UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rogério Lucena Suruagy do Amaral A CONCILIAÇÃO NO PROCESSO JUDICIAL



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Transcrição:

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rogério Lucena Suruagy do Amaral A CONCILIAÇÃO NO PROCESSO JUDICIAL CURITIBA 2011

Rogério Lucena Suruagy do Amaral A CONCILIAÇÃO NO PROCESSO JUDICIAL Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná com requisito parcial para obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Professora Patrícia Menezes de Oliveira CURITIBA 2011

TERMO DE APROVAÇÃO Rogério Lucena Suruagy do Amaral A CONCILIAÇÃO NO PROCESSO JUDICIAL Essa monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de bacharel no curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, de novembro de 2011. Coordenador: Dr. Eduardo Oliveira Leite Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Professora: Patrícia Menezes de Oliveira Professor (a): Professor (a):

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo demonstrar alguns aspectos da conciliação, como os ligados aos seus benefícios, obstáculos e facetas processuais, mostrando este meio de autocomposição como uma forma rápida, barata e eficiente para solucionar conflitos trazidos ao Judiciário. Também será abordado o papel do conciliador na busca pela solução mais justa do conflito e na maioria dos casos, a obtenção da pacificação social. Por fim, serão expostas as técnicas de que dispõem os conciliadores para busca de acordos. Como fontes, utiliza a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. É relevante o estudo à medida que mostra a conciliação como meio alternativo de composição de conflitos rápido e eficaz. Palavras-chave: principais vantagens; aspectos processuais; natureza jurídica papel do conciliador; técnicas de conciliação.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 6 1 ASPECTOS GERAIS 1.1 CONCEITO... 9 1.2 NATUREZA JURÍDICA... 13 1.3 ASPECTOS POSITIVOS DA CONCIAÇÃO JUDICIAL... 17 1.4 OBSTÁCULOS... 22 2 ASPECTOS PROCESSUAIS 2.1 O OBJETO DA CONCILIAÇÃO... 26 2.2 NATUREZA JURÍDICA DA HOMOLOGAÇÃO DA CONCILIAÇÃO... 34 2.3 O RITO DA CONCILIAÇÃO... 38 2.4 REFORMA DO ACORDO... 46 3 TÉCNICAS DE CONCILIAÇÃO 3.1 O CONCILIADOR... 49 3.2 MODELOS DE CONCILIAÇÃO... 52 3.3 TÉCNICAS DE ATUAÇÃO DO CONCILIADOR... 56 4 CONCLUSÃO... 61 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 64

6 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo analisar a conciliação como forma de solução de conflitos onde ocorre um acordo de vontades entre as partes. Diante de um conflito de interesses, os conflitantes, através de diálogo facilitado por um terceiro imparcial, buscam a solução para tal controvérsia. Uma das principais vantagens apresentadas pela conciliação é o seu efeito apaziguador, que faz com que as partes reaproximem-se, sendo assim, um grande meio de renovação de laços sociais. Outro aspecto processual de grande importância da conciliação é sua celeridade, pois dispensa instrução probatória e por não permitir uma infinidade de recursos que acabam estendendo o tempo processual. E ainda, uma menor quantidade de recursos, torna os custos com os processos mais baixos, estimulando as pessoas a procurarem o Poder Judiciário. Há a superação do Estado de litigiosidade latente, no qual se evita acionar a máquina estatal para solucionar controvérsias. Destarte, a conciliação se mostra de grande valia para garantir a retidão das decisões e a simplificação do processo judicial. Questão relevante é o papel do conciliador na construção de acordo, também abordado no estudo. É ele quem conduz a conciliação, sem, contudo, fazer qualquer julgamento ou favorecimento das partes. Entretanto, apesar da importância dessa figura, há poucos profissionais habilitados nessa função. Mesmo com tal carência, a conciliação vem sendo bastante estimulada no ordenamento jurídico. Na Justiça do Trabalho, é a forma preferida de solução de

7 conflitos, tendo ali, grande êxito. É necessário observar que a celeridade é fundamental em processo de natureza trabalhista, que na maioria das vezes discute verbas de natureza alimentar. Também nos Juizados Especiais dar-se privilégio a conciliação, já que eles têm por competência controvérsias envolvendo valores pequenos, e a possibilidade de uma solução rápida e barata estimula a busca pelo Judiciário e evita que os oponentes resolvam suas questões com violência. O presente trabalho, irá se desenvolver em torno da conciliação realizada no âmbito judicial, em razão do impacto que gera no Poder Judiciário, bem como pelo alcance social que o método de solução de conflitos tem atingido, uma vez que permite que os processos sejam menos dispendiosos e mais céleres, facilitando o acesso à Justiça para a população de menor renda. Em um primeiro momento, analisar-se-á o conceito e a natureza jurídica da conciliação. Também será feita uma análise sobre as vantagens da conciliação, assim como se apontará alguns obstáculos existentes para sua melhor aceitação. Após, será apresentada uma pesquisa sobre questões processuais atinentes à conciliação. O estudo abrangerá a matéria que pode ser objeto da conciliação e avançará analisando qual a natureza jurídica da decisão que homologa o acordo. A seguir buscar-se-á apresentar os momentos em que a conciliação deve ser tentada. Também será realizada análise sobre a possibilidade de interposição de recurso da sentença homologatória da conciliação. O último capítulo é destinado à figura do conciliador. O estudo abrangerá algumas das características dessa figura e sua postura ao incentivar a conciliação.

