O CONHECIMENTO ETNOMATEMÁTICO DE TRABALHADORES DAS CERÂMICAS DE RUSSAS-CE E O CONTEXTO ESCOLAR: UMA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL RESUMO

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Transcrição:

O CONHECIMENTO ETNOMATEMÁTICO DE TRABALHADORES DAS CERÂMICAS DE RUSSAS-CE E O CONTEXTO ESCOLAR: UMA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL Paulo Gonçalo Farias Gonçalves, UFRN, paulogfg@hotmail.com Francisco de Assis Bandeira, UFRN, fabandeira@ccet.ufrn.br Gilberto Cunha de Araújo Júnior, UFRN, gilbertomatematica@hotmail.com RESUMO Apesar da Etnomatemática estar se consolidando como campo de pesquisa, pouco tem sido feito sobre a relação entre etnomatemática e o contexto escolar. O presente trabalho visa apresentar uma experiência educacional em construção à luz da etnomatemática. A proposta utiliza como recurso metodológico a observação, a entrevista, a análise documental e o portfólio. Espera-se colocar os alunos como sujeitos críticos de sua realidade, valorizando o conhecimento matemático de seu contexto sociocultural e motiválos para o aprendizado da matemática acadêmica contextualizada. Palavras chave: etnomatemática, conhecimentos socioculturais, educação matemática. ABSTRACT In spite of Ethnomathematics is consolidating as lookup field, little has been done about the relationship between Ethnomathematics and the school context. This work aims to submit an educational experience in construction, the light of ethnomathematics. The proposal uses as resource methodological to observation, interviews, documentary analysis and portfolio. It is hoped to place the pupils like critical subjects of his reality valuing the mathematical knowledge of his context sociocultural and to motivate them for the learning of mathematics academic contextualized. Keywords: Ethnomathematics, sociocultural knowledge, mathematics education. 1 Introdução Devido seus questionamentos ao caráter universal, a-histórico e neutro do conhecimento matemático e por propor uma nova visão para a Educação Matemática, ao reconhecer e valorizar as diferenças culturais, particularmente

durante a ação pedagógica, a Etnomatemática vem se consolidando como um campo de pesquisa. Discutindo sobre as tendências atuais das pesquisas brasileiras em Educação Matemática, Fiorentini e Lorenzato (2006) afirmam que a área de investigação com foco no contexto sociocultural e político da matemática - como é o caso da Etnomatemática - é a área na qual o Brasil mais se destaca no âmbito internacional. O destaque brasileiro pode ser relacionado ao surgimento de diversas pesquisas a partir da década de 80, que investigavam as relações entre a cultura da matemática escolar, a cultura matemática que o aluno traz para a escola e a cultura matemática produzida pelos trabalhadores (adultos e algumas crianças trabalhadoras) ao realizar suas atividades profissionais (FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p.51). Skovsmose e Vithal (1997) apontam as relações entre a Etnomatemática e a Educação Matemática como uma das vertentes de estudo da Etnomatemática que se preocupada, sobretudo, com as conexões (ou falta delas) entre a matemática encontrada em situações do cotidiano e o currículo escolar. Por outro lado, se comparadas com as pesquisas em etnomatemática do tipo etnográficas e/ou antropológicas, que visam desvendar o conhecimento etnomatemático contido no saber-fazer de grupos socioculturais identificáveis, ainda são poucas as investigações com uma perspectiva etnomatemática centradas no contexto escolar. Desse modo, como alertam Orey e Rosa (2005, p.121), existe uma grande necessidade de que o Programa Etnomatemática seja identificado como um programa que busca as práticas de ensino-aprendizagem direcionadas à ação pedagógica. Diante do que foi exposto, o presente trabalho tem o intuito de apresentar uma experiência educacional em construção, com alunos do 6º ano do ensino básico, a partir do saber-fazer etnomatemático dos trabalhadores das Indústrias de Cerâmica Vermelha do município de Russas-CE, em consonância com a matemática escolar. 2 O contexto da pesquisa e seus aspectos metodológicos A presente pesquisa vem sendo desenvolvida na Escola Municipal José Ricardo Matos, localizada na comunidade de Sítio Ingá, aproximadamente a 6 km da 2

