AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA



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Transcrição:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO SP (DISTRIBUIÇÃO COM URGÊNCIA) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República infra-assinado, e o IDEC INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, associação civil sem fins lucrativos, legalmente constituída desde 1987, inscrita no CNPJ sob n 58.120.387/0001-08, com sede nesta capital na Rua Doutor Costa Júnior, 356, neste ato representado por seu Coordenador Executivo, SEZIFREDO PAZ (docs. 01 e 02), e por sua procuradora (doc. 03), vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 127, caput, da Constituição Federal, nos artigos 81 e 82, inciso I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e no art. 6º, VII, c, da Lei Complementar 75/93, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face de 1

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR ANS, autarquia federal sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde, criada pela Lei Federal n.º 9.961/00, com sede na Rua Augusto Severo, 84 - Edifício Barão de Mauá Glória - Rio de Janeiro/RJ; UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito Público, a qual poderá ser citada nesta capital na Avenida Paulista, 1.842-20º andar - Cerqueira César; BRADESCO SAÚDE S/A, sociedade seguradora especializada em saúde, inscrita no CNPJ sob n.º 92.693.118/0001-60, com sede na Rua Barão de Itapagipe, 225 - Rio de Janeiro - RJ; SUL AMÉRICA CIA. DE SEGURO DE SAÚDE, sociedade seguradora especializada em saúde, inscrita no CNPJ sob n.º 01.685.053/0001-56, com sede na Rua Pedro Avancine, 73 - São Paulo - SP; GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA., operadora de planos de assistência à saúde, inscrita no CNPJ sob n.º 01.518.211/0001-83, com sede na Rua Morais e Silva, 40 - Rio de Janeiro - RJ; AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA., operadora de planos de assistência à saúde, inscrita no CNPJ sob n.º 29.309.127/0001-79, com sede na Rua General Dionísio, 164 - Duque de Caxias - RJ; ITAÚSEG SAÚDE S.A., sociedade seguradora especializada em saúde, inscrita no CNPJ sob n.º 04.463.083/0001-06, com sede na Praça Alfredo Egydio de Souza Aranha, 100-8º andar - Torre Itaúseg - Parque Jabaquara - São Paulo/SP; pelos seguintes fundamentos de fato e de direito: I DOS FATOS A partir de expediente encaminhado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, a Procuradoria da República instaurou o procedimento administrativo MPF/PR/SP nº 1.34.001.005716/2004-91, com o objetivo de investigar o aumento abusivo de preços promovido por operadoras de 2

planos de saúde privada nos contratos celebrados anteriormente a 1 o de janeiro de 1999, início da vigência da Lei 9.656 de 1998 (doc. 4). Apurou-se que o problema passou a ocorrer a partir de maio de 2004 quando, em decisão liminar incidental proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1931-8, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia do artigo 35-G da Lei n.º 9.656 de 1998 (renumerado como artigo 35-E, de acordo com a redação dada pela Medida Provisória n.º 2.177-44 de 24 de agosto de 2001) (doc. 5). O artigo suspenso possui a seguinte redação: Art. 35-E. A partir de 05 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados anteriormente à data de vigência desta Lei que:... 2 o Nos contratos individuais de produtos de que tratam o inciso I e o 1 o do art. 1 o desta Lei, independentemente da data de sua celebração, a aplicação de cláusula de reajuste das contraprestações pecuniárias dependerá de prévia aprovação da ANS. Em atitude totalmente descabida, as operadoras rés entenderam que o deferimento da liminar importaria em verdadeira concessão estatal para que elas promovessem reajustes abusivos de preços, sem nenhum tipo de controle público. 3

