O PAPEL DO PROFESSOR NA ACTUALIDADE José Artur Matos / 2005 Nos últimos vinte ou trinta anos operaram-se na sociedade aceleradas mudanças sociais, políticas e económicas que implicaram recorrentes adaptações do sistema de ensino à realidade em constante mutação. Procuram-se constantemente formas de recriar e readaptar a escola às novas solicitações que a sociedade lhe impõe. A utilização da tecnologia, a inovação, a autonomia e a criatividade são hoje termos pomposamente usados pelas entidades oficiais para dar resposta às solicitações do presente. Nas escolas, no entanto continua-se a sofrer de velhos problemas, como as deficientes condições de trabalho e a falta de recursos tecnológicos e humanos. Quer-se uma escola democrática, o ensino para todos, a igualdade de oportunidades, mas em simultâneo exige-se uma selecção em função de critérios de excelência cristalizados no tempo e baseados na satisfação das necessidades económicosociais de formação e de encaminhamento profissional e social. Ora os professores no centro de toda esta controvérsia e mudança, são aqueles que mais claramente sentem na pele as contradições do sistema e que a maior parte das vezes são eleitos bodes expiatórios de tudo que de mal acontece na educação. Confrontamo-nos assim no tempo presente com uma classe profissional marcada por uma atitude de desilusão e renúncia associada a uma acentuada degradação da sua imagem social. Após a II Grande Guerra e em particular na década de cinquenta dão-se grandes transformações políticas, económicas e sociais à escala global e em paralelo um grande desenvolvimento das tecnologias informáticas que virão a ter, como é sabido, vastas repercussões em toda a humanidade e na relação que esta estabelece com o mundo. A escola como até então tinha sido concebida, deixa de corresponder às novas necessidades e à organização social emergente. A missão da escola e o seu papel na reprodução cultural é posto em causa tendo surgido então um corpo de especialistas e estudiosos que tinham por missão reestruturar pedagogias, metodologias e conceitos, tendo em vista a criação de uma escola adaptada à nova realidade e mesmo a definição de um novo papel para o professor. Assim, ao longo da segunda metade do século XX e até à actualidade têm sido frequentes as reformulações, reorganizações ou readaptações do sistema de ensino. Toda esta instabilidade gerou no seio da própria escola aquilo a que Esteve (1995) chamou de o mal-estar docente. As escolas transformaram-se ao longo do tempo em estruturas pouco versáteis nas quais o estado sempre exerceu um papel regulador inabalável. Aos professores sempre coube a missão de apenas executar as ordens superiores. Ora actualmente, o paradigma social já não se compadece com a rigidez da lógica estatal uniformizadora. Temos nas nossas escolas todo um painel de alunos oriundos das mais variadas proveniências e com o mais variado leque de aspirações, para os quais a regulação estatal naturalmente não pode dar resposta. Segundo Nóvoa (1995) é preciso romper com a lógica estatal da educação e com a imagem
profissionalizada das escolas: o papel do Estado na área do ensino encontra-se esgotado, a vários títulos, sendo urgente legitimar novas instâncias e grupos de referência no domínio educativo. Ainda segundo o autor, não estamos decididamente a caminhar para uma sociedade sem escolas mas antes para a definição de novos poderes e regulações no seio das instituições escolares. Nóvoa (2005) citando Walo Hutmacher verifica que as escolas ao contrário de outras organizações dedicam muito pouco tempo ao trabalho de pensar o trabalho, isto é, às tarefas de concepção, análise, inovação, controlo e adaptação. No cerne desta revolução que se opera não só na escola mas em toda a sociedade está assim o professor, que tem visto nos últimos anos a sua imagem social e a sua condição económica degradada. Sacristán (1995) citando Hoyle considera que há cinco factores que determinam o prestígio relativo da profissão docente, comparativamente a outras: 1) A origem social do grupo, que provém das classes média e baixa; 2) O tamanho do grupo profissional que, por ser numeroso, dificulta a melhoria substancial do salário; 3) A proporção de mulheres, manifestação de uma selecção indirecta, na medida em que as mulheres são um grupo socialmente discriminado; 4) O Status dos clientes; 5) A relação com os clientes, que não é voluntária, mas sim baseada na obrigatoriedade do consumo do ensino. Assim apesar de serem frequentes as declarações sobre a importância da missão do professor, estes não usufruem contudo de uma posição social elevada. A par da degradação da imagem social dos professores, a sociedade também parece, segundo Esteve (1995) olhar com desencanto e cepticismo o próprio sistema educativo tendo deixado de acreditar