RECRIANDO A RECREAÇÃO: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO Eliete do Carmo Garcia V. e Faria Professora da Faculdade Metodista Granbery e Rede Municipal de Juiz de Fora. Mestre em Ciência da Motricidade Humana Lídia dos Santos Zacarias Professora da Faculdade de Educação Física e Desportos da UFJF. Dnda. em educação pela USP RESUMO: Este trabalho apresenta algumas reflexões oriundas da proposta de curso de formação e atualização destinada a acadêmicos e profissionais de educação física na cidade de Juiz de Fora. O curso denominado Recriando a recreação teve como objetivo discutir a recreação numa perspectiva diferenciada, apresentando-se como alternativa na organização dos conteúdos trabalhados. A metodologia utilizada ofereceu condições para que a recreação fosse entendida de modo crítico, por meio do diálogo aberto e da problematização de situações. O referido curso nos permitiu discutir a respeito dos conteúdos e da formação do profissional de recreação. Palavras-chave: recreação, brincadeira e formação profissional. RECREATING THE RECREATION: A PROPOSAL OF INTERVENTION SUMMARY: This study presents some reflections arised from the proposal of formation and extended course designed to scholars as well as physical education professionals in the city of Juiz de Fora, Brazil. The course called "Recreating recreation" had as purpose to discuss the recreation in a different perspective. It comes as alternative for the organization of the worked contents. The used methodology offered conditions so that the recreation was understood in a critical way, throughout patulent dialogue and problematic situations. The The course allowed us to discuss our concerns about the contents and formation of the professionals of recreation. keywords: recreation, playing games and professional formation. INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é compartilhar uma experiência realizada com acadêmicos e profissionais de educação física acerca do tema recreação e jogos. Esta experiência nos possibilitou refletir sobre os conteúdos específicos da área e sobre a formação e atuação do
profissional, numa perspectiva diferenciada, que estimule a auto-reflexão e a construção de caminhos alternativos. A proposta do Curso denominado Recriando a recreação foi desenvolvida por dois anos consecutivos, 2005 e 2006, no evento denominado Encontro de Profissionais de Educação Física da Região Sudeste (ENPROEF), realizado na cidade de Juiz de Fora. A motivação para elaboração deste curso contempla aspectos que refletem a carência e a incipiência de construção teórica para fundamentar uma intervenção crítica. Dentre eles, destacam-se: dificuldade de classificação que atenda a especificidade da área; a qualidade da formação do profissional de educação física com perfil na área da recreação e jogos; e a necessidade de aprofundar o tema na perspectiva da construção do conhecimento e não apenas em aumentar o acervo de atividades recreativas. APRESENTANDO A PROPOSTA Para contemplar as reflexões descritas acima, o curso foi tematizado compreendendo uma estruturação diferenciada das que freqüentemente são apresentadas em formato de manuais. Desse modo, trabalhou-se com a seguinte organização: Brincando com o corpo; Brincando com os objetos; Brincando com a música; Brincando com as regras; e Brincando com os símbolos. Como opção metodológica, foi apresentado referencial teórico para cada tema, possibilitando diálogo aberto para discussão e recriação dos conteúdos abordados. Durante o desenvolvimento do curso foram criadas situações de problematização 1 que estimulassem reflexão, explanação e produção de novas ações. Estes foram abordados da seguinte forma: Brincando com o corpo: Nessa abordagem, o corpo foi compreendido como o foco principal das atividades, desenvolvidas em duplas e em pequenos grupos, valorizando a cinestesia, a cooperação e a percepção de corporeidade. Nesse caso, conforme afirma Santin (1987), a ludicidade associada à corporeidade [...] definirá objetivos voltados para a compreensão e vivência do corpo. O indivíduo precisa pensar-se e viver-se corporalmente, e não julgar-se uma consciência ou um eu proprietário de um corpo. Não se trata, portanto, de usar o corpo como um objeto ou um instrumento, mas de viver corporalmente (p. 63). 1 Philippe Perrenoud discute o processo de educação a partir de uma abordagem problematizadora dos conteúdos. Dessa forma, busca-se a sua compreensão, considerando a participação ativa do educando no lugar da memorização atrelada a um processo educacional fragmentado.
