Acrise econômica que atinge o país penaliza,



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Revista SymposiuM Os assentamentos rurais em Rio Formoso: avanços e desafios Resumo Prof. José Maurício Pereira* Analisa o trabalho desenvolvido junto a três assentamentos rurais no âmbito do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável do Município de Rio Formoso, Pernambuco, desenvolvido pela Universidade Católica de Pernambuco, em parceria com outras instituições públicas, representações dos trabalhadores rurais e ONG s. O objeto são os assentamentos Amaragi, Minguito e Serra D Água, constituídos por 193 famílias, sendo abordados os aspectos qualificação tecnológica dos produtores, assistência técnica, comercialização dos produtos e gestão. Verificase uma elevação da renda monetária e do consumo alimentar das famílias, devido mais à maior disponibilidade de terra para trabalho. Há inúmeros projetos em execução ou à espera de aprovação para financiamento de atividades econômicas. O nível de participação é baixo, com as decisões concentradas nas mãos de um grupo reduzido. Faz-se prioritário um trabalho de educação e capacitação junto aos jovens. Sugere a criação no campo de novas formas de ocupação não essencialmente agrícolas. Palavras-chave: agricultura familiar, inovação tecnológica, gestão. Abstract The work aims to evaluate the impact of the present economical crisis on rural areas as part of the Sustainable Development Rio Formoso Project, Pernambuco, performed by Universidade Católica de Pernambuco, associated with others public institutions, rural community representations and NGO s. The subject of the field research refers to * Professor do Departamento de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade Católica de Pernambuco. three agrarian settlements bound to the communities of Amaragí, Minguito and Serra D Água. These rural communities shelter 193 families. The project deals with human resources qualification aspects, technological assistance, commercialization and management. The research also aims to verify whether the raise of monetary income and food comsuption of the families is due to the land availability or to productivity gains. Many projects are being carried out and others are in the waiting list for approval by finance institutions. The operating participation level is low, the decisions are centralized in the hands of a few groups. It is necessary to educate young groups of workers. It is also necessary to stimulate the peasant groups to work with other productive activities beyond merely agriculture. Key words: familiar agriculture, technological innovation, management 1. Introdução Acrise econômica que atinge o país penaliza, de modo cruel, pequenos produtores agrícolas que se dedicam à produção de alimentos, atividade que em geral funciona com baixa produtividade, com pouco acesso aos serviços de apoio à produção e à comercialização. Na Zona da Mata do Nordeste, região de economia tradicionalmente centrada na agroindústria canavieira, usinas de açúcar encerram suas atividades, com repercussões diretas no emprego e na renda dos seus assalariados bem como na economia do município. Em decorrência, assistese hoje a um grande esforço de produtores, instituições de pesquisa e extensão rural no sentido de implantar a diversificação agropecuária na Zona da Mata. O município de Rio Formoso, situado na microrregião da Mata Meridional, estado de Pernambuco, não está logicamente isento dessa situação e passa por uma situação econômica difícil. Contudo, deve ser salientado o seu potencial econômico pelos seus recursos naturais, pela Ano 4 nº 2 julho-dezembro 2000-5

Ciências, Humanidades e Letras proximidade de centros urbanos e da capital do Estado, pela infra-estrutura de estradas e comunicações, além das grandes possibilidades de incremento das atividades turísticas. A partir do início de 1999, a Universidade Católica de Pernambuco UNICAP, juntamente com a AVINA GROUP e a Prefeitura Municipal, desenvolve o Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável do Município de Rio Formoso, um trabalho constituído por 24 subprojetos atuando em diversas áreas, num trabalho multidiscipliinar. A análise da atuação em três assentamentos rurais em Rio Formoso, onde atuam instituições públicas, representações dos trabalhadores rurais e a equipe da UNICAP, seus resultados e suas perspectivas, constitui o objeto deste artigo. No estudo, será apresentado e analisado o trabalho desenvolvido junto aos assentamentos rurais bem como o processo de posse e uso da terra. A seguir são abordados os aspectos econômicos, sociais e o nível de participação dos produtores nas decisões que lhes dizem respeito. Por último, são mostradas as considerações finais do documento. 