COLÉGIO OFÉLIA FONSECA



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Transcrição:

COLÉGIO OFÉLIA FONSECA DANÇA CONTEMPORÂNEA COMO FERRAMENTA DE PRODUÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO Sofia Biella Caetano São Paulo 2014

Sofia Biella Caetano DANÇA CONTEMPORÂNEA COMO FERRAMENTA DE PRODUÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO Texto realizado e apresentado sob a orientação da Professora Carolina Oliveira Zambrana, da disciplina de Química.

AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a minha família, principalmente minha irmã e minha mãe pelo apoio e incentivo em minha inserção e continuidade no mundo da dança, além da paciência, generosidade e disponibilidade para contribuições ao trabalho. À professora Carolina Zambrana sempre me auxiliando e disposta a ajudar no que fosse preciso e ao Colégio Ofélia Fonseca, pela oportunidade de poder fazer um trabalho que enriqueceu ainda mais minha visão sobre dança, assegurando ainda mais aquilo que quero defender e propor na dança. Sou grata, também a todos que se dispuseram e disponibilizaram a ajudar na elaboração e desenvolvimento deste trabalho, com opiniões, aulas e entrevistas.

RESUMO Durante décadas a dança, se referindo principalmente ao balé clássico, foi um meio artístico de reforço e manutenção das hierarquias e políticas existentes, em que espetáculos eram exclusivos para a nobreza, sem fornecer acesso à cultura a quem não pertencesse a esta classe, além de serem direcionados à reverência de reis e rainhas. Mesmo após guerras e desastres no mundo esta dança continuava a contar histórias de princesas idealizadas, bruxas maldosas e príncipes heroicos, o que não condizia com as ações e pensamentos que perpassavam pela mente das pessoas, que começaram a utilizar a dança como uma forma de expressão das realidades existentes. Assim desenvolveu-se a dança contemporânea, que sendo capaz de englobar os mais diversos corpos e pensamentos, é uma dança que reflete os questionamentos, as visões de mundo e valores da sociedade contemporânea. Sendo assim, também capaz de auxiliar na formação dos mesmos, tanto se tratando de espectador, intérprete ou criador. Palavras-chave: Dança; Dança contemporânea; Pensamento crítico; história da dança

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO... 6 2. OBJETIVOS... 8 3. REFERENCIAL TEÓRICO... 9 3.1. Uma certa história da Dança: do balé clássico até a dança contemporânea... 9 3.2. Os principais tipos de dança/balé:... 20 4. DESENVOLVIMENTO... 23 4.1. Técnica de dança... 23 4.2. O Balé clássico... 24 4.3. Dança contemporânea... 27 4.4. Pensamento crítico proposto pela Dança Contemporânea... 29 5. CONCLUSÃO... 35 6. BIBLIOGRAFIA... 36 ANEXO 1 - História do balé La Sylphide... 41 ANEXO 2 - Entrevista com a professora de história da arte e história da dança da Escola de Dança de São Paulo Miriam Matsuda... 42

1. INTRODUÇÃO A dança é uma arte que comunica através do corpo a expressão da sociedade e da cultura em que está inserida, podendo e sendo considerada fenômeno social, estético, cultural e signo. Isto, pois constrói sentidos nos movimentos pra que estes expressem, não apenas a personalidade do bailarino, mas também as transformações por quais passa a sociedade. Sua origem, tendo caráter religioso ou não, com o passar do tempo foi sendo encaminhada para um estupendo leque de possibilidades de criação e interpretação, começando a exercer influência sob as mais diversas formas de expressão necessitadas pelos diversos períodos históricos. Dessa forma, para comunicar exatamente o que se necessitava expressar em cada época, foram sendo criadas diversas técnicas de dança para orientar e fundamentar a expressão corporal. Os movimentos, que eram inicialmente coreografados e repetidos em cena, contavam histórias cheias de valores e preconceitos da sociedade e passaram a ser formatados em espetáculos apresentados para esta mesma sociedade de valores e ideais a qual representavam. Assim, desde os balés da corte do século XVI até a Dança Moderna de Martha Graham e as diversas manifestações mais atuais de dança como o hip-hop, por exemplo, revelam as diferentes necessidades de expressão da sociedade, em que através do corpo, como meio de comunicação, são assumidas as relações sociais, políticas e econômicas da época. Entretanto, conforme se passaram os anos, precedidos por revoluções e mudanças políticas, sociais e econômicas drásticas, a dança passou a não inserir-se apenas no universo representativo, mas também questionador e instigador, no qual passa a mostrar um olhar crítico para esta mesma sociedade e estrutura antes idealizada. Nesse contexto, a dança contemporânea veio à tona, sendo por muitos considerada uma metalinguagem, pois os movimentos e sequências coreográficas acabam falando sobre a própria dança, questionando indiretamente sua inserção no meio em que está. Dessa forma, não há um padrão fixo de tipo físico e nem de movimento, uma vez que cada companhia, grupo ou performancer de dança a entende, trata e representa da maneira como vê a sociedade 6

ou o tema que deseja trabalhar. Assim, no presente trabalho serão apresentadas pesquisas históricas relacionando os diversos períodos às suas diferentes manifestações artísticas de dança, refletindo o porquê do desenvolvimento de novas e diferentes técnicas da mesma. Além da comparação de entrevistas com pessoas com diferentes formações e pensamentos sobre a inclusão, corpo e visões de mundo propostas na comparação do balé clássico com a dança contemporânea, as quais servirão como embasamento para a problematização e comparação das mesmas. 7

2. OBJETIVOS Este trabalho, por meio de uma análise histórica e comparativa de uma certa história da dança, tem como finalidade questionar, investigar e expor, as pontualidades da contemporânea, refletindo, a partir disso, o quanto esta tal contemporaneidade da dança pode influenciar ou modificar na visão de mundo da sociedade e em seu posicionamento crítico em relação ao mundo e a si mesmos. 8

