Resíduos Organoclorados em Sangue Humano, em Regiões Definidas do Rio Grande do Sul



Documentos relacionados
RESÍDUOS DE PRAGUICIDAS ORGANOCLORADOS EM MEL DE ABELHAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

População residente em Portugal com tendência para diminuição e envelhecimento

PNAD - Segurança Alimentar Insegurança alimentar diminui, mas ainda atinge 30,2% dos domicílios brasileiros

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA REABILITAÇÃO PROCESSO SELETIVO 2013 Nome: PARTE 1 BIOESTATÍSTICA, BIOÉTICA E METODOLOGIA

Efeitos das ações educativas do Curso de Qualificação Profissional Formação de Jardineiros na vida dos participantes.

ESTUDO DA PREVALÊNCIA DO CÂNCER BUCAL NO HC DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA, ATRAVÉS DO CID 10

ATUALIZA ASSOCIAÇÃO CULTURAL ENFERMAGEM EM EMERGÊNCIA ÍRIA CRUZ PIMENTEL

BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 53

A Meta-Analytic Review of Psychosocial Interventions for Substance Use Disorders

As avaliações sobre a evolução e o comportamento dos valores das

Modos de vida no município de Paraty - Ponta Negra

COMPORTAMENTOS NÃO SAUDÁVEIS ASSOCIADOS À INATIVIDADE FÍSICA NO LAZER EM TRABALHADORES DAS INDÚSTRIAS DO SUL DO BRASIL

Calf Notes.com. Calf Note #154 Fatores que influenciam a mortalidade de bezerros em uma fazenda em Nova Iorque

ÍNDICE DE QUALIDADE DE VIDA DO TRABALHADOR DA INDÚSTRIA - SESI/SC

Survey de Satisfação de Clientes 2009

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

3 Método 3.1. Entrevistas iniciais

Borges, Ferreira, Kruel, Scharnberg y Tazima / Variáveis possíveis de evasão...

Evolução da população do Rio Grande do Sul. Maria de Lourdes Teixeira Jardim Fundação de Economia e Estatística. 1 - Introdução

Como estimar peso vivo de novilhas quando a balança não está disponível? Métodos indiretos: fita torácica e hipômetro

ORIENTAÇÕES PARA O PREENCHIMENTO DO QUESTIONÁRIO POR MEIO DA WEB

CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO COM DEFICIÊNCIA DE UMA CIDADE DE PEQUENO PORTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESCOLARIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL


Lista de Exercícios 1 - Estatística Descritiva

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO NA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA MINA DE URÂNIO EM CAETITÉ, LAGOA REAL E LIVRAMENTO DE NOSSA SENHORA NO ESTADO DA BAHIA

Análise de Tendências de Extremos para o Planalto Central

FMEA (Failure Model and Effect Analysis)

Mudanças demográficas e saúde no Brasil Dados disponíveis em 2008

Roteiro para encaminhamento de Projeto de Pesquisa ao CEP-FIPA

Instituto de Pesquisas Científicas de Pernambuco Av. José Magalhães de França, 564 Centro Arcoverde/PE CEP: Coordenação: Edivaldo

PERCEPÇÃO E REALIDADE Um estudo sobre obesidade nas Américas OUTUBRO 2014

Estudo PARTNER. Foi convidado a participar neste estudo porque tem uma relação em que é o parceiro VIH positivo.

Visita a familiares e amigos e alojamento gratuito impulsionam deslocações dos residentes

Pesquisa de Índice de Aprovação de Governos Executivos

Rua Afonso Cavalcanti, nº. 455 Bloco I Sala 615 Cidade Nova RJ CEP: Telefone: (0xx21) / FAX: (0xx21)

PESQUISA 1 PESQUISA 2 PESQUISA 3 PESQUISA 4 PESQUISA 5 PESQUISA 6

12 DE JUNHO, DIA DE COMBATE A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO PIBID DE GEOGRAFIA

A empresa fica na feira de Sapatilha?

A POLUIÇÃO DO AR NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: IMPACTOS À SAÚDE HUMANA

Todos nossos cursos são preparados por mestres e profissionais reconhecidos no mercado, com larga e comprovada experiência em suas áreas de atuação.

