as coisas já estão aí GRINGO CARDIA [Cenógrafo e designer]
colagem, remix narrativa em banco de dados remix de referências de várias áreas novas tecnologias a maneira que eu trabalho Eu acredito, na verdade, que as coisas já estão aí. Você nunca vai inventar uma coisa nova. Você sempre tem referências. Você não é uma pessoa que veio de um planeta e desceu aqui. Uma pessoa já nasce em um mundo que tem uma determinada cultura. Ela assimila essa cultura e fala à sua maneira. Então, vemos que a vida da gente é e sempre foi uma colagem. Faz parte do ser humano fazer essa mistura e tentar trazer o inconsciente coletivo que existe no mundo. O artista tenta, de alguma forma, colocar na mesa esse inconsciente. Esse poste de luz está sempre aí, todo mundo passa por ele, mas ninguém o enxerga. Jogar luz em algo corriqueiro, que passa despercebido para grande parte das pessoas. Fiz uma cenografia para um show do Chico Buarque, em que coloquei um único gigante poste de luz realista em cena. Muita gente achou uma coisa fenomenal, mas eu simplesmente coloquei um poste de luz de rua no fundo do palco do show As cidades. 121
mão de obra Esse poste de luz está sempre aí, todo mundo passa por ele, mas ninguém o enxerga. Atrás do Chico e no meio do palco, todo mundo observa a poesia da forma estranha daquele poste. Provocar um outro olhar sobre o cotidiano, instigar as pessoas a darem uma olhada ao redor com mais calma, é um elemento sempre presente no meu trabalho. Eu acho que o papel do artista visual é exatamente o de fazer as pessoas terem atenção para coisas que elas não veem. A gente nasceu com o olho maior que todo mundo. Antes de ser artista visual você tem de olhar tudo. Depois que você olhou tudo, você continua olhan do. Só aí você pode dizer que está começando a ser um artista visual. Eu acho que quando você traz qualquer detalhezinho para a cena, esse detalhe ganha outro significado. E esse significado faz as pessoas perceberem a poesia que está em volta delas. Como artista visual a gente está aí para mostrar as belezas do mundo. Até quando mostra algo ruim, você sempre busca mostrar o que há de bonito. Então, eu acho que o papel da gente é descobrir o mundo e o colocar para as pessoas verem. Dessa forma, o trabalho do artista está muito ligado ao trabalho da comunicação. Não tem como separar isso. Objetos, ação e reação Eu procuro, o tempo todo, fazer uma cenografia viva, que interaja com o ator, e este, com ela, porque senão não faz sentido, o cenário se torna uma mera decoração. Eu acho que, na verdade, os objetos falam pela gente. Eles sempre expressam alguma coisa. Dessa forma, 122
AS COISAS JÁ EStÃO aí quando faço um cenário, eu sempre penso em algo dinâmico, em que atores e cenário virem uma coisa só. Então, se uma pessoa está subindo uma parede é diferente de ela estar à frente de uma parede. Se essa parede cai em cima dela ou tende a cair, a parede passa a ser um outro ator. É importante no trabalho artístico dar uma direção, mas não ser literal. Você deve deixar as pessoas interpretarem também. Um trabalho que já vai pronto, interpretado, óbvio, torna-se desinteressante para as pessoas, porque elas não estão participando. Então, se você deixa algumas possibilidades, o público participa. Ele vê alternativas, conectando, assim, a arte à vida, já que na vida as coisas nunca são únicas. Elas podem ser várias. Portanto, fica mais vivo nesse sentido. arte, tecnologia e imagem experiências estéticas? Existe realmente alguma coisa nova? Acho que não tem nada novo. Tecnologia é fundamental, pois traz novos instrumentos para você trabalhar e se expressar. No entanto, acho que algumas ideias são novas e, às vezes, muito simples. Eu fiz uma exposição em Nova York em que podia usar toda a tecnologia que quisesse e usei, mas o que mais emocionou o público foram as sementes da Amazônia, em que as pessoas podiam botar a mão. Aí você pensa: Que tecnologia é essa? Na verdade, as pessoas querem é interagir e se emocionar com as coisas. Eu acho, no fundo, que a tecnologia é igual a uma tesoura, a uma cola, é só um modo de você colocar o seu pensamento e se comunicar. Eu acho que esse deslumbre com a tecnologia é uma idiotice. É bom a gente ter um carro melhor, o avião ser melhor, tudo ser melhor, mas isso não vai mudar o mundo. Quem vai mudar o mundo é a gente e a cabeça da gente. 123
mão de obra jovens e a tecnologia troca, a conversa a bagagem tecnológica que os jovens trazem Lá na minha escola Spectaculu a gente tem o maior respeito pelos alunos e pelo que eles trazem. A gente tem uma linha estabelecida do que vamos ensinar durante o ano, mas é uma linha meio torta. Ela não é uma linha muito reta. Só depois que sabemos o perfil daquela turma é que definimos o que será realmente ensinado. O que eles gostam, o que eles sabem e o que eles querem, porque, por mais falta de informação que haja, as pessoas são sofisticadas. Todo mundo tem televisão em casa. A televisão, por mais que tenha noventa por cento de porcaria, abre uma janela para o mundo muito grande, e esses jovens são muito atentos. Eles escaneiam tudo em volta. Então, quando eles chegam lá, não são, de forma alguma, ignorantes. Eles sabem muita coisa. Dessa forma, a gente procura, dentro do possível, trabalhar em parceria com o conhecimento deles. cultura visual do contato plasticidade que está associada às novas tecnologias plasticidade mágica Quero dizer que esses novos materiais se aproximam da mágica, do espiritual, do espírito. Eu acho que é isso que as pessoas gostam. Por exemplo, ter uma sala aparentemente vazia com uma nuvem falando com você. Isso é o incrível! Neste sentido, acho que o trabalho de um cenógrafo é fazer mágica. É brincar com a mentira, a ilusão e o sonho. O que as novas tecnologias proporcionam é algo que pertence ao campo do onírico. É difícil de falar, mas ela seria como um vapor. 124