8 Então, será analisado o modelo didático do comportamento conciliatório para que se esclareça como deve agir o conciliador nas fases desse procedimento, ultimando pelas estratégias que o conciliador pode adotar para facilitar a construção de um acordo. Após a análise de como se processa a conciliação e da figura do conciliador, conclusivamente será apontada a importância desta forma de solução como meio de pacificação social e como instrumento de acesso à Justiça, bem como será reafirmada a importância da abordagem acadêmica sobre o assunto.

9 1 ASPECTOS GERAIS 1.1 CONCEITO Na forma dos estados modernos, três funções foram atribuídas ao Estado: legislar, administrar e julgar os conflitos existentes entre as pessoas para que exista harmonia na sociedade. Cabe ao Poder Judiciário, salvo raras hipóteses em que se permite a autotutela, resolver os conflitos gerados no meio social. Assim, a jurisdição é a função do Estado pela qual são solucionados os conflitos surgidos entre as pessoas. Como ensina Fredie Didier Junior, jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial de realizar o Direito de modo imperativo e criativo, reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para torna-se indiscutível. (2010, p. 83). Para exercitar a função jurisdicional, o Estado confere aos magistrados o poder de, ao fim de um processo judicial, observados princípios que garantam às partes envolvidas a possibilidade de defender suas razões, dizer de modo impositivo a solução da questão. Invariavelmente, uma das partes sairá perdedora e terá que se submeter àquilo que foi determinado. Este modo de resolução de conflitos é chamado de heterocomposição, já que (...) um terceiro substitui a vontade das partes e determina a solução do problema apresentado. (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 84). Além da jurisdição exercida pelo Estado por meio da atuação dos magistrados,

10 pode-se citar como forma de heterocomposição a arbitragem. Por meio da arbitragem, uma terceira pessoa escolhida pelas partes é convocada para que, imparcialmente, decida a questão controvertida. No dizer de Fredie Didier Junior, é técnica de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa de sua confiança, a solução amigável e imparcial (porque não feita pelas partes diretamente) do litígio. (2010, p. 98). A arbitragem é constituída por um negócio jurídico chamado de convenção de arbitragem, do qual são espécies as cláusulas compromissórias, estabelecidas entre as partes abstratamente, sem existência prévia de controvérsia, e o compromisso arbitral, estabelecido pelas partes após a ocorrência do litígio. Ao lado da heterocomposição, existem outras formas de solução de conflitos, como a autotutela e a autocomposição. Pela autotutela, há a imposição da vontade de uma das partes, ou seja, é a solução de conflito pela força. Essa forma de composição é própria dos primórdios da civilização, sendo assim, raras vezes é permitida no ordenamento jurídico vigente 1. No mesmo sentido leciona Mauro Schiavi: A autotutela ou autodefesa é o meio mais primitivo de resolução de conflitos em que uma das partes, com utilização de força, impõe sua vontade sobre a parte mais fraca. Nesta modalidade, há uma ausência de Estado na solução do conflito, sendo uma espécie de vingança privada. ( ) Hoje nas legislações, ainda há resquícios de autotutela em alguns códigos, como legítima defesa da posse no Código Civil, ou o estado de necessidade e legítima defesa na esfera penal. (2010, p. 32). 1 Art. 1.210, CC: O possuidor tem direito a ser mantido na posso em caso de turbação, restituído no esbulho, e segurado de violência eminente, se tiver justo receio de ser molestado. 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restitui-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de esforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

11 Como se pode notar, mesmo que a autotutela trate de uma forma primitiva de resolução de conflitos ela ainda está presente no ordenamento jurídico. Entretanto, só poderá ser utilizada quando existir previsão legal. A autocomposição, como veremos a seguir, trata da solução amigável de conflitos, onde ambas as partes definem a melhor forma de resolver suas pendências. Neste sentido, para Fredie Didier Junior, a autocomposição: É a forma de solução de conflitos pelo consentimento espontâneo de um dos contentadores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio. É a solução altruísta do litígio. Considerada, atualmente, como legítimo meio alternativo da pacificação social. Avança-se no sentido de acabar com o dogma da exclusividade estatal para solução dos conflitos de interesse. Pode ocorrer dentro ou fora do processo. (2010, p. 93-97). São formas autocompositivas: a transação (que compreende concessões mútuas), a submissão (reconhecimento da procedência do pedido), e a renúncia pra pretensão reduzida. Dentre as modalidades mais utilizadas na autocomposição estão a mediação e a conciliação. A mediação é o meio pelo qual um terceiro aproxima as partes para que estas resolvam uma disputa. Como assevera Mauro Schiavi, mediação é a forma de solução de conflitos por meio do qual o mediador se insere entre as partes, procurando aproximá-las para que elas próprias cheguem a uma solução consensual do conflito. (2010, p. 33). Já a conciliação é o meio de solução pacífica pelo qual ambas as partes chegam a uma decisão, consensualmente. Como ensina Maurício Godinho Delgado: A conciliação, por sua vez, é o método de solução de conflitos em que as