UTILIZANDO O HISTOGRAMA COMO UMA FERRAMENTA ESTATÍSTICA DE ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE ÁGUA TRATADA DE GOIÂNIA

MÉTODOS ANALÍTICOS UTILIZADOS PARA DETERMINAÇÃO DE FÁRMACOS CONTAMINANTES DO MEIO AMBIENTE

TEXTOS COMPLEMENTARES PARA LAUDOS CRF-RS

Revisão ENEM. Conjuntos

VOLUNTARIADO. Dihego Pansini de Souza

O Consumo de Tabaco no Brasil. Equipe LENAD: Ronaldo Laranjeira Clarice Sandi Madruga Ilana Pinsky Ana Cecília Marques Sandro Mitsuhiro

Uso de Substâncias Psicoativas

GUIA DE ESTÁGIO CURSOS TECNOLÓGICOS

CARACTERIZAÇÃO DO USUÁRIO DO CRAS CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA DE PASSOS: Perfil dos usuários do CRAS Novo Horizonte Passos/MG

CENSOS 2001 Análise de População com Deficiência Resultados Provisórios

PED ABC Novembro 2015

Carlos Alberto Dias Pinto. Vitória, 2014

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM VOLEIBOL

Projeto Indicadores Assistenciais e de Produção

Grupo Parlamentar. Projeto de Resolução n.º 336/XIII/1.ª

Quadros de Pessoal 3,1% Empresas, Estabelecimentos e Pessoas ao Serviço. Q uadro 1 Empresas, estabelecimentos, pessoas ao serviço.

DIEESE e SEBRAE lançam Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa

Estatística na vida cotidiana: banco de exemplos em Bioestatística

ACESSO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA À ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Escola Bilíngüe. O texto que se segue pretende descrever a escola bilíngüe com base nas

CÓPIA CONTROLADA POP - PRIMATO 002 / REV. 01

PARECER NP 677/93 CÂMARA ou COMISSÃO APROVADO EM: 10/11/93

O desafio das correlações espúrias. Série Matemática na Escola

BIOESTATÍSTICA: ARMADILHAS E COMO EVITÁ-LAS

PARECER COREN-SP 004/2015 CT PRCI n 2339/2015

INFORMAÇÕES AOS COMITÊS E FRANQUEADOS

PESQUISA DIA DAS CRIANÇAS - MOSSORÓ

MAUS TRATOS NA POPULAÇÃO IDOSA INSTITUCIONALIZADA

XII SIMPÓSIO DE RECURSOS HIDRÍCOS DO NORDESTE AVALIAÇÃO DA PRECIPITAÇÃO NO OESTE DA BAHIA CONSIDERANDO AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Pesquisa inédita avalia conhecimento da população sobre a tuberculose

Atividade física. Sexo Capital Total n % IC 95%

PLANO DE OCUPAÇÃO PLENA DOS TEMPOS ESCOLARES

Informe Epidemiológico EBOLA N O 14 Atualizado em , às 14h

PROCESSO DE SELEÇÃO 2008 (mestrado)

A situação do câncer no Brasil 1

PESQUISA de HONORÁRIOS e TENDÊNCIAS da CONSULTORIA no BRASIL 10ª edição- 2009

Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa 2013: análise dos principais resultados de Goiás

EXMO. SR. DR. PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA DA 1ª REGIÃO. Assunto: Leitos Psiquiátricos nos Hospitais Públicos Federais

CARACTERÍSTICAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR DOS MORADORES DO DOMICÍLIO

RELAÇÕES ENTRE O DESEMPENHO NO VESTIBULAR E O RENDIMENTO ACADÊMICO DOS ESTUDANTES NO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE MATERIAIS DA UFSCAR

RELATÓRIO DA SITUAÇÃO DO ROTEIRO DE RESPOSTA AO ÉBOLA

Dúvidas e Sugestões Sobre a Regulação do Capital Adicional de Risco de Crédito

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

O Sr. ÁTILA LIRA (PSB-OI) pronuncia o seguinte. discurso: Senhor Presidente, Senhoras e Senhores. Deputados, estamos no período em que se comemoram os

Evolução da FBCF Empresarial Taxa de Variação Anual

Estatísticas do Emprego 1º trimestre de 2010

AVALIAÇÃO QUALITATIVA E QUANTITATIVA DE FORMALDEÍDO EM PRODUTOS COSMÉTICOS PARA ALISAMENTO CAPILAR

Manual Ilustrado Utilitários Controle de Infecção Hospitalar

Avaliação da Qualidade das Unidades de Internamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados

Palavras-chave: Ambiente de aprendizagem. Sala de aula. Percepção dos acadêmicos.

