RIQUEZA E CRÉDITO NA ESTÂNCIA/SE OITOCENTISTA (1850-1890) Sheyla Farias Silva



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Transcrição:

RIQUEZA E CRÉDITO NA ESTÂNCIA/SE OITOCENTISTA (1850-1890) Sheyla Farias Silva

2 RIQUEZA E CRÉDITO NA ESTÂNCIA/SE OITOCENTISTA (1850-1890) Sheyla Farias Silva Mestranda em História Social Universidade Federal da Bahia A busca por modelos explicativos para a formação econômica do Brasil durante os anos tutelados por Portugal e o primeiro século de independência, culminou com as publicações de estudos que atribuíram à economia colonial, sustentada em três pilares: monocultura, grande propriedade e mão-de-obra escrava, o caráter de tão somente exportadora de produtos tropicais de grande valor comercial. Destarte, a economia colonial estava estruturada na agricultura de exportação e no monopólio metropolitano do comércio impedia o desenvolvimento de um mercado interno, bem como de outras formas de acumulação endógena, mostrando-se volátil às flutuações do mercado internacional, o que culminaria em uma nítida dependência da metrópole. Atribuiu-se, então, à economia de subsistência um papel secundário, por ser um apêndice da economia mercantil, na medida que possuía baixa produtividade e rentabilidade, visto que era voltada para o mercado interno e era típica das pequenas regiões, tendo participação ínfima da mão-de-obra escrava. Conclui-se, então, segundo esse modelo explicativo, que a economia agroexportadora era a base da riqueza nacional. i Neste contexto, a sociedade apresenta-se polarizada: por um lado os agentes da plantation, senhores de terras e de escravos eram privilegiados na distribuição das riquezas internas, bem como os comerciantes sediados em Portugal (exportadores e importadores de escravos - ferramentas indispensáveis para o funcionamento da unidade produtiva); No outro extremo uma grande massa de despossuídos que estavam subordinados à plantation, vivendo da produção de subsistência (Furtado, 1967, p.289). Todavia, estudos historiográficos recentes demonstram, a partir de análises documentais, a importância da economia de subsistência, do comércio de cabotagem e do tráfico atlântico de escravos para a acumulação de um capital interno, que por vezes financiou a grande lavoura agroexportadora (Faria, 1998, p.24).

3 As novas interpretações históricas ampliaram a participação do capital mercantil na constituição da riqueza nacional; comprovam a existência de um mercado interno, movimentado pelas compras efetuadas pela plantation, setores urbanos e de outros setores da sociedade. Tal dinâmica econômica possibilitou, ainda, a participação de outros agentes que não faziam parte da plantation e que tampouco a ela estavam subordinados, mas ligados à atividades de produção e comercialização de gêneros alimentícios (Costa, 1992, p.105). O cenário do Brasil Oitocentista é marcado por intensas transformações: a independência política (1822) e sua afirmação enquanto nação; a Lei de Terras (1850) que determinava o acesso à terra mediante a compra, dando um caráter mercantil a este bem, já que antes sua aquisição poderia ser feita através de doações da Coroa ou de sistema de posse; uma sociedade escravista em declínio graças as pressões internacionais para a abolição do trabalho escravo, que tem em meados deste século seu primeiro enclave a Lei Eusébio de Queiroz (1850) que proibia o tráfico internacional de escravos e culmina com a Lei Áurea (1888) que deu fim ao trabalho compulsório no Brasil, uma plantation açucareira em decadência, graças à concorrência internacional, a emergência de um novo produto agrícola- o café- e a Proclamação da República (1889). Contudo, foi justamente nesse momento de transição, que Sergipe se integrou ao comércio internacional via exportação do açúcar. Acredita-se que o cultivo da cana em Sergipe tenha sido resultado da expansão da lavoura açucareira do recôncavo baiano, sendo financiado pelas casas comerciais baianas. Foi graças a esses empréstimos concedidos que os lavradores e pecuaristas tornaram-se senhores de engenhos e de escravos, o que possibilitou a aquisição da mão-deobra, animais, utensílios e maquinarias, bem como a construção dos engenhos (Passos Subrinho, 1987, p. 23). Foi neste contexto que Estância construiu sua riqueza: uma economia que outrora estava pautada na criação de gado e cultivo de produtos para a subsistência, torna-se em meados do século XVIII, o maior núcleo urbano da região sul, como também um grande centro açucareiro e comercial, conquistando certa autonomia econômica frente a capital administrativa da Província. Nosso marco temporal é justificado por ser o oitocentos é um século apaixonante onde a vida palpita em vibrações de ritmo, um século de verdadeira criação de uma sociedade, graças ao progresso demográfico, ao aumento e depois