Tanto é que elas, ainda no primeiro semestre de 2004, passaram a enviar a seus consumidores, com contratos celebrados anteriormente à vigência da referida lei, comunicados (doc. 6) informando a imposição de reajustes excessivos às mensalidades, os quais foram determinados unilateral e arbitrariamente, sob a alegação de que seriam o resultado da variação dos custos médicos e hospitalares, porém sem apresentarem os critérios utilizados para se chegar a tal percentual, considerando unicamente seus interesses e deixando de lado os dos consumidores. Tendo em vista que a interpretação correta da decisão do Supremo Tribunal Federal era no sentido apenas de se excluir os contratos antigos do âmbito de incidência da Lei em análise, sem, contudo, afastar a fiscalização e normatização da Agência, foram ajuizadas diversas ações buscando a anulação dos reajustes desses contratos, os quais eram evidentemente abusivos. Inúmeros juízes, ao tomarem contato com as ações, houveram por bem deferir as liminares pedidas (doc. 7), limitando os reajustes, no período de maio de 2004 a abril de 2005, ao percentual de 11,75%, estabelecido pela ANS, em sua Resolução Normativa n.º 74, de 07 de maio de 2004 (doc. 8). Os fundamentos utilizados pelos magistrados foram, em geral, no sentido de que as cláusulas contratuais que estabeleciam os reajustes das prestações apresentavam um cálculo confuso que colocava os consumidores em acentuada desvantagem, acarretando desequilíbrio contratual, sendo, portanto, uma cláusula abusiva, nos termos do artigo 51, incisos IV e X, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 4

A co-ré Agência Nacional de Saúde Suplementar, diante dessa situação, solicitou a elaboração de parecer à Procuradoria Federal, a fim de que pudesse ser tomada posterior medida repressiva contra a cobrança indevida e desautorizada. Foi então redigido o Parecer n.º 316/2004/PROGE/GECOS (doc. 9), no qual se concluiu, em síntese, que os contratos celebrados anteriormente à Lei n.º 9.656/98 deveriam respeitar o Código de Defesa do Consumidor, e que a ANS teria o poder de fiscalizá-los, estipulando o índice máximo de reajuste. Restou claro, portanto, que as empresas estavam cometendo infrações administrativas e causando, por conseguinte, enormes prejuízos aos consumidores. Com base no parecer, a co-ré ANS autuou as empresas, lavrando um auto para cada produto em que se verificou a irregularidade, tendo por base a tipificação e multa previstas no inciso VII, do artigo 5 o da RDC 24/2000, cujo teor é o seguinte: Art. 5 o. Constitui infração punível com multa pecuniária no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais):... VII exigir ou aplicar reajustes ao consumidor, acima do contratado ou do percentual autorizado pela ANS. Foram também ajuizadas, pela União e pela ANS, uma ação cautelar e uma ação civil pública em face das seguradoras, sendo elas distribuídas, respectivamente, sob os números 2004/34.00.023630-2 e 2004/34.00.026871-3, estando em curso, no momento, perante a 8 a. Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (doc. 10). O objeto das ações é impedir o reajuste abusivo das mensalidades dos contratos antigos de planos de saúde, em 5

âmbito nacional; e compelir as empresas a adotarem os procedimentos administrativos de autorização prévia de reajuste das contraprestações pecuniárias relativas ao ano-base 2003/2004, nos termos da Resolução RN ANS n.º 74/04, limitado em 11,75%. Com o objetivo de se eximirem das conseqüências que lhes poderiam trazer os procedimentos administrativos sancionatórios iniciados a partir das autuações, as empresas co-rés AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA., BRADESCO SAÚDE S/A., GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA., ITAUSEG SAÚDE S/A e SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE S/A aceitaram firmar Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta com a Agência TCACs com a ANS, sendo que, ao todo, foram assinados 260 (duzentos e sessenta) deles (doc. 11). Nesses TCACs, as empresas comprometeram-se, entre outras coisas, a cessar a aplicação de percentuais de reajustes superiores a 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento), para todos os contratos individuais firmados até 01.01.1999 e não adaptados à Lei n.º 9.656/98, durante o período compreendido entre julho de 2004 e junho de 2005, conforme aniversário dos respectivos contratos, eis que com isso se estaria respeitando o estipulado no artigo 3 o da Resolução Normativa n.º 74 de 2004, elaborada pela ANS. Em contrapartida, a Agência Nacional de Saúde Suplementar comprometeu-se a suspender os processos administrativos que tramitavam em face dessas empresas, fazendo não incidir as multas correspondentes. 6

