TALLER: III CONGRESSO DE PSICOTERAPIAS COGNITIVAS LATINO- AMERICANAS E I CONRESSO URUGUAYO DE PSICOTERAPIAS COGNITIVAS.



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Transcrição:

TALLER: III CONGRESSO DE PSICOTERAPIAS COGNITIVAS LATINO- AMERICANAS E I CONRESSO URUGUAYO DE PSICOTERAPIAS COGNITIVAS. A SIGNIFICAÇÃO DOS CONCEITOS DE GÊNERO MASCULINO E FEMININO NA (DES)CONSTRUÇÃO DA DISFUNÇÃO SEXUAL : RELATO DE CASO. PROFA. DRA. MARIA HELENA FÁVERO (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA) As crenças sobre os papéis masculino e feminino no casamento fundamentam as expectativas do homem e da mulher e definem as práticas cotidianas do casal. Como sugerem Davis & Padesky (1989), os casais ingressam nos seus relacionamentos levando um conjunto destas crenças que se traduzem num conjunto de expectativas, cuja base é, portanto proveniente da cultura, que, ao mesmo tempo as apoia e respalda (Héritier, 1996; Lorenzi-Cioldi, 1994). Em outras palavras, os indivíduos que constituem o casal, trazem para dentro da sua relação, as representações sociais (tomando este conceito como propôs Moscovici, 1988) do gênero masculino e do gênero feminino, que se articulam com as representações do que seja namorar, do que seja estar casado, ser uma esposa, ser um marido, e assim por diante. É interessante notar que, segundo os resultados de pesquisas, as representações de gênero se apresentam hegemônicas, independente da faixa etária estudada. Isto ficou evidenciado num estudo junto a homens e mulheres, a respeito das diferenças de comportamento em relação à procura de cuidados médicos, cujos resultados mostraram que, a maior ou menor frequência na procura de cuidados médicos, por parte de homens e mulheres, estava diretamente relacionada às crenças sobre a relação entre saúde e gênero e a maior ou menor necessidade, do homem e da mulher, de auto-cuidados e de cuidados médicos (Fávero, 1998). Da mesma forma, em estudos junto a adolescentes, a respeito da sexualidade e do risco de gravidez, obtivemos um discurso, no qual os argumentos, fundamentados em características femininas apresentadas como naturais, serviam como explicações para o compromisso inquestionável da maternidade e, ao mesmo tempo, justificava o descompromisso com a paternidade. Quanto ao uso de preservativos, obtivemos um dado que evidencia a articulação entre as representações sociais e o comportamento humano: frente ao risco da AIDS, manter relações sexuais com o namorado, sem o uso de preservativo, é concebido pelas moças, como uma prova de amor, e pelos rapazes como prova de fidelidade. Parece então que, articulada às representações dos gêneros masculino e feminino, há a idéia de amor ideal, ou da imaginação romântica, que, como propõem Bachen & Illouz (1996), é construída através do conteúdo e da forma que o romance assume no contexto da cultura pós-moderna da mídia e do mercado. Em resumo, ficou evidenciado o conteúdo hegemônico dos gêneros no plano simbólico, e sua influência na adoção de determinadas práticas sociais. (Fávero & Coll., 1996; Fávero & Coll., 1997; Fávero & Carvalho, 1999). Por isto mesmo, como já insistimos em outra ocasião, conhecer o conteúdo das representações de gênero masculino e feminino nos faculta conhecer as prescrições normativas e/ou proibitivas, que constituem, em última análise, na base através da qual as práticas sociais se sustentam, e através das quais, portanto, estas mesmas práticas, em tese, podem ser alteradas (Fávero, 1998). Em última análise, trata-se de se ter em conta a constante interação entre o mundo intelectual individual dos seres humanos, e o funcionamento do espaço semiótico ou mundo intelectual no qual a sociedade humana está inserida (Fávero, 1995). Assim, defendemos a importância das investigações da Psicologia do Desenvolvimento e da Psicologia do Gênero para a fundamentação da intervenção de base cognitiva e exemplificamos com a apresentação de um estudo de caso. Nele, procuramos descrever: 1/ o 1