3. REFERENCIAL TEÓRICO 3.1. Uma certa história da Dança: do balé clássico até a dança contemporânea A dança é uma forma de expressão artística muito antiga, evoluindo e se desenvolvendo conforme o progresso das pessoas, da sociedade, dos modos de produção, dos sistemas vigentes e das necessidades a serem expressas por determinada época e se acoplando aos outros tipos de artes visuais, da música e do teatro. Historicamente, pode-se destacar a dança primitiva, a qual nasceu no inicio do desenvolvimento da civilização, quando eram muito utilizadas em rituais e festejos folclóricos. Neste período, o homem dançava como uma forma de culto aos deuses que acreditavam, sendo um deles a própria natureza, para obter alimentos, água e até mesmo agradecer. A figura 1 é uma das pinturas rupestres mais antigas, encontrada em Lérida (Espanha), datando 8300 a. C., em que se mostra um ritual de dança para a fertilidade. Figura 1 - Pintura rupestre representando um ritual de fertilidade. Logo após encontram-se as danças milenares, que tinham como maior importância os rituais sagrados, sendo muitas vezes tidas como profanas e proibidas. Já no Renascimento a dança ressurge, adquirindo mais complexidade, importância e relevância social. É neste período que 9

a palavra ballet é inventada e a dança é tida como algo nobre, com figurinos exageradamente luxuosos e realizada durante horas nas cortes. Porém, como neste período a mulher não podia participar - devido ao pensamento preconceituoso de inferioridade ligado à elas alguns nobres tinham de se travestir para conseguir representar o papel, assim as roupas eram longas e usavam-se, muitas vezes máscaras representativas a quem se queria representar. Assim, o balé aparece pela primeira vez noticiado em forma de apresentação em 1489, quando Bergonzo de Botta, poderoso representante da corte ducal, organizou um bailado para ser apresentado nas festas de casamento de Galeazzo Sforza, duque de Milão, com Isabel de Aragón. Já em 1533, com o casamento da italiana Catarina de Médicis com o rei da França, Henrique II, foram trazidos diversos artistas especializados em grandes espetáculos de dança, tanto que em 1573, a então rainha mandou organizar uma festa para um grupo de poloneses nobres, em que dezesseis jovens, simbolizando as províncias francesas, dançavam para os presentes. Em meio a estes acontecimentos, vem à França o violinista italiano Baldassarino Belgiojoso, que definiu pela primeira vez o balé, de origem latina ballator, então gênero do bailado, como um arranjo geométrico de muitas pessoas juntas sob a variada harmonia de diversos instrumentos. (BOUCIER, 2001) A rainha o encarregou de organizar o Ballet Comique de la Reine e o Ballet de Circé (por volta de 1580). Neste último, o espetáculo durou mais de cinco horas. O objetivo principal destes balés era o de mostrar o poder da corte, devido aos altos custos financeiros envolvidos. Ainda na França, Luís XIV apresentou-se como bailarino desde os 13 anos de idade, ficando conhecido como rei Sol por interpretar o papel deste no bailado Le ballet de la nuit. No espetáculo, as danças ficavam sob o encargo do maestro Charles Beauchamp (1639-1705) e as músicas eram de autoria do violinista italiano Giovanni Battista Lully. Foi com a apresentação do balé Les plaisirs de l île enchantée (ver Figura 2), que Luís XIV teve sua melhor oportunidade como bailarino. A partir de então, Beauchamp passou a escrever balés, cuidar dos cenários e da vestimenta e até dirigir os espetáculos e, tornando-se protegido pelo rei, passou a inserir damas da corte oficialmente nos balés, o que aboliu o uso de travestis e máscaras já que antes as mulheres eram representadas por homens da corte. 10

Figura 2 - Balé "Les plaisirs de l île enchantée" Em 1661, Luís XIV fundou a Academia Real de Ballet, que permitia apenas homens e na qual Beauchamp introduziu e fixou as cinco posições básicas para o ensino e estudo do balé clássico. Posteriormente, no reinado de Luís XVI, a rainha Maria Antonieta nomeou Jean Georges Noverre como mestre de balé da Academia Real, o qual criou o Balé de Ação. Este seria apresentado como um espetáculo independente o qual, no enredo, movimento e ação coincidem. Segundo ele, o balé deveria ser um drama dançado, com começo, desenvolvimento e fim, podendo ser dividido em atos e cenas, com movimentos representativos ao movimento do espírito, de forma a parecer uma pintura devido a sua frontalidade. Cada mão, expressão e gesto deveriam significar e dizer alguma coisa e por isso deveriam ser retiradas as máscaras, perucas e vestimentas incômodas que poderiam dificultar esta expressão. Assim, para Noverre os Balés de Ação eram uma verdadeira obra de arte, que reunia o drama, a dança, a poesia, a música e decoração em uma unidade espetacular. 11

Em paralelo com o desenvolvimento dos espetáculos, o papel da mulher se elevou, já que enquanto no século XVII, o papel masculino dominava e as poucas mulheres eram espremidas em trajes que dificultavam a respiração e o movimento, e no século seguinte os papeis eram repartidos, elevando a atuação feminina, já no século XIX a bailarina teve sua participação aumentada e o bailarino foi colocado em segundo plano. Essa mudança permitiu que a bailarina francesa, de origem espanhola, Marie Anne de Cupis Camargo (ver Figura 3) estreasse nos palcos em 1726, escandalizando muitos por encurtar alguns centímetros de saia para a maior liberdade dos movimentos, por diminuir os saltos dos sapatos e ainda por aperfeiçoar o entrechat quatre salto em que há quatro batidas de perna no ar - criado por Luís XIV. Figura 3 - Mademoiselle de Camargo Dancing 1730 Em 1837, em Milão, o diretor da Academia Imperial de Dança e Pantomima de Milão inventou o sistema do estudo na barra durante as aulas de balé clássico. No bailado, estreia Marie Taglioni (ver Figura 4), que estreou aos 13 anos como bailarina em Paris e filha do mestre de balé Filippo Taglioni. Marie foi a primeira bailarina a usar a sapatilha de ponta. Enquanto isso, no início do século XIX, com a Revolução Francesa e a instauração do romantismo, a vida social da população europeia mudou drasticamente, inclusive suas concepções artísticas. 12