ELABORAÇÃO DE PROJETOS

Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva

Barómetro Regional da Qualidade Avaliação da Satisfação dos Utentes dos Serviços de Saúde

INFORME TÉCNICO SEMANAL: DENGUE, CHIKUNGUNYA, ZIKA E MICROCEFALIA RELACIONADA À INFECÇÃO PELO VÍRUS ZIKA

PROMOVENDO A REEDUCAÇÃO ALIMENTAR EM ESCOLAS NOS MUNICÍPIOS DE UBÁ E TOCANTINS-MG RESUMO

Transcrição:

SOCIEDADE BRASILEIRA DE TOXICOLOGIA Revista Brasileira de Toxicologia 19, n.1 (2006) 11-16 Resíduos Organoclorados em Sangue Humano, em Regiões Definidas do Rio Grande do Sul Gerda H. Caleffi, Maria Teresa R. Rodriguez, Tuiskon Dick Instituto de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Sul REVISTA BRASILEIRA DE TOXICOLOGIA BRAZILIAN JOURNAL OF TOXICOLOGY 11 recebido em 12/2005, aceito em 04/2007 Abstract Organochlorine residues in human blood samples collected in 5different regions in Rio Grande do Sul, Brazil Organochlorine residues were analyzed in human blood. Samples were collected from 122 individuals. Tissue donors were grouped according to their place of residency in two groups: one urban and one of residents of areas of intensive agricultural activity; all individuals were from the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The following organochlorine residues were analyzed: -HCH; -HCH; Aldrin; Dieldrin; Endrin; Heptachloride; Epoxy heptachloride; HCB; Mirex; o,p DDD; o,p DDT; Oxychlordane; p,p metoxychlor; p,p DDD; p,p DDE; p,p DDT, and Transnonachlor (Detection limit = 0,010 µg/l). All individuals completed a questionnaire on age, sex, weight, occupation, place of residency, and contact with pesticides. All urban samples were negative for the organochlorines analyzed. Samples collected in the areas of agricultural activity were positive on a 10.5% level. The results of the analyses of the present study were compared to results of previous studies also carried out in Rio Grande do Sul. This comparison showed a decrease over time in the incidence of organochlorines. Keywords: Organochlorine residues; blood. Introdução Nas últimas cinco décadas os estudos dos efeitos dos organoclorados (OC) sobre a saúde dos seres vivos, principalmente dos homens, têm mostrado que, além dos efeitos tóxicos agudos, estes praguicidas podem ter efeitos tóxicos quando os indivíduos ficam sujeitos à sua exposição crônica. MATHUR (2002), WEIDERPASS (2000) e WOLFF e colaboradores (1993), encontraram associação entre exposição a praguicidas e câncer de mama; GARABRANDT (1992), associa o DDT e compostos relacionados a aumento do risco de câncer de pâncreas. Os trabalhos de BELL (2001) e TOPPARI e colaboradores (2001) mostram relação entre exposição aos OC e malformações fetais. Estas substâncias podem atuar sobre a fertilidade (HAUSER, 2002; TOFT, 2004) ou sobre o sistema imunológico (REPETO & BALIGA, 1996; GAUTHIER & GIRARD, 2001). *Autor Correspondente: Gerda Horn Caleffi - Av. Carlos Gomes, 911, apto. 601 Poto Alegre - RS - cep. 90480-004. 2006 Sociedade Brasileira de Toxicologia direitos reservados Os OC estão proibidos ou severamente controlados na maioria dos países (UNEP, 2002; SOLOMON & WEISS, 2002). No Brasil, a Portaria nº. 329 de 1985, proibiu o seu uso no território nacional. Desde 1982, pela Lei nº. 7.774 os OC têm seu uso proibido no Rio Grande do Sul, estado brasileiro no qual foi realizada a presente pesquisa. Apesar da proibição oficial, há evidências de seu uso recente, conforme dados do Centro de Informações Toxicológicas (CIT) do Rio Grande do Sul (Relatório 2004). No recente "Regional Report (Eastern and Western South América)", do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), é realizado um levantamento geral de Substâncias Tóxicas Persistentes nesta área, sendo assinalado que a "contaminação associada com o uso de DDT e aldrin, dieldrin, endrin (DRINS) é largamente disseminada nestes países" e que, especialmente no caso de contaminação humana, "existe uma necessidade urgente de realizar análise e monitoramento de alimentos (p.viii)" O monitoramento da presença de OC na população é um instrumento concreto para avaliar a eficiência da legislação e do controle da fiscalização, além de permitir o estabelecimento efetivo da relação causa/efeito da ação destes compostos sobre o organismo humano.

