Capítulo II Capítulo II



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Transcrição:

A doença de Alzheimer, a doença de Parkinson e as doenças de expansão de poliglutaminas são doenças neurodegenerativas que se prevê virem a ser a quarta principal causa de custos de saúde em 2030 (World Health Organization, 2006). É, portanto, necessário investir na investigação biomédica destas patologias de forma a encontrar tratamentos que permitam melhorar a qualidade de vida a longo prazo. Uma característica diagnosticante das doenças neurodegenerativas é a presença de agregados proteicos no cérebro. Estas estruturas resultam de uma incapacidade, a nível celular e molecular, da manutenção da homeostase proteica, que decorre por sua vez de disfunções em vias envolvidas na síntese, folding, tráfego e degradação de todas as proteínas celulares. Ainda não se conhece a razão por que ocorre a agregação proteica observada, e de que modo é que esta última está relacionada com a patologia. São, no entanto, conhecidas, para determinadas doenças neurodegenerativas, as proteínas que têm predisposição para agregar (as chamadas aggregation-prone proteins) e, através de estudos genéticos, já foram identificadas mutações nos respectivos genes que determinam o desenvolvimento da patologia. Vários estudos realizados a nível genómico, transcriptómico e proteómico estão a ser efetuados no sentido de compreender os fatores envolvidos na agregação proteica e de que modo é que esta está mecanisticamente relacionada com a patologia. 166 O objectivo principal desta tese foi o estudo dos mecanismos que promovem a agregação e toxicidade proteica em doenças neurodegenerativas. Mais concretamente, procurou-se compreender como é que a célula reage perante a presença de proteínas com predisposição para agregar. O Capítulo II descreve as diferentes estratégias celulares que existem para lidar com este tipo de proteínas. Nesse capítulo também são sublinhadas as vantagens de utilizar modelos animais nomeadamente leveduras, nemátodes e moscas como ferramentas versáteis para descobrir genes (ou moduladores genéticos) envolvidos na agregação e toxicidade proteica. Muitos dos genes descobertos nestes organismos estão conservados em ratinhos, o que permite estudos mais complexos e cujas descobertas poderão ser potencialmente aplicáveis a humanos. No Capítulo II, explora-se ainda o conceito emergente da contribuição do genoma não-codificante para a neurodegeneração, e descreve-

se o progresso realizado nesta área de investigação. São apresentados vários exemplos recentes onde se demonstra a relação entre o metabolismo de RNA e doenças neurológicas e neurodegenerativas e, mais concretamente, descrevese como é que disfunções em micrornas, trnas e outros tipo de RNAs se correlacionam com a patologia. A contribuição das disfunções no metabolismo do RNA para o desenvolvimento da patologia e os mecanismos envolvidos são questões que permanecem em aberto. No Capítulo III, apresenta-se o modelo animal C. elegans como uma ferramenta para descobrir a função de genes. Explora-se como se pode tirar partido de modelos de C. elegans para as doenças de Alzheimer, Parkinson ou Huntington, e descreve-se como podem ser utilizados em screens genéticos (utilizando etil metano sulfonato ou RNA de interferência). Um aspeto a mencionar é que, nestes modelos, a agregação e toxicidade proteicas são fenótipos que podem ser analisados independentemente um do outro. Ainda no Capítulo III são apresentados resultados de screens genéticos nos quais se observa que moduladores genéticos de proteotoxicidade estão frequentemente associados a funções metabólicas gerais (sistema de controlo de qualidade proteica, metabolismo de RNA, ciclo celular, etc.), demonstrando que a agregação e toxicidade proteica podem resultar de diferentes níveis de disfunção celular. O Capítulo IV descreve o trabalho desenvolvido a partir de um screen genético num modelo de C. elegans para doenças de expansão de poliglutaminas. Neste screen procuraram-se genes que promovem a agregação e toxicidade proteica, usando a poliglutamina como exemplo de uma proteína com predisposição para agregar. Neste capítulo descreve-se também a descoberta do modulador genético moag-2 (modifier of aggregation-2) que, quando mutado, reduz a agregação proteica até 51%. Após sequenciação, descobriuse que o modulador genético moag-2 corresponde ao gene lir-3. O gene moag-2/lir-3 codifica uma proteína de função desconhecida, mas a sua sequência de aminoacídica contém um sinal de localização nuclear e dois domínios com dedos de zinco (zinc fingers) homólogos aos do factor de transcrição para a RNA Polímerase III A (TFIIIA). Neste estudo, descobriu-se ainda que a proteína MOAG-2/LIR-3 se liga aos mesmos locais genómicos 167

