Nas Fronteiras da Argumentação

Documentos relacionados
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

ESTUDO INTRODUTÓRIO PARTE I DISCURSO E ARGUMENTAÇÃO

SERIA A TEORIA DISCURSIVA DE ROBERT ALEXY UM MODELO PÓS-POSITIVISTA? Resumo ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1006

PLANO DE ENSINO DE GRADUACÃO Curso Semestral Disciplina INTERPRETAÇÃO E ARGUMENTAÇÃO. Período 4º Período. Eixo de Formação Fundamental

REGRAS, PRINCÍPIOS E POLÍTICAS EM RONALD DWORKIN

SÍNTESE DA PALESTRA MINISTRADA POR ROBERT ALEXY NO AUDITÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PORTO ALEGRE RS, EM 06 DE NOVEMBRO DE 2013

Dircurso Prático e Discurso Jurídico

PROVA COMENTÁRIO. Questão não passível de recurso. Fundamento do gabarito: art. 52, inciso I, CF. Questão não passível de recurso.

1ª Fase PROVA OBJETIVA FILOSOFIA DO DIREITO

COLEGIADO DO CURSO DE DIREITO Autorizado pela Portaria no3.355 de 05/12/02-DOU de 06/12/02 PLANO DE CURSO

Teoria da Decisão Judicial em tempos de Neoconstitucionalismo: o necessário controle do ativismo judicial no Estado de Direito 1

5 Conclusão. Martins Fontes, 2007, pp DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. 2ª ed.

1. Quanto às afirmações abaixo, marque a alternativa CORRETA : I O direito é autônomo, enquanto a moral é heterônoma.

UNIDADE V PARADIGMAS PARA UMA NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL. 1. Perguntas e respostas dos questionamentos para aprofundamentos e fixação (Modelo)

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL I. Marcelo Leonardo Tavares

Turma e Ano: 2016 Matéria / Aula: Hermenêutica Constitucional / Princípios Constitucionais Professor: Marcelo Tavares Monitora: Kelly Silva.

FRANK SILVA DE MORAIS

PLANO DE ENSINO DE GRADUACÃO Curso Semestral Disciplina INTERPRETAÇÃO E ARGUMENTAÇÃO Curso Graduação. Período 4º Período

2 CAPÍTULOS DE OBRAS A SEREM ABORDADOS:

PROVA DAS DISCIPLINAS CORRELATAS TEORIA GERAL DO DIREITO

Hermenêutica e humanização:

Parte I Filosofia do Direito. Teoria Geral do Direito e da Política

Turma e Ano: 2016 Matéria / Aula: Hermenêutica Constitucional / A Visão Positivista da Hermenêutica Professor: Marcelo Tavares Monitora: Kelly Silva

DIREITO CONSTITUCIONAL

Interpretação da Constituição

PROGRAMA DE DISCIPLINA

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

PROGRAMA DE DISCIPLINA

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DISCURSO COTIDIANO NO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER

AULA 03 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS PREFÁCIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO... 21

PARTE I O CONTROLE DA LEGALIDADE NA TRADIÇÃO DO CIVIL LAW

STJ A NOVA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas

FILOSOFIA. DISCIPLINA: História da Filosofia Antiga

DIREITO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO UNICEUB Professor LUÍS ROBERTO BARROSO

MAIS DO QUE LER, É FAZER PENSAR

Matrizes teóricas do pensamento jurídico

Resenha. Heidegger y la Genealogía de la Pregunta por el Ser Una articulación temática y metodológica de su obra temprana

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROJETO DE PESQUISA: O DISCURSO JUSFUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO DIREITO COMPARADO

FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA

TEORIA DO DIREITO E DECISÃO JUDICIAL

ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

Pós-Graduação On-Line Tema: Validade, vigência, eficácia e interpretação no Direito Tributário

O conceito e a natureza

Aula 10 PLURALISMO JURÍDICO E EXERCÍCIOS

Apresentação. Fernando Rodrigues*

O PROBLEMA DA VALIDADE DO DIREITO: Uma comparação entre o Positivismo Jurídico stricto sensu e as teorias moralistas

LÚCIO ANTÔNIO CHAMON JUNIOR Professor em Belo Horizonte. Doutor em Direito Constitucional e Mestre em Ciências Penais pela UFMG

FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FACULDADE DE DIREITO Credenciada pela Portaria MEC n.º 3.640, de 17/10/2005 DOU de 20/10/2005.