processo de construção de uma disfunção sexual feminina baseada, sobretudo, no conceito de submissão da mulher ao homem, incluindo a submissão sexual, que, por sua vez, fundamentava-se no fato de se tratar de um 2 o casamento, entendido como o único e mais adequado tipo de enfrentamento à condição de mulher separada; e 2/ a reconstrução da funcionalidade sexual do casal, através de uma intervenção terapêutica de base cognitiva, centrada, sobretudo na reformulação das representações do gênero masculino e do gênero feminino. Método: trata-se de uma casal, aqui identificados como M (ela) e J (ele) numa faixa etária entre 40 e 45 anos de idade, com 23 anos já completos de casamento, 10 dos quais oficializados. Para M tratava-se do 2 o casamento, no qual ela manteve uma filha do 1 o. A justificativa para o rompimento do 1 o casamento baseava-se na infidelidade por parte do seu 1 o marido. Para J tratava-se do 1 o casamento, após poucas experiências de namoro. Ele foi o primeiro a procurar a terapia, encaminhado por um médico geriatra, a quem ele procurou queixando-se de tensão. Constatou-se através de sessões individuais que J se impunha uma alta exigência de realizações no seu trabalho (era funcionário de uma Empresa Estatal), e impunha o mesmo aos seus subordinados, o que gerava uma situação tensa no ambiente de trabalho. J relatava uma história de luta para conseguir ascensão social, tendo sido proveniente de classe social desfavorecida. Logo após as primeiras sessões, ele relatou seu descontentamento com a vida sexual com a esposa, e só relatou a existência de uma amante para argumentar em favor da sua tese de que o problema de funcionalidade sexual não era seu, e sim, de sua esposa. Segundo ele, a esposa não conseguia obter orgasmo em suas relações sexuais e ela se justificava através de uma crítica ao desempenho sexual dele. Aproximadamente 6 meses após o início das sessões individuais, centradas em tarefas que visavam a reformulação da idéia do sujeito a respeito de sua própria realização profissional, o sujeito relata o agravamento de sua relação com a esposa, sobretudo pela recusa desta, em manter relações sexuais com ele. Após sua autorização, convidamos sua esposa para uma entrevista, e ela aceitou o convite. Na época desta 1 a entrevista, M estava em psicoterapia de base psicanalista, com um diagnóstico de Disfunção Sexual, o que então, justificava a ausência de orgasmo, e com o qual ela concordava, adicionando a justificava baseada no que ela chamava de sua educação conservadora, na qual, segundo ela, sexo era algo visto como algo sujo e algo próprio do homem. A incongruência do seu discurso, estava principalmente no fato de que, apesar destas afirmações, ela culpabilizar o marido, classificando-o de não-criativo. M fazia constante referência à expressão mulher é pinico, expressão esta usada por sua mãe, para descrever o ato sexual. M era uma mulher aposentada como funcionária de um Banco Estadual, e estudante de Psicologia, o que ela considerava como a realização tardia de um sonho. M tinha duas filhas, uma do 1 o casamento e outra, 6 anos mais nova, do seu 2 o casamento. As duas tinham, nesta época, 22 e 18 anos, respectivamente, e viviam com o casal. Como seu marido, M relatava uma história de luta para conseguir ascensão social, tendo sido criada, assim como J, pela mãe, viúva precocemente. M e J concordaram com a proposta de realizar sessões terapêuticas conjuntas, intercaladas de sessões individuais, como sugerido por Datiilio & Padesky (1995), nas quais centrou-se, principalmente, nas crenças individuais sobre o relacionamento, nas expectativas individuais e nas atribuições causais. Após aproximadamente 6 sessões conjuntas, obteve-se o seguinte consenso: 1/ o casamento baseara-se, prioritariamente, num acordo implícito conveniente, que completava suas metas sociais: M sairia de sua condição de mulher separada, sua filha teria um novo pai, e J teria uma esposa que combinava com suas expectativas, em termos de prendas domésticas, em termos de profissão, em termos de aparência, e que lhe retribuiria, em troca de sua proteção social, com o respeito aos papéis convencionais de submissão feminina, face ao papel de comando masculino. 2/ a disfunção 2