12 partes agem na composição, mas dirigidas por um terceiro, destituído do poder decisório final, que se mantém com os próprios sujeitos originais da relação jurídica conflituosa. Contudo, a força condutora da dinâmica conciliatória por esse terceiro é real, muitas vezes conseguindo implementar resultado não imaginado ou querido, primitivamente, pelas partes ( ). (2010, p.1346). Grande semelhança existe entre a mediação e a conciliação, entretanto as duas modalidades não se confundem. A diferença está na forma de atuação do mediador. Como preconiza Mauro Schiavi, segundo a doutrina, a atividade do mediador é mais intensa que a do conciliador, pois aquele toma mais iniciativas que este, não só realizando propostas de conciliação, mas persuadindo as partes para que cheguem a uma solução do conflito. Não obstante, o mediador, ao contrário do árbitro ou do juiz, não tem poder de decisão. (2010, p.34). Assim observa-se que a mediação é um procedimento mais elaborado, melhor adequado a situações nas quais haja continuidade das relações interpessoais. Como assevera Juliana Demarchi: Daí depreende que o método da conciliação é de menor complexidade e mais rápido que a mediação, pois, em conflitos com aspectos subjetivos preponderantes, nos quais há uma inter-relação entre os envolvidos, tais como os conflitos que envolvem questões familiares, mostra-se mais adequado o emprego da mediação, que exige melhor preparo do profissional de solução de conflitos, mais tempo e maior dedicação, vez que é preciso esclarecer primeiramente a estrutura da relação existente entre as partes (como as partes se conheceram, como foi/é seu relacionamento), bem como a estrutura do conflito, para, depois tratar das questões objetivas em discussão. (2008, p. 55). Contudo, não há regra absoluta que determine que para a solução de conflitos objetivos se recorra à conciliação, enquanto que para conflitos subjetivos se aplique a mediação. Tal escolha deve ser feita pelo profissional de solução de conflitos, de acordo com o caso concreto.

13 Nota-se, entretanto, haver controvérsia na doutrina a cerca da classificação da mediação e da conciliação como meios de autocomposição ou heterocomposição. Maurício Godinho Delgado considera serem meios de heterocomposição, justamente pela influência exercida pelo mediador ou conciliador. Em suas palavras: É que a diferenciação entre os métodos de solução de conflitos encontramse, como visto, nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do processo utilizado. Na autocomposição, apenas os sujeitos originais em confronto é que se relacionam na busca da extinção do conflito, conferindo origem a uma sistemática de análise e solução de controvérsia autogerida pelas próprias partes. Já na heterocomposição, ao contrário, dá-se a intervenção de um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de solução de conflito, transferindo, como já exposto, em maior ou menos grau, para esse agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Isso significa que a sistemática de análise e solução dessa controvérsia deixa de ser exclusivamente gerida pelas partes, transferindo-se em alguma extensão para a entidade interveniente. (2010, p. 1344). Observe que a idéia central da conciliação é a mesma, seja para quem considera método de heterocomposição, seja para quem considera meio de autocomposição: a existência de uma pessoa estranha ao conflito auxiliando as partes a resolverem a pendência, contudo sem poder decisório para substituir a vontades das partes. Como explica Caetano Lagrasta Neto, são públicos os processos judiciais e a conciliação prevista tanto na justiça tradicional como nos Tribunais Especiais. São privadas a negociação, a arbitragem e a mediação. Também pode sê-lo a conciliação, quando realizada fora do sistema judicial, em escritórios privados. (2008, p. 16). 1.2 NATUREZA JURÍDICA A exemplo da classificação de conciliação judicial como forma de

14 autocomposição ou heterocomposição, também não há consenso sobre a natureza jurídica desse instituto. Na explicação da Elaine Nassif (2005, p. 102-103), os estudiosos do tema apontam haver diversas teorias para defini-la, dentre as quais a teoria jurisdicionalista e a teoria contratualista, das quais derivam a teoria da conciliação judicial como jurisdição voluntária e a teoria híbrida. A teoria jurisdicionalista da conciliação utiliza do critério da verificação dos poderes e deveres do juiz, assim, essa teoria equipara os efeitos da conciliação com os efeitos da jurisdição contenciosa. Em síntese, a conciliação é um instituto do processo, pois é um de seus momentos, e produz efeitos processuais, privilegia o princípio inquisitório e o papel do juiz interventor na formação da vontade das partes. (NASSIF, 2005, p.113). Já a teoria contratualista privilegia a vontade das partes. Como explica a já mencionada autora, Elaine Nassif Noronha, ao contrário da jurisdicionalista, o poder dispositivo das partes é privilegiado, o documento produzido não é uma sentença, mas um negócio jurídico reconhecido pelo poder público para fazer valer título executivo, que não produz coisa julgada. Pode ser modificado como os atos jurídicos em geral. (2005, p. 113). A teoria da conciliação como jurisdição voluntária não é unitária, tendo diferentes consequências conforme aquilo que se compreende por jurisdição voluntária. Fredie Didier Junior (2010, p.115-116) assevera que a doutrina se divide entre aqueles que consideram a jurisdição voluntária como administração pública de

15 interesses privados, como Frederico Marques, e aqueles que consideram ser atividade jurisdicional, a exemplo de Passos e Ovídio Baptista. Prevalece na doutrina a posição de que a jurisdição voluntária não é jurisdição, e sim administração pública de interesses provados. Como ensina Fredie Didier Junior: Essa construção doutrinária é um tanto tautológica. Partem da premissa de que a jurisdição voluntária não é jurisdição, porque não há lide a ser resolvida; sem lide, não se pode falar em jurisdição. Não haveria também substitutividade, pois o que acontece é que o magistrado se insere entre os participantes do negócio jurídico, não os substituindo. Porque não há lide, não há partes, só interessados; porque não há jurisdição, não seria correto falar de ação nem de processo, institutos correlatos à jurisdição; só haveria requerimento e procedimento (...). (2010, p. 115-116). A consequência para quem adota esta teoria sobre jurisdição voluntária é que a conciliação produziria os mesmos efeitos defendidos pela corrente contratualista. Como melhor sintetiza Elaine Nassif: Na teoria contratualista, tal como aquela que vê a jurisdição voluntária como administração de interesses privados, a função conciliativa é considerada absolutamente extra jurisdicional, por não produzir efeitos de soberana atuação do ordenamento, exaurindo-se na mera cooperação realizada através de impulso e mediação, em nada diferentes daquela cooperação que pode ser efetuada por outro terceiro influente para uma boa ou justa composição de conflitos. (2005, p. 108). A seu turno, há autores que vêem na jurisdição voluntária atividade jurisdicional. Na lição de Fredie Didier Junior (2010, p. 116-118), há varias razões pelas quais se pode considerar a jurisdição voluntária atividade jurisdicional, dentre as quais se destacam: a presença de lide; ser exercida por um juiz; desenvolver-se por meio de formas processuais; há partes; e há, por fim, coisa julgada. Sob o enfoque de que a jurisdição voluntária tem natureza de atividade