Paralelamente e contrariando frontalmente o que havia sido estabelecido nos TCACs, a ANS, sob a alegação de que seria necessário deixar claros os conceitos técnicos e parâmetros para apuração do índice de reajuste financeiro a ser aplicado nos contratos, resolveu celebrar os Termos de Compromisso (TCs) de n.º 01, 02, 03, 04 e 05 (docs. 12, 13, 14, 15 e 16) com as co-rés BRADESCO SAÚDE S/A., SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE S/A., GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA., AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA. e ITAUSEG SAÚDE S/A, ora impugnados. Nesses TCs, de modo absurdo, foi convencionado que as respectivas empresas comprometer-se-iam a aplicar, no reajuste de 2004 a 2005 dos contratos firmados individualmente até o 1 o de janeiro de 1999 e não adaptados à Lei n.º 9.656, um índice baseado na chamada Variação dos Custos Médico-Hospitalares VCMH. Se não bastasse isso, nestes TCs, a ANS houve por bem autorizar essas empresas a cobrarem de seus clientes um resíduo referente ao mesmo período, consistente na suposta diferença entre o índice VCMH e o percentual de 11,75% que havia sido aplicado à época. Após manifestações do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e do INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - IDEC, contrárias à ação da ANS, esta agência, visando conferir uma aparência de legalidade aos Termos de Compromisso celebrado, editou a resolução Normativa n.º 106/2005 (doc. 17), com vistas a complementar a RN n.º 99/2005 (doc. 18), que havia estabelecido critérios para os reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência suplementar à saúde para o período de maio de 2005 a abril de 2006. 7

A Resolução n.º 106/2005 permitiu às operadoras celebrarem os Termos de Compromisso, o que poderia ser feito até o mês de outubro de 2005, concedendo a elas privilégios, em detrimento dos consumidores, dos quais se passou a exigir resíduos referentes ao período de maio de 2004 a abril de 2005 bem como reajustes diferentes do fixado na RN 99/2005, que é de 11,69%. Vale atentar para o fato de que, tendo em vista a liminar deferida na ADIN 1931-8, o período do qual se está cobrando resíduos encontra-se sub judice. Estas condutas conjugadas vêm ocasionando sérios danos aos consumidores dos planos de saúde das co-rés e merecem a pronta intervenção do Poder Judiciário no sentido de suspender sua eficácia, em face do que dispõem os princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais, os quais passa-se a analisar no que se segue. II DO DIREITO 1- CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. O artigo 82, parágrafo único, inciso II, do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor estabelece o seguinte: Parágrafo único A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I -... II interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de 8

que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica de base (...). Na presente demanda, está configurado o interesse coletivo, pois os reajustes e as cobranças de resíduos feitos com respaldo nos Termos de Compromisso ora combatidos atingem todas as pessoas que firmaram contratos de planos de saúde com as empresas rés em época anterior a 1 o de janeiro de 1999 e que não realizaram posterior adaptação à Lei n.º 9.656/98. A doutrina é pacífica nesse sentido, conforme se verifica pelos ensinamentos de KAZUO WATANABE, transcritos a seguir: Ação em que se buscava a invalidade de reajustes de mensalidades exigidos de filiados a planos de assistência médica e hospitalar...os filiados a planos de saúde compõem um grupo de pessoas ligadas por vínculo jurídico base, ou entre si, se filiadas à associação mencionada (IDEC), ou com a parte contrária, pelo que é inegável a presença de interesses ou direitos coletivos, a teor do que dispõe o inc. II do parágrafo único do art. 81 o CDC 1. 1 GRINOVER, Ada Pellegrinni, WATANABE, Kazuo, e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto, 8 a. ed.,forense Universitária, Rio de Janeiro, 2004, p. 813 (grifos nossos). 9