Marcelo Carita Correra

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

'LUHWUL]HVSDUDDOHLWXUDDQáOLVH HLQWHUSUHWDçmRGHWH[WRV

Brito, Adriano Naves de (Org.). Ética: questões de fundamentação. Brasília: UnB, páginas.

O PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO-APLICAÇÃO DO DIREITO

A Modernidade e o Direito

A BUSCA POR UMA COMPREENSÃO UNITÁRIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS THE SEARCH FOR AN UNITARY UNDERSTANDING OF FUNDAMENTAL RIGHTS

2.2 As dificuldades de conceituação da Ciência do Direito

HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO Da construção à explicitação da resposta correta

A ilusão transcendental da Crítica da razão pura e os princípios P1 e P2: uma contraposição de interpretações

constitucionais complexas, antes nos limites da esfera pública política e agora travado na esfera pública judicial, pressupondo-se que as decisões

Dignidade Humana e Justiça Social

Resumo expandido: Ativismo e Protagonismo Judicial

O conceito de liberdade na filosofia constitucional de robert alexy como garantia do direito político à mesma

A crítica analítico-lingüística de E. Tugendhat à noção de comportamento consigo mesmo de Heidegger

INTRODUÇÃO 12.º ANO ENSINO SECUNDÁRIO FILOSOFIA A APRENDIZAGENS ESSENCIAIS ARTICULAÇÃO COM O PERFIL DOS ALUNOS

Pensando a filosofia, o direito e a política de forma crítica.

Agradecimentos... Prefácio... XVII Considerações Introdutórias... XXI

Sistema Jurídico de Regras e Principios

Sumário. Introdução... 31

Direito Constitucional

Nas Fronteiras da Argumentação

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA ESTUDO ACERCA DO MOVIMENTO POSITIVISTA E PÓS POSITIVISTA

DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Relatório Perfil Curricular

O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL E SUA RELAÇÃO COM A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS 1. Renata Maciel 2.

Redação. O assunto é mais abrangente; o tema, por sua vez, é a delimitação de um aspecto a ser trabalhado.

Curso de Metodologia da Pesquisa em Ciências da Vida. Como se faz uma Tese em Ciências da Vida

CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA VICE-REITORIA ACADÊMICA. DISCIPLINA Teoria da Constituição e Organização do Estado

Husserl, Heidegger e a

RESENHA CRÍTICA. OBRA RESENHADA: POLANYI, Karl. A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, p. 23 cm.

APLICAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PÓS-POSITIVISMO: RUPTURA OU CONTINUIDADE DE VELHOS PARADIGMAS?

Jurisprudência dos Princípios

1 INTRODUÇÃO. Palavras-Chave: Constituição Federal de Implementação. Educação em Direitos Humanos. Escola.

1 Introdução. 1.1 Delimitação do objeto e hipótese de investigação

INTRODUÇAO AO ESTUDO DO DIREITO

FUNDAMENTOS ONTOLÓGICOS DA CIÊNCIA HISTÓRICA EM SER E TEMPO

Turma e Ano: Matéria / Aula: Professor: Monitora: Aula 02

O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS À LUZ DA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL DE RONALD DWORKIN

O NACIONALISMO CORPORATIVISTA DE CAIO PRADO JÚNIOR

A CONCEPÇÃO INTERPRETATIVA DE RONALD DWORKIN: UMA ABORDAGEM PÓS-POSITIVISTA SOBRE A TUTLEA JURÍDICA DO EMBRIÃO HUMANO EXTRACORPÓREO