16 jurisdicional, os efeitos da conciliação seriam os mesmos de quem adota a teoria jurisdicionalista da conciliação judicial, ou seja, há efeitos próprios do processo na decisão conciliada. Ainda sobre jurisdição voluntária, vale lembrar que há parte minoritária da doutrina, batizada pelos estudos de Fazzalari, que compreende que a jurisdição voluntária é autônoma. Elaine Nassif (2005, p. 97), sintetizando o pensamento do autor italiano, explica que o Estado tem funções legislativas, administrativas e jurisdicionais, e que a jurisdição voluntária não se confunde com tais, sendo função autônoma. Sobre o enfoque da autonomia da jurisdição voluntária, a conciliação judicial, se assim considerada, tem efeitos autônomos, diferentes da teoria contratualista e jurisdicionalista. Considera-se ainda, que a conciliação judicial tenha natureza híbrida. Assim aponta Elaine Nassif: (...) ao lado de quem enquadra o instituto como ato de natureza exclusivamente processual, surge a opinião de que se configure como um fenômeno mais complexo: por um lado, como negócio sujeito à disciplina que lhe é própria e dotado de autônoma eficácia ( ), e outro, como ato processual, em razão da irreversível extinção do processo a que dá causa. Esta teoria vem sendo chamada pela doutrina italiana de teoria híbrida ou complexa. (2005, p. 119-120). Diante do exposto, observa-se haver diversidade de posições quanto à natureza jurídica da conciliação judicial, considerando-se, portanto, que a teoria sobre a conciliação ainda está por ser formulada. Embora ainda não muito explorada, esta discussão se revela bastante importante em razão das consequências geradas nos processos judiciais resolvidos por meio da conciliação. Nota-se que, conforme se adote esta ou aquela teoria, a

17 conciliação pode não fazer coisa julgada, por exemplo. Sobre os aspectos processuais, contudo, haverá análise mais rigorosa em capítulo próprio. 1.3 ASPECTOS POSITIVOS DA CONCIAÇÃO JUDICIAL Diversos são os fundamentos utilizados para aqueles que defendem a forma conciliada de composição de conflitos. Aponta-se hoje na doutrina diversos relatos sobre uma crise na estrutura judiciária pátria. Frequentemente são apontados fatores como a morosidade nos processos e seus altos custos, que dificultam o acesso à justiça; a mentalidade dos juízes e jurisdicionados; a falta de informação sobre a possibilidade de soluções pacíficas; a falta de conhecimento das técnicas conciliativas. Estes problemas, pois, traduzem verdadeiros obstáculos ao acesso à justiça. Tal é a posição de Luciane Moessa de Souza: Os estudiosos do tema, como Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em sua obra clássica, e, no Brasil, entre outros, Luiz Guilherme Marinoni, apontam, basicamente, quatro ordens de obstáculos para acesso a justiça: a) obstáculos de natureza financeira, consistentes nos altos valores praticados para a cobrança de custas processuais e honorários advocatícios, bem como configurados pela economia de escala que os litigantes habituais têm se comparados aos litigantes eventuais; b) obstáculos temporais, consubstanciados na grande morosidade característica do Poder Judiciário, seja por dificuldades institucionais, relacionadas à má administração, falta de modernização tecnológica e/ou insuficiência do número de magistrados e de servidores, seja em razão da complexidade do nosso sistema processual, que permite a interposição infindável de recursos; c) obstáculos psicológicos e culturais, consistentes na extrema dificuldade para a maioria da população no sentido de até mesmo reconhecer a existência de um direito, especialmente se este for de natureza coletiva, na justificada desconfiança que a população em geral (e em especial a mais carente) nutre em relação aos advogados e ao sistema jurídico como um todo e, ainda, na também justificável intimidação que as pessoas em geral sentem diante do formalismo do Judiciário e dos próprios advogados; e d) obstáculos institucionais, referentes aos direitos de natureza coletiva, em

18 que a insignificância de lesão ao direito, frente ao custo e a morosidade do processo, pode levar ao cidadão a desistir de exercer o seu direito por ser a causa antieconômica. (2009, p. 59-60). Um dos aspectos mais relevantes no que tange a dificuldade do acesso à justiça está na morosidade da tramitação dos processos judiciais. Isto ocorre, ainda que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LXXVII, determine que, a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Há no judiciário brasileiro a existência de um sistema recursal que favorece a postergação do fim do processo. Na justiça brasileira a morosidade é agravada por indivíduos, firmas e grupos de interesses que utilizam a justiça não para pleitear direitos, mas para postergar o cumprimento das obrigações. O que também se conclui é que o acesso à ordem jurisdicional não é necessariamente provocado pela falta de informação dos detentores do direito. Ao contrário disso, um número cada vez maior de pessoas conhece seus direitos, mas muitas vezes deixam de preiteá-lo por considerarem que o tempo e os custos da tramitação do processo serão maiores que os da própria lesão. Este quadro é conhecido como litigiosidade contida. Na percepção de Luciane Moessa de Souza, é preciso ter em mente, sempre, que a melhoria de qualidade e a eficiência na prestação de serviços jurisdicionais, muitas vezes, faz aumentar o número de litígios, por trazer à tona a chamada litigiosidade contida, ou seja, todos aqueles litígios que esperavam solução, mas que não eram levados ao Poder Judiciário em razão dos citados obstáculos. (2009, p. 66). Ao lado destas questões, observa-se que existe um contínuo aumento da