12 Caleffi, G.H./Revista Brasileira de Toxicologia 19, n.1(2006) Em face destas considerações, julgou-se necessário e urgente realizar novo levantamento de OC em humanos, em continuação a estudos feitos anteriormente em 1988 (WILLRICH & DICK - 1989), e em 1994 (PELLINI, 1997 e PELLINI et al., 2000). No presente trabalho foi feita a análise da presença de OC no sangue de 122 indivíduos no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, e os resultados foram comparados com os encontrados por PELLINI (1997) e por WILLRICH & DICK (1989), no mesmo Estado. M aterial e M étodos Foi analisado um total de 122 amostras de sangue (10 ml cada), colhidas entre os anos de 2003 e 2004 em 5 localidades, no Rio Grande do Sul, e agrupadas como: Indivíduos urbanos, 46 amostras, colhidas de doadores de sangue não profissionais de Bancos de Sangue (20 amostras do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; 26 amostras do Banco de Sangue da Santa Casa de Pelotas); Indivíduos residentes em áreas de intensa atividade agrícola: 30 amostras colhidas de pacientes internados no Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo e seus familiares; 14 amostras obtidas em Colônia Nova, distrito de Aceguá, predominantemente de agricultores; 32 amostras colhidas de agricultores em Não-Me-Toque. Em todas as coletas, o sangue era imediatamente transferido para um tubo de vidro fornecido pelo laboratório no qual foram feitas as análises, contendo oxalato de potássio, resfriado e posteriormente preparado para o transporte em bolsa de plástico com gelo. As análises foram realizadas no Laboratório de Cromatografia do Centro de Ecologia do Instituto de Biociências, da Universidade do Rio Grande do Sul. O laboratório detém a Certificação ISO 17025, seguindo os procedimentos de controle de qualidade analítica. O material era mantido em refrigerador, entre 2ºC a 6ºC, por um período máximo de sete dias. Para a extração dos lipídios, a metodologia utilizada foi a descrita no AOAC Methods (1975) substiuindo-se o éter de petróleo por hexano. Para a extração dos inseticidas, a metodologia usada foi a de DALE e colaboradores (1966). O pool de inseticidas organoclorados, contendo 17 praguicidas, foi obtido a partir da diluição com n-hexano de uma solução estoque preparada anteriormente, com padrões fornecidos pelo LARA - Laboratório Regional de Apoio Animal de Porto Alegre -do Ministério de Agricultura do Brasil. Compostos organoclorados contidos no pool usado: - HCH; -HCH; Aldrin; Dieldrin; Endrin; Heptacloro; Heptacloro epóxido; HCB; Mirex; o,p DDD; o,p DDT; Oxiclordane; p,p Metoxicloro; p,p DDD; p,p DDE; p,p DDT; Transnonacloro. O limite de detecção (l.d.) de OC no laboratório no qual foram realizadas as análises era 0,010 µg/l. Condições Cromatográficas: O cromatógrafo a gás usado foi um Varian 3400 com detector de captura de elétrons de 63 Ni. Foi utilizada uma coluna cromatográfica SIL 19 e as confirmações feitas com uma coluna empacotada OV 17. A análise dos resultados foi feita através do Programa Star Chromatography Work Station, Varian, versão 4,5 (1989/1996). Todos os indivíduos responderam a um questionário e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além da identificação quanto a sexo, cor, idade, peso, foram enfatizadas possibilidades de contato com praguicidas através de informações sobre local e tempo de residência atual, local de nascimento; atividade atual, atividades anteriores; contato com praguicidas (quesito aberto em lavoura, jardinagem, inseticidas, raticidas e "outros"); hábitos alimentares quanto ao consumo de carne, verduras, leite, ovos, farináceos e bebidas alcoólicas (estes quesitos eram subdivididos em muito, médio, pouco e nada) (Tabela 1). Foi levantado também o hábito de fumar. Tabela 1 - Sexo, idade, peso, contato (sim/não), atividade (agrícola/não agrícola) para os 5 grupos Localidade n % Porto Alegre Pelotas 20 16% 26 21% Passo Fundo 30 25% Não-Me-Toque 32 26% Aceguá 14 11% Total 122 100% * Um sexo não informado. ** Duas idades ignoradas. Sexo (masc) 12 (60%) 18 (69%) 22 (73%) 30 (94%) 11* (79%) 92 (75%) Idade (anos) 35 ± 10,1 31 ± 10,9 48 ± 18,5 51 ± 12 46 ** ± 10,5 Peso (kg) 71 ±14,0 75 ±13,5 67 ± 9,1 81 ±10,7 78 ±15,5 Contato (sim) Atividade (agrícola) 0 0 3 (12%) 28 (93%) 32 (100%) 11 (79%) 74 (61%) 2 (8%) 26 (87%) 32 (100%) 10 (71%) 70 (57%)