que este é o garante de um futuro melhor. Não é estranho a este facto o sistema de ensino de elite se ter rapidamente transformado num sistema de ensino de massas, que se por um lado implicou um aumento quantitativo de professores e alunos, por outro lado potenciou também o aparecimento de novos problemas qualitativos. Ensinar hoje já não pode basear-se mais numa estratégia metodológica uniformizada, pois temos nas nossas escolas, nas nossas turmas, alunos provenientes dos mais diferenciados meios e com as mais variadas necessidades. Daqui que segundo o mesmo autor, exista um profundo desencanto entre muitos professores, que não souberam ou não puderam redefinir o seu papel perante esta nova situação. Vivemos hoje numa sociedade globalizada na qual o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação assumem primordial relevância. A facilidade de acesso à informação é cada vez maior e o professor já não é, nem pode ser por si só, o garante de todo o saber, nem o aluno pode ser simplesmente o repositório do saber que o professor transmite. As necessidades da sociedade actual exigem a utilização de novas metodologias e consequentemente uma reformulação da forma como se ensina e um renovado entendimento sobre a forma como se aprende. Esteve (1995) realizou investigações no sentido de procurar os factores que resumem as mudanças recentes na área da educação, nomeadamente no papel do professor. Assim
encontrou uma primeira ordem de factores que incide sobre a acção do professor na sala de aula e uma segunda ordem que se refere às condições ambientais, ou seja, ao contexto em que se exerce a docência. Por me parecerem conclusões extremamente pertinentes e actuais 1, não só para a definição do papel do professor na actualidade, como em certa medida, por apontarem o tipo de professor que se prevê para o futuro, farei de seguida uma resenha das conclusões a que este autor chegou. O primeiro factor refere-se ao aumento das exigências em relação ao professor, pedindolhe um cada vez maior número de responsabilidades. Para além de saber a matéria que lecciona, pede-se ao professor que seja um facilitador da aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho de grupo, e que, para além do ensino, cuide do equilíbrio psicológico e afectivo dos alunos, da integração social e da educação sexual, etc. Apesar de todas estas novas tarefas, não existem mudanças significativas na sua formação. Os professores do ensino primário continuam a ser formados com base em velhos modelos e os do secundário são formados nas universidades num sistema que se destina a formar investigadores especializados e quase sempre muito longe da realidade prática do ensino. Daqui o choque com a realidade quando um professor novo se vê frente a uma turma de vinte e sete ou vinte e oito alunos. O segundo factor diz respeito à inibição educativa de outros agentes de socialização, nomeadamente a família. Com a cada vez maior integração da mulher no mercado de trabalho e as cada vez mais reduzidas horas de convívio familiar, parte do papel educativo que era tradicionalmente atribuído à família foi transferido para a escola. Um terceiro factor diz respeito ao papel que o professor deve assumir na sociedade de informação. Num mundo em que as fontes alternativas de acesso à informação se generalizam implicam que o professor deixe de ter um papel de transmissor de conhecimento, para passar a ser um orientador e facilitador das aprendizagens. Assim o professor terá que integrar no ensino os novos média, o seu potencial informativo e sobretudo reformular o seu papel como professor. Outro factor é a falta de consenso social acerca dos objectivos das instituições educativas e sobre os valores que devem fomentar. Vivemos actualmente numa sociedade, multicultural e multilíngue, com grupos sociais distintos, que por vezes defendem mesmo modelos de educação opostos e que a escola tem de integrar, quantas vezes nas mesmas turmas. Visitar uma turma do ensino secundário numa escola dos arredores de uma grande cidade equivale a observar diferentes elementos que integram as mais variadas tribos urbanas: rockers, punks, New waves, etc. O difícil papel do professor é aqui fazer coexistir estes diferentes modos de vestir, que muitas vezes são mesmo mais do que isso são concepções de vida orientadas por um conjunto de valores específicos. Um quinto factor diz respeito às contradições existentes no exercício da docência e decorrentes da incapacidade de as escolas integrarem diferentes e sucessivos modelos 1 Apesar de já terem passado cerca de dez anos desde a publicação deste artigo de José M. Esteve, todas as suas premissas se revestem de uma profunda actualidade, o que de alguma forma corrobora a ideia de como a instituição escolar é uma estrutura inflexível e resistente à mudança.