PLANO DE ENSINO. CURSO: MESTRADO EM DIREITO Semestre: CARGA HORÁRIA SEMESTRAL AULAS SEMANAIS 1. DISCIPLINA PERº

CRÍTICA DE HEIDEGGER A DESCARTES

NOTAS DE AULA CONSTRUÇÃO DO MARCO TEÓRICO CONCEITUAL 1

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO... 7 PREFACIO... ',...,...,...,...,...,... 9 NOTA DOS AUTORES...,... ".. "... "... " "... 11

Coordenador ALEXANDRE STURION DE PAULA Advogado. Especialista em Direito do Estado pela UEL.

O ELEMENTO HERMENÊUTICO NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Apresentação do curso. Prof. Marcos Vinicius Pó Introdução às Humanidades e Ciências Sociais

Transcrição:

COLEÇÃO HERMENÊUTICA, TEORIA DO DIREITO E ARGUMENTAÇÃO Coordenador: Lenio Luiz Streck Rafael Giorgio Dalla Barba Nas Fronteiras da Argumentação A Discricionariedade Judicial na Teoria Discursiva de Robert Alexy 2017

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO Em tempos difíceis de confrontação entre o positivismo jurídico e constitucionalismo, surge como grande desafio para a teoria do Direito estabelecer quais posturas respondem suficientemente à complexidade deste fenômeno. Naquilo que representa essa problemática no contexto de uma sociedade tempestuosa e carente de concretização de direitos como a brasileira, as perguntas que de imediato se apresentam deslocam os olhares para os pilares que sustentam a estrutura jurídica da qual fazemos parte. O problema surge precisamente nessa distância irremediável entre palavras (nomos) e coisas (physis) que inexoravelmente nos remete à nossa condição humana de estarmos desde-sempre condenados a interpretar. É exatamente nesse ambiente que a discussão sobre a concretização do Direito e a complexidade social encontra seus pontos de contato na medida em que se implicam e se contrapõem reciprocamente. Com a pretensão de desvelar alguns dos elementos que permeiam essa difícil problemática que atinge o fenômeno da teoria do Direito contemporânea, este texto traz uma breve reconstrução daquilo que se denominou de juspositivismo ou positivismo jurídico, entendendo-o não como uma corrente do pensamento jurídico uniforme e homogênea no transcorrer do tempo, mas que admite ao menos duas posições diametralmente distintas no que concerne à questão da interpretação. Entretanto, a falta de consideração dessa circunstância consiste em um dos fatores pelos quais as teorias que surgiram com o objetivo de superar os problemas deixados pelo juspositivismo apresentem propostas que acabam incorrendo nos mesmos equívocos que este já mostrara.