Caleffi, G.H./Revista Brasileira de Toxicologia 19, n.1(2006) 13 Tabela 2 - Relação dos OC encontrados em sangue nos grupos de Passo Fundo, Não-Me-Toque e Aceguá, com respectivas dosagens, idades e atividades dos indivíduos. Grupo Idade Atividade p,p DDE HCB Mirex Lindane Passo Fundo ( n = 32) 63 agricultor n.d. n.d. n.d. 0,019 * Não-Me-Toque (n = 30) 44 agricultor 0,0053 n.d. n.d. n.d. 47 agricultor 0,0053 n.d. n.d. n.d. 40 agricultor 0,60 0,04 0,2 n.d. Aceguá (n = 14) 42 agricultor 0,30 0,07 1,2 n.d. 42 ass.social n.d. n.d. 0,04 n.d. 45 agricultor 0,09 n.d. 0,05 n.d. 70 agricultor n.d. 0,02 0,25 n.d. Média (n = 122)** 0,013 0,006 0,019 * Lindane foi detectado apenas em uma amostra. ** Para o cálculo das médias, o valor dos resultados n.d. foi computado como o limite de detecção/2 (l.d.= 0,010 µg/l) Tabela 3. Resultados das análises dos OC que foram detectados na pesquisa de PELLINI (1997) e na pesquisa atual, mostrando nº. de amostras positivas, dosagem máxima, média e a probabilidade estatística por OC. Probabilidade OC Data da coleta 1994 (n = 121) Data da coleta 2003/04 (n=122) estatística * Amostras positivas Dosagem máxima HCB 8 5,70 HCH 7 1,95 Médias Amostras positivas Dosagem máxima Médias 1,34 p < 0,001 3 0,07 0,006 ± 1,22 0,95 ± 0,568 1 0,019 ** dosagem única p,p DD p,p DD E 77 19,20 Mirex 2 2,05 2,54 ± 3,23 1,18 ± 1,24 5 0,60 0,013 5 1,20 0,019 p < 0,001 * Teste Exato de Fisher Resultados e discussão das análises cromatográficas O histograma da Figura 1 mostra a relação positividade/negatividade nos 5 grupos. Consideramos uma amostra positiva quando nela foi encontrado pelo menos um OC, e negativa quando nenhum OC foi detectado, no limite de detecção do método. Verifica-se que 93% das amostras de sangue não apresentou nenhum OC e 7% do total de amostras apresentou algum tipo de OC. Destaca-se que nos grupos urbanos, em nenhuma das análises foram detectados OC, dentro dos limites de detecção do método. Resultados das análises de sangue dos grupos residentes em áreas de intensa atividade agrícola. Em nossas análises de sangue não foram encontrados: -HCH; Aldrin; Oxiclordane; Heptacloro; Heptacloro epóxido; Transnonacloro; Dieldrin; o,p DDD; Endrin; o,p DDT; p,p DDD e p,p Metoxicloro. OC encontrados no sangue e idade Verifica-se que as idades dos indivíduos que apresentaram OC no sangue situam-se entre 40 e 70 anos. Abaixo da faixa dos 40 anos, não foram encontrados OC nas amostras de sangue. Este achado sugere que, para este grupo, não tenha havido exposição recente aos OC que compõem o pool das análises. OC e informação A falta de conhecimento sobre as substâncias químicas empregadas foi fortemente evidenciada no momento do preenchimento dos questionários. A maioria dos entrevistados citava os produtos empregados pelo seu uso, freqüentemente não sabendo o nome comercial e