Brincando com os objetos: Nessa proposta, o objeto, instrumento materialmente construído, amplia a possibilidade lúdica em diferentes situações. Nessa compreensão, a dimensão do brinquedo extrapola a idéia de faixa etária específica, a infância. Foi desenvolvido a partir de oficinas lúdicas nas quais a construção e a manipulação de diferentes materiais possibilitaram a exploração de diversos jogos, brinquedos e brincadeiras. Brincando com a música: O sentido lúdico da música foi enfatizado nas atividades de composição de movimentos coreografados permitindo a exploração livre da dança. Foram, também, utilizadas brincadeiras cantadas, organizadas em relação ao seu desenvolvimento e à sua formação, conforme é apresentado por Garcia e Marques (1988). Como exemplo, têm-se atividades sem forma definida - em constante construção/desconstrução, roda simples, roda com um, dois ou mais participantes no seu centro e roda com um participante fora da mesma, dentre outras. Quanto ao desenvolvimento destaca-se: com pulos, gingados, coreográfica, imitativa mímica, dramatizada e com evoluções. Nas situações, as brincadeiras com a música apresentaram características como o desempenho de papéis e variações nas letras e movimentações, identificando culturas locais e regionais. Brincando com as regras: Os jogos de regras apresentam a estrutura que delimita formas de ação atreladas ao espaço, tempo, número de participantes e valores. Segundo Murcia (2005), estes são constituídos [...] de um conjunto de regras e normas que cada participante deve conhecer, assumir e respeitar (p. 37). O propósito de utilizar a regra como possibilidade da brincadeira permitiu a valorização do processo, das relações interpessoais e da troca de experiências competitivas e cooperativas. Foram vivenciados jogos da cultura de movimentos, cooperativos 2 e de raciocínio. Brincando com os símbolos: A principal característica do jogo simbólico, e experenciada no curso, está relacionada à distinção entre o real e o imaginário. Brincar com os símbolos significa utilizar a dimensão da representação para ser outro e estar em outro lugar. Para Kishimoto (1996), a importância desta modalidade de brincadeira justifica-se pela aquisição do símbolo. É alterando o significado de objetos, de situações, é criando novos 2 Guilhermo Brown (1994) apresenta discussão teórica e prática acerca dos jogos cooperativos, compreendendoos como uma forma diferente de jogar e, às vezes, subversiva. Isso se dá pela inserção de novos valores na organização e estruturação dos jogos, os quais podem modificar a cultura competitiva instaurada na perspectiva de uma sociedade mais cooperativa.
significados que se desenvolve a função simbólica, o elemento que garante a racionalidade ao ser humano(p. 39/40). Para o desfecho do curso foi desenvolvida uma grande brincadeira de circo, para a qual os participantes foram reunidos em grupos e a partir dos conteúdos discutidos e vivenciados tiveram como tarefa organizar um quadro circense. Essa conclusão encerrou a proposta reunindo as diferentes dimensões: a música, o gesto, os objetos, as regras e o faz de conta. PARA FINALIZAR Considerando que, em sua maioria, os cursos sob a temática de recreação e jogos são vistos apenas como oportunidade para ampliar o repertório de alguns jogos e brincadeiras, a idéia do curso Recriando a Recreação buscou dar novos significados a essa temática, aliando reflexão e ação, pressupostos teóricos e experiências, abrindo espaço para a dúvida, o diálogo. E ainda sem deixar escapar o caráter lúdico, prazeroso! Sem dúvida, oferecer cursos mantendo a denominação de recreação e jogos é um desafio para aqueles que trabalham com a formação do profissional, já que isto requer mais do que afinidade com a área. Neste sentido, buscou-se no referencial da corporeidade os subsídios para brincar com o corpo, corpo que pode se fazer lúdico, sem estereótipos ou modelos. Na dança educação buscou-se inspiração para brincar com a música. A idéia da mimicry (CAILLOIS, 1987) referendou o brincar com os símbolos. O enfrentamento da oposição cooperação/competição nos permitiu redimensionar o que chamamos brincar com as regras. O sentido da recreação que permeou o curso foi de o Re Criar, ou seja Criar de novo a partir de elementos lúdicos disponíveis em nossa cultura. Além disso buscou-se abordar a recreação em consonância com novos paradigmas: inclusão, diversidade, tolerância, cooperação, dentre outros. REFERÊNCIAS BROWN, Guilhermo. Jogos cooperativos: teoria e prática. São Leopoldo: Sinodal 1994. CAILLOIS, Roger. O jogo e os homens. Lisboa: cotovia, 1987.
GARCIA, Rose Maria Reis & MARQUES, Lilian Argentina Braga. Brincadeiras cantadas. Porto Alegre: Kuarup, 1988. KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1996. MURCIA, Ruan Antônio Moreno. Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre: Artmed, 2005. PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. SANTIN, Silvino. Educação Física: uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí: UNUJUÍ Ed., 1987.