16 NAS FRONTEIRAS DA ARGUMENTAÇÃO Trata-se, em verdade, das teorias denominadas neoconstitucionalistas, que, na tentativa de superar o juspositivismo, limita-o somente à sua versão primitivo-exegética, não considerando sua segunda faceta. É justamente essa desconsideração do neoconstitucionalismo quanto à característica camaleônica do juspositivismo que o impede de superá-lo na sua completude. Com efeito, a tese do neoconstitucionalismo tem como alicerce metodológico as sofisticadas teorias discursivas importadas de Robert Alexy, jusfilósofo alemão que se destaca pelo seu pensamento sistemático que incorpora em seu conceito de Direito elementos axiológico-corretivos articulados em um complexo procedimentalismo argumentativo. Não obstante o alto rigor metodológico que apresenta Alexy em seu pensamento, a circunstância que o faz introduzir aspectos valorativos quantificados a partir de uma refinada estrutura procedimental não lhe permite derrotar o problema da discricionariedade interpretativa. Não obstante, a grande discussão no que diz respeito ao problema da discricionariedade judicial não surge no pensamento de Alexy a partir do vazio, mas faz parte e se insere em um caminhar histórico da teoria do Direito preocupada em enfrentar as máculas das teorias positivistas, principalmente a respeito da complexa relação entre o Direito e a Moral. Por essa razão, as teses do professor alemão além de incorporadas pelo neoconstitucionalismo como seu grande aporte teórico aparecem no cenário jurídico como contraponto ao juspositivismo, paradigma jurídico que, não obstante, comporta mais de uma fisionomia. Assim, a temática sobre a questão da interpretação do Direito se limita, primeiramente, a uma breve recondução do fenômeno interpretativo no campo jurídico desde a época das velhas codificações novecentistas, apresentando as peculiaridades próprias do paradigma positivista em cada um dos três países onde se manifestara (França, Inglaterra e Alemanha). Respeitando-se os aspectos particulares de cada experiência, é possível detectar uma característica comum a todas elas: o caráter altamente restritivo da interpretação dos textos jurídicos, retendo o Poder Judiciário como personagem com atuação extremamente contraída.

Capítulo 1 INTRODUÇÃO 17 Mas o positivismo jurídico, como já ressaltado, não pode ser compreendido como um paradigma que se apresente de modo homogêneo e regular durante o transcorrer dos últimos séculos. Pelo contrário: naquilo que concerne à interpretação jurídica, o juspositivismo se apresenta drasticamente diferente no século XX em relação aos modelos teóricos anteriores. Nesse segundo momento, a discricionariedade torna-se característica central das práticas jurídicas, uma vez que a interpretação do Direito passa a ser considerada como um ato de vontade. Para além das posturas juspositivistas, com o advento das novas constituições no transcorrer do século XX em grande parte dos países do mundo ocidental, a teoria do Direito foi desafiada a dar respostas adequadas a esse novo paradigma jurídico. É nessa perspectiva que surge o neoconstitucionalismo e a sua aposta nas teorias já formuladas por Robert Alexy, tendo em vista que os primitivos métodos de interpretação do juspositivismo do século XIX já não eram capazes de responder satisfatoriamente ao Direito agora construído sob as bases de Constituições compromissórias e dirigentes (Canotilho). Neste cenário jurídico entram as pesquisas que proporcionaram a demonstração de que as teses oferecidas por Robert Alexy tomadas como referencial teórico fundamental do neoconstitucionalismo não apresentam uma resposta satisfatória para a questão da discricionariedade interpretativa que já se fazia presente no juspositivismo, corrente que justamente pretendem superar. Essas investigações situam-se na perspectiva da relação que se coloca entre a posterioridade da leitura de determinado texto e os elementos de avaliação e decisão do intérprete que sobre ela se antecipam, possibilitando a introdução daquilo que Harold Bloom vai chamar de desleitura. 1 A desleitura de que refere Bloom não se limita apenas a um ato de escolha, mas faz parte de uma originalidade que tem pela frente o problema trazido pelo texto que se pretende interpretar 1. BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Tradução de Thelma Médici Nóbrega. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 15.

