A prisão domiciliar da ex-primeira dama do Rio de Janeiro

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Transcrição:

A prisão domiciliar da ex-primeira dama do Rio de Janeiro Nesta semana foi noticiada a decisão da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao analisar o mandado de segurança, ajuizado pelo Ministério Público Federal, com pedido liminar, contra a decisão do d. magistrado titular da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que havia convertido a prisão preventiva de Adriana Ancelmo em domiciliar, nos termos do artigo 318, inciso V, do Código de Processo Penal. Em um primeiro momento, o referido Tribunal revogou a aludida conversão e determinou que Adriana retornasse à prisão. Todavia, horas após esta decisão, o mesmo Tribunal, por meio de um dos desembargadores responsáveis pela análise da questão, optou por esperar a oposição de embargos infringentes (recurso cabível contra decisão não unânime de um julgamento colegiado) para, então, decidir de forma plena sobre o pedido do Ministério Público 1. Sem adentrar no mérito do caso concreto, uma vez que, para tanto, faz-se necessária a consulta aos autos do processo, destacam-se importantes inovações legislativas que, justamente pela novidade, ainda não possuem uma uniformização de entendimento, seja na doutrina, seja nos tribunais. Prima facie, destaca-se o Estatuto da Primeira Infância, que integrou o ordenamento jurídico por meio da Lei 13.257, de 8 de março de 2016, e que trouxe diversas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código de Processo Penal e, inclusive, da Consolidação das Leis do Trabalho. Restringindo-se ao objetivo do presente estudo, destaca-se, apenas e tão somente, a importante inovação que esta lei trouxe ao artigo 318 do Código de Processo Penal: Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; 1 http://www.jb.com.br/rio/noticias/2017/04/26/desembargador-volta-atras-e-adriana-ancelmo-retorna-paraprisao-domiciliar/?from_rss=rio

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. Inicialmente, é imperioso destacar que a primeira infância é caracterizada pelo período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos de vida da criança. Mas este período é móvel para a fundamentação do estatuto, sendo certo que a alteração do Código de Processo de Penal é mais profunda, posto se preocupar com o desenvolvimento completo da criança (até 12 anos de idade, incompletos) que, sempre que possível, dependa da presença de ambos os pais, ou ao menos um deles, na falta do outro. Sendo assim, o legislador, preocupando-se com a situação de vulnerabilidade da criança, com a proteção infantil, dentre outros elementos fundamentais, achou por bem prever uma hipótese em que a mãe, ou o pai, de crianças que deles dependam, tenham convertidas a prisão preventiva em domiciliar, a fim de que tais preceitos sejam cumpridos. Mas, diante desta nova hipótese de prisão domiciliar, não há como deixar de lado o relevante questionamento: é um direito público e subjetivo do preso? Ou uma faculdade do magistrado? E, mais: será esta uma via de escape para as prisões preventivas, podendo gerar uma insegurança pública, na medida em que a existência de filhos menores, por si só, já garantiria ao acusado sua prisão domiciliar?

Como já exposto, tratando-se de uma inovação legislativa, não há um consenso sedimentado na doutrina e, menos ainda, nos tribunais, pois somente agora os casos começam a ser analisados, pelas instâncias superiores, em maior volume e em variedades de casos concretos. Como já proclamava Norberto Bobbio, os direitos não nascem de uma só vez. Nascem quando podem ou quando devem nascer. De qualquer modo, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu, por diversas vezes, que o fato isolado de uma mulher possuir uma criança, não torna obrigatória a conversão da preventiva em domiciliar, sendo que esta circunstância precisa, necessariamente, ser analisada com as demais particularidades do caso concreto. Este entendimento parece ser razoável com o sistema penal, pois é certo que o desenvolvimento da criança é um direito fundamental. Todavia, a prática de determinados crimes, cuja gravidade atinja o âmago social, pode ensejar a restrição cautelar da liberdade do acusado, sem que isso prejudique os demais direitos. Até porque, quando do cometimento da infração, pode perfeitamente o acusado não ter se preocupado com seus filhos menores, tudo em nome da vantagem ilícita que se busca, a qualquer preço, em prejuízo, é claro, do bem social. Não há como se olvidar das organizações criminosas que, a cada dia, são reveladas e, que, como um predador incansável, desviam recursos públicos de todas as origens, causando prejuízos incontáveis para toda a população, inclusive para as inúmeras pessoas que possuem proteção integral e que estão em especial estágio de desenvolvimento: as crianças de todo o país, que dependem da rede pública de ensino, de saúde, de transporte etc. Sendo assim, importante destacar o voto do e. Desembargador Paulo Espírito Santo, que salientou que a acusada é copartícipe desses crimes. E nunca se preocupou com os filhos ao cometer os delitos que lhe são imputados. Não posso dispensar a ela tratamento diferente do que é dado às demais presas deste país." Portanto, se mostra razoável e proporcional que sejam analisadas todas as circunstâncias do caso concreto, não devendo haver uma norma

rígida para todos os casos, de modo uniforme, pois cada situação pode ensejar uma medida distinta e, assim, especialmente justa. O Direito é justamente o instrumento adequado para encontrar a justa medida, de acordo com a sentença romana. Ou seja, há casos em que, de fato, a prisão da mãe ou do pai, deixando seu filho menor à deriva na sociedade, pode ensejar a aplicação da medida processual da conversão em prisão domiciliar, pois a situação concreta, demonstrada nos autos, assim demanda. A intenção do legislador é conferir tutela maior ao vulnerável. Agora, é preciso reconhecer que há situações, excepcionais, que ensejam a segregação cautelar do(s) pai(s) (ou da mãe), não podendo a mera existência de filhos menores ensejar, de modo automático, a conversão em debate. Em verdade, como é sabido, o princípio da isonomia material exige que o intérprete leve em consideração as diferenças e peculiaridades existentes em cada situação fática, para que então se possa atingir o equilíbrio nas relações jurídicas. Virtus in medio, já advertia Aristóteles. Ora, ainda que o desenvolvimento da criança seja um direito fundamental, é fato que, diante de alguns acusados, que possuem uma estrutura familiar adequada, com a estabilidade proveniente de lucros obtidos com operações ilícitas, pelo menos é o que se perquire no processo instaurado, não há que garantir a prisão domiciliar, a menos que seja de fato, necessária. Nesse sentido, ainda que não se tenha consulta aos autos do processo, destaca-se a manifestação da i. representante do Ministério Público Federal, veiculada na imprensa: A representante do MPF citou um laudo psicológico que consta nos autos do processo. O documento indica que, após a prisão de Adriana, as crianças afirmaram categoricamente "sentir falta dos deliciosos finais de semana em Mangaratiba em referência à mansão da família em um

condomínio de luxo na cidade da Costa Verde fluminense. "A lei não foi feita para cumprir essa carência", opinou ela. 2 Mais uma vez, questiona-se se a proteção, ensejada pela lei, deve abarcar toda e qualquer situação em que envolva a existência de crianças, filhas dos acusados? Não parece ser esta a mens legis. De qualquer modo, o debate deve ser incentivado, para que então decisões mais justas possam socorrer aos que, de fato, se encontrem em situação de desamparo dos pais, presos preventivamente e que não possuem qualquer condição, econômica, social, fática, de poder continuar a zelar pelo desenvolvimento de suas crianças. Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp. Antonelli Antonio Moreira Secanho é assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP. 2 Veja mais em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/04/26/mulher-de-cabralpermanece-em-prisao-domiciliar-ate-julgamento-de-recursos.htm?cmpid=copiaecola