O berço deste período deu-se em na Itália, Alemanha e Inglaterra, ganhando força, porém, na França, onde os artistas franceses foram responsáveis por espalhar os ideais românticos pela Europa e pela América. Os românticos, como são conhecidos os artistas da época procuravam a valorização das emoções, da natureza e do ser humano, o amor platônico, a liberdade de criação e entre outros aspectos, que no caso do balé trouxe dois aspectos sobressaídos: a presença do colorido da natureza e o exótico existente nela, bem como a preferencia ao sobrenatural, espiritual e irracional. Como é exemplificado na criação do balé La Sylphide (ver anexo 1), que é um balé francês produzido em 1832, em que o figurino é um traje branco, denominado jupe (a Figura 4 - Marie Taglioni no balé "La Sylphipe" origem da palavra está no termo francês que também designa saias debaixo, saiotes ou anáguas), que fora desenhado pelo pintor da Ópera de Paris Eugene Lamy. Este passou a ser o uniforme das bailarinas sendo benéficos aos seus movimentos e os famosos tutus também entram em cena. Dessa forma, o balé clássico ganhou uma importância muito grande a partir da segunda metade do século XIX e a supremacia do mesmo passou da França para a Rússia, por volta do 13

ano por volta do ano de 1700. O marco desse movimento foi a construção da nova capital São Petersburgo pelo imperador Pedro, o Grande, que planejou a construção de um teatro na Praça Vermelha, convidou uma companhia alemã para se apresentar nele e ordenou que se tornasse pratica o balé da corte. Durante o reinado de Ana Ivanovna (1693-1740), um professor de ginástica dos cadetes instalou o curso de dança e iniciando com 12 jovens, a escola que foi a célula da Escola Imperial de Dança. Mas foi em 1847, com a chegada do bailarino e coreógrafo francês, mas naturalizado russo, Marius Petipa, a Escola Imperial de Dança de São Petersburgo teve seu maior desenvolvimento - também baseado nos ideais de Noverre, criou balés como A Bela Adormecida, Quebra-Nozes, As estações e O lago dos cisnes (em parceria com Leo Iwanow), com colaboração de compositores como Tchaikowsky, por exemplo. Alguns anos mais tarde, Sergei Diághilev tornou-se conhecido por publicar críticas na revista O mundo da Arte, aos cenários estereotipados e sem criatividade de sua época e a falta de vínculo entre a coreografia e a música. Com grandes coreógrafos, pintores, compositores e alguns dos maiores bailarinos de seu tempo como colaboradores, Diághilev tornou-se empresário, elevando o balé russo a um patamar de uma das maiores manifestações artísticas do século XX. Seu conjunto atuou sob a Rússia e pelos principais centros artístico do mundo e sua companhia trabalhou com os compositores Stravinsky, Prokófieff, Satie, Milhaud e Poulenc. Porém, juntamente com isso, surgiu no final do século XIX, o que se chama de arte moderna no meio artístico. Contrapondo as formas clássicas, os temas para o fazer arte não são mais voltados a uma pequena parcela enriquecida da população, mas começam a trabalhar e, inclusive, questionar as mudanças sociais, retratando pessoas mais humildes nas obras de arte. Assim, com as tendências da arte moderna Pablo Picasso na pintura, Le Corbusier na arquitetura, Jean Cocteau na literatura e Igor Stravinsky na música Diághilev renovou as intensidades e a expressão do balé clássico, com as obras Pássaro de Fogo, Petrouschka e A Sagração da Primavera de Stravinsky; Jeux de Claude Debussy; Dafne e Cloé de Maurice Ravel; entre outras. 14

No mesmo período, Michel Fokine influenciou muito o balé clássico de repertório, criando o bailado-monólogo, como por exemplo, A Morte do Cisne (ver Figura 5). Figura 5 - Anna Pavlova em "A Morte do Cisne" Fokine desenvolveu cinco novos conceitos para o balé: 1 É necessária a invenção de novas formas de movimentos que correspondam a personalidade musical ao invés de apenas seguir padrões técnicos e passos acadêmicos; 2 A dança e o gesto precisam de um sentido dentro da coreografia; 3 O corpo do bailarino significa e expressa algo inteiramente; 4 A expressividade corporal é necessária tanto nas coreografias individuais, quanto nas em conjunto indicando a totalidade do movimento; 5 Não deve existir mais uma música para balé, tutus, nem sapatilhas de ponta cor de rosa, convencionais, uma vez que tudo deve ser transformado a cada instante, mesmo tendo base em uma tradição milenar. 15

Dessa forma, apesar de manter as sapatilhas de ponta e a técnica clássica muito presente, como é possível observar na Figura 5, em que Anna Pavlova dança A Morte do Cisne, a visão de dança de Fokine acabou quebrando com alguns padrões antes estabelecidos para figurinos, movimentação e expressividade. Em 1890 nascia uma figura muito importante para a história da dança: Vaslav Nijinsky, bailarino que frequentou a Escola Imperial de Bailado em Petersburgo e, posteriormente, ao conhecer Diághilev, passou para o Ballet Russes. Em 1912 ele apresentou em Paris sua criação "L'Aprés-Midi d'un Faune" (Tarde de um Fauno), que fora vaiada em sua estreia devido choque gerado pelo público não acostumado ao tipo de dança que Nijinsky estava propondo, por ser, segundo a professora de história da dança e mestra em história pela UFRGS Angelica Bersch Boff explicitamente sensual, revelando sutilmente o impulso bárbaro e selvagem de fauno. Enquanto isso, nos Estados Unidos, Isadora Duncan inovou a técnica clássica de seu tempo, questionando os padrões vigentes e o papel coadjuvante da mulher, que sempre era salva ou superprotegida por um homem na dança. Inspirada nos movimentos da natureza e em diversos quadros e esculturas da Grécia Antiga, Isadora buscou liberdade não só na movimentação como na vestimenta, dançando com os pés descalços e vestindo apenas uma túnica de seda, sendo que seu cenário era composto somente por um pano de fundo azul. Assim, Duncan privilegiava a leveza e a expressão corporal em sua dança, permitindo que a alma emane sua energia por meio dos movimentos, dispensando qualquer excesso e futilidades de adornos, muito presentes no balé clássico. Outro nome importante do período é Martha Graham, que criou uma linguagem de movimento com base na capacidade expressiva do corpo humano. Este novo estilo desenvolveu-se com os movimentos a base de contração e release, pois focava as atividades básicas da forma humana explorando movimentos bruscos, angulares e diretos de sua técnica. Esta prática estava completamente ligada às lutas do povo norte americano de sua época, como por exemplo, na criação da coreografia Steps on the Street Passos na Rua, de 1936, que era uma resposta à devastação e ao isolamento que a guerra deixava em seu rastro. Ou seja, a dança passa a representar todos os tipos de sentimento da população e não mais a 16