2. O trabalho em Rio Formoso As ações executadas pela equipe da UNICAP junto aos assentados são constituídas de atividades em capacitação e assessoria às comunidades organizadas dos pequenos produtores três associações e a COOPPAGRO (Cooperativa de Produção Agropecuária, Turismo e Indústria de Rio Formoso Ltda) em suas dificuldades de acesso à tecnologia, obtenção do crédito, comercialização de insumos e produtos e definição do modelo de gestão, como processo de construção do desenvolvimento sustentável. O objeto da análise são os assentamentos Amaragi, Minguito e Serra D Água, constituídos por 193 famílias, que ocupam uma área aproximada de 2.400 hectares. A equipe da UNICAP é constituída de um professor, um agrônomo para os trabalhos de assistência técnica e uma estagiária. A equipe se desloca a Rio Formoso semanalmente e o agrônomo passa a semana na área. As ações são realizadas, também, em articulação com outras instituições e representações de trabalhadores, como a Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária (IPA), o Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR), que faz parte do PRORURAL, o INCRA, o Banco do Nordeste, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). No decorrer do trabalho, a equipe procura também se articular com outras equipes do Projeto Rio Formoso, como as que se voltam para o cooperativismo, a farmácia viva, a educação, a qualidade da água. 3. A posse e o uso da terra A política agrícola do Governo direcionada aos produtores familiares caracteriza-se pela falta de acesso desses agricultores a um adequado sistema educacional básico e de capacitação profissional, aos serviços de crédito, assistência técnica, comercialização da produção. Estima-se que três quartos do contingente na agricultura familiar nordestina são constituídos de agricultores fragilizados que, para se modernizarem e, portanto, responder aos estímulos para adoção do progresso técnico, medidas prévias terão de ser acopladas, qual seja o acesso à terra e à educação. (Veiga, 2.000). Somente com o atendimento a esses requisitos, a agricultura familiar poderá responder aos estímulos de uma política agrícola ajustada às suas necessidades. No caso aqui estudado, os pequenos produtores de Rio Formoso, vislumbra-se como prioritário o trabalho de educação, já que têm acesso ao primeiro requisito, a terra. O levantamento da situação educacional entre os assentados de Serra D Água mostrou que 23 % são analfabetos e 20% só assinam o nome e possuem poucos rudimentos de aritmética, não sendo capazes, por exemplo, de fazer o acompanhamento Universidade Católica de Pernambuco - 6

Revista SymposiuM dos custos e das receitas obtidas em sua gleba de trabalho. Um dos mais importantes objetivos que está sendo tentado pela equipe que atua junto aos assentamentos reside justamente na tentativa de capacitá-los para o desempenho dos seus trabalhos e abrir-lhes os horizontes para as exigências tecnológicas atuais. As famílias de Amaragi, Minguito e Serra D Água tiveram acesso à terra entre fins de 1997 e 1998, depois de oito meses da ocupação desses engenhos, então pertencentes à Usina Barreiros, os quais foram desapropriados em pagamento de dívidas com o setor público. Muitos dos atuais parceleiros já eram ocupantes da terra ao tempo em que esses engenhos eram administrados pela usina, sobretudo em Amaragi. As glebas pertencentes a cada família só foram demarcadas no segundo semestre de 1999, de modo que a maioria dos produtores não sabia onde se situava o seu chão de plantar. Além disso, muitos dos produtores receberam suas terras em grande parte ou totalmente ocupadas com cana, o que restringe a diversificação das culturas, uma das bandeiras dos movimentos pela redistribuição da terra. Vista de outro ângulo, a cana remanescente tem proporcionado uma renda adicional, tendo as associações recebido em abril de 2.000 sua participação financeira nos subsídios da chamada equalização, transferência realizada pelo governo federal aos cultivadores de cana do Nordeste brasileiro que forneceram a matéria-prima para as agroindústrias. Entre junho e agosto do ano de 1999, os assentados receberam o financiamento de custeio já previsto na metodologia de implantação de áreas reformadas, por intermédio do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária PROCERA (Projeto Rio Formoso, Relatório do Subprojeto 4.2, 2000). Poucos ficaram de fora, principalmente por