14 Caleffi, G.H./Revista Brasileira de Toxicologia 19, n.1(2006) Percentuais positivos/negativos 120% 100% 80% 60% 40% 20% 0% P. Alegre Pelotas P. Fundo NMT Aceguá Negativos Positivos Localidade da coleta Figura 1. Relação positividade/negatividade nas amostras de sangue dos 5 grupos (n = 122). praticamente sempre ignorando a formulação química. Comparação dos resultados atuais, com os resultados de WILLRICH & DICK (1989) em 1988 e PELLINI (1997) em 1994 As determinações de OC em 1988 foram realizadas em sangue de 55 doadores, não profissionais, do Hospital de Clínicas - UFRGS em Porto Alegre, clinicamente sadias (preponderantemente sem atividade agrícola e de residência urbana), examinando a presença de HCB, - HCH, - HCH, heptacloro, heptacloroepóxido, aldrin, dieldrin, endrin, pp - DDE, pp -DDD e pp -DDT. pp -DDE e pp - DDT estavam presentes em todas as amostras, sendo que este composto apresentou uma dosagem máxima de 7,3 µg/l, com uma média de 2,5 µg/l. Dieldrin foi encontrado em 98% das amostras (dosagem máxima de 2,1 µg/l, média 0,4 µg/l) e - HCH em 95% (dosagem máxima de 3,1 µg/l, média 0,8 µg/l). pp -DDD encontrou-se em somente 3 amostras. Os restantes OC não foram detectados. As amostras de PELLINI (1997) foram colhidas de 121 indivíduos residentes na cidade de São Jerônimo, RS, distante 68 km de Porto Alegre. As principais atividades econômicas da cidade são a extração mineral e a agropecuária. A coleta foi realizada em 1994, de forma aleatória. Entendemos que os grupos amostrais da pesquisa de PELLINI (1997) e da presente pesquisa não são homogêneos. A comparação dos resultados, no entanto, mostram dados interessantes. Há um intervalo de nove anos entre a pesquisa atual e a de PELLINI (1997). A única diferença entre os dois pools é que o pool usado por Pellini continha -HCH. As técnicas laboratoriais empregadas por PELLINI (1997) e as atuais foram as mesmas. O grupo amostral de PELLINI (1997) é centrado em uma única localidade, São Jerônimo, enquanto nosso grupo amostral é composto de residentes em áreas urbanas e rurais. Na amostra atual há um contingente significativamente maior de indivíduos do sexo masculino (p < 0,001) e de agricultores (p < 0,001). As idades não apresentaram diferenças significativas (p =0,096). Os pesos foram levemente mais altos na nossa amostra (p < 0,001). Em ambas pesquisas foram detectados: p,p DDE, HCB, Mirex, Lindane; OC presentes apenas em 1987/88: - HCH, - HCH, Heptacloro epóxido, Dieldrin, p,p DDT, Oxiclordane, Endrin, o,p DDT; OC ausentes em ambas pesquisas: Aldrin, Transnonacloro, Heptacloro, p,p DDD, o,p DDD, Metoxicloro e nenhum dos OC do pool foi detectado apenas na pesquisa atual. Com exceção do Mirex que, na pesquisa atual, foi encontrado em cinco indivíduos de uma mesma localidade, e na pesquisa de PELLINI (1997) foi encontrado em apenas dois indivíduos, os demais OC tiveram uma incidência muito maior em 1994, ano da coleta do material. Também as dosagens encontradas em 1994 foram mais elevadas. Na Figura 2 são comparados os resultados do total de análises realizadas em cada pesquisa, lembrando que cada amostra é examinada para um pool de OC, o que vem a ser 18 OC para as amostras de PELLINI (1997). Em 2178 análises realizadas (121 amostras), foram encontradas 320 análises positivas (15%). Para os 17 OC da pesquisa atual, foram realizadas 2074 análises (122 amostras), das quais 14 foram positivas (0,67%). Estes resultados mostram uma nítida diminuição na presença de OC nas amostras atuais, tanto em número de OC quanto aos níveis detectados (Teste Exato de Fisher p < 0,001). Entre os indivíduos da amostra de PELLINI (1997),