19 demanda. Kazuo Watanabe afirma que, o que devemos encarar, sem medo nem preconceito, é o fato de que o Poder Judiciário, ao menos no Estado de São Paulo, não mais está capacitado para atender à demanda: se antes se temia a litigiosidade contida, teme-se hoje ante a litigiosidade expandida. (2008, p. 12). O problema não está necessariamente no número insuficiente de magistrados e servidores, mas sim no fato de que cada vez mais indivíduos irão buscar a efetivação dos seus direitos por meio judicial. Mesmo que se aumentasse a estrutura do Poder Judiciário, o problema persistiria, pois na mesma escala cresceria a procura pela tutela jurisdicional. É nesse contexto que surge a conciliação judicial e toma força, pois por meio deste método, as próprias partes resolvem seus conflitos. Não há despesas desnecessárias com advogados ou para produzir provas, pois há concessões mútuas sobre os fatos alegados. Não há uma demorada espera pelo provimento jurisdicional, pois a solução nasce do próprio encontro das partes. Estes são os aspectos positivos de maior relevância apresentados pelos estudiosos do tema. Em razão dessas vantagens, a conciliação deve ser vista como instrumento útil à satisfação de direitos fundamentais constantes em nossa constituição, a exemplo do acesso a justiça e a duração razoável do processo. Dentro deste contexto, chamando atenção para novos meios de soluções de conflitos, Alexandre Freitas Câmara explica que os sucedâneos de jurisdição, dentre os quais se destaca a conciliação, são de extrema importância para que se torne possível a completa satisfação do jurisdicionado, assegurando-se amplo acesso a ordem jurídica justa. (2009, p. 12).

20 Ao lado dos aspectos práticos da celeridade e baixos custos do processo que conferem importância à conciliação judicial, há outros fundamentos, de natureza social, que justificam sua importância. Observa a doutrina que a conciliação, além de instrumento de solução de controvérsias entre as partes litigantes, é também instrumento de pacificação social. Isto ocorre porque na autocomposição, não há a substituição da vontade das partes por um terceiro, de modo que ninguém resulta perdedor do embate, evitando injustiças. Segundo o raciocínio de Ada Pellegrini Grinover: Revela assim, o fundamento social das vias conciliativas, consistente na sua função de pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela sentença que se limita da dotar autoritativamente a regra para o caso concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual aquela se imergiu, como simples ponta do iceberg. Por isso mesmo, foi salientado que a justiça tradicional se volta para o passado, enquanto a justiça informal se dirige para o futuro. A primeira julga a sentença; a segunda compõe, concilia, previne situações de tensões e rupturas, exatamente onde a coexistência é um relevante elemento valorativo. (2008, p. 04). A questão atinente à pacificação é de suma importância, principalmente quando existem relações continuadas entre as partes envolvidas, como no caso de disputas entre vizinhos, ou envolvendo questões de família. Ao exporem suas razões, as partes além de resolverem a questão posta em discussão, resolvem também outras questões não expostas diretamente e evitam que novos conflitos surjam entre si. Destarte, do ponto de vista judicial a conciliação é vantajosa por seu caráter pacificador, não observado na heterocomposição.

21 A Constituição Federal afirma, em seu artigo 1º, I e II 2, que a cidadania e a dignidade da pessoa humana são, dentre outros, fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito e com uns dos objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre justa e solidária. Observa-se que a cidadania concebida com a completa fruição dos direitos e garantias pelo ordenamento jurídico é privilégio reservado a poucos em detrimento da maioria excluída aos mais elementares direitos. Nota-se, portanto, que a realização da cidadania tal como, o digno tratamento a pessoa humana, figuram como outras vantagens da conciliação. Há ainda um quarto aspecto da conciliação judicial, que é seu fundamento político, pois permite que haja participação popular na administração da justiça. É que o sistema processual formal resulta na imposição pelo Estado de uma solução para uma competição. Nos meios autocompositivos, não há essa imposição, de modo que as próprias partes criam a solução. Como salienta Ada Pellegrini Grinover, representa ela, ao mesmo tempo, instrumento de garantia e instrumento de controle, configurando meio de intervenção popular direita pelos canais institucionalizados de conciliação e mediação. (2008, p. 05). Dessa forma, as pessoas concretizam sua cidadania. 2 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

22 1.4 OBSTÁCULOS A implementação da conciliação judicial como meio preferido para solução de litígios também encontra vários desafios a serem vencidos. O principal deles, para Kazuo Watanabe, é a mentalidade dos operadores do Direito. Afirma o autor: O grande obstáculo, no Brasil, à utilização mais intensa da conciliação, da mediação e de outros meios alternativos de resolução de conflitos, está na formação acadêmica dos nossos operadores de Direito, que é voltada, fundamentalmente, para a solução contenciosa e adjudicada de conflitos de interesses. Vale dizer, toda ênfase é dada à solução de conflitos por meio de processo judicial, onde é proferida uma sentença, que constitui a solução imperativa dada pelo juiz como representante do Estado. (2008, p. 06). Tal afirmação se confirma ao observarmos o comportamento de todos envolvidos no processo. Em um primeiro momento, se analisarmos a conduta das partes, como já mencionado anteriormente, podemos perceber que não há, necessariamente, a intenção de resolver o conflito. Muitas vezes o que está presente ao buscar o Poder Judiciário é o interesse de postergar o cumprimento das obrigações, como por exemplo, fazendo uso dos inúmeros recursos cabíveis no processo e aproveitando a morosidade da justiça. Aponta-se, ainda, para uma cultura popular que valoriza o conflito em detrimento da sua solução. André Gomma de Azevedo assinala: As partes consideram vitória sobre a outra como a única opção adequada. ( ) Ao tratar conflitos como um jogo de soma zero, frequentemente as partes em conflito, inadvertidamente abdicam de diversos interesses que possuem, como manutenção do relacionamento social pré-existente com a outra parte ou a resolução dos pontos controvertidos como objetivamente

