificação do Outro com o Um, identificação tórica ao contrário da identificação fálica, amorosa, que quer de dois fazer Um. O desejo do Um (do mesmo) é idêntico ao desejo do Outro (do outro) porque tem a mesma condição, a mesma causa de desejo, o objeto a. O que o outro tem é o que falta ao mesmo e o que causa a tristeza. Abjeto objeto Luto e depressão 3 é uma teoria sobre a falta do objeto. Diferem em três aspectos: da abjeção, da disposição e da ignorância. Freud tem sempre um modo muito curioso de abordar os léxicos psicanalíticos. Ele começa a examinar o tema da depressão, neste artigo, lançando mão de uma espécie de proporção: o sonho está para a paranóia assim como o luto está para a depressão. É seu modo de tentar ficar de acordo com a tese vigente em psiquiatria que consiste em procurar na série dos sintomas diversos a série depressiva. É sua tentativa de demonstrar, 3 Freud Luto e melancolia 2

com efeito, que há uma falta real de objeto que, de algum modo, justificaria a universalidade do afeto depressivo. A depressão é um trabalho de elaboração da verdade através do sintoma. É um tipo de interpretação hamletiana: dê a cada homem o que merece e quem escapará do açoite? São suas condições: a falta do objeto, a indecidibilidade do sujeito e a inversão do gozo. É notável a satisfação do depressivo no que diz respeito à abjeção. Como se sabe, a idéia de Freud é que a auto-abjeção do sujeito depressivo é um deslocamento da abjeção do objeto. Sua queixa é um queixume. O que ele diz de desairoso sobre si refere-se ao outro, ao objeto. Trata-se da identificação do sujeito com o objeto perdido. O sujeito só pode assassinar a si mesmo se estiver identificado ao objeto, se tiver idealizado o objeto, como na paixão. Podemos alcançar o que isso significa se atentarmos para o mais-de-valor que assume o objeto na paixão (e na paranóia) se atentarmos ao fato de que o eu (o mesmo) é um objeto tal como o outro. É necessário discernir a relação entre a falta de objeto e a falta de um objeto. O que me parece decisivo para a escolha da solução depressiva é a condição da constituição do sujeito em relação à falta de objeto. Parece-me que é esse o problema da identificação narcísica, quer dizer, do narcisismo primário, que não existe porque ainda não existe eu. O problema reside na indecidibilidade de certos sujeitos em relação à escolha de objeto. Esse parece ser um problema estrutural. Freud o formulou recorrendo ao que há de estruturalmente triste no sujeito do inconsciente, isto é, ao que há de indecidível para aquele cujo ser é a sutura de uma falta, para aquele cujo axioma é que a falta do Outro [S( )] é um estado permanente. Temos também de levar em conta a elação, porque o entusiasmo maníaco parece indicar bem que este é o caso em que o sujeito consegue o triunfo sobre o objeto. O entusiasmo maníaco é o avesso moebiano da inibição depressiva. Desse modo, podemos dizer que a posição do sujeito deprimido é a de não consentimento com a falta permanente do Outro, e que a dor de existir procede da própria rejeição do inconsciente. Se seguimos as indicações de Televisão, o que temos aí é o retorno no real do que é rejeitado da linguagem: é a excitação maníaca por meio da qual esse retorno se torna mortal. 3