Caleffi, G.H./Revista Brasileira de Toxicologia 19, n.1(2006) 15 0,66% 15,00% 99,33% 85,00% Figura 2. Relação positividade/negatividade nas análises de sangue da pesquisa atual (2003/04) e de Pellini (1997). sobre um total de 121 pessoas, havia 14 indivíduos de profissão agrícola e na amostra atual são 70 indivíduos. Mesmo sendo a população da pesquisa de 1997 predominantemente não agrícola, ainda assim a incidência de OC foi significativamente maior. Também a proporção de indivíduos do sexo masculino foi menor na amostra de PELLINI (1997), 45%, para 75% de indivíduos do sexo masculino na pesquisa atual. Destaca-se que nas populações urbanas amostradas (Porto Alegre e Pelotas) não foram detectados OC no sangue. Estes dados mostram uma nítida diminuição na incidência de OC na população amostrada atual, em relação aos níveis detectados na população de São Jerônimo, em 1994. Conclusões Na pesquisa atual foram formados dois grupos: um urbano e um grupo composto por indivíduos que residem em regiões com intensa atividade agrícola. Todas as amostras colhidas nas áreas urbanas apresentaram resultados negativos. Para as 76 amostras colhidas nas áreas agrícolas, foi encontrado um percentual de 10% de indivíduos que apresentavam OC no sangue. Face ao baixo número de amostras positivas, não foi possível vincular idade, sexo e hábitos alimentares com níveis de OC encontrados. Houve um decréscimo significativo na ocorrência de OC entre as amostras de 1988 e as de 1994, colhidas respectivamente 6 e 12 anos após a proibição do uso dos OC no estado do RS, e as amostras atuais. No entanto, ainda atualmente (21 anos após a proibição) são encontrados OC no sangue de indivíduos residentes em áreas agrícolas, configurando acesso clandestino e uso destes compostos. O monitoramento da presença de OC na população é um instrumento concreto para avaliar a eficiência da legislação e do controle da fiscalização, além de permitir o estabelecimento efetivo da relação causa/efeito da ação destes compostos sobre o organismo humano. Confirmando a recomendação do relatório da UNEP (2002) fica demonstrada a necessidade de monitoramentos e levantamento mais extensos e mais freqüentes de OC no Estado e em território nacional, com controle da transferência destes agrotóxicos nas fronteiras, como indicado pela incidência de OC na amostragem realizada em Aceguá-Bagé. Resumo Foram pesquisados resíduos organoclorados em sangue humano, colhido de 122 indivíduos. Foram compostos dois grupos: um urbano e outro residente em áreas de intensa atividade agrícola. Os resíduos organoclorados pesquisados foram: - HCH; -HCH; Aldrin; Dieldrin; Endrin; Heptacloro; Heptacloro epóxido; HCB; Mirex; o,p DDD; o,p DDT; Oxiclordane; p,p Metoxicloro; p,p DDD; p,p DDE; p,p DDT e Transnonacloro (limite de detecção = 0,010 µg/l). Todos os indivíduos responderam a questionário com quesitos sobre idade, sexo, peso, atividade, local de residência, contato ou não com praguicidas. Todas as amostras urbanas foram negativas para os organoclorados analisados. 10,5% das amostras obtidas nas áreas de atividade agrícola foram positivas.os resultados das análises do presente trabalho foram comparados com resultados préexistentes no Rio Grande do Sul. Entre a pesquisa atual e as pesquisas anteriores usadas para comparação, verificou-se diminuição da incidência de organoclorados. Unitermos: Resíduos organoclorados; sangue. Referências Association of Official Analytical Chemists. Official methods of analysis of the association of official chemists. 13. ed. Washington: Association of Official Analytical Chemists, 1975. Item 29012c. Bell EM; Hertz-Picciotto I; Beaumont JJ. A case-control study of pesticides and fetal death due to congenital anomalies. Epidemiol, 2001, 12 (2): 148-156. Dale WE; Curley A; Cueto O. Hexane extratable chlorinated insecticides in human blood. Life Sciences, 1966, 5:47. Garabrant DH, Held J, Langholz B, Peters JM, Mack TM. DDT and related compounds and risk of pancreatic cancer. J Nat Cancer Inst, 1992, 84(10):64-771.