zona urbana do município de Russas-CE, e ainda, com trabalhadores das indústrias de cerâmica vermelha desta mesma cidade. Atualmente a Escola Municipal José Ricardo Matos funciona nos turnos da manhã e da tarde e conta com aproximadamente 425 alunos, distribuídos em turmas que vão da educação infantil ao 9º ano do ensino fundamental. Segundo dados 1 da Associação das Indústrias de Cerâmica Vermelha do Vale do Jaguaribe (ASTERUSSAS), atualmente o município possui aproximadamente 120 indústrias deste segmento em funcionamento que geram cerca de 3.000 empregos diretos. A referida comunidade concentra um terço das cerâmicas existentes no município. A presente pesquisa é do tipo etnográfica, termo sugerido por André (1995), por entender que ao ser apropriada pelas pesquisas com enfoques educacionais, a etnografia - tipo de pesquisa criado pelos antropólogos com intuito de realizar estudos sobre sociedade e cultura - sofre adaptações em alguns de seus requisitos. Os recursos para a coleta de dados que vem sendo utilizados nesta pesquisa são, sobretudo, aqueles ditos por Lüdke e André (1986) como os principais para as pesquisas etnográficas, a saber: a observação, a entrevista e a análise documental. Além destes, pretende-se utilizar como recurso de análise e avaliação da ação pedagógica o portfólio, que consiste segundo Mendes (2009) em um dossiê ou uma pasta que contém os principais elementos do trabalho que os alunos realizam durante um determinado período letivo. 3 Uma experiência educacional 2 A turma na qual se pretende desenvolver a ação pedagógica é uma turma de 24 alunos do 6º ano do ensino básico, com uma faixa etária que varia dos 12 aos 15 anos. No contexto sociocultural que esta pesquisa vem sendo desenvolvida, grande parte dos alunos são filhos ou têm parentes que são trabalhadores das cerâmicas instaladas na região. Em alguns casos, os próprios alunos, mesmo em idade 1 Os referidos dados foram coletados a partir de entrevista realizada pelo primeiro autor e concedida pelo presidente da ASTERUSSAS Helano Rebouças Lima no dia 04/01/12. 2 Como já mencionado, a presente pesquisa encontra-se em andamento. A intervenção pedagógica encontra-se, até o envio deste trabalho, em etapa preliminares de observação do contexto escolar. 3

inapropriada, são trabalhadores destas indústrias. A proposta de intervenção pedagógica aqui discutida toma por base, sobretudo, os trabalhos de Pontes (2009), Ferreira (1997), Knijnik (2006). Pontes (2009) em sua pesquisa realizada no município de Russas-CE, após observar o contexto escolar e o cotidiano de trabalhadores como: costureira, comerciante, cozinheira, marceneiro, mestre de obras e oleiro, ofícios comuns na referida cidade, sinaliza que há um divórcio entre a matemática ensinada 3 na escola e as práticas destes profissionais e sugere que o ensino de matemática se aproxime do contexto sociocultural, devendo para isso utilizar-se de algumas tendências que valorizam questões cotidianas, entre elas a Etnomatemática. A referida pesquisa pretende utilizar-se da metodologia de atuação pedagógica com uma perspectiva etnomatemática proposta por Ferreira (1997). Esse autor sugere que um trabalho em sala de aula deve ser realizado a partir de pesquisas de campo, na qual os alunos mediados pelo professor irão pesquisar sobre temas relevantes para sua comunidade. Para a realização destas pesquisas, caberá ao professor preparar seus alunos para utilização de algumas ferramentas da etnografia. Posteriormente, os alunos juntamente com o professor farão a análise do material coletado. Durante esse processo de interpretação dos dados, o professor com seus alunos modelam seus questionamentos, na busca de soluções (FERREIRA, 1997, p.41). A partir das observações prévias do professor-pesquisador junto ao cotidiano dos trabalhadores das cerâmicas e das observações realizadas pelos alunos no decorrer de suas pesquisas de campo, espera-se realizar inter-relações entre os saberes etnomatemáticos dos trabalhadores, essenciais para seu contexto sociocultural, e a matemática acadêmica, conhecimento socialmente legitimado e importante para inclusão dos alunos em um mundo globalizado (KNIJNIK, 2006). 4 Considerações Preliminares A Etnomatemática como proposta pedagógica visa, segundo D Ambrósio (2001, p. 46), fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo [agora] e no espaço [aqui]. E, através da crítica, questionar o aqui e agora. Nesse 3 A autora observou o tema Medidas e Proporcionalidade. 4

sentido, acredita-se que inserir a Etnomatemática vivenciada pelos alunos na sala de aula, além de imergir o processo de ensino e aprendizagem ao cotidiano destes alunos, valoriza o contexto sociocultural no qual eles estão inseridos. A proposta aqui discutida almeja colocar os alunos como sujeitos críticos de sua realidade, sendo estes os principais investigadores de seu contexto. Além disso, a proposta espera que os mesmos percebam que a matemática também está imersa em seu contexto. E desse modo, possam tanto valorizar o conhecimento matemático praticado por eles e/ou seus familiares, como também possam se mostrar mais motivados para o aprendizado da matemática acadêmica contextualizada. Referências ANDRÉ, M. E. D. A de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995 (Série Prática Pedagógica). D AMBRÓSIO. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. FERREIRA, E. S. Etnomatemática: uma proposta metodológica. Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 1997. 101p. (Série Reflexão em Educação Matemática) FIORENTINI, D; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas: Autores Associados, 2006. KNIJNIK, G. Educação matemática, culturas e conhecimento na luta pela terra. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006. LÜDKE, M; ANDRÉ, M. E. D. A de. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino). MENDES, I. A. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes cognitivas na aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Livraria da Física, 2009. OREY, D. C; ROSA, M. Tendências atuais da etnomatemática como um programa: rumo à ação pedagógica. Zetetiké. Campinas: Unicamp, v.13, n. 23, 2005. PONTES, M. G. O. Medidas e Proporcionalidade na Escola e no Mundo do Trabalho. João Pessoa: Ideia, 2009. SKOVSMOSE, O.;VITHAL, R. The end of innocence: A critique of ethnomathematics. Educational Studies in Mathematics, 34, 1997, p. 131 158. 5