que a maquinaria da RNA Polímerase III para transcrição de pequenos RNAs não-codificantes entre os quais se incluem os small nuclear RNA (snrna); small nucleolar RNAs (snornas) e RNAs de transferência (trna). A função destes pequenos RNAs não-codificantes é a regulação da expressão genética ou modificação de outras moléculas de RNA. Curiosamente, descobriu-se que a proteína MOAG-2/LIR-3 promove a agregação de poliglutaminas de uma forma que é independente da sua função como factor de transcrição. Assim, proteínas com predisposição para agregar conseguirão sequestrar e converter proteínas celulares normais em factores que promovem agregação proteica. Uma descoberta adicional deste trabalho foi que proteínas com predisposição para agregar reduzem a abundância de pequenos RNA não-codificantes em animais wild type, nomeadamente snrnas, snornas e trnas. Apesar de serem desconhecidas as consequências biológicas desta observação, os resultados sugerem que proteínas com predisposição para agregar também podem influenciar a homeostase de RNAs não-codificantes. O Capítulo V descreve as alterações transcricionais que ocorrem quando células expressam proteínas com predisposição para agregação proteica. Ao comparar o perfil transcriptómico de animais wild type com animais que expressam poliglutamina, descobriu-se que esta atrasa o desenvolvimento animal consistentemente com observações anteriores de que estes últimos demoram normalmente mais tempo a atingir o mesmo estádio de desenvolvimento do que animais wild type. Resultados obtidos pelo mesmo estudo revelaram ainda quais são as vias de sinalização activadas como consequência da presença de poliglutaminas. Mostra-se também que a expressão de proteínas com predisposição para agregar induz a activação da unfolded protein response (UPR), uma das principais vias envolvidas na manutenção da homeostase proteica. 168 Uma vez identificados moduladores em modelos animais como leveduras, nemátodes ou moscas, é necessário validar a sua função em mamíferos ou cultura de células humanas. A proteína MOAG-4/SERF foi identificada, em trabalho previamente publicado pelo nosso grupo, como um modulador genético de agregação proteica em modelos de C. elegans para a doença de Alzheimer, de Parkinson e de expansão de poliglutaminas. O Capítulo VI,

descreve a geração de um modelo de murganho com deleção (knockout) do gene SERF2, um dos homólogos de MOAG-4. Descobriu-se que a deleção de SERF2 não é favorável para o desenvolvimento animal, uma vez que resultou frequentemente em letalidade embrionária com penetrância incompleta. Esta observação levou a que se tentassem gerar mutantes condicionais nos quais a expressão de SERF2 é eliminada apenas no cérebro. Esta estratégia foi bem sucedida uma vez que se obtiveram mutantes condicionais viáveis e férteis. Mostra-se ainda que a deleção de SERF2 do cérebro foi conseguida sem afectar a sua expressão noutros órgãos. Finalmente, propomos que estes mutantes condicionais possam ser cruzados com modelos de murganho para a doença de Alzheimer, o que permitirá estudar a função de SERF2 como modulador de agregação proteica na doença de Alzheimer (Capítulo VII). Em suma, esta tese descreve a descoberta e caracterização de um novo modulador genético para a agregação proteica e propõe mecanismos alternativos que podem ajudar a compreender melhor a complexidade do processo de agregação proteica. Paralelamente, o trabalho aqui apresentado deu início ao processo de validação de um modulador genético descoberto em C. elegans e a sua transposição para modelos de Alzheimer em murganhos, abrindo caminho a investigação translacional. 169