16 Caleffi, G.H./Revista Brasileira de Toxicologia 19, n.1(2006) Gauthier M; Girard D. Activation of human neutrophils by chlordane: induction of superoxide production and phagocytosis but not chemotaxis or apoptosis. Human and Experimental Toxicology, 2001, 20:229-235. Hauser R, Altshul L, Chen Z, Ryan L, Overstreet J, Schiff I, et al. Environmental organochlorines and semen quality: results of a pilot study. Environmental Health Perspectives, 2002, 110(3): 229-233. Mathur V, Bhatnagar P, Sharma RG, Acharya V, Sexana R. Breast cancer incidence and exposure to pesticides among women originating from Jaipur. Environment International, 2002, 28:331-336. Pellini GF. Avaliação dos níveis de pesticidas organoclorados em sangue humano da população de São Jerônimo-RS. 1997. 68f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Pellini GF, Dick T, Rodriguez MTR. Níveis de pesticidas organoclorados em sangue humano na populaçõa de São Jerônimo, RS em "Carvão e Meio Ambiente" p.967 Centro de Ecologia da UFRGS - Editora da Universidade, 2000 Repetto R; Baliga SS. Pesticides and the immune system: the public health risks. [Washington: World Resources Institute], 1996. 103p. Rio Grande do Sul. Lei nº 7.747, de 22 de dezembro de 1982. Dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas a nível estadual e dá outras providências. Diário Oficial [do]governo do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 22 dez. 1982, p. 1-5. Rio Grande do Sul. Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde. Centro de Informação Toxicológica. Dados de Atendimento e Intoxicação - 2003. [Porto Alegre: CIT/RS, 2004]. Solomon GM; Weiss PM. Chemical contaminants in breast milk: time trends and regional variability. Environmental Health Perspectives, 2002, 110(6):A339-A347. Toft G, Hagmar L, Giwercman A, Bonde JP. Epidemiological evidence on reproductive effects of persistent organochlorines in humans. Reproductive Toxicology, 2004, 19:5-26. Toppari J; Kaleva M; Virtanen HE. Trends in the incidence of cryptorchidism and hypospadias, and methodological limitations of registry-based data. Human Reproductive Update, 2001, 7(3):282-6. United Nations Environment Programme. Chemicals. Regionally based assessment of persistent toxic substances: Argentina, Bolivia, Brazil, Chile, Ecuador, Paraguay, Peru, Uruguay. [Santiago de Chile: Global Environmental Facility, 2002]. Weiderpass E, Adami HO, Baron JA, Wicklund-Glynn A, Aune M, Atuma S, et al. Organochlorines and endometrial cancer risk. Cancer Epidemiology Biomakers and Prevention, 2000, 9:487-403. Willrich FC; Dick T. Background pollution: chlorinated hydrocarbon pesticide residues in human blood (normal urban population - Porto Alegre, RS - 1988) Revista da Sociedade Brasileira de Toxicologia, vol 2, 1989 suplemento especial - VI Congresso Brasileiro de Toxicologia. Wolff MS, Toniolo PG, Lee EW, Rivera M, Dubin N. Blood levels of organochlorine residues and risk of breast cancer. Journal of National Cancer Institute, 1993, 85(8):648-652.