23 apresentados no início do conflito e não em razão de um acirramento de conflito que se expandiu, tornando-se independente de suas causas inicias. A percepção de que se faz necessário em um determinado conflito que uma parte vença a outra (jogo soma zero) e não objetivamente resolva os pontos em relação ao quais as partes divergem - faz com que as partes evitem esforços para prejudicar uma à outra e não necessariamente apenas para resolver os pontos controvertidos. (2009, p. 25-26). O problema percebido é que para as partes, a conciliação ainda não traduz método eficiente para conclusão de questões litigiosas. Assim, apontam Liliam Maia de Morais Sales e Cilana Morais Soares Rabelo que deve haver adequação entre o conflito e o tipo de solução apresentado. Para as autoras, (...) é importante desapegarse da visão de que só é possível a resolução de um conflito por um caminho exclusivo ou quando houver intervenção estatal e passar a construir a idéia de que um sistema conta com instituições e procedimentos que procuram prevenir e resolver controvérsias a partir da necessidade e dos interesses das partes. (2009, p. 75-76). Em relação aos advogados, observa-se uma postura zelosa na defesa dos interesses de seus clientes. André Gomma de Azevedo é quem dita esta questão: Os advogados adotam uma postura excessivamente litigiosa e adversal. Muitos advogados, ao ponderarem sobre suas práticas profissionais, concluem que o efetivo empenho previsto no preâmbulo de Código de ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil requer que desenvolvam maior número de atividades dentro da suas relações processuais em curso, desde que estas não sejam expressamente proibidas em lei. Essa conduta estimula advogados a litigar de forma enfática, buscando auferir todas as formas possíveis de ganhos para seus clientes. Em regra, esta relação ocorre sob forma de jogo de soma zero isto é, busca-se vencer determinada lide, derrotando a parte contrária. (2009, p. 26). Os advogados, portanto, também exercem uma obstrução às vias conciliatórias ao concluírem ser indispensável atuar de modo mais intenso possível no processo, lançando mão de todos os tipos de recursos processuais existentes. A resistência ainda pode partir do próprio magistrado, que tem a cultura de

24 sentenciar as questões que lhe são apresentadas. Essa cultura é alienada pela sobrecarga de trabalho, como afirma Kazuo Watanabe: Todavia, a mentalidade forjada nas academias e fortalecida na práxis forense é aquela que já mencionada, de solução adjudicada autoritativamente pelo juiz, por meio de sentença, mentalidade esta agrava pela sobrecarga excessiva de trabalho (os juízes cíveis da Capital do Estado de São Paulo recebem, anualmente, cerca de 5.000 novos processos). Disso tudo nasceu a chamada cultura da sentença, que se consolida assustadoramente. Os juízes preferem proferir sentença ao invés de tentar conciliar as partes para a obtenção da solução amigável dos conflitos. Sentenciar, em muitos casos, é mais fácil e mais cômodo do que pacificar os litigantes e obter, por via de consequência, a solução dos conflitos. (2008, p. 07). A ausência de abordagem acadêmica sobre as possíveis alternativas à heterocomposição também cria uma deficiência no quadro de profissionais especializado nas técnicas conciliatórias. Bem assinala Kazuo Watanabe que não se nota, todavia, um investimento maior na formação e treinamento de profissionais voltados à solução não-contenciosa de conflitos, como negociação, conciliação e mediação. (2008, p. 06). Como por exemplo, o grande obstáculo a ser observado para que a conciliação alcance maior aplicabilidade é a ausência de exploração do tema nos meios acadêmicos. A abordagem das técnicas autocompositivas no período de formação, por consequência, proporcionará sua maior aceitação e utilização por parte dos futuros profissionais de Direito. Não se pode pensar, contudo, que os obstáculos de ordem cultural ou a ausência de abordagem acadêmica das soluções amigáveis de conflitos seriam os únicos a serem enfrentados. Ciente desses problemas existe também a necessidade de se destinar recursos

25 financeiros para que se instale a justiça da conciliação, pois é fundamental que haja espaço físico e equipamentos, além de servidores, conciliadores e magistrados destinados a este fim. Diante do exposto, nota-se que a cultura da conciliação ainda precisa ser assimilada pelos brasileiros. Para tanto, o problema pode ser contornado se houver maior investimento em formação de profissionais, assim como a necessária destinação de recursos financeiros para um reaparelhamento do Poder Judiciário.

26 2 ASPECTOS PROCESSUAIS 2.1 O OBJETO DA CONCILIAÇÃO Apesar do muito que se fala sobre as vantagens da conciliação, nem todas as matérias estão sujeitas ao seu procedimento. Isso porque alguns direitos são fundamento da personalidade humana e permitem que cada um possa exercer sua liberdade sem que isso afete sua dignidade. Deste modo, alguns direitos são indisponíveis para o seu titular e sobre eles não pode haver negociação. Servem, pois, para proteção de certas condições inerentes ao ser humano. Na conciliação ocorrem concessões mútuas, ou seja, as partes abrem mão de parte dos direitos que acreditam serem titulares para solucionar uma controvérsia. Por isso, a princípio, a conciliação só pode envolver direitos disponíveis para as partes. Dita o artigo 331 3 do Código de Processo Civil que quando a causa versar sobre direitos que admitam transação haverá uma audiência preliminar no intuito de se alcançar a conciliação. A seu turno, o artigo 447 do mesmo diploma legal determina que versando o litígio sobre direitos patrimoniais de caráter privado, assim como nas 3 Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. 1º Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença. 2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário. 3º Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do 2º.