problemas de documentação ou mesmo por falta de interesse em participar do crédito. Na ocasião, cada produtor recebeu uma importância financeira entre R$ 1.300,00 e R$ 1.400,00, utilizada, na sua maioria, para implantar ou ampliar o cultivo de macaxeira e mandioca, feijão e inhame, em geral sem inovação técnica. O plantio de feijão não deu bons resultados. A liberação do crédito se deu fora do tempo normal ditado pelas condições climáticas. Por sorte, as chuvas apresentaram um regime atípico, prolongando-se até o final do ano, o que possibilitou uma safra de macaxeira e mandioca. Antes da liberação do referido custeio, a assistência técnica da área realizou reuniões na tentativa de introduzir o uso do calcário, para corrigir a acidez do solo e, portanto, possibilitar uma produtividade maior. Ressalte-se também o baixo custo do insumo, calculado entre R$ 65,00 e 70,00 por hectare. Ao receberem o dinheiro do financiamento, os produtores não adquiriram o calcário. A avaliação posterior com a comunidade apontou para a falta de condições, já que muitos usaram os recursos para a subsistência da família. Mesmo assim fica uma dúvida sobre os reais motivos da não-utilização do insumo se pela inadequação dos argumentos transmitidos na discussão ou pela falta de convicção dos assentados em aderir ao uso da tecnologia em apreço. Atualmente, há em torno de 250 ha cultivados, sendo 200 ha de mandioca e macaxeira. Seguem-se banana, mamão, coco e inhame. Há também um número reduzido que pratica a horticultura orgânica voltada para o mercado. Como resultado de esforços realizados pelas lideranças, os produtores estão recebendo também do PRORURAL financiamento para a implantação de um engenho de açúcar. O empreendimento tem como objetivo a produção de açúcar mascavo, rapadura e melaço. As máquinas já foram adquiridas e estão em fase de instalação. Os líderes pretendem, como se vê, continuar no plantio da cana-deaçúcar, justificando que o projeto em apreço se diferencia do plantio em forma de monocultura praticado pelas usinas e pela importância do valor agregado a ser gerado em favor dos assentados. O projeto representa um grande desafio pelas incertezas do mercado e, sobretudo, pelo Ano 4 nº 2 julho-dezembro 2000-7

Ciências, Humanidades e Letras gerenciamento. Há possibilidade de uma demanda pelos produtos, representada pela própria população local, como, por exemplo, uso da merenda escolar. O turismo pode, igualmente, significar uma alternativa para o escoamento desses produtos. Previstos também na política de Reforma Agrária, por meio do PROCERA/PRONAF, 180 produtores receberam financiamento para investimento no valor de R$ 9.300,00, a ser pago em dez anos, com três de carência. O dinheiro destinou-se, em grande parte, à fruticultura ao plantio de inhame e para aquisição de um kit de irrigação para cada assentado. 4. Ascensão econômica e social Após um ano de posse efetiva da terra pelos produtores familiares de Rio Formoso, as informações sobre a evolução da sua renda só pode ser avaliada por meio de observações empíricas, visto não se dispor de dados estatísticos sobre os resultados do seu trabalho. A comercialização dos produtos é feita nos moldes tradicionais, em geral por intermediários, quando a histórica desvalorização do produto se dá sempre que a oferta cresce. Exemplo recente é o baixo preço alcançado no comércio da macaxeira, vendida a seis centavos do real por quilo, enquanto o consumidor na cidade do Recife adquire por um preço dez a quinze vezes maior. Ainda em relação a esse produto, recentemente a equipe de assistência técnica manteve contato com uma empresa que beneficia a macaxeira, pelo précozimento. A experiência foi vista por alguns produtores. A possibilidade de realização do empreendimento nos assentamentos de Rio Formoso foi descartada, pelo menos por enquanto, pela falta de matéria-prima adequada ao processo, já que os produtores em 1999 utilizaram o crédito de custeio, repetindo o modo tradicional de plantio. Não circulava na área a informação que indicasse outra alternativa de trabalho voltada para a oferta da macaxeira beneficiada, já vendida em alguns supermercados, capaz de possibilitar maior geração de valor agregado. Verifica-se uma elevação da renda monetária e do consumo alimentar das famílias, já que, dispondo de terra para produzir, em relação à situação anterior à posse da terra, a maioria dos produtores deixou de comprar inhame, macaxeira, banana, feijão, farinha de mandioca e aumentou a renda pela venda dos excedentes. Deve-se ressaltar que essa elevação da renda é devida essencialmente à maior