retratar as princesas, reis, rainhas e fadas como antes. Há um fala da própria Martha Graham em que ela explicita este pensamento: "A dança revela o espírito do país em que se enraíza. Tão logo ele não conseguir fazer isso que ela perde sua integridade e significado. Estas tendências modernistas foram vistas também na música com o professor austríaco Émile Jaques-Dalcroze, que propôs um novo meio de sensibilização musical chamado de eurritmia, o qual tinha o intuito de transformar o som e o ritmo em gestos e movimentos corporais. Já passando para a contemporaneidade, surgem os nomes de Rudolf Von Laban e Mary Wigman. Dançarino e coreógrafo, Laban ficou conhecido por desenvolver o expressionismo coreográfico, no qual o objetivo principal era expressar as emoções através do movimento. Ao contrário de Martha Graham, que criou uma técnica para que os bailarinos se movessem como ela gostaria, Laban, apesar de também ter exercícios comumente utilizados também, desenvolveu um sistema de análise e percepção dos movimentos, elaborando 11 quatro fatores essenciais: tempo, espaço, peso e fluência. Propôs também a tridimensionalidade dos movimentos, a qual não existia no balé clássico até então, que se limitava a frontalidade. Dessa forma, o movimento foi ganhando volume e ocupando o espaço em diversas direções e níveis de altura. Em 1954 fundou o movimento Arte e Movimento de Laban - através deste trouxe ainda mais presente a tridimensionalidade corporal indicando, por meio de uma figura geométrica mostrar as possibilidades de direções e movimentações nas mesmas como mostra a Figura 6. Figura 6 - Rudolf Laban dentro da cines fera 17

Para ele, o movimento em sua visão conjunta é um processo no qual as partes corporais, as formas, o espaço e as relações se combinam, mas não formam o todo, uma vez que o todo é mais do que os segmentos do corpo. Os elementos fisiológicos e psíquicos que dão consequência à movimentação do ser humano são uma das bases para sua metodologia de estudo do movimento, a qual segundo ele pode ajudar na percepção e entendimento do próprio ser humano em sua atuação nas artes, educação, trabalho, psicologia, atividades cotidianas. A tendência artística do expressionismo 1 se espalhou pela Europa e mais artistas da época foram influenciados por Laban, como é o caso de Mary Wignan, que iniciou suas pesquisas em meio a Primeira Guerra Mundial. Como para ela o balé clássico era apenas uma apresentação de conhecimentos técnicos e virtuosos, sem sentimento, propôs uma investigação sobre a relação entre as forças cósmicas e o ser humano concebendo a dança com um caráter de transe, em que o movimento torna-se a representação das forças (não visíveis) originadas por meio de impulsos emocionais que criam as formas. Assim, a dança tornar-seia uma representação dos anseios e sentimentos profundos do ser humano, chamada por Wigman de Ausdruckstanz (dança de expressão), na qual não existe o bonito, o feio, o mau ou o bom movimento desde que este esteja carregado de um verdadeiro sentimento. Ela também dançava sem música, trabalhando com temas como a morte, o desespero, a guerra, entre outros, já que a dança não deveria representar, mas ser, já que os bailarinos devem dançar os sentimentos e não histórias. Percebe-se, portanto, que os acontecimentos transformaram a mentalidade dos artistas da época, o que fez com que se desenvolvessem novos pensamentos sobre as artes, política e economia a cada instante. Um ano após o final da Primeira Guerra nasceu o bailarino e coreógrafo norte americano Merce Cunningham que, juntamente com o compositor John Cage, propôs mudanças radicais na relação música e dança, em que apesar de ocorrerem no mesmo tempo e espaço, deveriam 1 O expressionismo alemão: para o expressionismo, sobretudo germânico, a arte era muito mais do que um aspecto da atividade humana. Em última análise, ela circunscrevia o único momento em que a subjetividade podia dar provas de sua potência, num mundo em que os limites impostos pelos processos objetivos praticamente anulavam qualquer autonomia do sujeito. 18

ser independentes uma da outra. Mesmo sendo solista da Martha Graham Dance Company por seis anos, Cunnigham necessitava expandir a dança, sendo o pioneiro nas revoluções para a dança pós-moderna ou contemporânea. Ele propôs um diálogo entre dança e tecnologia, trabalhando muito com o acaso e criando também uma técnica corporal que perdura até hoje. Em 1970 foi o primeiro a utilizar a vídeo-dança em seus trabalhos. Neste mesmo período foi fundada a companhia Trisha Brown Dance Company, pela artista norte-americana Trisha Brown. Já povoada por ideais contemporâneos relativos à dança, ela explorou a improvisação, investigando a fluidez e os limites físicos de seus bailarinos. Em 1994, para quebrar com os aspectos convencionais, apresentou uma coreografia em que dançou totalmente de costas para a plateia. Em 1973, com Pina Bausch, a dança contemporânea ganhou outro elemento importantíssimo: a dança-teatro contemporânea. Contemporânea, pois o termo já havia sido utilizado anteriormente no movimento moderno expressionista. Esse novo estilo tinha como base o ser humano e seus sentimentos, sendo uma arte que sensibiliza e provoca reflexões e questionamentos no público. É uma mistura de dança com falas, canto, personagens e figurinos em situações específicas de, por exemplo, medo, tristeza e outros conflitos humanos. Assim, muitas das coreografias de Pina foram montadas a partir das experiências de vida dos bailarinos revisitadas conjuntamente. Dessa forma é possível perceber que a partir de meados de 1960 a dança contemporânea começou a se alastrar mundo, a qual não há uma técnica definida por movimentos específicos mas uma gama de opções para as mais variadas idades e corpos, sem que estes se enquadrem em um padrão de linearidade e harmônico como na técnica clássica. Isto nada mais é do que o reflexo do tempo em que se instauraram as técnicas e estilos de dança - no tempo de democracia, nada é mais justo do que uma dança também democrática, que inclua e englobe todos os tipos de criação, composição e interpretação. Mesmo que sejam seguido métodos, como por exemplo, o de Laban, estes são apenas instrumentos para que sejam criadas composições coreográficas a partir de temas a gosto, desde sentimentos até questões políticas e sociais. Estes dois tipos de técnicas serão mais aprofundados no tópico X.X., sobre o balé clássico posteriormente. 19

