Marcelo Carita Correra

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1 Marcelo Carita Correra

2 Editor Thiago Regina Projeto Gráfico e Editorial Rebeca Massaro Revisão Marcelo Carita Correra Copidesque Jade Souza Capa Tiago Shima Copyright Viseu Todos os direitos desta edição são reservados à Editora Viseu Avenida Duque de Caxias, Cj 1007 Telefone: contato@editoraviseu.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carita Correra, Marcelo Direito Natural e Propriedade Privada/Marcelo Carita Correra - Maringá: Viseu, 2018 ISBN Direito imobiliário 2. Direito I. Carita Correra, Marcelo II. Título. 3 CDD-346 Índice para catálogos sistemáticos: 1. Direito Imobiliário: Direito 340 Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem a permissão expressa da Editora Viseu, na pessoa de seu editor (Lei nº 9.610, de ).

3 APRESENTAÇÃO & CONTEXTUALIZAÇÃO O presente livro é fruto de um longo processo de reflexão e pesquisa do autor. Desde o início do estudo da ciência do direito, constatei que, muitas vezes, o ensino do conhecimento jurídico é fundamentado em dogmas ou afirmações sem uma fundamentação mais substancial. A existência do Estado e a necessidade de limitação de direitos individuais, por exemplo, são sustentadas na premissa de que o Estado deve organizar a sociedade e, para tanto, pode determinar e limitar direitos e obrigações. Afirma-se, sem a devida demonstração, que o Estado e as leis são essenciais para manutenção da vida em sociedade. Ou seja, adota-se o dogma de que, sem Estado, o ser humano estaria condenado à extinção, em função do inevitável colapso da convivência. Há diversos estudos e pesquisas sobre os limites das normas jurídicas frente à Constituição Federal. Contudo, há relativamente poucos estudos sobre a limitação do Estado e do Poder Constituinte Originário na elaboração da Constituição. O dogma de que o Poder Constituinte Originário seria um poder ilimitado não é enfrentado com a devida profundidade. Qual o real fundamento para a existência do Estado, de uma Constituição escrita, ou mesmo do suposto poder ilimitado do Constituinte Originário? Essas questões são debatidas de forma pouco profunda pela ciência do direito e, quando é possível encontrar estudos sobre o tema, muitas vezes há a apresentação da já conhecida (e superada) dicotomia entre os jusnaturalista e os positivistas. Recentemente, constatou-se afirmações teóricas no sentido de que o Princípio Republicano e o sistema democrático seriam

4 os fundamentos únicos e suficientes para criação dos Estados, das Constituições e, sobretudo, para a limitação aos direitos e criação de deveres. O tema demanda aprofundamento pela doutrina internacional e, sobretudo, pátria. Seria possível fundamentar todo o tipo de limitação a direitos no dogma da democracia? Haveria fundamento para, mediante uma maioria numérica de pessoas, afetar direitos de minorias? Se afirmativo, qual seria o limite dessa intervenção? Todas essas questões demandam estudos aprofundados e, sobretudo, foram fontes de reflexões e estudos no decorrer da minha trajetória na ciência do direito. Na busca de respostas para as questões acima apontadas, me deparei com a natureza jurídica da propriedade privada e sua limitação nos diferentes ordenamentos jurídicos. Há farto material sobre estudos tendo como foco a propriedade privada a partir do texto constitucional; vale dizer, tomando a premissa de que o direito à propriedade privada nasce e é condicionado pelos termos fixados pelo Constituinte Originário. Contudo, a correlação entre propriedade privada e direito natural é, se não inexistente, muito tímida. Nesse contexto, nasceu a ideia do presente livro. Mediante a condensação das pesquisas e das reflexões realizadas pelo autor, foi possível dar o primeiro passo para elaborar uma teoria que permitisse verificar se o direito à propriedade privada pode ser considerado como direito natural e, dessa forma, limitar até mesmo a vontade da maioria e o Poder Constituinte Originário. É esse o tema central que o presente livro busca jogar luz. Houve nítida opção por um texto mais conciso e direto, de forma que o livro não fosse demasiadamente longo, facilitando a leitura e compreensão. Para tanto, optou-se por uma obra com divisão somente em capítulos (sem subdivisões), facilitando a