disponibilidade de terra para trabalho e menos ao ganho de produtividade pela utilização do progresso técnico. Uma questão que se coloca para o futuro próximo é se o produtor em questão, ao fazer a sua análise dos custos de produção e dos preços dos produtos, considerando as condições adversas ou incertas do mercado, vai optar pela utilização da tecnologia e, conseqüentemente, pela inserção em formas mais modernas de comercialização. Ainda no que se refere ao nível de renda, verifica-se uma grande diversidade entre as famílias assentadas, dependendo de experiências adquiridas antes de chegar à terra, do grau de capacitação e da disponibilidade da força de trabalho familiar. A equipe da UNICAP concluiu o trabalho de apuração dos resultados de um questionário aplicado junto aos assentados, para registrar a situação inicial e atual (ano 2000) do produtor no que se refere aos recursos produtivos disponíveis e à utilização da terra. Depoimentos obtidos junto à população da área revelam que houve uma melhoria nas condições de vida da família, verificando-se o processo de ascensão social, pela passagem da condição de trabalhadores temporários para pequenos proprietários, pelo maior acesso e maior qualidade dos serviços sociais, como educação formal, treinamentos em capacitação profissional, informações e serviços ligados à saúde, melhoria substancial nas condições de habitação, residindo agora em casas de alvenaria, cobertas de telha e dotadas de saneamento. Universidade Católica de Pernambuco - 8

Revista SymposiuM O desafio é, portanto, não só da utilização do progresso técnico como da inserção no mercado desses produtores familiares. A expectativa de melhoria da renda apóia-se grandemente nos resultados dos projetos em implantação, na aprovação de propostas de financiamento em análise e na direção que vai tomar o processo de gestão. A COOPAGRO pretende implantar na área uma central de abastecimento com base nos produtos obtidos nos três assentamentos. 5. Participação e gestão Os assentados são de diferentes origens a maioria constituída de trabalhadores assalariados antes de chegarem à terra, analfabetos ou com poucos anos de estudo, onde 43% estudaram até a terceira série, segundo amostra tomada em Serra D Água, antes referida. Pela sua história de dependência, colocam-se como fazendo parte de um segmento socialmente inferior. É marcante a sua trajetória de obediência e da falta de oportunidade em tomar decisões, pela condição de assalariados, dependentes de ordens emanadas dos chefes que organizavam as tarefas a serem por eles cumpridas. Hoje proprietários de parcelas de terra, um contingente numeroso tem grande dificuldade em tomar iniciativas em benefício do desenvolvimento dos seus trabalhos. Há uma tendência a esperar por decisões ou o suprimento dos meios necessários à produção como insumos, serviço de trator, providências junto ao banco para liberação dos financiamentos e outros por intermédio de lideranças, setor público ou instituições. Verifica-se, também, a existência de um grupo com um grau maior de participação na vida da comunidade, fazendo-o de forma positiva e afirmativa. Esses associados, nem sempre alfabetizados, enfrentam desafios pela implantação de novas atividades, como a horticultura para o mercado, através de esforços pessoais, apresentam idéias sobre a organização da produção e da comercialização e aproveitam melhor os treinamentos e a capacitação. Todos os assentados fazem parte da associação. Parte considerável dos produtores não comparece às reuniões para decisões administrativas ou técnicas e têm um nível baixo de participação. Na organização de grupos para trabalhos comunitários, fora da gleba familiar, como por exemplo, limpeza do açude, instalação da horta e mesmo treinamentos de campo, a participação é pequena. O nível de participação é, portanto, baixo, com as decisões concentradas nas mãos de um grupo reduzido. O encaminhamento das propostas de financiamento e sua elaboração, bem como sua negociação, são concentrados nesse grupo. Os conflitos naturalmente aparecem com outro grupo contestando o método de trabalho e a pouca oportunidade de participar para um número maior de assentados. Pela sua história de obediência e inferioridade nos aspectos econômico e social, não se deve esperar que essas gerações, no seu total, dêem uma resposta positiva aos incentivos para que se tornem um pequeno empresário rural inserido no mercado, participando de um modelo de gestão que requer mais do que a sua capacidade. Faz-se prioritário um trabalho de educação e capacitação junto aos jovens na área dos