4 cessação do tráfico de escravos, aos progressos de todas as técnicas agrícolas, industriais, comerciais, às mutações da vida econômica (Mattoso, 1978, p.2), sendo que em 1820 temos a primeira tentativa de emancipação política da Comarca de Sergipe Del Rey, consolidada em 1822(Freire,1977, p.233) e 1890 para analisar os reflexos da abolição do trabalho compulsório, grande pilar da economia nacional. Para elaboração deste trabalho, nos deteremos a analisar, através dos os inventários post-mortem, a composição das fortunas dos negociantes residentes em Estância/SE no período de 1850-1890. Foram consultados 475 inventários post-mortem, dentre os quais foram encontrados 55 inventariados que construíram suas fortunas atreladas a atividades comerciais. Nestes inventários buscamos identificar e quantificar os bens dos inventariados - tais como: escravos; jóias (peças de ouro e de prata), bens de raiz (casas, terrenos, fazendas, chácaras e lavouras), semoventes (bovinos, eqüinos, muares, caprinos e ovinos), bens móveis (imagens, roupas, trastes de casa, louça etc.), ferramentas (arreios, martelos, moinhos, foices, enxadas, machados etc.), ações, dívidas ativas (valores a receber referente a empréstimos em dinheiro ou venda de bens), mercadorias, plantações, dinheiro, além de outros bens que compunham o monte-mór - e seus respectivos valores, o que permitiu a visualização do movimento da riqueza provincial. São ainda registrados nestes documentos valores de dívidas passivas, ou seja, valores a pagar referente a empréstimos ou compra de bens. O caráter descritivo desta documentação torna-se essencial para a construção da vida material dos homens da época. Para melhor visualizarmos as fortunas construídas neste período pelos negociantes residentes nesta Comarca, optamos em agregar os bens arrolados nas seguintes categorias: bens escravos; bens de raiz; bens móveis, que englobariam além dos trastes de casa, jóias e ferramentas; dívidas ativas; semoventes; dinheiro; plantações e estoques ou conforme menciona a linguagem da época fazendas, gêneros encontradas em suas lojas. Assim temos a composição das fortunas mercantis em Estância no período proposto:

5 Tabela 1 Estância Sergipe 1850 1890 Composição da Riqueza dos Negociantes Bens Total em contos de réis Percentagem Escravos 160:767$500 12,7% Raiz 297:228$082 23,5% Móveis 20:093$191 1,6% Semoventes 17:154$000 1,4% Dívidas ativas 604:399$180 47,8% Fazendas 77:969$083 6,2% Plantações 4:600$000 0,4% Dinheiro 81:626$899 6,4% Total 1263:837$934 100% Fonte: Inventários, Estância (1850-1890) Arquivo Geral do Judiciário do Estado de Sergipe. Quanto a abrangência dos bens entre os negociantes inventariados, temos que 85% possuíam bens de raiz, compostos em simples casas que por vez funcionavam como residência e venda, sobrados, quinhões em engenhos, casas comerciais, armazéns, que correspondem a 23,5% da riqueza dos negociantes estancianos. Enquanto os detentores de plantações correspondem a 9% dos inventariados. Outro bem que merece destaque em nossa análise é a posse de escravos, sinônimo de abastança, abrangia a 82% dos negociantes, que em geral, possuíam um pequeno plantel (1 a 5 cativos) representando 12,7% da suas fortunas. A posse de semoventes atinge a 53% dos inventariados consultados, no entanto expressam 1,4% da composição da fortuna. Entretanto, a presença de dívidas ativas corresponde a 55% dos inventariados, que por sua vez representam 47,8% do total da riqueza inventariada. Temos em Estância um forte e organizado sistema de créditos, não restrito aos moradores da cidade, sendo encontrados empréstimos efetuados em favor de moradores de diversas partes da Província e de cidades baianas.