educativos. Se por um lado se pede ao professor que desempenhe um papel de companheiro, amigo e de apoio ao desenvolvimento do aluno, por outro lado exige-se-lhe em simultâneo que tenha funções selectivas e avaliadoras. Pede-se que se desenvolva a autonomia dos alunos, quando muitas vezes esta acaba por entrar em rota de colisão com as exigências de integração social onde predominam as regras de grupo, ou quando a escola funciona com certas lógicas sociais, políticas e económicas. Um outro factor fundamental é a mudança de expectativas relativamente ao sistema educativo. Se à vinte ou trinta anos atrás tínhamos um ensino de elite, baseado na selecção e competência, e um grau académico assegurava o status social e as respectivas compensações económicas, hoje temos um ensino de massas muito mais flexível e integrador, mas incapaz de assegurar, em todas as etapas do sistema, um trabalho adequado ao nível do aluno. Desta forma desceu a motivação do aluno para estudar e a valorização social do sistema educativo. O ensino massificado não pôde assim assegurar os objectivos que foram traçados para o ensino de elites, não podendo por isso mesmo esperar resultados idênticos aos antigos sistemas que serviam essa franja restrita da sociedade. Decorrente do factor descrito anteriormente, a sociedade deixou de apoiar o ensino. Os pais sentem-se defraudados em relação ao futuro dos filhos. Para além disso a realidade também mostrou que a massificação do ensino não produziu a igualdade e a promoção social dos desfavorecidos como se pensava há vinte anos atrás. Daqui uma das marcas do nosso tempo ser a de transformar os professores nos responsáveis por todos os males do ensino e onde os pais em situações de conflito sempre fazem uma defesa incondicional dos filhos. Por esta razão o papel social do professor tem vindo a ser desvalorizado. Primeiro pelas razões atrás descritas e segundo porque actualmente o status social é estabelecido com base em critérios económicos. Para muitos pais o facto de alguém ser professor tem a ver com uma clara incapacidade de ter um emprego melhor, isto é, uma actividade profissional onde se ganhe mais dinheiro. A necessária mudança dos conteúdos curriculares decorrente do avanço das ciências e da sociedade em transformação é um outro factor que gera perturbação no seio da instituição escolar. A necessidade de abandonar alguns conteúdos a favor de outros imprescindíveis para a sociedade actual e mesmo para a sociedade do futuro incomoda muitos professores, que se sentem inseguros e desconfiados face às mudanças. Alguns porque se colocam numa situação imobilista e não estão dispostos a abandonar as matérias que sempre leccionaram e outros porque temem que se acabe por descurar o estudo das humanidades, convertendo o sistema de ensino num servidor submisso das exigências económicas e profissionais do sistema de produção. Outro factor fundamental para o mal-estar e o descontentamento geral com o ensino está relacionado com a escassez de recursos e as deficientes condições de trabalho na escola. O ensino massificou-se e temos hoje nas escolas muitos mais alunos que no passado e com exigências muito maiores, sem que, no entanto, tenha existido uma melhoria significativa das condições de trabalho. Fala-se muito em novas metodologias e novos recursos que potenciem
