ARTIGOS TÉCNICOS 04/2006 Júlio Otávio Jardim Barcellos Médico Veterinário, D.Sc - Zootecnia Professor Adjunto Depto Zootecnia UFRGS julio.barcellos@ufrgs.br Guilherme Cunha Malafaia Aluno do Curso de Pós Graduação em Agronegócios Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios - UFRGS COMPETITIVIDADE EM PECUÁRIA DE CORTE A pecuária de corte brasileira vem passando por ajustes nos últimos cinco anos, particularmente pela introdução do processo de rastreabilidade, pela ocorrência episódica de focos de febre aftosa e pela perda de rentabilidade. Até o final dos anos 90 a pecuária de corte cresceu em produtividade e aperfeiçoou o modelo de gestão do negócio. Como resultado atingiu um grau de eficiência capaz de atender as demandas de carne até alcançar a liderança nas exportações mundiais. Contudo, ainda que tenham ocorrido avanços significativos e inquestionáveis, atualmente a pecuária de corte, similar a maioria das atividades agrícolas do país, começa a demonstrar sinais claros de instabilidade econômica, colocando em risco a produtividade e o crescimento obtido nos últimos anos. A partir dessa realidade torna-se necessário reavaliar a verdadeira competitividade da pecuária de corte. A definição de competitividade e o entendimento dos fatores que a determinam na pecuária de corte têm conseqüências diretas para a escolha das estratégias a serem utilizadas na projeção do negócio. De um modo geral a competitividade pode ser vista como uma medida de desempenho de uma firma individual ou de um produto. No entanto, este desempenho depende de relações sistêmicas, já que as estratégias empresariais podem ser obstadas por gargalos de coordenação vertical ou de logística. O principal indicador de competitividade estaria ligado à participação de um produto ou firma individual em um determinado mercado. A utilização da participação do mercado (Market Share) como medida de competitividade é a contribuição mais difundida da economia neoclássica para os estudos de competitividade. Na figura 1 é apresentado o diagrama para a construção da competitividade na pecuária de corte. Nota-se que ela é construída a partir dos recursos físicos, econômicos e humanos, bem como as debilidades e as fortalezas envolvidas nesta etapa. Após, o produtor deve identificar quais são suas capacidades para fazer melhor uma determinada atividade dentro da pecuária de corte. O resultado poderá ser traduzido numa vantagem competitiva cuja concretização dependerá da estratégia empregada. Porém, isso não é um ciclo fechado e deve ser renovado com a identificação dos limitantes e dos investimentos necessários para cobrir os gaps tecnológicos estratégicos para a manutenção de uma vantagem competitiva. As evidências demonstram que nos últimos anos este ciclo de construção da competitividade foi interrompido e como conseqüência a pecuária de corte foi perdendo eficiência e lucratividade.
Figura 1. Os recursos e a estratégia 3. Explorar melhor as capacidades 3. Apropriação do retorno sustentabilidade ESTRATÉGIA VANTAGENS COMPETITIVAS 5. Identificar os limitantes Gaps Investir, substituir recursos upgrade 2. Identificar as Capacidades ( o que faz melhor) CAPACIDADES 1. Identificar e classificar os recursos Pontos fortes e fracos RECURSOS Adaptado de Grant, 1991. 19 Uma das grandes dificuldades de discutir as questões de competitividade em pecuária de corte é desconhecer que o negócio pecuário, respeitadas algumas especificidades, segue os conceitos clássicos da economia industrial. Assim, pecuaristas em geral afirmam que a pecuária é diferente e muitas vezes ignoram princípios básicos com a simples lei da oferta e procura. Isto tem uma razão histórica e envolve a própria evolução da pecuária de corte como atividade econômica (Figura 2). Ela começa, após a ocupação do território brasileiro, como atividade de subsistência. Após a incorporação do conhecimento tácito e pela geração do conhecimento científico a atividade passa a dispor de tecnologia que é transformada em processos de produção, cujo resultado é o negócio pecuário. Com isto chega-se ao final do século XX. Deste modo, ainda que tenha ocorrido uma lenta evolução, esta não comprometeu a sobrevivência e a continuidade da atividade. Contudo, na virada do século surgem no cenário da pecuária de corte vetores capazes de produzirem profundas transformações produto e mercado passando a exigir uma nova postura do pecuarista. Agora há uma especificação de produto, normal para qualquer outra atividade produtiva, porém ainda distante do entendimento da pecuária de corte. Aquele pecuarista acostumado a produzir o boi que lhe agradava ou que julgava ser o melhor agora quem determinava era o mercado. Portanto, um paradigma difícil de ser quebrado. Porém, simultaneamente surgem novos desafios que é tornar-se um empreendedor e ainda ser competitivo. Tudo isto constituiu de forma muito rápida um novo cenário, cujo resultado foi à exclusão de empresas e a perda de competitividade por muitas. Simplesmente a velocidade dos novos vetores foi maior que a capacidade de mudança dos modelos mentais ou dos paradigmas até então existentes na pecuária de corte.