sexual era uma resposta negativa a tal submissão, uma resposta de contra-controle que, em resumo, fora escolhida para significar a insatisfação geral com a regra de submissão de M a J, que, de um modo geral, caracterizava as práticas cotidianas do casal; 3/ existia, ao lado desta submissão, uma dependência do marido em relação à esposa, em tudo que dizia respeito à vida cotidiana da manutenção da rotina da casa; 4/ em decorrência existia uma alternância de papéis na interação de M e J: no que dizia respeito à vida cotidiana privada do casal, M dominava; no que dizia respeito à vida cotidiana pública, J dominava; 5/ na base das expectativas do casal havia a idéia de amor romântico, incluindo o conceito das duas metades que se completam, o que, de um lado, comprometia a individualidade, e de outro, estabelecia uma relação de causalidade entre ser e estar feliz, com o comportamento do outro, como já analisamos em outra ocasião (Fávero, 1999). A continuação do desenvolvimento de sessões conjuntas centrou-se em dois aspectos básicos. O primeiro dizia respeito à reestruturação das crenças do casal, sobretudo no que diz respeito à individuação e à individualidade, e ao conceito de felicidade que disto decorre. O segundo, dizia respeito ao restabelecimento da comunicação entre o casal, o que envolveu a discussão de premissas, em relação às afirmações provenientes do relato de fatos ocorridos no seu cotidiano, e a proposta de exercícios específicos para o ato sexual, exercícios estes a serem desenvolvidos tanto individualmente, como em casal. O relato do desenvolvimento destes exercícios visando o restabelecimento sexual do casal, foi uma fonte importante de dados para o trabalho de reestruturação das expectativas e das crenças do casal. As sessões individuais centraram-se no processo de individuação, envolvendo o desenvolvimento de tarefas, que variaram desde o exercício de auto-observação, até a leitura de livros e filmes. A comunicação foi restabelecida entre o casal; sua vida sexual tornou-se satisfatória. Atualmente as sessões individuais continuam, e esporadicamente, ocorre uma sessão conjunta, sempre requisitadas por M ou J, para o tratamento de alguma questão específica. Portanto, o que está exposto com este trabalho, e o que se pretende seja colocado em discussão no TALLER, são questões tais como: - a contribuição da Psicologia do Desenvolvimento para a intervenção terapêutica; - a contribuição da Psicologia do Gênero para a intervenção terapêutica; - a contribuição da Psicologia Contemporânea para a compreensão do Desenvolvimento Psicológico Adulto (como Gerald Young, 1997, por exemplo, que defende a tese segundo a qual o desenvolvimento Adulto se caracteriza pelo pensamento pós-formal, construído na união entre o cognitivo e o afetivo, da união do self e do outro, e da união da idéia com a idéia) para a intervenção terapêutica. - a importância destas na formação do terapeuta; - a importância da diversificação de tarefas propostas no processo terapêutico (o que nos remete de novo, às contribuições acima); Em resumo, o que se pretende através do relato de um estudo de caso, é discutir as bases epistemológicas da psicoterapia cognitiva, e como elas se articulam com os fundamentos da Psicologia do Desenvolvimento. Sugerimos então, para o nosso relato a denominação de intervenção cognitivo-desenvolvimental. Referências Bibliográficas. - Bachen, CM; Illouz, E. (1996) Imagining romance: young people s cultural models of romance and love. Critical Studies in Mass Communication, vol. 13, number 4, p. 279-308. - Dattilio, F. M. ; Padesky, C. A.(1995). Terapia cognitiva com casais. Porto Alegre: Artes Médicas. 3

- Davis, D.; Padesky, C (1989) Enhancing cognitive therapy with women. In: A Freeman, K. Simon, L. Beutler, & H. Arkowitz (Eds.) Comprhensive Handbook of Cognitive Therapy, 9, 5-13. - Fávero, M.H. (1995) A mediação do conhecimento psicológico na produção de um texto para o professor. Temas em Psicologia. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia. São Paulo, SP, v.01, p. 11-21. - Fávero, M.H. (1997) Menina, moça e mulher: o ser feminino na Psicologia. Em: Gimenes, MG & Fávero, MH (orgs.) A mulher e o cancer. Campinas: Editorial Psy, p. 23-42. - Fávero, MH (1999) O conceito de felicidade na depressão: relato de estudo de caso. Em: VI Latine Dies e II Congresso Brasileiro de Psicoterapias Cognitivas, Anais/Memória. - Fávero, M.H., Marques da Silva, F., Lionço, T. (1996) Adolescentes frente a possibilidade de gravidez: a reação delas e deles. Comunicação científica na XXVI Reunião Anual de Psicologia, Ribeirão Preto, S.P. - Fávero, M.H., Mello, M.R. (1997) Adolescência, maternidade e vida escolar: a difícil conciliação de papéis. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Jan-Abr, vol.13, n.1, 131-136. - Fávero, M.H. ; Carvalho, MGF (1999) Dilemas da telenovela: um exemplo de pesquisa básica sobre a elaboração cognitiva para a fundamentação da intervenção psicológica. In: VI Latini Dies e II Congresso Brasileiro de Psicoterapias cognitivas. Anais/Memória. - Héritier,F (1996) Masculin/Feminin La pensée de la différence. Paris: Éditions Odile Jacob. - Lorenzi-Cioldi, F (1994) Les androgynes Paris: Presses Universitaires de France. - Moscovici, S. (1988) Notes towards a description of Social Representations. European Journal of Social Psychology, vol.18, 211-250. 4

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