3.2. Os principais tipos de dança/balé: Considerando a história da dança apresentada no tópico 1.1, é possível traçar uma relação entre quatro tipos de balé/dança surgidos após o romantismo que, sob um olhar mais abrangente, comparam-se às escolas literárias, pois procuram negar alguns aspectos do tipo artístico já existente: o balé clássico, o balé neoclássico, a dança moderna e a dança contemporânea. Relembrando um pouco a parte histórica, no século XVII os espetáculos foram transferidos dos salões para os palcos, onde estes não eram mais direcionados apenas ao rei ou imperador, mas a outros públicos, da nobreza, é claro. A frontalidade do corpo era sempre utilizada e procurava-se elevar cada vez mais para mostrar a grandiosidade e dando impressões de superioridade. O que é indicado pela criação de uma técnica específica para este tipo de dança, com aulas muito rígidas que apenas a nobreza tinha acesso. Ou seja a criação do balé clássico. No século XVIII, época da independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, os ideais de liberdade também se espalham pela dança e a mulher ganha outro papel na dança, ganhando grande importância nos balés criados. A expressividade das artes cresce e o balé pantomima é apresentado nos teatros por profissionais, inclusive já formados. Com ricos cenários e figurinos a dança passa a contar o começo, o meio e o fim de uma história. E com o Romantismo, o balé acaba se infiltrando no mundo de idealismos e fantasia, contando histórias de fadas, bruxas e princesas. O balé ganha novos adereços: a sapatilha de ponta, o que eleva a bailarina e frisa o idealismo da bela figura feminina. Na segunda metade do século XIX, com Isadora Duncan, a dança é novamente revolucionada, que dança descalça e apenas com uma túnica. Tenta retomar aspectos da natureza em sua dança, não contando mais uma história, mas quebrando com os padrões da bailarina de caixinha de música, colocando o sentimento da realidade em seus movimentos. Em seguida destaca-se a dança moderna, a qual nega a formalidade do balé clássico. O bailarino agora procura o chão e não mais tenta apenas elevar-se e fugir dele. Os elementos da gravidade e da realidade são acoplados às coreografias e à movimentação. O contexto da segunda guerra mundial é muito levado em conta, principalmente por Martha Graham e 20

Nijinsky, dois revolucionários da dança desta época, que propuseram o início do movimento a partir das sensações e do sentimento. O padrão musical também foi alterado, com ora a ideia de contraste e ora a ideia do movimento resultar do sentimento que a música provoca. Porém, no inicio do século XX, nasce o criador de um estilo que retoma os ideais do balé clássico, George Balanchine, que cria o balé neoclássico. E como este é considerado o criador dos primeiros balés neoclássicos, fundador School of American Ballet (SAB) e co-fundador do New York City Ballet (NYCB), suas coreografias são apenas remontadas com pagamento e autorização dos diretores responsáveis por este setor. Este é um estilo que se diferencia da estrutura da técnica clássica especificadamente na forma como se é apresentado no palco. Isso, pois os bailarinos que a executam tem de ter formação e conhecimento em técnica de dança clássica, porém de incorpora diferentes linhas corporais, diferentes desenhos cênicos, contrações e expansões, flexão de mão e pé, ou seja, utilizam a base do balé clássico para poder modificá-lo de acordo com o que o coreógrafo procura mostrar. Outra diferenciação em relação ao balé clássico é em relação ao contexto da coreografia e de seus figurinos, em que no clássico acabam contando uma história e os bailarinos são personagens da mesma, interpretando com diferentes e luxuosos figurinos seu papel no espetáculo, já nos neoclássicos, os bailarinos usam também, na maioria das vezes as sapatilhas de ponta e figurinos minimalistas, como collants e meia calça ou vestidos curtos sobre a meia calça para mostrar mais perfeitamente os alinhamentos corporais e a técnica, não contando uma narrativa, mas sim apresentando um tema específico. E assim, chega-se a dança contemporânea, a qual é difícil de ser definida já que não é previsível, rompendo com o tipo de arte e dança que se está acostumado a ver. Surgida na década de 60, a dança contemporânea começou a ser conhecida por ser uma linguagem artística sem o determinismo da técnica, pois rompe com a linguagem clássica e moderna. Os temas dos espetáculos refletem nossa sociedade e cultura em que estamos todos inseridos, modificando inclusive o espaço das apresentações, não sendo apenas em palcos, mas no local onde a arte do corpo represente aquilo que quer expressar. Dessa forma engloba todos os tipos de físicos e ideias, tratando o público não apenas como o espectador de um entretenimento, mas como parte da obra, como observador ativo e participativo, ou através de alguma intervenção do mesmo ou mesmo como formador de ideia e opinião. 21

Assim, por não possuir uma técnica específica, pode ser praticada por todos os tipos de pessoas, podendo, inclusive ser um meio de inclusão social. 22

4. DESENVOLVIMENTO 4.1. Técnica de dança Um dos aspectos mais ditatoriais do balé clássico é sua excessiva preocupação com a qualidade técnica dos movimentos, pois como o que se procura mostrar no clássico é o virtuosismo e a harmonia de linhas corporais, acabam-se esgotando as possibilidades de diferenciação dos bailarinos, que se movimentam de forma padronizada. Isto já muda ao olharmos para a dança contemporânea, que é capaz de englobar todos os corpos, ideias e proposições cênicas e artísticas, pois não apresenta uma técnica que a molde e que a limite a padrões estéticos, políticos e idealistas, como disse Márcia Strazzacappa e Carla Morandi: As técnicas corporais implicam uma estética. Isso é mais evidente no mundo da dança, onde coreógrafos definiram técnicas no intuito de adequar os movimentos dos bailarinos à sua própria concepção de movimento. (Strazzacappa/Morandi, 2006). Seguindo o conceito de técnica acima, é possível entender que por meio dela, especificandose no caso da dança em geral, há a vantagem de se ter um movimento mais limpo e padronizado entre os bailarinos, visando alcançar certa estética almejada e projetada por quem a criou/ensina/pratica, sendo que, quanto mais aperfeiçoada for, maior será a limpeza e igualdade de movimentação executada. Porém, há a desvantagem da limitação do movimento, tornando-o apenas um molde em que aqueles que conseguem, se encaixam, e aqueles que não têm facilidades ou mesmo uma série de requisitos para tal padrão não servem para realiza-lo. Dessa forma, a partir da padronização, deve sempre ser mantido um aperfeiçoamento técnico, para que o bailarino esteja sempre dentro dos mesmos moldes. Todavia isso acaba se revelando um árduo trabalho por parte do dançarino, pois ele tem que praticar sempre e repetidamente os mesmos movimentos (mesmo que incorporados em diferentes sequências e dinâmicas coreográficas) em busca de uma estética perfeita. 23