18 NAS FRONTEIRAS DA ARGUMENTAÇÃO a partir de outros à procura de uma reavaliação. Por essa razão, a desleitura se trata também de uma atividade filosófica que traduz um caráter especulativo na medida em que o texto lido precursoramente passa a aparecer, então, sob uma nova forma de sentido. Assim, o propósito de desler a problemática sobre o contexto histórico entre juspositivismo e suas correntes jurídicas subsequentes que carregaram as propostas teóricas de Alexy se insere como uma atividade crítica e revisionista em relação aos pressupostos aí tomados, sempre sob o fio condutor do problema da interpretação jurídica. Complementando a temática sobre a desescrita trazida por Bloom de forma percuciente e aguda, Ernildo Stein arremata ser [...] isso que faz com que o texto que nos vem da tradição, com o qual estabelecemos uma relação de leitores e de crítica, seja sempre submetido a uma desleitura. 2 A partir da reconstrução do problema da discricionariedade judicial por meio de uma desleitura deste fenômeno, o objetivo principal deste trabalho se limita a desenvolver uma crítica às propostas de Robert Alexy sob a ótica das matrizes hermenêutico- -fenomenológicas desenvolvidas no transcurso do século XX. Dessa maneira, uma vez que a discussão se volta sobre os pressupostos filosóficos que sustentam tais correntes teóricas, os pontos de impacto entre elas aparecem inexorável e paulatinamente. Desse modo, o pensamento de Alexy é reconstruído de maneira sistemática a fim de inicialmente demonstrar qual a sua posição frente ao conceito de Direito e, subsequentemente, de que forma este se relaciona com a Moral. A partir daquilo que Alexy chamou de pretensão de correção, sua teoria discursiva que irá desenvolver minuciosamente a problemática dos direitos fundamentais e da argumentação jurídica se guiará levando em consideração justamente este pano de fundo. A caracterização da relação entre Direito e Moral passa, em Alexy, a contar como critério precípuo para a sustentação de todo 2. stein, Ernildo. Às voltas com a metafísica e a fenomenologia. Ijuí: Unijuí, 2014. p. 16.

Capítulo 1 INTRODUÇÃO 19 o seu pensamento que se desenvolverá a partir de uma complexa teoria dos direitos fundamentais que, em seu âmago, sustenta-se sob uma teoria dos princípios. Neste ponto Alexy conduz o leitor a uma complexa estrutura analítica engendrada com a finalidade de fundamentar as decisões judiciais em que haveria colisões entre direitos fundamentais, casos em que não seria suficiente a fundamentação que se realiza nos litígios que podem ser tranquilamente resolvidos com a aplicação das demais regras jurídicas. O que o autor apresenta com sua teoria dos direitos fundamentais (que possui em seu núcleo uma teoria dos princípios) é uma metodologia nova de fundamentação das decisões judiciais do Tribunal Constitucional Federal alemão naqueles casos em que os direitos fundamentais entram em colisão uns contra outros. Alexy parte da noção de que os direitos fundamentais não ficam circunscritos aos mesmos pressupostos metodológicos que as meras regras jurídicas, mas exigem uma fundamentação mais abrangente e aprimorada, uma vez que se tratam de normas com conceitos semânticos amplamente abertos. É dessa maneira que os princípios, diferentemente das regras, entram no sistema jurídico de Alexy como normas com roupagem axiológica, aproximando a esfera da Moral e consagrando a tese da pretensão de correção desta sobre o âmbito jurídico. Como acabamento da sua teoria dos direitos fundamentais que incorpora princípios como normas com carga valorativa, Alexy formula uma teoria discursiva que tem como papel principal criptografar os argumentos jurídicos possíveis de serem utilizados no discurso jurídico, que aparece como caso especial do discurso geral prático. As edificações teóricas criadas por Alexy, apesar da alta sofisticação metodológica e da grande sistematicidade de suas teorias discursivas concatenadas sob o alicerce da pretensão de correção que orienta a relação entre Direito e Moral, ensejam uma série de objeções que emergem sob um olhar hermenêutico da conjuntura alexyana. Neste trabalho, as críticas ao pensamento de Alexy são apresentadas de forma analítica com a exposição de cada uma