assentamentos, nos aspectos técnicos, econômicos e na gestão participativa, em geral mais capazes de assumir novos valores para a construção do futuro (Jara, 1998). Os jovens e adultos, aptos a votar, perfazem em torno de 800. No aspecto político-ideológico, uma pesquisa interessante seria identificar se a conquista da terra e a nova condição de produtor batalhando no mercado teriam repercutido no universo dos valores ideológicos desses parceleiros; se a nova condição de maior autonomia pela posse da terra os teria liberado dos valores tradicionais e clientelistas a que foram submetidos na sua condição anterior, votando comprometido com os interesses do assentamento ou continuam atrelados a expectativas e vínculos anteriormente estabelecidos. (Medeiros, Leite, 1998). Ano 4 nº 2 julho-dezembro 2000-9

Ciências, Humanidades e Letras 6. Conclusões Verifica-se uma elevação da renda monetária e do consumo alimentar das famílias, já que, dispondo de terra para produzir, a maioria dos produtores deixou de comprar alguns alimentos e aumentou a renda pela venda dos excedentes. Essa situação é devida essencialmente à maior disponibilidade de terra para trabalho e menos ao ganho de produtividade pela utilização do progresso técnico. Uma questão que se coloca para o futuro próximo é se o produtor em questão, ao fazer a sua análise dos custos de produção e dos preços dos produtos comercializados, considerando as condições adversas ou incertas do mercado, vai optar pela utilização da tecnologia e pela inserção em formas mais modernas de comercialização. Constata-se o processo de ascensão social, pela passagem da condição de trabalhadores temporários para pequenos proprietários, pelo maior acesso e de maior qualidade aos serviços sociais, como educação formal, treinamentos em capacitação profissional, informações e serviços ligados à saúde, melhoria substancial nas condições de habitação, residindo agora em casas de alvenaria, cobertas de telha e dotadas de fossas sépticas. A expectativa de crescer mais a renda apóia-se nos resultados dos projetos em implantação, na aprovação de propostas de financiamento em análise e na direção que vai tomar o processo de gestão. É possível que se faça necessário, no futuro próximo, criar no campo novas formas de ocupação não essencialmente agrícolas, tanto pelo desenvolvimento dos outros setores indústria e serviços como pela liberação de mão-de-obra decorrente da utilização do progresso técnico na agropecuária, requerendo programas de treinamento a fim de capacitá-los para assumir outros tipos de trabalho. Não se deve esperar que esses produtores, no seu total, dêem uma resposta positiva ao incentivos para que se tornem pequenos empresários rurais inseridos no mercado, participando de um modelo de gestão que requer mais do que a sua capacidade. Sugere-se como prioritário um trabalho de educação e capacitação junto aos jovens, em geral mais capazes de assumir novos valores nos aspectos técnicos, econômicos e na gestão participativa. Pergunta-se sobre as repercussões que terão no futuro essas diferenciações. Quantos não acompanharão os processos ditados pela competitividade tecnológica ou não terão capacidade de gerenciar seus negócios segundo as exigências do mercado? Quantos sucumbirão e vão tornar-se mão-de-obra para os companheiros que lograram mais êxito ou outros proprietários da região? No ponto de vista político, pode-se também questionar se a nova condição de acesso à terra e participação em um processo de educação e capacitação os teriam liberado dos valores tradicionais e clientelistas a que foram submetidos na sua condição anterior. REFERÊNCIAS FAO; INCRA. Diretrizes de política agrícola e desenvolvimento sustentável. Brasília, 1994. JARA, Carlos Júlio. Planejamento participativo da sociedade local sustentável: um modelo interativo. Recife: IICA; PRORURAL, 1998. LEITE, Sérgio. Impactos regionais da reforma agrária no Brasil. In: REFORMA agrária e desenvolvimento sustentável. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2000. p. 37-53. MEDEIROS, Leonilde S de e LEITE, Sérgio. Os impactos regionais dos assentamentos rurais : dimensões econômicas, políticas e sociais. Debates, 4 dez. 1997. UNICAP/AVINA Group. Projeto de apoio ao desenvolvimento sustentável do município de Rio Formoso : relatório do subprojeto 4.2. Recife. jun. 2000. Apresentado no IV Seminário de Resultados. VEIGA, José Eli da. Diretrizes para uma nova política agrícola. In: REFORMA agrária e desenvolvimento sustentável. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2000. p. 19-35. Universidade Católica de Pernambuco - 10