Assim, baseado também na tese Um olhar sobre a incorporação estética do movimento-dança Cênica, da mestra em artes cênicas Valéria Cano Bravi é possível chegar à conclusão de que as técnicas na dança trazem uma tradição mecânica de cópia de movimentos organizados em passos, sequências ou ações corporais, que nada mais representam senão ações organizadoras dos movimentos dançados e apresentados em uma distribuição combinatória e estruturada. Compondo, dessa forma, uma gramática-motora prescritiva, portanto estruturadora e que expressam qualidades dinâmicas pela organização de vocabulários gestuais exclusivos. (1991-2001, BRAVI). 4.2. O Balé clássico A técnica de dança clássica, assim como seu próprio nome já diz, é uma técnica que exige padrões rigidamente preestabelecidos a serem seguidos durante a movimentação. Há uma liberdade de expressão na face e nos braços, em que cada bailarino pode colocar sua personalidade e força, através de uma maior sustentação, ou mesmo um intenção diferente no olhar e no movimento, entretanto há uma técnica a ser seguida à risca, na qual os movimentos, sob o olhar físico e funcional, têm de ter o mesmo alinhamento, a mesma proporcionalidade e as mesmas formas, que são ensinadas e trabalhadas em todas as aulas de técnica clássica. O bailarino que segue ou tem a vontade de seguir uma carreira na dança como bailarino clássico deve estar sempre praticando, bem como a técnica de pontas - no caso das mulheres, além de ter uma prática muito disciplinada de alongamento e condicionamento físico. Praticar este tipo de dança é custoso, uma vez que todas estas aulas não são baratas, por exemplo, nas Especial Academia de Ballet (uma escola bem conceituada em São Paulo por seu ótimo desempenho técnico e artístico em festivais, testes e audições), estava cobrando, até o meio deste ano, trezentos e trinta e cinco reais por uma aula de balé clássico com duração de uma hora e meia, duas vezes por semana. Já em outro local, neste mesmo período, o Centro de estudos e ensino de balé dirigido por Zélia Monteiro, cobrava trezentos e sessenta reais por duas aulas por semana, de também uma hora e meia com Monteiro. Sem contar as diversas sapatilhas de ponta e meia ponta, os collants, meias calça, saias e figurinos, maquiagem que o bailarino, que quem não é bolsista tem de arcar com tudo sozinho. 24

A seguir, será proposta uma tabela com base em dados pesquisados por sites e opiniões de quem as usa ou já usou, sem contar os abusivos fretes: Tabela 1: Preço X Qualidade Mais barata Opinião Mais cara Opinião Sapatilha de ponta: Barata Sapatilha de ponta Cara Partner estudante Muito mole, mas tem Gaynor Minden Tem diversas opções Capezzio R$ 59,30 a opção reforçada Não dura mais de dois meses R$ 389 de flexibilidade e é feita por encomenda Dura mais de dois anos Sapatilha de meia Barata Sapatilha de meia Cara ponta: Não valoriza o pé ponta: Confortável Cappezzio sintética Grishko Valoriza o colo e o R$ 9,90 R$ 59 arco de pé Collant Não valoriza o corpo Collant Valoriza o corpo Capezzio de helanca Tecido não resistente Suplex Tecido resistente R$ 10,70 R$ 78,70 A sapatilha de meia ponta mais barata custa 9,90 reais, se comprada pelo site (ver bibliografia da tabela 1), o que com mais o frete para São Paulo por Sedex sairia mais 14 reais dando um total de 23,90 reais. Porém a mesma não dura muito, é dura e deixa o pé sem uma linha muito bonita, esteticamente falando. Já, ao mesmo tempo existe uma sapatilha comumente usada por bailarinas profissionais de nome Grishko, que custa no Brasil aproximadamente 59 reais pelo site (ver bibliografia da tabela 1), sem contar com os fretes e apresenta alta tecnologia em sua fabricação e revestimento, proporcionando à bailarina mais conforto e linha, além de ter duração grande. Além de todos estes requisitos econômicos, a carreira de balé clássico é muito seletiva e de certa forma injusta quando o aspecto é físico. 25

Excluindo o aspecto do corpo esguio e magro, é possível notar um padrão em toda bailarina pertencente à uma companhia profissional de balé clássico, como ser muito alongada e ter muito en dehor (para o balé significa a rotação das pernas desde o coxofemoral até joelhos e pés para fora ver figura 7), ter colo de pé e perna em x (ver figura 8), na qual se forma um arco atrás do joelho ao esticá-lo, o que favorece a linha da bailarina. Estes requisitos não são obrigatórios, contudo estão presentes na maioria dos físicos de bailarinas e bailarinos clássicos profissionais. Figura 7 - en dehor Figura 8 - Exemplo de "perna em x" Já, o papel que o homem exerce no balé clássico, além de ser visto com muito preconceito pelas pessoas, é um papel secundário em relação à mulher, já que excluindo os solos de cada bailarino(a), nos pax de deux o bailarino sempre fica atrás da bailarina acompanhando seus movimentos, levantando-a e girando-a quando necessário. A partir da entrevista realizada com a professora de história da arte e história da dança da Escola de Dança de São Paulo, especialista em dança contemporânea pela Universidade 26

Federal da Bahia e produtora cultural nas áreas de dança, música e arte educação, Miriam Matsuda, a dança clássica, entretanto, traz uma contribuição no sentido da formação pessoal, assim como as artes em geral, porque a prática de arte traz consigo mesma o estudo, a insistência e a perseverança, sendo nesse sentido auxiliar na construção da subjetividade, também. Além de organizar o corpo conforme o objetivo estético e técnico que ela propõe. Porém, para Miriam, é muito difícil se conseguir emprego como bailarino profissional de balé clássico, aqui no Brasil, uma vez que existem pouquíssimas companhias profissionais de balé clássico. Apesar de existirem cursos e escolas brasileiras que forneçam uma boa formação de balé clássico um bailarino, que também tenha um físico adequado, pode talvez ter chances fora do país. Mas para isso volta-se na estaca social: quem tem condições de arcar com os custos da estadia, passagem, alimentação e aulas (caso não for disponibilizada uma bolsa) no exterior PODE ter chances, que são ainda assim, incertas. É claro que em escolas particulares existem esquemas de bolsas, porém estas não são muitas e nem toda escola fornece, sendo dadas principalmente para os homens, como forma de incentivo a prática do balé por estes, já que devido à falta de apoio da família, ao preconceito, cobrança, entre outros fatores, o número de bailarinos homens é sempre inferior ao de bailarinas do sexo feminino. 4.3. Dança contemporânea A dança contemporânea propõe movimentação que não segue nenhum dos padrões do balé clássico isto, pois esse tipo de dança não é definido por uma técnica, mas sim por uma necessidade de expressão buscada pelos bailarinos que não culmina na obrigatoriedade de renegar tudo aquilo que lembre as técnicas clássicas e modernas uma vez que se caixas estar em ser usadas para significar o que se quer expressar podem muito bem aparecer em cena, pois são legitimadas pela arte que se quer propor. Dessa forma o que nas técnicas se resume na reprodução de passos técnicos e padronizados, na dança contemporânea são incluídos os mais diversos meios de movimentação corporal, já este tipo de dança é assim chamado justamente por fornecer a liberdade que os bailarinos necessitam. 27