Além disso, deve-se ressaltar a dimensão da presente demanda, a qual pode ser medida pelo fato de caber à Agência co-ré regular todas as atividades que garantem a assistência suplementar à saúde dentro do território nacional, sendo que ao permitir esses reajustes, age contra aqueles que deveria proteger, deixando todos os consumidores com planos de saúde anteriores à vigência da Lei 9.656/98, distribuídos em vários Estados da Federação, em situação muito vulnerável. Deve-se levar em conta, também, que as cinco empresas co-rés na presente ação celebraram a quase totalidade dos contratos assinados no país, eis que se está diante de um mercado altamente oligopolizado, sendo que as medidas ora combatidas acabam por atingir centenas de milhares de consumidores dispersos pelo país. Quanto à legitimidade ativa do Ministério Público, convém ressaltar que, por definição apresentada pelo art. 127 da Constituição Federal de 1988, trata-se de instituir indispensável à atividade jurisdicional do Estado, cabendo a ele zelar pela defesa da ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis. Tal escopo se encontra inserido entre as funções institucionais do órgão ministerial elencadas no art. 129 da Carta Magna, como segue: Art. 129 - (...) II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; 10

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (...)" Ante a reprodução do texto constitucional, verifica-se a incumbência concernente em resguardar o interesse público, consubstanciado não só no respeito à orientação dos Poderes Públicos como em questões outras de importância significativa para o Estado e para a sociedade, enquadradas entre os interesses difusos e coletivos. Com vistas a esse procedimento, é conferido ao órgão ministerial, pela Constituição, valer-se de providências como a propositura de ação civil pública, como ora se faz. Pelo que prevê a Lei 7.347/85, ajuíza-se ação civil pública quando se intenta a responsabilização das rés por danos morais e patrimoniais causados aos objetos de proteção jurídica elencados pelo art. 1, dentre os quais se encontra, em seu inciso II, o consumidor. Para propor a ação a que aqui se alude, dispõe a Lei 7.347/85 sobre os órgãos que estão legitimados a fazê-lo, acompanhando a Constituição Federal, de forma expressa, ao também atribuir a função ao Parquet: Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Na ocorrência de situação aflitiva aos interesses e direitos dos consumidores, bem como de ofensa ao patrimônio público, a Lei 8.078/90 admite a possibilidade de apreciação da questão em juízo (art. 81), 11

sendo possível ao Ministério Público motivar o Judiciário para tanto, conforme o disposto no art. 82, I, do referido Código de Defesa do Consumidor. 2 - O PAPEL FISCALIZATÓRIO E REGULATÓRIO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR E O DESCUMPRIMENTO DA LEI 9.961/2000 A Agência Nacional de Saúde Suplementar tem como missão institucional a promoção da defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País, conforme dispõe o art. 3º da lei 9.961/ 2000, que, com base no artigo 197 da Constituição Federal, criou a Agência: Art. 3º A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País. entre as competências da ANS, in verbis: Para viabilizar a concretização de tais tarefas, estão Art. 4º Compete à ANS: (...) XVII autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, de acordo com parâmetros e diretrizes gerais fixados 12

conjuntamente pelos Ministérios da Fazenda e da Saúde. XVIII expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômicofinanceira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões. XXIII - fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento; (...) XXIX fiscalizar o cumprimento das disposições da Lei n.º 9.656, de 1998, e de sua regulamentação; (...) XXXVI - articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990; (...) XXXIX celebrar, nas condições que estabelecer, termo de compromisso de ajuste de conduta e termo de compromisso, e fiscalizar os seus cumprimentos (...). A Agência, no exercício de sua função regulatória, editou, em 07 de maio de 2004, a Resolução Normativa n.º 74, já referida acima, que estabeleceu critérios para o reajuste das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência suplementar à saúde, no período de maio de 2004 a abril de 2005, dispondo em seus artigos 3 o e 4 o o seguinte: 13

Art. 3 o Os contratos individuais de planos privados de assistência à saúde celebrados anteriormente à vigência da Lei n.º 9.656, cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice a ser utilizado para reajustes das contraprestações pecuniárias e sejam omissos quanto ao critério de apuração e demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, DEVERÃO ADOTAR O PERCENTUAL LIMITADO AO REAJUSTE ESTIPULADO NESTA RESOLUÇÃO. Art. 4 o O REAJUSTE MÁXIMO a ser autorizado pela ANS para o período de que trata essa resolução SERÁ DE 11,75% (onze inteiros e setenta e cinco centésimos por cento). (grifos nossos). Na vigência dessa Resolução, a Agência Nacional de Saúde Suplementar firmou 260 (duzentos e sessenta) Termos de Compromisso de Ajuste de Conduta. Dentre eles, 101 (cento e um) foram celebrados com a AMIL, 46 (quarenta e seis) com a BRADESCO SAÚDE, 30 com a GOLDEN CROSS, 03 (três) com a ITAUSEG, e 80 (oitenta) com a SUL AMÉRICA (doc. 11) da ANS, as empresas se comprometeram a: Nos TCACs, seguindo o disposto na Resolução n.º 74 I - CESSAR A APLICAÇÃO DE PERCENTUAIS DE REAJUSTES DAS CONTRAPRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS SUPERIORES A 11,75% (onze virgula setenta e cinco por cento), para todos os contratos individuais firmados até 01.01.1999 e não 14