6 No Brasil Oitocentista ainda é notável a carência de dinheiro, constituindose um bem restrito aos mais abastados. Na sociedade analisada, a presença de dinheiro e ações correspondem a 18% dos inventariados. A participação dos bens móveis, ferramentas e jóias, correspondia a 87% dos negociantes, entretanto representa 1,6% do total da fortuna acumulada, o que atesta o seu pouco valor no conjunto dos bens. Após verificarmos a diversidade da composição da riqueza dos negociantes residentes em Estância, assentada principalmente na propriedade imobiliária, na posse de escravos, nas mercadorias e no capital usurário, nos deteremos agora na sua distribuição social entre os afortunados. Cabe ressaltar que neste estudo a posse de qualquer bem caracteriza uma fortuna (Mattoso, 1992, p. 608). De acordo com os dados obtidos pela amostragem utilizada, classificamos as fortunas conforme o monte-mór em oito níveis, a fim de visualizarmos melhor e, assim, definirmos o perfil da riqueza dos negociantes estabelecidos em Estância. Tabela 2 Estância Sergipe 1850 1890 Classificação das Fortunas Mercantis (em contos de réis) 1 Muito pequenas - até 1:000$000 2 Pequenas - 1:001$000 a 3:000$000 3 Médias baixas - 3:001$000 a 5:000$000 4 Médias - 5:001$000 a 10:000$000 5 Médias altas - 10:001$000 a 20:000$000 6 Grandes baixas - 20:001$000 a 50:000$000 7 Grandes médias - 50:001$000 a 100:000$000 8 - Grandes altas - acima de 100:001$000 Fonte: Inventários, Estância (1850-1890) Arquivo Geral do Judiciário do Estado de Sergipe.

7 Com essa classificação, buscamos identificar o perfil sócio-econômico dos negociantes através dos ativos que possuíam, considerando que os comportamentos das fortunas pessoais são os reflexos das mudanças no cenário econômico da época. Os inventários que compõem a primeira categoria, ou seja, aqueles cujas fortunas somam até 1:000$000, correspondem a 5,45% dos negociantes inventariados, os quais geralmente construíram suas fortunas atreladas ao capital mercantil, contudo não tinham no comércio sua única fonte de renda. Não eram credores, nem proprietários de escravos e não possuíam dinheiro ou ações, sua riqueza eram as próprias mercadorias e quando possuíam bens de raiz, estes não ultrapassavam a um casebre velho, utilizado como moradia, depósito e loja. Já entre os negociantes que amontoaram entre 1:001$000 a 3:000$000, estão aqueles que além de possuírem mercadorias e bens de raiz, eram donos de em média 1 escravo, alguns poucos animais, ferramentas, ínfimas dívidas ativas e móveis. Os que estão enquadrados na terceira categoria, geralmente são proprietários de um pequeno número de escravos (entre 3 a 8 escravos) que correspondem a 26% da sua riqueza, alguns imóveis, poucos animais, pequenas dívidas ativas, móveis e um maior estoque e diversidade de mercadorias que os anteriores As fortunas classificadas como medianas são aquelas estabelecidas entre 5:001$000 e 10:000$000, correspondendo a 27,3% dos inventários consultados, sendo proprietários de um pequeno médio plantel (6 a 10 escravos) que concentram 36,9 % da suas fortunas neste bem, seguido pela posse de imóveis (26,6%), dívidas ativas (15,6%), mercadorias (13,9%), bens móveis (2,7%), semoventes (2,4%), dinheiro (1,7%) e plantações (0,2%), concentrando 9.8% da riqueza inventariada. Entre os negociantes que tiveram suas fortunas classificadas como médias altas, estão aqueles que durante a vida conseguiram acumular uma riqueza entre 10:001$000 a 20:000$000 e concentraram 68,5% da suas fortunas em Dívidas Ativas, possuindo um organizado sistema de crédito que não se restringia aos limites geográficos da Comarca de Estância. Já entre os inventariados enquadrados na sexta categoria, estão aqueles mais afortunados, que investiram 58% da sua fortuna em bens de raiz. Tomemos o exemplo do Antônio da Silva Martinho 2, proprietário de uma casa de taipa e telha na