E estes bailarinos que não são apenas intérpretes de uma obra de um coreógrafo, mas inclusive criadores e provocadores da arte tem a possibilidade de criar interpretar provocar e questionar utilizando tanto pesquisas internas quanto seu próprio corpo como ferramenta de pesquisa. Dessa forma, por não existir este limite de expressão do bailarino comandado pela técnica, ampliam-se as possibilidades de criação e composição dos intérpretes criadores, que não necessitam de um tipo físico específico, já que a contemporaneidade da dança atual é capaz de englobar todos os corpos, bem como todas suas formas de manifestação artística. A padronização exigida pelas técnicas elege em primeiro lugar uma forma que está ligada ao mesmo tempo ao formato do movimento, mas também ao formato do corpo, o que acaba compondo uma reprodução em massa de bailarinos "iguais" como mostra figura seguir: Figura 9 - Balé da Cidade de São Paulo Paraíso Perdido Figura 10 - Ballet Estatal Russo de Rostov O lago dos cisnes 28

Existem escolas de dança que tem como disciplina a Técnica de Dança contemporânea, porém isso quer especificar que muitas vezes esta disciplina tratará de um método contemporâneo para um tipo de trabalho e ensinamento específico, como por exemplo, os recursos de Laban sobre fluxo de movimento, o que não limita apenas o ensino do mesmo, ou mesmo quer dizer que esta disciplina abrangerá todos os tipos de métodos e sistemas desenvolvidos, o que ocorre na maioria das vezes. O requisito econômico não é tão frisado como para a careira clássica, como dito anteriormente, já que a dança contemporânea não exige acessórios obrigatórios e muito menos figurinos tão caros, uma vez que a diversidade de maneiras com que os corpos se movem é o foco, e não a perfeição e o virtuosismo destes, o que já são cobrados no balé clássico. 4.4. Pensamento crítico proposto pela Dança Contemporânea Em países com a história do nosso, mestiços de partida, não faz mais sentido buscar pelas purezas anteriores as contaminações. Em dança significa não optar pela descoberta e anunciação do verdadeiro exclusivo movimento de dança (KATZ,2010) Com a fala da crítica em dança acima, Helena Katz, é questionada a real pertinência de se tentar delimitar ou estabelecer uma definição sobre o que é ou não dança em um país, sublinhando o caso do Brasil. O que não significa ignorar as especificidades da produção de dança, mas também não limitá-las a um parâmetro. Assim, não existe um certo ou errado na dança contemporânea de modo que ela está presente no mundo como algo que não é advindo de um país específico, muito menos de técnica alguma. Segundo Agnaldo Farias, autor do livro Arte Brasileira hoje, o público de arte e dança contemporânea, incluindo alguns críticos, têm ambos, dificuldades de aceitar uma arte que não se enquadre nos padrões de forma de pintura e escultura, não se realizando por um fluxo de movimentos. Para ele: 29

A arte contemporânea nasce como resposta ao esgotamento desse ensimesmamento da arte, com as modalidades canônicas pintura e escultura explorando-se, investigando suas naturezas até o avesso. (FARIAS, 2002, p. 15) É uma carreira que não faz distinção de sexo, em que homem e mulher são tratados de igual para igual, refletindo, justamente, na necessidade de igualdade econômica e social entre pessoas do sexo masculino e do sexo feminino de nossa sociedade, já que ambos têm de ter os mesmos direitos e deveres, sem que a mulher seja idealizada, sempre frágil e que necessite ser carregada ou levantada por um bailarino homem, como, de certa forma, insinua o balé clássico. Um dos exemplos da utilização da formação em técnica clássica pela dança contemporânea é a bailarina, coreógrafa e diretora Ana Catarina Vieira, que em uma entrevista com a Tv Cultura conta que com sua formação clássica gostaria de contribuir com sua formação mesmo que clássica para a produção de dança em seu país (Brasil). Atualmente dirige, junto com Ângelo Madureira a companhia de dança Ângelo Madureira & Ana Catarina Vieira, que desenvolve uma pesquisa em dança com embasamento em diferentes formações artísticas. Ela veio da metodologia russa Vaganova e ele da dança popular do Brasil, mas trabalhando juntos há quatorze anos dedicam-se a investigar uma fusão destes diferentes diálogos de dança, na perspectiva da dança contemporânea: [...] As oportunidades para um bailarino clássico na Europa são bem maiores, só que eu tinha aprendido tantas coisas maravilhosas que eu pensei assim - eu tenho que aproveitar essas coisas que eu aprendi e ficar aqui, e fazer alguma coisa por essa dança, a dança popular, a dança brasileira. Só que eu não tinha todos os materiais necessários pra desenvolver isso. Foi quando eu encontrei o Ângelo Madureira [..] Foi aí que eu comecei a desenvolver um trabalho com ele de dança, que acabou indo para um caminho de dança contemporânea [...] Eram movimentos da dança popular feitos de outras formas, no chão, com uma parte do corpo. Ela espera muito que as coisas mudem, que se tenha cada vez mais autonomia e condições de realizar um trabalho. Pois fazer um trabalho artístico não é fácil. É bem difícil, pois precisa-se de tempo, de apoio. Não basta ser só criativo e ter ideias boas ou mesmo até realiza-las, pois 30