adaptados à Lei n.º 9.656, de 1998, durante o período compreendido entre junho de 2004 e maio de 2005, conforme aniversário dos respectivos contratos; II promover a imediata REDUÇÃO DOS PERCENTUAIS APLICADOS, ADEQUANDO-SE AO PERCENTUAL DE 11,75% (onze virgula setenta e cinco por cento) o reajuste anual das contraprestações pecuniárias. Porém, em atitude contraditória e injustificável, a Agência Nacional de Saúde Suplementar resolveu celebrar os Termos de Compromisso n.º 01, 02, 03, 04 e 05 com as cinco empresas rés, fundamentando-se no inciso XXXIX do artigo 4 o, já transcrito acima, e no artigo 29-A da Lei 9.961/2000, que dispõe o seguinte: Artigo 29 A - ANS poderá celebrar com as operadoras termo de compromisso, quando houver interesse na implementação de práticas que consistam em VANTAGENS PARA OS CONSUMIDORES, com vistas a assegurar a manutenção da qualidade dos serviços de assistência à saúde. 1 o. O termo de compromisso referido no caput NÃO PODERÁ IMPLICAR RESTRIÇÃO DE DIREITOS DO USUÁRIO (grifos nossos). 15

dispositivos: Os TCs contaram, entre outros, com os seguintes Considerando:... - a necessidade de definir e informar, de forma clara e adequada, os critérios, conceitos técnicos e parâmetros para apuração do índice de reajuste financeiro anual com base na variação do custo médico-hospitalar VCMH CLÁUSULA PRIMEIRA DOS COMPROMISSOS Para dar exato cumprimento às diretrizes gerais estabelecidas pela ANS para o setor de saúde suplementar, as partes comprometem-se a: I ) A SEGURADORA ESPECIALIZADA EM SAÚDE: a) cumprir todos os compromissos estabelecidos na Cláusula Segunda dos Termos de Ajuste de Conduta, constante do anexo, firmados em 20 de dezembro de 2004; b) aplicar o índice de reajuste financeiro anual com base na Variação de Custos Médico-Hospitalares VCMH, a ser apurado e aprovado pela ANS, bem como o eventual resíduo, referente ao reajuste aplicado no período de 2004 a 2005 a ser autorizado pela ANS, na forma, do disposto na alínea a do item II da Cláusula Primeira, a todos os contratos firmados individualmente até 1º de janeiro de 1999 e não adaptados à Lei 9.656 e cujas cláusulas de reajuste não prevejam índices claros e explícitos (IGPM, 16

IPCA, ou qualquer outro divulgado publicamente e que ainda esteja em vigor) Como Vossa Excelência pode verificar, tanto os dispositivos da Resolução Normativa como as cláusulas dos Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, aos quais os próprios TCs se referem, são absolutamente claros, no sentido de limitar os índices de reajuste do período de 2004/2005 ao percentual máximo de 11,75%. Não há, portanto, a necessidade alguma de se definir e informar, de forma clara e adequada, os critérios, conceitos técnicos e parâmetros para apuração do índice de reajuste anual.... Não se pode compreender também o que levaria as partes a assinarem um termo no qual se previa um limite máximo de reajuste e outro no qual se dá à outra o poder de escolher o índice que quiser sem respeitar limite algum. É algo inconcebível, ainda mais quando se está tratando de interesses tão importantes como o de consumidores vítimas de abuso, e mais do que isso, pessoas que correm risco de vida por não terem condições de manter planos de saúde com mensalidades que aumentam muitíssimo acima das taxas de inflação. Além disso, os TCs não respeitaram o disposto no artigo 29-A da Lei 9.961/2000, pois trouxeram desvantagens para os consumidores que, de uma situação em que se viam com contratos submetidos a reajustes de 11,75% (de maio de 2004 a abril de 2005), passaram a sofrer com um aumento superior a 25%, sendo obrigados, sem motivo algum, a pagar um residual pelo período em que o percentual de 11,75% foi utilizado, como se este percentual 17