27 que envolvem direito de família, será oportunizada a conciliação. 4 O citado artigo 331 faz menção aos direitos que admitam transação, instituto de Direito Civil que se assemelha à conciliação. Pela transação, cada parte abre mão de parcela de seus direitos para impedir ou por fim em demanda. (VENOSA, 2004, p. 315). Todavia, embora a transação também seja a solução de um litígio por meio de concessões mútuas, ela tem natureza contratual, diferente da conciliação. A transação pode recair, conforme redação do artigo 841 5 do Código Civil, sobre direitos patrimoniais de caráter privado. Como explica Sílvio de Salvo Venosa, (...) os direitos indisponíveis, os relativos ao estado e à capacidade das pessoas, os direitos puros de família, os direitos personalíssimos, não podem ser objetos de transação. De modo geral, pode haver transação sobre direitos que não estão no comércio jurídico. (2004, p. 319). Contudo, a conciliação pode atingir outros contornos que não se enquadram na limitação posta neste artigo. Ainda que o direito seja indisponível, sobre o aspecto patrimonial deste direito se pode dispor. É o caso das questões quantitativas que decorrem desse direito. Na lição de Luiz Rodrigues Wambier: ( ) há casos em que apesar da indisponibilidade que caracteriza alguns direitos, sobre eles é perfeitamente possível realizarem-se acordos, especialmente quando a pretensão gira em torno de aspectos puramente quantitativos. Exemplo: ações que evolvam prestações de natureza alimentar são evidentemente indisponíveis, mas suscetíveis de ser objeto de acordo, no 4 4 Art. 447. Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de ofício, determinará o comparecimento das partes ao início da audiência de instrução e julgamento. Parágrafo único. Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos e para os fins que a lei consente a transação. 5 Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.

28 que diz respeito ao quantum, Mesmo as chamadas ações de estado, que apesar de versarem sobre direitos tidos como indisponíveis, contemplam hipóteses de acordo. (p. ex., a separação litigiosa pode resolver-se consensualmente). (2008, p. 424-523). O supracitado autor explica que a conceituação de um direito como indisponível é problemática, pois há direitos, ainda que indisponíveis, que admitem alguns acordos. Há, portanto, diferentes graus de indisponibilidade, de modo a permitir que certos direitos não disponíveis sejam transacionados. Explica o autor: Assim é possível encontrar, sob a proteção da indisponibilidade, direitos de diferentes matrizes, cada qual com uma conformação própria, e que tem muito pouco em comum entre si. Na verdade, o que há de comum entre uns e outros desses direitos é um espectro de maior rigidez no tratamento legal, ora mais ora menos acentuado, Há, como se viu, exemplos de direitos absolutamente irrenunciáveis (indisponíveis, portanto), mas que, nem por isso, ficam fora do alcance de eventual tentativa de composição extrajudicial dos interesses em litígio. (2008, p.524). Observa-se assim que podem ser objeto de transação os direitos patrimoniais disponíveis e os aspectos econômicos relativos a direitos indisponíveis. Ilustrando a segunda hipótese, o direito a alimentos é direito indisponível, mas a partes podem discutir o seu quantum. Em relação às lides que envolvem relações interpessoais continuadas, como nos casos de direitos de família ou vizinhança, a solução pacífica dos conflitos é sempre a preferida, por ser capaz de resolver questões além das postas em juízo. Isso porque, quando as próprias partes, por meio de concessões mútuas, criam suas próprias decisões não há vencedor nem vencido; ambos os litigantes ganham com a conciliação. Como ensina Vânia Maria Ruffini Peteado Balera:

29 (...) nas relações interpessoais, envolvendo conflitos de ordem subjetiva, a solução deve ser buscada através de composição, elaborada pelas próprias partes, onde não tenham espaço para vitorioso ou perdedor. Deve-se buscar solução de convivência, de tolerância entre as partes, capaz de permitir que a situação de conflito seja apaziguada, tornando desnecessária a intervenção de terceiro, na hipótese o juiz, para dar solução ao problema que lhe é submetido à apreciação. A sentença, solução dada pelo juiz, porá fim ao processo e, não raro, a situação em litígio perdurará no tempo. Quantas são as decisões que fixam guarda, visitas, alimentos e quantos são os pedidos de revisão de pensão, alteração de guarda envolvendo as mesmas partes em curto espaço de tempo. (2008, p. 45). Também no direito da família, que envolve relações continuadas, a conciliação é possível. Daniel Fabretti afirma que se pode obter a conciliação em se tratando de ações de alimentos, lembrando que as partes tem ampla liberdade para fixação do valor da pensão por meio de acordo. (2008, p. 45). Daniel Fabretti (2008, p. 56) prossegue salientando que pode resultar em conciliação as ações de separação, divórcio, reconhecimento e dissolução de união estável e investigação de paternidade, quando o acordo poderá abranger partilha dos bens comuns, fixação de pensão entre as partes ou dispensa recíproca de pensão, fixação de guarda dos filhos menores, fixação de regime e visitas e pensão para filhos menores, e estabelecimento do período em que durou a união estável e estabelecimento quanto ao nome da mulher, que volta a usar o nome de solteira. Neste último quesito, fica nítido que a conciliação também pode atingir direitos indisponíveis, pois o nome que a pessoa usará após o divórcio também pode ser definido por acordo. Ainda como exemplo, Daniel Fabretti (2008, p. 81) cita que podem ser objeto de conciliação as ações cíveis em geral, como problemas entre vizinhos, envolvendo direitos dos consumidores, acidentes de trânsito e cobranças em geral. A questão da indisponibilidade de direitos no Direito do Trabalho, a seu turno,