AS COISAS JÁ EStÃO aí todo mundo procura se ligar a alguma coisa [Colaboração Carlos Falci] Essa necessidade de ligação faz parte da história da gente como ser humano. Na contemporaneidade, essa virou uma questão fundamental da arte. Então, fala-se todo o tempo de juntar as pessoas, fazer grupos, não ter individualidades, ser coletivo, porque existe a necessidade do contato. As pessoas só se completam intelectualmente se existe uma troca e, para haver essa troca, tem de existir contato. O desenho de um espaço faz com que as pessoas interajam de alguma forma com contato ou somente intelectualmente. Eu acredito que nessas experiências interativas a maioria não entende muito bem o que acontece. No entanto, mesmo não entendendo, eles vivem alguma coisa, e isso pode ser o começo de uma transformação. Eu acho que arte traz muita coisa subliminar, que é para ser entendida a longo prazo. Dessa forma, muitas vezes, você vê uma obra, não entende nada, mas ela te incomoda. Algo fica ali, fazendo você sempre se lembrar daquela obra, daquela sensação. Isso para um trabalho de arte é o mais bacana. Uma obra que deixa você maravilhado, mas amanhã já foi esquecida, não tem a força política que um trabalho de arte deve ter em termos de transformação, como um trabalho que você não entende muito bem mexe com o seu subconsciente. A minha grande procura na vida é ir atrás do subconsciente, ver o que é que tem lá dentro. Pelo menos do meu. A gente está se procurando a vida inteira. Você já nasce querendo saber quem você é. 125
mão de obra A estética da periferia é muito forte, porque é lá que surge uma identidade, uma maneira de as pessoas se reinventarem. É a procura de uma identidade própria para se expressar, uma maneira de se reinventar e inventar o mundo criada pela população urbana de baixa renda fora da sociedade estabelecida economicamente. O maior prazer que tenho em desenvolver estes trabalhos com a peri feria é mostrar este lado da cidade, este potencial criativo e estético que nunca é valorizado pela cultura de elite. Acho que esta é a única saída para uma convivência digna e ética dentro dos padrões de diferença econômica em que vivemos. É muito bom tornar o invisível visível. Acho que muita gente gosta de várias manifestações que nasceram na periferia, mas não tem a sua dimensão. Minha satisfação é poder fazer essa ponte entre dois pedaços partidos da sociedade e trazer outras pessoas a colaborar com isso também. Tenho há dez anos uma escola de arte e tecnologia para jovens das periferias do Rio de Janeiro. Na minha escola, o maior desafio é fazer os jovens acreditarem no futuro e na educação. 126
AS COISAS JÁ EStÃO aí Nossos jovens têm de reaprender a gostar de estudar e conseguimos isso na nossa escola através da inserção da arte e da tecnologia de ponta. O jovem pobre se sentindo dentro da modernidade. Isso transforma sua maneira de se ver como um ser contemporâneo que vale a pena. O jovem da periferia urbana em geral não acredita em investimento na sua educação a longo prazo. Seu horizonte é curto e inseguro se pode ter aspirações. A arte faz esses jovens descobrirem suas vontades e seus desejos mais profundos, brincando como uma criança ou como um artista. É mais ou menos a mesma coisa. Ali se descobre o nosso grande prazer ou pelo menos um caminho que nos dê satisfação. Nem todos serão artistas, mas a experiência da arte na educação ajuda a sermos criativos em qualquer profissão e olharmos para dentro de nós mesmos e vermos também uma cara estética. SPECTACULU Escolhi este caminho social com minha amiga Marisa Orth, porque tinha certeza de que poderíamos dar acesso a outras pessoas dentro do nosso campo de trabalho. Aprendi muito com a periferia e descobri a verdadeira estética contemporânea brasileira nessa antropofagia da sobrevivência. Nossa meta é colocar esta arte dentro das galerias, dos palcos, das capas de disco, das imagens de moda, fazer isso ser novidade para todos. 127
mão de obra viajar conhecer todas as coisas do mundo sem preconceitos estéticos com pessoas e coisas na pressuposta breguice, você pode aprender muito. Eu sempre estou aprendendo. Em busca de uma energia gentil e positiva. Respeitar, trabalhar e se divertir. Com humor e com animação, festa e celebração. Celebrar qualquer coisa de maneira que ela fique enorme. Nenhum artista sozinho é uma pessoa especial, diferente das outras. O melhor é sempre o coletivo. O que vem dos outros e que a gente tenta interpretar. 128
[página anterior] Anglogold Ashanti Sincronicidade CD Segundo Sol Material gráfico fotos Gringo Cardia Flávio Colker
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H. Stern Carlinhos Brown Coleção Miscigens Fotos Gringo Cardia Mário Cravo Neto
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Cenário do show As cidades Chico Buarque
CD Barulhinho bom Marisa Monte Material gráfico
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Prêmio Hutuz de Hip Hop e Cultura Negra
Riocenacontemporanea Material gráfico 140
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