tivesse sido cobrado de forma incorreta, quando, na verdade, ele havia sido aceito pelas empresas ao assinarem os TCACs. Mesmo após ter celebrado os Termos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar baixou nova Resolução, identificada pelo n.º 99, de 27 de maio de 2005, na qual manteve regras semelhantes às presentes na Resolução 74, mudando, além do período regulamentado, que vai de maio/2005 a abril/2006, apenas o percentual limite de reajuste dos contratos, o qual veio a se reduzir a 11,69%, conforme se verifica a seguir: Art. 3 o Os planos privados de assistência à saúde contratados por pessoas físicas celebrados anteriormente à vigência da Lei n.º 9.656, cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice a ser utilizado para reajustes das contraprestações pecuniárias e/ou sejam omissos quanto ao critério de apuração e demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, deverão adotar o percentual limitado ao reajuste estipulado nesta Resolução. Art. 4 o O reajuste máximo a ser autorizado pela ANS, para o período de que trata esta Resolução, será de 11,69% (onze inteiros e sessenta e nove centésimos por cento), para os planos que apresentem uma ou algumas das segmentações ambulatorial, hospitalar, obstetrícia, com ou sem cobertura odontológica, e referência, conforme o previsto nos incisos I a IV do art. 12 da Lei n.º 9.656/98. 18

O que se verificou foi o total desrespeito à lei, uma vez que os compromissos firmados previram cláusulas pelas quais as operadoras de planos de saúde suplementar ficariam livres para escolher o reajuste e o conseqüente resíduo que seriam cobrados das pessoas que haviam celebrado contratos anteriormente à vigência da Lei 9.656/98, enquanto a Agência comprometeu-se a aceitar a opção das empresas. Em síntese, a Agência Nacional de Saúde Suplementar agiu ilegalmente, ofendendo o disposto no artigo 29-A da Lei n.º 9.961/2000, a qual regula a própria Instituição, e as Resoluções Normativas 74 e 99 editadas por ela mesma. Com isso, não resta outra alternativa senão a anulação judicial desses Termos. 3 DO DESVIO DE FINALIDADE VERIFICADO NA ATUAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR Se não bastasse a ilegalidade praticada pela Agência ao assinar os Termos de Compromisso combatidos na presente inicial, é importante se ressaltar que a Agência, após ter mostrado uma atitude de descontentamento com a ação das operadoras de planos de saúde em face dos consumidores, com base na decisão liminar do E. STF, passou a trabalhar a favor dessas mesmas empresas. Nesse aspecto, é importante transcrever os bens lançados argumentos do Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da 5 o. Região, Dr. Francisco Cavalcanti, em sede de recurso de suspensão de medida liminar (doc. 19): 19

A doutrina cunhou a expressão captura para indicar a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para setores empresariais regulados. A captura configura quando a agência perde a condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos os seguimentos empresariais regulados. A captura da agência se configura, então, como mais uma faceta do fenômeno de distorção de finalidades dos setores burocráticos estatais. A questão já deixou de ser de exclusivo debate na doutrina, passando aos meios jornalísticos: É patente, no caso, a falta de sensibilidade da entidade (Associação Brasileira das Agências Reguladoras) para um problema de maior gravidade, que foi amplamente explorado em reportagem do Jornal Correio Brasiliense, de 13 de março de 2005, que destaca os resultados de pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que demonstra que a insatisfação da população com as agências reguladoras é evidente. Segundo a reportagem, o Idec finalizou um estudo sobre as queixas dos consumidores sobre esses órgãos nos últimos cinco anos. Encabeçam a lista de reclamações a Agência Nacional de Saúde (ANS), a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), o Banco Central (BC) e a Agência 20