30 é vista sobre outro enfoque. É que é neste ramo do Direito vige o princípio da indisponibilidade das normas trabalhistas. Este princípio, segundo Maurício Godinho Delgado (2010, p. 186), é traduzido pela inviabilidade técnico jurídica de o empregado poder se despojar de suas vantagens e proteções garantidas pela ordem jurídica. Os direitos trabalhistas, em geral, trazem em si a imperatividade, posto que são normas que visam resgatar o equilíbrio social. Nas palavras de Maurício Godinho Delgado: A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socieconômica de emprego. O aparente contingenciamento da liberdade obreira que resultaria da observância desse princípio desponta, na verdade, como o instrumento hábil a assegurar afetiva liberdade no contexto da relação empregatícia; é que aquele contingenciamento atenua ao sujeito individual obreiro a inevitável restrição de vontade que naturalmente tem perante o sujeito coletivo empresarial. (2010, p. 186-187). Contudo, embora a importância do princípio da indisponibilidade das normas trabalhistas seja indiscutível por assegurar ao trabalhador um patamar civilizatório mínimo, também se observam dois alcances desta indisponibilidade. Assim, um direito indisponível pode ser relativo ou absoluto. Recorre-se à lição do supracitado autor para melhor descrição do fenômeno: A indisponibilidade inerente aos direitos oriundos da ordem justrabalhista, não tem, contudo, a mesma exata rigidez e extensão. Pode-se, tecnicamente, distinguir entre direitos imantados por indisponibilidade absoluta ao lado de direitos imantados por indisponibilidade relativa. Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que ocorre, como já apontado, ilustrativamente, com o direito à assinatura do CTPS, ao salário mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do

31 trabalho. (...) Relativa será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que se passar, ilustrativamente, com a modalidade de salário paga ao empregado ao longo da relação de emprego (salário fixo versus salário variável, por exemplo): essa modalidade salarial pode se alterar, licitamente, desde que a alteração não produza prejuízo efetivo ao trabalhador. As parcelas de indisponibilidade relativa podem ser objeto de transação (não de renúncia, obviamente), desde que a transação não resulte em efetivo prejuízo do empregado. (2010, p. 201). Do exposto, podemos perceber que ainda que a indisponibilidade do direito trabalhista seja relativa, sua alteração nunca pode resultar em prejuízo ao trabalhador. Observa-se neste ponto uma aparente contradição: o empregado titular de um direito trabalhista, dele não pode dispor se disso resultar em prejuízo, embora na conciliação ele acabe por abrir mão de parcela desse direito. Nota-se ainda, que na Justiça do Trabalho, a conciliação é sempre preferida, devendo ser tentada em diversos momentos processuais. Para solucionar os impasses decorrentes das concessões feitas na conciliação e a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, a doutrina criou pontos de equilíbrio artificiais, dentre os quais se destaca o dogma da res dubia. Por este dogma, colocamse em incerteza os direitos das partes, permitindo que sobre essa dúvida se possa conciliar. Na explicação de Elaine Nassif: Ora, o direito patrimonial é traduzido no valor quantitativo que o exprime, ele não é um protocolo de intenções. Dizer-se que renunciar ao quantitativo não é a mesma coisa que renunciar ao direito é inaceitável. A certeza dobre o direito a receber somente é possível após a sentença. Antes da sentença tudo é res dubia. (2005, p. 214). Para alguns autores, portanto, a indisponibilidade de direitos é resolvida a partir de uma criação artificial, na qual se coloca em dúvida a titularidade dos direitos

32 trabalhistas. Já Mauro Shiavi usa outro raciocínio, sustentando que o fato de existirem normas de ordem pública do Direito do Trabalho não significa dizer que os Direitos Trabalhistas são indisponíveis (2010, p. 35). Para o autor, a indisponibilidade dos direitos deve perdurar enquanto se mantiver a relação de subordinação existente na relação de trabalho para que se mantenha o equilíbrio nas ralações. Todavia, cessado o vínculo de emprego e a subordinação, os direitos poderiam ser objeto de disposição. Em suas palavras: Pertencendo ao Direito Privado e contando com uma elevada gama de normas de ordem pública e, ainda, considerando-se o estado de subordinação a que está sujeito o empregado, os Direitos Trabalhistas, durante a vigência do contrato de trabalho são irrenunciáveis, como regra geral. Entretanto, uma vez cessados o vínculo de emprego e o consequente estado de subordinação, o empregado pode renunciar e transacionar direitos, máxime estando na presença de um órgão imparcial, como o Sindicado da Justiça e do Trabalho (2010, p. 35). Desta maneira, a questão de indisponibilidade dos direitos trabalhistas não é um obstáculo para que se busque a conciliação no âmbito da Justiça do Trabalho. Para tanto, há quem considere duvidosa a titularidade do direito discutido (res dubia) e ainda, quem considere cessada a indisponibilidade com o fim do vínculo de emprego e da subordinação. Ainda sobre o objeto da conciliação, observamos um aspecto interessante, que é a possibilidade de alteração da lide. Isso porque ao ajustar suas decisões, a parte pode recorrer a questões não postas em juízo. Sobre esta questão manifesta-se Luiz Rodrigues Wambier: Por outro lado, a transação permite a alteração da lide, circunstâncias em que as partes cedem, alterando a postulação feita em juízo. Pode ocorrer que,