20 NAS FRONTEIRAS DA ARGUMENTAÇÃO das objeções, mas abordadas com conteúdo calcado sob as bases hermenêutico-fenomenológicas. Dessa forma, é retratada a cisão estrutural entre regras e princípios que se constitui como um dos pilares centrais da teoria dos princípios de Alexy e que serve de modelo para o desenvolvimento de toda a sua teoria dos direitos fundamentais. Em decorrência dessa dicotomia, Alexy traz uma metodologia completamente distinta para cada uma dessas espécies de norma jurídica. A grande maioria dos casos jurídicos é resolvida por meio da simples aplicação silogística das regras jurídicas que válida e eficazmente integram o ordenamento jurídico; entretanto, nos litígios mais complexos, em que entram em disputa direitos fundamentais com o mesmo grau de hierarquia, Alexy resgata os princípios como normas otimizáveis que serão resolvidas em um âmbito gradual através da máxima da proporcionalidade. Desta máxima Alexy tornará possível formular uma lei que servirá como parâmetro para os casos de colisão entre os princípios que traduzem os direitos fundamentais em questão, chamada de lei do sopesamento. Assim, Alexy aponta que esses casos mais complexos não podem ser aplicados mediante processos meramente subsuntivos, mas por meio de uma ponderação entre os princípios divergentes. Neste contexto e sob as bases da hermenêutica aqui trabalhada, busca-se demonstrar que tanto a cisão estrutural entre regras e princípios como a dicotomia metodológica que se manifesta ora mediante subsunção ora como ponderação mostram-se recursos lógicos incapazes de anular a discricionariedade interpretativa do terreno jurídico. Com efeito, também se agrega como finalidade específica a exposição da insuficiência da argumentação jurídica nos moldes que sustenta Alexy como estrutura argumentativa previamente arquitetada para alcançar um discurso racionalizado, tendo em vista que também não satisfaz este resistente obstáculo do controle intersubjetivo da interpretação judicial. Assim, a justificativa deste trabalho encontra lugar na medida em que apresenta um conjunto de críticas à teoria axiológico-

Capítulo 1 INTRODUÇÃO 21 -discursiva de Robert Alexy, denunciando a complexa problemática da discricionariedade interpretativa que não consegue ser extirpada de sua proposta. Contudo, uma ressalva deve ser feita: uma vez que o autor formula sua proposta como teoria para justificar as decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, a questão da discricionariedade interpretativa não é tomada como problemática central em sua obra, mas como fator que nela se aloja. Desse modo, não se trata de uma crítica restrita ao pensamento de Alexy, mas de uma posição tomada que leva em consideração essa circunstância e direciona suas objeções justamente ao problema do arbítrio interpretativo, uma das mais complexas questões para a Teoria do Direito. Da mesma maneira, para fins de delimitação da temática, não se quer abordar o modo como a doutrina pátria importou as teses de Alexy, mas de demonstrar que suas propostas mesmo que incorporadas de forma rigorosa e autêntica não são suficientes para resolver esse árduo problema. Também se não quer afirmar que essa problemática representa um mal em si, mas apontar para um elemento vicioso dentro de um Estado Democrático de Direito sustentado em uma Constituição que, nesta quadra da história, não se limita simplesmente a distribuir competências institucionais aos entes políticos, mas que detém força normativa e prevê um extenso rol de direitos fundamentais e sociais. Por esse motivo, a discricionariedade judicial representa um obstáculo às promessas constitucionais, uma vez que permite ao Poder Judiciário livremente dispor de seus sentidos através de argumentos exógenos ao direito (como a moral individual, a política e a economia), fragilizando o próprio regime democrático. Nesse sentido, as críticas que se direcionam à teoria axiológico- -discursiva de Alexy partem do cenário jurídico brasileiro, tomando como fundamento e ponto de partida a Crítica Hermenêutica do Direito, matriz teórica desenvolvida por Lenio Luiz Streck e compreendida como uma imbricação entre a fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger e a hermenêutica filosófica de

22 NAS FRONTEIRAS DA ARGUMENTAÇÃO Hans-Georg Gadamer, assumindo alguns pontos de contato com a teoria integrativa (law as integrity) de Ronald Dworkin. Nessa perspectiva a filosofia não é trazida como ornamento ou complementação ao Direito, mas como condição de possibilidade para compreender o próprio fenômeno jurídico nas suas vicissitudes e no modo como se desvela.