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) (grifos nossos). No caso em tela, é patente a defesa de interesses privados pela ANS, uma vez que a Agência Nacional de Saúde Suplementar, embora tenha sido criada com vistas a proteger os consumidores que se encontram, por óbvio, em situação de hipossuficiência em relação às empresas de planos de saúde, houve por bem tomar uma medida completamente desfavorável aos consumidores, deixando as operadoras rés adotarem o reajuste que bem entenderem. Trata-se de uma distorção, pois a Agência Nacional de Saúde, criada com vistas a limitar o poder das empresas em face dos consumidores dos planos de saúde suplementar, está se submetendo à força do mercado, ao invés de controlá-lo. Os motivos que levaram à criação da Agência exigem dela uma postura forte e atuante para fazer frente a essas empresas que buscam apenas explorar os consumidores, desrespeitando frontalmente o Código de Defesa do Consumidor. Não foi observado, em momento algum pela ANS que, embora executados por empresas privadas, os serviços de saúde possuem relevância pública, conforme estabelece o artigo 197 da Constituição Federal. Por essa razão, é imperativa a atuação dos Poderes Públicos com o objetivo de impedir os abusos das operadoras. 21

Isso impede que o Estado, sob a alegação da garantia da livre iniciativa, deixe à mercê da vontade de grandes grupos econômicos (cujo interesse precípuo é o lucro), a vida e a saúde de uma grande parcela da população, conforme se verifica no caso em tela. Diante de tal situação, resta a pergunta: para que serve a Agência Nacional de Saúde Suplementar, se ela está permitindo às empresas cobrarem o que elas querem no que se refere às mensalidades dos planos de saúde? Isso exige a pronta intervenção deste Poder Judiciário, com vistas a combater a ilegalidade que vem sendo praticada pela Agência ré, ao assinar os Termos de Compromisso 01, 02, 03, 04 e 05, e ao elaborar a Resolução Normativa 106/2005, editada, como vimos, com o único objetivo de dar aparência de legalidade aos termos celebrados, e legitimar a assinatura de outros termos semelhantes. 4 - DA FALTA DE CRITÉRIO DO ÍNDICE UNILATERALMENTE ADOTADO PELAS EMPRESAS Se não bastassem todos os abusos e ilegalidades relatados, convém acrescentar que os reajustes e a cobrança de valores residuais em face desses consumidores, com base nos Termos, ofendem de forma direta os princípios esculpidos no Código de Defesa do Consumidor. As cláusulas de reajustes e de cobrança de resíduos impostos pelas empresas co-rés, com anuência da co-ré ANS, são abusivas, conforme preceitua o CDC, devendo ser veementemente rejeitadas e invalidadas pelo sistema de proteção ao consumidor, não podendo, as operadoras de planos 22

de saúde, valerem-se dessas cláusulas nulas para impor aumentos desproporcionais aos seus respectivos clientes. Elas são, portanto, nulas de pleno direito, na medida em que permitem a mudança de preço, unilateralmente, pela operadora do plano de saúde, deixando em franca e exagerada desvantagem o consumidor, conforme fica claro pela leitura do artigo 51, inciso X, do CDC. Essa mudança unilateral acaba realmente ocorrendo, pois o aumento dos custos médicos e hospitalares não é, em momento algum, apresentado ao consumidor, ficando ao livre critério e arbítrio das empresas co-rés dizerem qual o índice que melhor lhes aproveita. Ao ser questionada sobre em que consistiria o índice de reajuste financeiro calculado com base na Variação dos Custos Médico- Hospitalares VCMF, e sobre como ele seria calculado (doc. 20), a ANS forneceu informações em que se verifica não haver critérios controláveis desses custos por parte da Agência (doc. 21), conforme se observa pela transcrição a seguir: A variação dos custos médicos- hospitalares VCMH, que serviu de base para o reajuste de parte dos planos privados celebrados anteriormente à 1.º de janeiro de 1999, conforme o disposto no item a do termo de compromisso, representa a variação do custo assistencial apurada com base nos parâmetros estabelecidos pela Resolução Normativa RN n.º 74/2004, excluída a variação nas despesas não assitenciais observadas no período.... 23