Figura 2. Evolução da pecuária de corte no tempo como atividade econômica COMPETITIVO EMPREENDEDOR MERCADO PRODUTO NEGÓCIO TECNOLOGIA CONHECIMENTO SUBSISTÊNCIA Presente e Futuro Passado 20 Em termos práticos, vale relembrar que quando um produtor tem um novilho à venda, há um concorrente também com outro novilho no mercado. Para uma demanda constante, se os novilhos reunirem as mesmas especificações de conformidade, a escolha será pelo novilho de menor preço. Portanto, quem teve o menor custo foi mais competitivo. Isto ocorre num mercado perfeito. Contudo, em se tratando de carne bovina, as regras são mais abrangentes e pode ocorrer que o menor preço seja apenas uma delas, mas outras como as condições de produção, garantias, serviços, etc..., poderão, independente do preço, constituir-se em barreiras que anulam aquela vantagem competitiva determinada pelo custo. A partir do novo cenário, agora com a necessidade de ser competitivo, volta-se para uma análise interna do próprio negócio em especial para os fatores que influem nos resultados (Figura 3).
Figura 3. Fatores que determinam o resultado em pecuária de corte Custo de Produção Produção e Produtividade gestão tecnologia Preço de venda mercado Oferta x Demanda 22 Na década passada foram feitos ajustes basicamente nos custos e na produtividade e foram alcançados resultados bastante promissores. Entretanto, nos tempos atuais, as margens para redução de custos são mínimas, pois a maioria das empresas já passou por esses ajustes, salvo alguns sistemas ainda mal gerenciados. Assim, recuperar competitividade pelos menores custos de produção torna-se uma tarefa complexa e difícil, pois os principais insumos de produção são originados a partir de um número reduzidos de fornecedores. Além disso, o produtor executa suas compras de forma individual, em geral a prazo, e, portanto, tem pouco poder de barganha sobre os preços. Acrescente-se a isto o fato de que nas empresas de pequena escala ainda há um forte comprometimento dos custos com a sobrevivência familiar. Por outro lado, ainda existem boas oportunidades de reduzir os custos pela eliminação das perdas dentro do sistema produtivo. Desperdícios de insumos, horas em retrabalho, excesso de mão-de-obra e alto percentual de produtos fora do padrão de conformidade (animais refugos) são exemplos de perdas que uma vez minimizadas podem reduzir os custos de produção. A melhoria na produtividade ainda encontra uma ampla margem para avanços, porém, vale lembrar que com os atuais índices, para aumentar diretamente a produtividade serão necessários insumos cujos custos podem inviabilizar o processo. Contudo, a introdução de tecnologia de processos e a análise sistêmica da atividade podem constituirse em alternativas viáveis e de baixo custo para aumentar a produtividade. Como exemplos de tecnologia de processos pode ser citado o ajuste das demandas de energia pelos animais e a disponibilidade pelos alimentos (contabilidade energética), a adequação do ciclo de produção da vaca de cria com o calendário de crescimento dos pastos, a manipulação da curva de crescimento dos animais com o aproveitamento do crescimento compensatório e ainda o gerenciamento da estrutura do rebanho pela participação de cada categoria animal. A terceira variável, atualmente a mais importante, é representada pelo mercado, através da comercialização que se traduz pela liquidez na venda e pelo preço recebido. Este
mercado começa a definir na pecuária de corte padrões de conformidade e especificações para cada produto vendido. À medida que as regras vão ficando claras, não atendê-las poderá dificultar a venda ou ainda receber um menor preço pelo produto. Exemplo claro disto ocorre quando um produtor vende um lote de novilhos ao frigorífico. Aqueles animais que não atendem o padrão estabelecido recebem uma redução no preço com reflexos na remuneração total do lote. Isto ocorre porque o produtor não está observando claramente as exigências do mercado. Um outro aspecto relacionado com o mercado é a compreensão das relações das outras cadeias concorrentes com o seu negócio. Por exemplo, o efeito da gripe aviária sobre a redução dos preços pagos ao pecuarista foi maior do que o impacto da febre aftosa. Então, torna-se necessário que o pecuarista também tenha essa visão pragmática de que o seu negócio não é exclusivo e está inserido num contexto muito mais abrangente do que as cercas de sua fazenda. Nisto incluem-se os concorrentes (produtores) de outros países ou de outras regiões brasileiras. A fuga da lei da oferta e da procura é um caminho que hoje começa a ser aproveitado pela pecuária de corte, possivelmente como a principal estratégia para os tempos de crises. Neste sentido, a diferenciação é a palavra mágica e pode ser representada pela qualidade de produto, pelo seu processo de produção ou por uma conformidade em particular. Quando isto ocorre o produtor estabelece o preço e o mercado quer comprar e pagar. Talvez essa seja uma das principais alternativas para alguns sistemas agroalimentares locais. A apropriação do como fazer, a incorporação de selos raciais, marcas e identificação de origem são discretas realidades, mas no curto prazo constituirão a principal vantagem competitiva da pecuária brasileira. Devemos lembrar que vender pelo menor preço, o que vem ocorrendo nas exportações brasileiras, não remunera adequadamente o produtor. Contudo, se existirem sistemas especializados em produzir para atender a demanda do mercado externo qualificado (1.000.000 toneladas), que paga um maior preço, é possível construir uma vantagem competitiva, cuja cadeia de valor poderá alcançar o pecuarista. Porém, para que isto ocorra é fundamental uma prospecção clara desse mercado e um compromisso dos produtores em atenderem essas exigências, como é o caso da rastreabilidade, por exemplo, para transformá-la em oportunidades.