8 Rua Vinte e Cinco de Março n.º 49, com três portas, corredor, sala com armação de loja, dois quartos, sala de jantar (1:500$000), um sobrado na mesma rua, n.º 51, com frente de pedra e cal, com quatro portas, sala e corredor, tanto no térreo como no pavimento superior, tendo naquele armação de loja, três quartos, um salão e neste cinco quartos, sala de jantar, cozinha, sótão com duas salas e dois pequenos quartos (8:000$000), uma malhada na rua da Cadeia com pés de coqueiros e laranjeiras (500$000), um pequeno terreno devoluto na mesma rua (16$000), dois terços do trapiche Primeiro, situado no Porto d Areia, de pedra de cal, com balança romana e pesos e guindastes de madeira (8:000$000); um armazém deteriorado no mesmo Porto, um terreno baldio (50$000) e outro terreno baldio à margem do rio Piauitinga (150$0000), totalizando 18:318$000 em bens de raiz. Foram citados, neste inventário, como trastes do lar uma mobília de jacarandá, contendo doze cadeiras baixas, duas cadeiras de braço, outra de balanço, um sofá e dois consolos com lastro de madeira (100$000) e algumas mercadorias existentes na loja (2:414$980). Assim, o Sr. Antônio da Silva Martinho acumulou durante sua vida o monte-mór de 20:830$980. As fortunas classificadas entre 50:001$000 e 100:000$000, estão aqueles negociantes que apesar de investirem 51,5% da riqueza em dívidas ativas, são detentores de um grande plantel de escravos, bens de raiz que englobam desde casas na cidade a quinhões de engenhos. Na oitava categoria, temos os negociantes que construíram suas fortunas pautadas em atividades comerciais, porém em dado momento passaram a investir em outras atividades, principalmente em dívidas ativas que concentram 65,1% das suas fortunas, 12% em mercadorias e concentram 36,5% da riqueza mercantil estanciana.

9 Faixas de Fortunas Tabela 3 Estância Sergipe 1850 1890 DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA (%) INVENTARIADA Escravos Raiz Móveis Semovente s D.Ativas Dinheiro Fazenda s Plantaçõe s Monte-Mór 1 0 34,4 22,9 0 0 0 42.6 0 2:060$950 2 37 21 7,3 7,0 16,2 0 10,8 0,7 16:834$096 3 26 45,4 2,5 1,2 14,5 0 10,4 0 33:230$634 4 36,9 26,6 2,7 2,4 15,6 1,7 13,9 0,2 124:380$887 5 1,7 16,7 1,6 0,5 68,5 3 8 0 65:281$468 6 11,4 58 2,1 3,1 20 0 5,2 0,2 177:802$615 7 16,2 16 1,6 1,7 51,5 5,6 6,3 1,1 382:452$914 8 3,6 15 0,7 0,1 65,1 12 3,5 0 461:794$370 TOTAL Fonte: Inventários, Estância (1850-1890) Arquivo Geral do Judiciário do Estado de Sergipe. 1263:837$93 4 Em suma, os dados até então pesquisados, apontam para uma diversidade na composição das fortunas mercantis, nas quais os agentes envolvidos investiram seu capital em diversos bens, principalmente em créditos, bens de raiz, escravos e mercadorias. Quanto a distribuição desta riqueza, temos que apenas 5% dos inventariados concentram 36,5% da riqueza mercantil estanciana.

10 Lista de Fontes Primárias Arquivo Geral do Judiciário do Estado de Sergipe Cartório de Estância 1º e 2º ofício Inventários post-mortem (1820 1890) Cx. 1-1 A e 12-79 A Arquivo Público do Estado de Sergipe Lista de Qualificação de Votantes de Estância (anos 1853 e 1862) Referências Bibliográficas ALCÂNTARA MACHADO, José de. Vida e morte de bandeirante. São Paulo: Martins, 1972. ALMEIDA, M. G. S. Nota prévia sobre a propriedade canavieira em Sergipe (século XIX). Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. São Paulo, 1976..Nordeste Açucareiro: Desafios num processo de vir-a-ser capitalista. Aracaju: UFS/ SEPLAN/ BANESE, 1993..Sergipe:Fundamentos de uma Economia Dependente. Petrópolis:Vozes, 1984. CANABRAVA, Alice Piffer. Uma economia de decadência: os níveis de riqueza na Capitania de São Paulo, 1765/67. Revista Brasileira de Economia, 26(4):95-123, Rio de Janeiro, FGV, out/dez, 1972. COSTA, Iraci del Nero da. Arraia Miúda: Um estudo sobre os não-proprietários de escravos no Brasil. São Paulo: MGSP, 1992. FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. FRAGOSO, João L.R. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790 1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. FRANCO, M. Sílvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. 4.ed. São Paulo: Editora da Unesp. 1997. FREIRE, Felisbelo. História Territorial de Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe. Secretaria de Estado da Cultura/ FUNDEPAN, 1995. História de Sergipe. Petrópolis: Vozes/ Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1977, p. 233. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1967. MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia século XIX: Uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.. Bahia: A cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo: Hucitec; Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978. MELLO, Zélia M. Cardoso de. Metamorfose da Riqueza: São Paulo, 1845-1895. Contribuição ao estudo da passagem da economia mercantil escravista à economia exportadora capitalista. 2. ed. São Paulo. Hutitec, 1990.

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