isso não significa que se vá conseguir fazer alguma coisa significativa. Ela conta que quando cria, pensa que sua criação vai transformar alguma coisa, um problema, podendo vir outros, desde que o já existente se modifique. Ela luta pela mudança, pela liberdade, pois esta trará tudo o que se precisa em sua opinião. A partir da tese de Denise da Costa Oliveira Siqueira, não apenas a dança em um aspecto geral é analisada, mas sua principal ferramenta de trabalho e reflexão o corpo como comunicador não verbal: No estudo do não verbal o corpo é o instrumento básico para análise e reflexão. É a matriz geradora da dança, das performances, dos gestos plenos de significação consciente e dos movimentos espontâneos e/ou inconscientes. (SIQUEIRA, 2002). Dessa forma, para comunicar exatamente o que se necessitava expressar em cada época, foram sendo criadas diversas técnicas de dança para orientar e fundamentar a expressão corporal. Até que, chegado ao presente momento, não se necessita mais de uma fundamentação e um terreno, para que a arte se desenvolva, uma vez que esta liberdade ideias, pensamentos e proposições é o que interessa na dança contemporânea. Nela a própria investigação do corpo pode ser uma ferramenta de pesquisa que fornecerá inclusive infinitas possibilidades de criação, desenvolvimento e questionamento. Um mundo que se diz democrático, contemporâneo, evoluído (apesar das controvérsias sobre a veracidade destes dizeres), mas mais do que tudo cheio de diversidade apresenta as mais diversas, complexas, utópicas e extremistas visões de mundo e sobre tudo o que nele se tem e se realiza. Assim, a arte, que também se diz contemporânea acompanha e engloba todos estes diversos meios de ver o mundo de modo a ser também um formador de opiniões, de valores e de visões. O que não significa que não exista a negação e o questionamento desta própria diversidade de criações e dos próprios vários questionamentos. Na dança, por exemplo, existem companhias de dança contemporânea em que os bailarinos são apenas intérpretes, apenas criadores, ou como na maioria delas, tem a liberdade dada pelo diretor ou coreógrafo de serem os dois, o que se encaixa perfeitamente no mundo em que 31

vivemos, porém que não necessariamente irá colaborar na formação de um indivíduo, mesmo que espectador como bailarino, ou mesmo na sua construção de um pensamento crítico. Para a professora de história da dança e da dança da Escola de Dança de São Paulo, Miriam Matsuda, já citada no tópico 4.2 deste trabalho, a dança contemporânea pode ou não trazer uma visão, dependendo de quem a propõe, de quem a realiza e da pesquisa que está se fazendo, mais política e mais ideológica. Dessa forma, quando é utilizada de forma que incentive a autoria e a pesquisa própria, já que em sua opinião existem várias danças contemporâneas e várias formas de realiza-la, esta faz com que as pessoas se auto avaliem constantemente, no sentido das suas crenças, valores e nas próprias ideologias. No aspecto de inclusão, para ela existe sim uma maior abertura, de modo que já que não se necessita de um físico específico e não se tem a obrigatoriedade de ser praticada com utensílios padrões, como ocorre na dança clássica, no sentido das sapatilhas de ponta, que não são baratas. Entretanto, a dança contemporânea atual é produzida em, principalmente, dois polos muito diferentes que são o das companhias estáveis/oficiais e o das companhias independentes de dança contemporânea, sendo nelas trabalhados conceitos sobre o fazer e pensar dança de maneiras muito diferentes também. Isto, pois se tratando de Cias estáveis, onde o salário também é fixo, bem como a rotina, apesar de haver muita concorrência para o ingresso de um bailarino na mesma, existe um certo comodismo e uma estagnação poética do bailarino que fica sempre na mesma rotina, convivendo num mesmo ambiente com as mesmas pessoas. Porém isto, para Matsuda é muito pessoal dependendo muito de cada bailarino se desenvolver dentro disso ou não. Já as companhias mais independentes, apesar de apresentarem já em sua concepção, na maioria das vezes, segundo Matsuda, uma maior articulação de ideias, onde é apresentada a necessidade de uma visão reflexiva, um desenvolvimento crítico, em relação a dança, a arte, ou o que se faz pelos integrantes, também não apresentam um salário fixo e algumas não tem nem uma sede própria, dependendo de editais do governo, como ocorre no Brasil, através do PROAC Programa de Ação Cultural e dos Programas Municipais de Fomento a Dança, quais estão cada vez mais concorridos e as verbas são cada vez mais diminutas. 32

Assim, para a professora, a dança pode ou não ser um veículo de construção de autonomia. Pois depende muito do que há por trás desta e do que se quer comunicar. Podendo assim, ser ou não inclusive, um instrumento de formação de uma visão de mundo. Um exemplo deste pensamento de dança como formação não só corporal, mas de indivíduos provocadores e conhecedores das artes existe na cidade de São Paulo, mais especificamente na Praça das Artes localizada no centro da cidade. Esta é um complexo arquitetônico em que estão localizados diversos setores da administração e alguns dos corpos artísticos da Fundação Teatro Municipal, como as escolas de Música e Dança. Esta última, conhecida como Escola de Dança de São Paulo. Na EDSP, que atualmente tem direção de Susana Yamauchi, existe um excelente curso de formação em dança, e também trabalha com a discussão de valores e princípios fundamentais para uma inserção a realidade do mundo contemporâneo, dando oportunidade gratuita de um curso de dança de nove anos para quem passar na audição, que seleciona os interessados do primeiro até apenas ao quarto ano. O programa retirado do site da prefeitura descreve que a escola tem como princípio instituir políticas públicas permanentes que garantam o acesso a um aprendizado da dança de qualidade e consistência, sem a distinção de étnicas, de gênero ou orientação sexual/política/religiosa. Além de ter o intuito de fornecer um diálogo entre o mundo contemporâneo e o papel da dança, formando intérpretes-criadores da dança através do desenvolvimento da capacidade criativa, de pesquisa e de apreciação crítica da mesma, sendo um espaço onde os diversos tipos de dança são apresentados ao estudante da mesma. Assim, são oferecidas aulas que além de ensinar diversas técnicas de dança, como balé clássico e dança moderna, em que os alunos são mais intérpretes da técnica, como também incentivam o pensar e o fazer poético e criativo em aulas de composição, nas quais os próprios alunos, direcionados por um professor, são tratados como intérpretes criadores de dança. Este é apenas um exemplo, não perfeito, mas como uma iniciativa incrível de formação de um artista que chamaria de contemporâneo, já que foi capaz de se formar como indivíduo através do contato com os mais diversos tipos de dança, de pessoas, de professores etc. 33