5 fluidez do texto. O leitor vai constatar que, desde o início, todas as teorias e fundamentos abordados tiveram como foco a propriedade privada. Vale dizer, não se trata de obra que busca tratar de direito natural de forma ampla, mas correlacionar o conceito de direito natural com a propriedade privada. Cabe destacar que a opção por um texto conciso não foi feita em prejuízo da profundidade do estudo, sendo certo que houve diversas citações de doutrinas internacionais e pátrias, bem como de julgados envolvendo casos ocorridos no Brasil e no exterior. O leitor já versado no tema de direitos naturais e direitos fundamentais pode questionar sobre as obras de Robert Alexy. É preciso esclarecer que, na elaboração do presente livro, o citado autor foi objeto de profunda análise, principalmente das seguintes obras: Teoria dos Direitos Fundamentais, Tradução de Vírgulo Afonso da Silva, 2ª edição, 5ª tiragem, São Paulo: Editora Malheiros, 2015 e Princípios Formais e outros aspectos da teoria discursiva do direito, 1ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, Contudo, optou-se por não abordar os ensinamentos de Robert Alexy no presente livro, na medida em que apresentaria um distanciamento do tema proposto. Vale dizer, as teorias desenvolvidas pelo citado professor, especialmente a discricionariedade legislativa para estabelecimento de limitações a direitos, não prejudicam as conclusões obtidas com o presente livro, na medida que focam em limitações a direitos fundamentais e limites legislativos. As teorias não apresentam oposição ao reconhecimento da propriedade privada como direito natural, nos termos aqui propostos. De qualquer forma, é inegável que o citado autor merece estudo aprofundado quando se trata de direito fundamental. Assim, optou-se por desenvolver estudo apartado sobre as teorias de Robert Alexy e os direitos naturais. Esse estudo será objeto de

6 outra obra, focada inteiramente no autor. Por fim, espera-se que a presente obra seja capaz, mesmo que de forma embrionária, de jogar luz sobre a necessidade de aprofundamento dos estudos sobre o direito natural e as limitações ao poder do Estado. Para tanto, optou-se por concentrar o estudo na propriedade privada, demonstrando que referido instituto jurídico não está limitado aos tradicionais ensinamentos do direito civil.

7 INTRODUÇÃO O tema a ser desenvolvido no presente livro trata, primordialmente, da correlação entre a propriedade privada e direito natural. A relevância do estudo se impõe, na medida em que é preciso estabelecer, com precisão, os exatos limites entre a propriedade privada e os poderes conferidos aos entes estatais. Aspecto de maior relevância no desenvolvimento do tema está na necessidade de determinar se o direito à propriedade privada decorre diretamente da Constituição Federal ou se constitui direito natural. Na hipótese de ser considerado como direito natural, serão analisados os efeitos sobre a legislação pátria e, sobretudo, sobre o conceito de soberania. O desenvolvimento do tema proposto demanda o estudo de diversos institutos de direito público, tais como as garantias instituídas pela Constituição Federal para limitar o poder do Estado e os limites do instituto da função social da propriedade privada. A relação entre soberania e direito natural também será objeto de análise. A metodologia envolverá a revisão bibliográfica de autores pátrios e estrangeiros. Haverá análise específica para demonstrar a natureza do direito natural e sua relação com os limites impostos pela Constituição Federal. Será realizado o estudo das construções teóricas de autores estrangeiros sobre direito natural, bem como o estudo de casos concretos envolvendo o direito natural e a relação entre propriedade privada e poderes do Estado. Após a abordagem de todos os institutos, será possível determinar a natureza da propriedade privada, bem como demonstrar a relação direta com o constitucionalismo moderno e a teo- 13

8 ria do direito natural. Por fim, o presente estudo será capaz de estabelecer se a propriedade privada deve ser considerada como direito natural e, dessa forma, se deve ser respeitada pelo Poder Constituinte Originário. 14

9 1. Direito natural A natureza gera a necessidade de convivência entre os seres humanos. A satisfação das mais básicas demandas, sobretudo abrigo e alimentação, aproximou os seres humanos em comunidades. Aristóteles 1 afirma que é evidente que o homem é um animal mais político do que as abelhas ou qualquer outro gregário. A natureza, como se afirma frequentemente, não faz nada em vão, e o homem é o único animal que tem o dom da palavra. Marco Túlio Cícero 2 destaca: A natureza aproxima o homem do homem, fazendo-os dialogar e viver em comum. Inspirando-lhe especial ternura pelos filhos, fazendo-os desejar reuniões e conservar a sociedade em si: por esses motivos ela os entusiasma a procurar todo o necessário para a conservação e comodidades da vida, não somente para os mesmos, como para sua mulher, seus filhos e todos aqueles que eles amam e devem proteger. O ser humano buscar viver em agrupamentos. A convivência gera conflitos, o que demanda a criação de regras para convivência harmônica e, sobretudo, para preservação das necessidades inerentes ao indivíduo. Leo Strauss 3 afirma que em todo conflito humano há possibilidade de uma decisão justa, reclamada pela situação e fundada no exame exaustivo das circunstâncias. O direito natural é constituído por tais decisões. Surgiu, portanto, a necessidade de elaborar um conjunto de regras para preservação mínima do indivíduo e da sociedade. 1 ARISTÓTELES. A Política. In, Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1ª Ed., p CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. São Paulo: Martin Claret, 1ª Ed., p STRAUSS, Leo. Droit Naturel et Histoire. Paris: Flammarion, 1ª Ed., p