Podemos notar a equivalência existente entre os conceitos de depressão, de vazio, de luto, de perda e de falta que finalmente Lacan preferirá chamar de furo (trou), a fim de passar da dimensão do que falta ao sujeito à dimensão do que falta à própria estrutura de linguagem. Disposição à falta Tentando dar conta do trabalho do luto, Lacan recorre a Shakespeare 4. Hamlet está sempre na hora do Outro, disse, para indicar que a dependência do sujeito ao significante não lhe dá garantia de poder dizer toda a verdade. O que falta a Hamlet, o que falta ao homem, o de que o sujeito está privado é desse significante que é um objeto. O que torna-se objeto do desejo é condicionado por essa falta de um significante na estrutura. O diálogo com Laertes antes do duelo, mostra que aquele que mais admiramos é aquele que devemos matar. O momento crucial dessa relação ao objeto se passa na cena do cemitério. Hamlet não pode suportar a admiração de Laerte por sua irmã Ofélia. A ostentação do luto de Laerte lhe provoca a rivalidade. E é aí que Lacan situa a relação entre o luto e a constituição do objeto. Antes Hamlet tratava Ofélia de uma maneira depreciativa e cruel. Ela era o símbolo da rejeição do seu desejo. De súbito, esse objeto adquire seu valor. Lacan é, então, levado a enunciar que é na medida em que o objeto de seu desejo tornou-se um objeto impossível que volta a ser objeto de seu desejo. O que vale especialmente para o obsessivo mas vale também para qualquer que seja o sujeito. Lacan deixa um pouco de lado a consideração do trabalho de luto em termos de identificação, de incorporação do objeto, para nos propor a sua solução: quando se perde o objeto se experimenta a dimensão mais intolerável da experiência humana. O furo dessa perda, que provoca em uns o luto, em outros a depressão, está no real e entra por aí numa relação que é inversa àquela da Verwerfung. Em ambos os casos, seja no caso da falta de um significante no simbólico ou do furo no real, há mobilização do significante. Este furo no real oferece o lugar onde se projeta o significante que falta, significante essencial à estrutura do Outro. 4 Lacan Seminario 6 22/4/1959 4

Gostaria de me permitir pensar que o nome dessa foraclusão no real é a Versagung 5 freudiana, que se traduz habitualmente por frustração, mas que seria melhor traduzi-la, segundo certas indicações etimológicas, por desdita. Vemos aí a presença do verbo sagen, dizer, e a dimensão de rechaço que comporta esse prefixo Ver, des. A Versagung é primária, inaugural em relação a estas categorias da falta do objeto: castração, frustração e privação. Lacan indicou que não convém traduzi-la por frustração mas por denúncia, renúncia, promessa e ruptura de promessa. Em particular à Versagung primária propôs traduzir por recusa, rejeição, dizer-que-não. Esse não se opõe ao sim no nível primário, no nível da Bejahung. Há outras modalidades de rejeição, modalidades lógicas de negação. O conceito de primário é aqui muito precioso. Primário é sempre, na teoria analítica, o que não existe, o que é mítico, o que é axiomático. É um dos nomes do real no sentido do que há. O que é primário é sem conteúdo. É o que é impossível de calcular, o que só chega de modo contingente. Depois há alíngua, sem a qual nada poderia ser dito. Depois o semelhante. A Versagung é primária. É o objeto real, isto é, a falta real de objeto, que se poderia também chamar de furo da linguagem. Ignorância da perda A economia da depressão é semelhante em quase tudo à do luto exceto quanto ao fato de que a natureza da perda na depressão é mais real que a do luto. Na depressão o objeto perdido é incógnito. Não se sabe o que se perdeu. Essa é uma distinção importante entre luto e depressão: a perda sabida e a não-sabida. A inibição e o desinteresse no luto é manifesta; na depressão é subjetiva. É isso o que Freud denomina de perda da auto-estima. O sujeito deprimido se devasta, se julga desprezível, se repreende, se envilece, se degrada, quer ser expulso, quer ser punido, se culpa. Sente comiseração por sua família estar ligada a alguém tão desprezível. Seu enunciado clássico poderia ser: arruinei minha família. 5 Lacan Escritos p463 e Seminário 6 29/4/1959 5

Esse delírio de auto-devastação é efeito do trabalho subjetivo do luto. Certamente o sujeito que se auto-envilece diz a verdade sobre si mesmo, ou, pelo menos, dispõe de uma visão mais penetrante da verdade. Quando, devido a sua exacerbada autocrítica, alguém se descreve como pusilânime, pode estar muito perto da verdade, porém, cabe perguntar, por que é preciso adoecer para ter acesso a essa espécie de verdade? De fato, tal como Hamlet, aquele que sustenta uma tal opinião sobre si mesmo, quer seja verdadeira ou falsa, está doente. A auto-acusação do deprimido não se justifica da realidade, mas de um gozo do autodesmascaramento. Portanto, não se trata de saber se o sujeito faz uma autocrítica correta de si mesmo do ponto de vista objetivo mas subjetivo. 6