a motivação dos alunos para a aprendizagem, no entanto colocar estratégias inovadoras em prática na escola é a maior parte das vezes muito difícil. A relação professor-aluno mudou muito nos últimos anos. Se antes o professor era detentor de todos os direitos, hoje verifica-se a situação inversa, onde é frequente os meios de arbitragem de conflitos nas escolas funcionam de forma deficiente, estando por vezes os professores sujeitos a diversas agressões, verbais, psicológicas e até físicas, de onde os alunos saem com uma relativa impunidade. Fruto da escola multifacetada que temos onde coexistem diferentes grupos sociais, as escolas de uma maneira geral e as da periferia das grandes cidades em particular, tornaram-se particularmente violentas exigindo dos professores encontrar modelos mais justos e participativos, de convivência e de disciplina. Como último factor de pressão social sobre os docentes, Esteve (2005) aponta a fragmentação do trabalho docente. Hoje a escola exige que o professor se desdobre em diferentes tarefas que nem sempre sabe ou pode cumprir da melhor forma. Para além das aulas pede-se ao professor para desempenhar tarefas de administração, reservar tempo para programar, avaliar, reciclar-se, orientar os alunos e atender os pais, organizar actividades várias, assistir a seminários e reuniões de coordenação, de disciplina ou ano, porventura mesmo vigiar edifícios e materiais, recreios e cantinas. Pede-se assim ao professor que domine uma série de diferentes papéis para os quais não está sequer convenientemente preparado. Tudo que anteriormente foi exposto dá-nos uma imagem bastante clara das principais mudanças registadas no nosso sistema de ensino, nos últimos anos, dos principais problemas que o afectam e do papel fundamental que o professor aqui desempenha. Agora que a escolarização está muito próxima dos cem por cento, urge tomar medidas que tornem o ensino e as escolas em verdadeiros centros de inovação, progresso e preparação dos indivíduos para o futuro, que se pretende risonho. Para isso, terão que ser definitivamente abandonados velhos paradigmas e será necessário agilizar a instituição educativa, para que possamos no futuro ter uma escola que melhor sirva os interesses do desenvolvimento da humanidade segundo os princípios e valores fundamentais Criar um mundo melhor para todos, sem excepção. Segundo Carneiro (2003) estamos hoje no limiar daquilo a que alguns chamam de a 3ª revolução industrial, baseada na explosão das tecnologias da informação e comunicação e que está na origem de uma mudança de paradigma. Ainda segundo o mesmo autor vivemos num período de mutação em que se verificam, novas formas de criar, novos processos de produzir, novos modelos de gerir, novas organizações do trabalho, novos mecanismos de entretenimento, novos estilos de vida e diferentes percepções de valores e novas fontes de conhecimento. A escola não pode ser indiferente a todo este processo e terá que agir principalmente em duas vertentes: educar para a Sociedade da Informação, na dupla vertente da literacia inicial de jovens e da actualização/reciclagem de adultos e na necessidade urgente de repensar o modelo pedagógico em aplicação nas nossas escolas à luz dos novos e diferentes modos de aprender.
Bibliografia CARNEIRO, Roberto (2ª ed.) (2003), Fundamentos da educação e da aprendizagem, Vila Nova de Gaia, Fundação Manuel Leão. ESTEVE, José M. (1995), Mudanças sociais e função docente. In António Nóvoa e tal. Profissão Professor. Porto, Porto Editora, 93-124. NÓVOA, A. (1995), O passado e o presente dos professores. In António Nóvoa e tal. Profissão Professor. Porto, Porto Editora, 13-34. SACRISTÁN, J. Gimeno (1995), Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In António Nóvoa e tal. Profissão Professor. Porto, Porto Editora, 63-92.